– Capítulo 05 –
Depois do fim vem o começo
Pezão retribuiu o sorriso, sem nunca imaginar o que veria em seguida. Conrado fechou o punho e deu um soco com toda força que podia aplicar. Imediatamente Pezão desabou com o nariz esmagado e derramando rios de sangue.
- Tá maluco Conrado! – Azeitona gritou, recebendo um soco também nas mesmas proporções.
- E então seus dois fudidos? Estão gostando da brincadeira?
Miguel estava paralisado com a brutalidade que acabara de presenciar, não que estivesse com pena de Pezão ou de Azeitona, simplesmente não esperava essa reação de Conrado.
- Eu vou acabar com você seu desgraçado! – Pezão levantou de uma vez veio com o soco armado para Conrado.
O filho de Luciano desviou com uma habilidade profissional, golpeando o estômago do outro que quase põe as vísceras pra fora.
- Vou amaciar você agora filho da puta! – Conrado estava espumando de ódio.
A pancadaria começou de verdade. Ele socava Pezão com vontade e gana, Azeitona ainda tentou uma investida mais levou um gancho de esquerda que quase o deixou desacordado. Isso foi suficiente para ele se acovardar e largar Pezão nas mãos insanas de Conrado.
Uma série de socos, chutes e pontapés choveram sobre Pezão. Conrado estava fora de si. Pezão só conseguia xingar, não conseguia desferir nem um golpe relevante no outro.
- Chega Conrado! Você vai matá-lo – Miguel segurou em suas costas. Conrado se acalmou mais um pouco com a intervenção do filho pastor.
- Eu devia te arrastar até o “Inferno”, e te jogar lá seu monte de merda – ele cuspiu sobre Pezão, que só gemia quebrado no chão.
- Vamos embora, por favor – pediu Miguel.
- Tamo quase indo – disse Conrado, voltando para o carro.
- Eu... Vou... Acabar... Com... Você... Seu viadinho... De merda – balbuciou Pezão, olhando pra Miguel, que o fitava.
- Agora vem a cereja a bolo – Conrado voltava com uma máquina de cortar cabelo na mão.
- O que tu vai fazer caralho?! – Pezão demonstrava medo.
- Ouvi dizer que tu curte muito cortar cabelo – sorriu Conrado se abaixando perto do infeliz – Veja por um lado bom, não vai mais precisar comprar pomada para esse moicano.
- Eu vou te matar desgraçado. Vou acabar com...
Conrado calou-lhe com um tapa firme no rosto. Ligou a máquina e raspou o moicano de Pezão, que só faltava chorar de tanta raiva por está vendo sua marca capilar sendo arrancada dele. Conrado ainda o pegou um latão de lixo e despejou sobre ele.
- Olha bem pra o Miguel seu porra! Se você ainda tentar alguma coisa contra ele, vai ser bem pior! – Conrado escarou sobre ele.
- Conrado, vamos embora – suplicava Miguel assustado.
- Vamos! – Conrado puxou Miguel pela mão como um pai cuidando de um filho pequeno.
Arrancou dali rumo ao hospital.
- Por que você fez aquilo? – indagou Miguel, olhando para as mãos sujas de sangue do outro.
- Depois de tudo que eles fizeram contra você, ainda me pergunta o motivo?
- Eu sei que eles mereciam uma punição, talvez não tão violenta. Mas nós não somos nada um do outro, ao contrário deles, que são seus amigos.
- Eles nunca foram meus amigos Miguel – disse Conrado sentindo-se mal por ter ouvido a frase “não somos nada um do outro”. – Eu queria atacar meu pai, por isso me juntei com eles, mas só existia interesse: eu bancava os bagulhos, bebida, festa, racha e ainda os livrava da cana, e eles faziam o que eu queria. Era um negócio.
- Com certeza agora o Pezão vai querer me escalpelar, ou coisa pior – suspirou Miguel.
- Ele aprendeu a lição – sorriu Conrado .– E se for burro de tentar fazer alguma coisa com você, vou ter que ser mais convincente.
Os dois riram juntos na maior descontração. Apesar do momento bem tenso dantes, um sentia-se em paz na presença do outro.
No estacionamento do hospital Miguel sugeriu que ele fosse direto ao banheiro antes que seu pai visse aquele sangue em seu corpo. Miguel seguiu pra oncologia infantil ainda sentindo resquícios da adrenalina vivida, respirou fundo do lado de fora do recinto, e por fim entrou. Júlia estava conversando com as crianças, ele estranhou a presença da amiga àquela hora da manhã.
