Meu nome é Guilherme, tinha 15 anos quando isso aconteceu e, pela primeira vez, resolvi colocar essa minha experiência pra fora.
Era verão no ano de 97, meus pais tinham acabado de se separar e eu tinha ficado com a minha mãe. Nos mudamos para uma pequena cidade dos Estados unidos, onde meu avô vivia e tudo era muito diferente do que eu conhecia até então.
Sempre fui pequeno para a minha idade, era magrinho e bastante branco, no entanto meus cabelos eram pretos e lisos, num corte que hoje em dia chamariam de estilo justin bieber. Sempre fui muito fechado em meu mundo, tinha poucos amigos na escola e era o que se chamava nerd, quando isso não era moda e nem um pouco legal.
Lembro que a parte mais difícil de sair do Brasil para um local tão distante foi justamente não saber o que me esperava. Embora não pudesse ser muito pior que o que eu estava deixando para trás.
O bullying era um velho amigo meu. Convivíamos todos os dias. Eu era pequeno e fraco em uma escola pública cheia de valentões. Minha família não era pobre o suficiente para que os caras da escola não tivessem o que me roubar na hora do lanche nem ricos o suficiente para pagar um ensino melhor.
Naquela época apanhar na escola era normal. Era interação social. E eu estava definitivamente socializando.
Mas voltando à minha chegada à casa do meu avô, era meio do ano e decidimos que eu só entraria na escola no ano seguinte, até minha mãe se estabilizar. Como eu estava avançado nos estudos minha mãe achou que um ano não seria uma perda muito grande e ela precisava de todo o dinheiro que pudesse guardar.
Lembro de olhar pela janela da casa no primeiro dia e ver ao longe o dourado dos campos de milho. Era uma zona de plantações e eu me sentia em um daqueles filmes que costumava assistir na sessão da tarde.
Nesses seis meses foi tempo suficiente para me adaptar ao idioma e tomar uma outra decisão importante, esse ano eu faria tudo diferente. Ninguém ali me conhecia e eu poderia inventar um eu totalmente diferente. Imaginei como nos filmes onde podiam transformar uma pessoa retardada na mais popular, infelizmente na realidade isso não funcionou. Eu comprei roupas mais descoladas e até trabalhei bastante na minha habilidade de conversa. Estava interagindo mais com todos, mas naquela região só havia gente mais velha ou responsável, e meu teste verdadeiro seria na escola, assim que o ano começasse.
Assim que cheguei na escola, o que mais me assombrou foi a divisão das castas, rs. As pessoas andavam em grupos que nunca, absolutamente nunca, podiam interagir entre si ou sonhar em se misturar e designar o grupo que vc pertenceria no começo da escola poderia definir todo o seu ano.
Eu obviamente não tinha grana para entrar em nenhum dos grupos mais populares, onde as crianças já iam e voltavam pra casa de carro. Eu nem sabia andar de bicicleta. Nos Estados Unidos as crianças pareciam muito mais adultas nas atitudes que nas escolas que eu tinha deixado pra trás.
Na primeira semana eu evitei escolher um grupo que pudesse me definir como o perdedor que eu era, eu precisava tomar uma postura diferente se quisesse sobreviver à adolescência. E logo na primeira semana eu os conheci. Eu estava parado colocando meus livros no armário do corredor quando o grupo de rapazes entrou caminhando. Todos usavam jaquetas combinando de time e depois eu fiquei sabendo que eles eram conhecidos como os garotos de ouro. Eram sete no total e andavam sempre em bando. Mas o Ben era o líder de todos. Alto e loiro, seus olhos tinham um tom de azul que raramente eu tinha visto na vida e seu sorriso torto parecia apagar todos os garotos à sua volta. Ele sabia o efeito que causava nas pessoas, e deixava transparecer a consciência do seu poder.
Ele caminhou em câmera lenta, ou normalmente, embora eu possa jurar que o tempo passou mais devagar naquele momento. Eu deixei um livro cair enquanto ele olhou diretamente para mim. Se aproximou e esbarrou com o ombro em mim, me fazendo derrubar todos meus livros no chão.
- Sai do caminho, perdedor! – Sua voz era forte e autoritária, como se ele fosse o dono da escola. Tempos depois eu descobriria que realmente era.
Era isso. Lá estava eu no chão sem entender como ele descobrira que eu era um perdedor. Será que estava estampado em alguma coisa na minha testa? Será que eu exalava algum odor de perdedor, que nem todas as roupas descoladas e cremes anti-acne que eu usei para estar com uma aparência apresentável hoje poderiam esconder?
- Tudo bem com vc? – disse uma garota que se abaixou ao meu lado, seu cabelo era cacheado e bem volumoso. Usava uma camisa xadrez e um all star. – Esses caras são uns babacas. Não liga pra isso não.
- Tudo bem. Obrigado. Eu já estou acostumado com esse tipo de gente – disse parecendo não me importar enquanto catava os livros do chão com a ajuda daquela garota.
- Tiffany – ela estendeu a mão após me ajudar a colocar os livros no armário.
Apertei a mão – Guilherme.
- Você é xicano ou alguma coisa assim? – disse ela levantando uma sobrancelha a menção do meu nome.
- Alguma coisa assim... – sorri – sou do brasil.
- Nossa. Eu não diria isso, vc parece mais americano que eu.
Entramos em uma discussão amigável sobre a apropriação do termo “americano” pelos estadunidenses e a pretensão de se apropriarem do nome de todo o continente. Mas ao fim do dia percebi que tinha feito a minha primeira amiga.