- Oi Miguel – ela disse um pouco triste.
- Oi – ele respondeu hesitante. – Demoramos porque o Conrado foi conversar com um amigo dele.
- Tudo bem – ela nem deu importância para o atraso.
- Onde está a Luiza? – ele perguntou correndo os olhos pela sala.
- Ela está doentia, tio Miguel – disse a menina Liara com os olhos tristes.
- Vamos conversar lá fora – Júlia o retirou dali.
- O que aconteceu? – ele estava nervoso.
- Você sabe qual a situação dela não é? Então, Luiza passou muito mal essa madrugada e foi levada.
- Ela está vi...
- Está sim Miguel. Mas receio que o momento está bem mais perto – Júlia segurava em seus ombros. – O quadro dela piorou muito.
- Ela estava tão bem ontem – Miguel começou a chorar.
- Essa menina é uma desbravadora – Júlia o abraçou. – Ela possui uma força incrível.
- Quero vê-la – Miguel soluçava.
- Claro! – assentiu Júlia. – Vou chamar uma enfermeira para ficar com as crianças. Miguel sentia seu coração apertar forte, tapando sua respiração. Caminhava por um corredor movimentado, mais se sentia como num deserto. Seus olhos queimavam com as lágrimas excessivas que dali precipitava-se. As pessoas que andavam por ali eram apenas vultos silenciosos e rostos estranhos para seus olhos.
Antes de entrar onde Luiza estava. Ele fez uma pequena oração implorando por uma melhora, que só poderia vir através de um milagre, que ele acreditava ser possível.
- Olá meu anjo – ele entrou tentando disfarçar as lágrimas, mas era impossível.
- Oi tio Miguel – ela sorriu sem forças. Estava muito pálida.
- Como você está se sentindo? – ele perguntou levando a mão à boca.
- Bem melhor agora que você chegou – Luiza forçou um sorriso.
- Eu vou sempre está com você meu amor – os dois ficaram de mãos dadas.
- Sonhei essa noite com um anjo lindo – Luiza arfava. – Ele perguntou se eu tinha vontade de voar, eu disse que sim. Então ele me estendeu a mão, mas eu disse que já tinha um anjo com quem eu voava: você.
Miguel desabou, por mais imprudente que fosse se mostrar abalado daquela forma diante dela, ele não mais resistia.
- Não chore tio Miguel, eu estou muito feliz – Luiza tocou-lhe o rosto. – Estou ao lado do meu anjo-da-guarda, como poderia estar triste?
- Você é que é o meu anjo minha linda – Miguel enxugava o nariz.
- Você acha que no céu eu vou encontrar meu papai e minha mamãe?
- Vai sim – Miguel forçava um sorriso.
- Então eu vou embora feliz – ela retribuiu o sorriso. – Quando abraçar minha mamãe, eu vou contar para ela o quanto você é especial e como cuidou de mim. E um dia, quando você for também, e a gente se encontrar, vamos brincar muito, porque eu já não vou mais estar doente.
Miguel não conseguiu dizer mais nada.
- Tio, eu quero que você toque aquela música linda de quando eu cheguei aqui – ela apontou para um violino que estava recostado na parede – Pedi muito pra tia Júlia trazer.
- Toco sim meu amor – Miguel pegou o violino e voltou para junto da garota.
“My Way” – essa foi a música que ele tocara pela primeira vez para Luiza. (http://www.youtube.com/watch?v=JSPdAqrYN2o).
Miguel molhava a madeira do violino com suas lágrimas, mas não perdia a afinação. Conrado assistia a tudo do lado e fora, ele estava em choque ao ouvir aquela música. Inevitavelmente começou a chorar com toda intensidade.
- Pode vir também tio Conrado – chamou Luiza olhando para a porta.
Institivamente Miguel também virou o rosto, vendo a dor nítida nos olhos do outro. Conrado entrou timidamente e se juntou aos outros dois. Luiza segurou as mãos de ambos e as uniu no encontro da sua.
- Eu estou tão feliz – ela estava de olhos fechados com a voz sonolenta. – Que música mais linda pra se ouvir ao lado dos amigos. Eu tenho... Eu tenho os melhores amigos do mundo ao... Meu lado – ela desfaleceu.
- Luiza! LUIZA! – Miguel começou a balançá-la, mas a menina não reagia. – Conrado, Conrado... Ela... Ela... Ajuda. – Miguel estava desesperado.
Tudo aconteceu muito rápido. Pessoas de branco invadiram o recinto e agitação se espalhou pelo ambiente. As portas se fecharam, deixando Miguel e Conrado abraçados, entregues ao desespero do lado.
Miguel e Conrado estavam abraçados com muita intensidade; um sentindo a respiração e os batimentos cardíacos acelerados, do outro. Suas lágrimas se reuniam em um só desaguar. Os segundos eram horas, os minutos dias e as horas eram uma eternidade. Mas, ali, os dois sentindo o afago quente dos seus corpos colados, estavam como em um baluarte.
- Miguel? Conrado? – Júlia se aproximou deles na sala de espera, sem que percebessem. Ela estava tensa e com o semblante nublado.
- Como ela está? – Miguel se desgrudou de Conrado e se pôs de pé, agarrado em um fio tênue de esperança.
- Não havia mais nada a ser feito meu querido – Júlia suspirou. – Sabíamos que isso estava muito próximo de acontecer.
Miguel abraçou Júlia, refugiando seu rosto no ombro da amiga. Os três ficaram ali, ouvindo apenas o choro mútuo. O que poderia ser dito?
Luciano Jadão se encarregou de todos os preparativos do funeral. Não se sabia nada sobre algum familiar de Luiza, ela fora abandonada na porta do orfanato das Irmãs do Sagrado Coração, ainda recém-nascida.
Em casa, Miguel encontrou seu pai e Fernanda desarrumando as coisas da viajem.
- Miguel! – o pastor exclamou vendo-o entrar. – O encontro foi maravilhoso. Foi tudo muito proveitoso – o pastor falava contente, ser atenção do filho. – Aconteceu alguma coisa Miguel, além do seu novo corte de cabelo? Está estranho?
- Muitas coisas – ele respondeu choroso. – Mas a pior foi a morte da Luiza.
- A garota com câncer? – perguntou Fernanda.
- Sim – respondeu Miguel em tom seco.
- Espero que ela tenha aceitado Jesus – disse o pastor com indiferença.
- Como o senhor pode falar com toda essa frieza? Ela era maravilhosa, tenho certeza que isso foi mais do que suficiente para Jesus recebê-la no céu! – gritou Miguel pela primeira vez com seu pai.
- Como se atreve a falar nesse tom comigo? O que está acontecendo com você?! – vociferou o pastor.
- Estou cansado! – rebateu Miguel, subindo para o quarto.
- Cansado da sua fé? De Deus?
- Dos homens, e das mentiras que contam em nome de Deus – Miguel ainda disse.
O pastor ficou extasiado com tamanha ofensa. Como ele poderia ter ficado tão rebelde da noite pra o dia?
Minutos depois Miguel desceu em trajes de luto, indo em direção à porta da saída sem falar nada com seu pai.
- Aonde você pensa que vai? – perguntou o pastor.
- Eu vou para a missa fúnebre da Luiza – respondeu ele. – Ela foi cuidada por freiras.
- Você só pode estar brincando comigo – o pastor estava nervoso.
- Queria eu que fosse isso tudo uma brincadeira – Miguel falou mais para si. – Estou indo.
- Você não vai à missa nenhuma! Volte aqui Miguel! Isso é uma ordem! Miguel não deu atenção e saiu contra a vontade de seu pai.
A igreja estava quase vazia. Apenas a família Jadão, alguns funcionários do hospital que conheciam Luiza e as irmãs do orfanato. O padre iniciou a missa fúnebre cumprindo com todos os rituais católicos que pediam a ocasião. No final, Miguel pediu para falar algumas palavras. A palavra foi concedida a ele.
- Quando a vi pela primeira vez, a minha Luiza – ele começou a chorar. Eu senti por ela o que a maioria sente pela a primeira vez: pena. Pena daquela pequena criaturinha fadada a uma vida curta. Contudo, não demorou muito para eu percebi que Luiza era forte, e que não se deixava abater por dor alguma. Seu sorriso sempre foi cálido e convidativo. Aprendi grandes coisas com ela, e a mais importante foi que „„não importa o quão difícil é a escalada, não devemos mudar o rumo, por que corremos o risco de esquecer-nos de quem somos‟‟. Nossa vida é um processo de transformação e mudança. Na verdade, o que acontece, é que estamos descobrindo de que somos feitos, quem somos de verdade. E se um dia acharmos a certeza e o firmamento disso, então talvez estejamos próximos de descobrirmos a felicidade. Voltaremos para a casa novamente, depois de todo esse exílio. Luiza sabia quem ela era. Assim pôde afirmar em seu último suspiro que era feliz.