Na hora do recreio eu ficava lendo, ou acompanhava Tiffany, que passei a chamar de Tiff, para o campo assistir aos treinos de futebol.
Os grupos da escola eram tão fechados que eu tive sorte de encontrar um grupo dos que não tinham grupo. Eles não formavam seu próprio grupo porque eram totalmente contra esse sistema excludente que as escolas da época adotavam. Preferiam ser almas livres. E eu fingia que também pensava assim, porque afinal nenhum dos grupos já existentes abriu as portas pra mim.
Certa tarde quando estávamos na arquibancada, Tiff tagarelava sobre alguma coisa que aconteceria nas férias de verão e eu fingia ler enquanto espiava o treino de futebol.
- Gui? – Tiff estalou os dedos na frente dos meus olhos.
- Oi. - eu me assustei e voltei minha atenção a ela que ria de forma suspeita.
- Ele é um idiota de marca maior, vc sabe disso né?
- Quem? – perguntei movendo os olhos pelas páginas do meu livro.
- O Ben. Vc acha que eu não reparei?
- Reparou no que? – sorri para desconversar.
- Vc respira mais fundo e para de falar toda vez que a gente esbarra com o grupinho deles do corredor e sempre que a gente vem aqui vc não presta atenção a uma palavra do que eu falo e fica olhando pra aquele retardado correndo no campo. Vc é gay. Não tem nada de mais nisso. Mas não seja burro também.
Eu me assustei à menção daquela palavra. Eu nunca havia me denominado nada, e embora já tivesse uma noção de meus fortes desejos, não queria me denominar nada Isso era muito assustador. Quem era aquela garota pra me dizer essas coisas.
- Cala a boca. – Eu falei meio sem pensar – quem é vc. Eu não sou gay. E mal nos conhecemos há o q? 2 meses?
- Não precisa ficar exaltado, gui. Eu gosto de vc. Eu estou querendo ajudar. Não quero te ver mal.
- Vc gosta de se meter na vida das pessoas e inventar coisas. Por isso vc é uma excluída. – As palavras saíram descontroladamente. No fundo eu sabia que ela queria me alertar, mas eu não confiava em ninguém e não estava pronto para admitir o que eu era nem para mim mesmo.
Tiff ficou muda e olhou para o campo, onde os rapazes gritavam e riam. Ao lado estavam as líderes de torcida treinando. Fechei meu livro. Eu sabia que havia pegado pesado. Nesse tempo que eu a conheci, me identifiquei muito com ela. Ela tinha toda uma pose punk de quem não está nem aí, mas quem nós queríamos enganar. Era o colegial, e todos estavam muito aí para o que os outros pensavam de nós.
- Tiff... – comecei sem saber o que falar.
- Tudo bem... – ela me disse sem olhar pra mim.
O sinal tocou, e eu aproveitei aquela desculpa pra dizer que eu precisava sair.
- Guilherme. – ela me chamou enquanto eu saía.
- oi? – respondi sem voltar
Ela levantou, veio até mim, pegou meu livro da minha mão, abriu na última página onde eu tinha escrito “Benjamin Thompson” bem junto à margem em uma caligrafia trabalhada:
- Olha... eu acho melhor vc apagar isso. As pessoas por aqui não são tão legais com isso, nem gostam de vc o suficiente pra pensar duas vezes antes de tentar te magoar.
Ela me devolveu o livro, olhou nos meus olhos e foi embora. Eu soube que estava agindo de forma errada. Fiquei sem ar, mas admitir que eu tinha uma queda por aquele garoto. Um garoto. Era um peso com o qual eu não queria lidar. Eu me afastei por enquanto, caminhando em direção à cerca dos fundos. Pensei em ir embora mais cedo, cabular as últimas aulas.
- E aí novato... – era a voz forte do Bem.
Me virei e perdi o fôlego. Bem estava parado sem camisa. Seu corpo atlético extremamente suado e o calção branco todo sujo de lama. A camiseta amarela no ombro esquerdo, as mãos na cintura. Ele dava um de seus sorrisos tortos e apertava os olhos contra a luz do sol.
Me atrapalhei nas palavras. Agarrei forte meu livro contra o peito com as duas mãos. – o-o-oi, quer dizer. Oi.
- Vc tá com o olho vermelho, cara. – ele se aproximou de mim e seu cheiro forte quase me tirou os sentidos. Eu estremeci. – Vc andou fumando um?
- Eu? Não. Tipo. ... Não. – Eu parecia um pateta.
- Tá legal. – Ele desconversou e perguntou se eu podia dar uma ajudinha a ele numa coisa do time, lá atrás do vestiário.
Meu corpo estremeceu inteiro e eu disse que tinha aula ainda.
- Engraçado, pensei que a sala era pro outro lado. – Ele sorriu pra mim, se aproximou e passou o braço pelo meu pescoço. Eu comecei a sentir uma ereção crescente e me afastei. Ele riu.
- Vamos, é rápido, cara. Dá uma força pra gente.
Eu não tive como negar. O sorriso dele já era suficiente para me desarmar. Amarrei meu casaco na cintura, escondendo a ereção que se formaria o melhor q pude e me aproximei, caminhando em direção ao vestiário. Meu coração em disparada e cada centímetro da minha pele que era tocado por ele me levava a loucura.
Seu bíceps forte contra minha nuca e seu suor molhando meus ombros. Eu tremia e ainda mais de medo, pois não sabia se ele tinha percebido algo.
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