Pedi um milagre a Deus, mas ele já havia nos dado. Luiza foi o maior milagre que conheci.
Miguel foi até a orquestra da igreja e pediu o violino de um dos músicos, e começou a tocar Nearer My God To Thee. (http://www.youtube.com/watch?v=0uc01ASDJT8 ).
Conrado o encarava com muita ternura. Luciano e Júlia estavam emocionados até o âmago da alma.
O enterro ocorreu rápido. O tempo estava silencioso, como se demonstrasse profundo respeito por aquela que havia partido.
- Você poderia ir comigo até minha casa? – pediu Conrado a Miguel na saída do cemitério.
- Não sei se seria uma boa ideia – disse Miguel. – Meu pai não está satisfeito com algumas atitudes minhas e eu não quero piorar as coisas.
- Por favor, eu prometo que vai ser rápido – os olhos de Conrado eram cortantes.
- Tudo bem! – concordou por fim Miguel.
Os dois foram para a mansão, enquanto Luciano e Júlia retornaram para o hospital, para resolverem algumas questões de praxe á cerca da morte de Luiza.
Na casa dos Jadão, Conrado arrastou Miguel até seu quarto.
- Então, do que se trata? – perguntou Miguel.
- Queria ficar um pouco... A sós com você – Conrado estava sem jeito. – É que esse lance de igreja e cemitério meche muito comigo. – Ele sentou-se na cama com um olhar triste e tímido.
Houve um breve silêncio em que Miguel esquadrinhou o quarto do outro com curiosidade.
- É sua mãe? – Miguel, apontou para o quadro na parede.
- É sim – respondeu Conrado.
- Eu devia estar muito mal naquela noite, pois não notei um quadro tão lindo como esse
– Miguel se aproximou e ficou encarando com um olhar cheio de dúvidas.
- O que foi? – perguntou Conrado notando a estranheza do outro.
- Sei lá, mas acho que...
- Que o quê? – Conrado levantou e ficou ao lado dele.
- Acho que a conheço de algum lugar – disse Miguel.
- Não morávamos aqui – disse Conrado –, até que o Luciano transferiu a sede do hospital pra cá, devido ao progresso da cidade. – Mas minha mãe era pouco conhecida, por que ela quase não saía de casa.
- Deve ser só impressão minha então – Miguel desviou o olhar do quadro e firmou nos olhos de Conrado, que o encarava de maneira diferente.
Os olhos azuis teimavam em fixar-se na boca vermelha de Miguel.
- Eu comprei uma moldura – Conrado voltou a si, quebrando o momento. – Para por o desenho da Luiza. Você me ajuda?
- Será um prazer.
Enquanto Conrado abria o funda moldura dourada, Miguel colocava delicadamente a cartolina, prendendo com destreza os fixadores. Conrado fechou o quadro e pendurou perto do de sua mãe.
- Pronto! – ele disse sorrindo com o feito. Os dois ficaram encarando seus desenhos ao lado de Luiza.
- Vou sentir tanta falta dela – Miguel voltou a chorar.
- Ela era muito especial, assim como você – disse Conrado, puxando ele para um abraço. – Sabe. Eu sempre ponho uma música quando estou emocionado, seja feliz ou triste. A música sempre entende a minha alma.
Miguel ficou com surpreso com a sensibilidade de Conrado. Jamais imaginaria que ele fosse capaz de dizer algo do tipo. Duvidava que Pezão e sua turma conhecesse esse lado de Conrado.
- E que música você colocaria agora? – perguntou Miguel.
Conrado desfez o abraço que dava em Miguel, indo em direção ao seu aparelho de som. Miguel obervava tudo como muita curiosidade.
“I‟ll stand by you” do Roxette começou a tocar. (http://www.youtube.com/watch?v=whNaWO_5hOU).
Conrado abraço Miguel novamente. Os dois ficaram colados sentido o cheiro um do outro. O filho de Luciano tocava a ponta do seu nariz na orelha do filho do pastor, causando-lhe pequenos arrepios. Seus braços fortes envoltos em sua cintura, o mantinha seguro. Eles se moviam como se estivessem em uma valsa lenta.
- Ela queria muito que a gente ficasse bem – Miguel olhou para o desenho novamente, com os olhos de mel brilhando.
- É o que eu quero também – Conrado voltou o rosto do outro para si, com firmeza.
- Corado...? – Miguel estava hesitante. – Vo-vo-cê está sentindo alguma coisa?
- Muitas coisas. E não posso mais resistir a nenhuma delas.
Conrado segurou firme na nuca do outro, trazendo o rosto de Miguel lentamente ao encontro do seu. Seus olhos percorriam cada traço delicado do filho do pastor.
Suas bocas se desejavam cada vez mais. Os hálitos se misturam deliciosamente, os lábios tremiam, desejando o toque. Conrado apertava mais e mais Miguel, tornando-o completamente seu. Os olhos se fecharam e as bocas sentiram o gosto tão desejado do beijo.
O sabor e a maciez dos lábios de Miguel enlouqueciam Conrado. Suas bocas sorviam uma a outra com uma perfeição de encaixe e uma satisfação de um desejo duramente repreendido. Tudo estava parado. Os sentidos estavam conectados apenas ali, naquele beijo. Conrado trazia o corpo de Miguel para mais perto do seu, como se quisesse fundir-se a ele. Como se quisesse torná-lo prisioneiro de seus braços.
Conrado deslizava suas mãos pelas costas do outro com vigor. A pele ardia, o coração explodia, o suor umedecia suas roupas, e a razão estava temporariamente desativada.
Mas quando mão de Conrado se aproximou da bunda de Miguel, este último voltou a si acordando do estado de transe em que se encontrava.
- Não... – Miguel descolou sua boca da do outro abaixando sua cabeça. – Você não devia ter feito isso – ele se soltou dos braços de Conrado e saiu do quarto, sem olhar para trás.
- Miguel! – Conrado gritou, mas ele não deu atenção.
Conrado se atirou na cama e cobriu o rosto com as mãos, suspirando. Nem ele mesmo sabia por que tinha feito aquilo; talvez a situação vivida o tivesse deixado carente mesmo. Ele estava tão confuso quanto o outro, pois só na ausência de Miguel é que se dera conta de que acabara de beijar um homem.
O filho do pastor deixou a mansão em total consternação. Seu coração era um caos de sentimentos, dúvidas, receios, desespero. Eram tantas coisas em tão pouco tempo. Uma avalanche de acontecimentos o arrastava para um túnel escuro e sem saída, onde a decisão de ficar parado era tão perigosa quanto à de prosseguir.
Miguel ficou um tempo a vagar pelo parque municipal. Pela hora que beirava meio-dia, ele estava felizmente vazio. O rapaz se recostou sobre uma árvore frondosa ás margens do lago, e começou a desabar tudo que ainda faltava por pra fora. As imagens de Luiza desfalecendo se misturavam com as de Conrado lhe beijando, tendo como fundo as palavras de Júlia sobre as interpretações da Bíblia. Tudo transcorria pela sua mente em uma sequência de flashes torturantes e sufocadores. Sua respiração estava obstruída por um nó de angustia que se formava em sua garganta. A cabeça de Miguel explodia em uma enxaqueca lancinante. Qualquer movimento mínimo provocava pontadas agudas, que percorriam desde a nuca até seus olhos, que pesavam e ardiam sobre a face.
Miguel ficou assim durante uma interminável hora, suplicando a intervenção divina; ao mesmo tempo em que oscilava sua opinião sobre certo e errado.
Quando se acalmou mais, ele resolveu voltar para casa. Era o melhor a fazer, antes que o pastor pusesse uma equipe de busca a sua procura. Todavia, Miguel havia tomado uma decisão.
A casa estava silenciosa e aparentemente vazia. Miguel subiu para o seu quarto em uma frieza robótica.
- Miguel! – a voz do pastor Oliveira estrondou de dentro de seu gabinete.
O filho parou no meio da pequena escada, e retrocedeu o caminho, mantendo sua expressão vazia.
- Senhor? – Miguel se apresentou na sala.
O pastor Oliveira o encarava por cima dos óculos. Ele estava sentando à mesa, envolvido em uma papelada.
- Onde esteve até essa hora? Você tem ideia do que fez? Do que está fazendo? – o pastor aumentava rapidamente a modulação da voz.
- Sim! – respondeu Miguel secamente. – Eu cometi muitos erros graves. Deixei-me ser engodado por sentimentos pecaminosos, mas estou arrependido, e mesmo sendo merecedor de grande culpa, quero buscar a redenção e a retidão nos pés do Senhor Jesus Cristo. – Miguel falava como um péssimo ator que decora as falas e as reproduz sem sentimento e interpretação. Suas afirmações eram apenas uma tentativa frustrada de mentir para si.
- Deus Seja Louvado! – suspirou o pastor Oliveira. – Eu tinha muita fé que você ia recuperar sua sanidade espiritual. Deus Seja Louvado! – o pastor ergueu as mãos para o céu.
- Com sua licença, eu vou me retirar – Miguel foi para o seu quarto, deixando o pastor extremamente contente.
A noite foi uma tortura. Miguel e Conrado, cada um em sua prisão, tinha os olhos fixados no teto. A expressão nula e silenciosa era um contraste da tempestade que sentia por dentro. Nenhum dos dois tinha coragem suficiente para assumir a razão daquele beijo. As desculpas que arranjavam para si caíam uma por uma, deixando sempre a verdade dos fatos nua e escancarada. Era um beco sem saída, ou melhor, com uma única saída, que eles recusavam atravessar.
No dia seguinte Conrado se levantou um caco, apreensivo em encontrar Miguel. No banho ele escorava a testa na parede do banheiro, enquanto a água quente massageava seus músculos tensos. Sua vontade era mergulhar no esquecimento.
Miguel se arrumava encarando seu reflexo deprimente no espelho. Ele também estava horrível depois de uma noite em claro. Ajustava sua gravata, guardando-a sob o cardigã vinho.
Na sala o pastor conversava com um grupo grande de irmãos da igreja, todos muito bem vestidos e munidos de pastas recheadas de material bíblico.
- Estou pronto, podemos ir – disse Miguel descendo as escadas.
- Que bom que vamos pregar juntos! – Paula rasgava a boca em um sorriso. Ele nada disse, apenas forçou um sorriso tímido.
Os irmãos seguiram pelas ruas sonolentas, conversando com as pessoas sobre a Bíblia.
No hospital, Conrado entrou na oncologia infantil e se surpreendeu em não encontrar Miguel lá, ele sempre chegava mais cedo.
- Onde está o Miguel?! – ele invadiu o consultório do seu pai em meio a uma consulta.
- Conrado eu estou com uma paciente – repreendeu seu pai desconcertado.
- Que se dane! Responda minha pergunta! – ele estava nervoso.
Sem alternativa, Luciano se desculpou com a paciente e puxou seu filho para fora do consultório.
- Você ficou maluco? Não pode entrar na minha sala desse jeito, ainda mais em meio a uma consulta! – seu pai estava profundamente irritado.
Conrado fez uma cara de impaciência e de descaso com a falação dele.
- Cadê o Miguel? – ele voltou a perguntar. – Vai me responder?
- Eu já ia falar sobre isso com você – disse Luciano. – Miguel me telefonou hoje bem cedo dizendo que se ausentaria por essa semana do trabalho voluntário. Imagino que a morte da Luiza deva ter abalado muito ele. Ou será que há outro motivo? Você não tem nada haver com isso não é Conrado?
- Claro que tenho! A culpa é minha! – ele disse ironicamente nervoso. – Vou até te confessar que fui eu o mandante do ataque às torres gêmeas.
Conrado saiu deixando seu pai falando sozinho. Quando passou pelo corredor da oncologia, decidido a sair dali o quanto antes, a garota Liara o chamou.
- Tio Conrado! – ela estava do lado de fora do recinto segurando um urso enorme. Conrado parou com o chamado da voz doce e suave.
- Que bom que o senhor veio ficar com a gente, pois estamos muito tristes sem a Luiza e o Tio Miguel, e estar com as enfermeiras não é a mesma coisa.
Conrado ficou paralisado encarando-a. Ele não sabia o que fazer.
- Vamos! – ela foi ao seu encontro e o puxou pelo braço.
Sem escolha, ele deixou ser conduzido por Liara até o lugar onde ele deveria estar. As crianças estavam tristes. A ausência de Luiza e de Miguel debilitavam-nas mais do que já estavam.
Conrado ficou em silêncio observando tudo e todos. Como era triste e sem vida aquele lugar. Tantas caras pálidas e sedentas por um raio de sol, um raio de Miguel. Ele não estava melhor que elas.
- Eles estão achando que o tio Miguel foi embora com a Luiza – disse Liara. – Mas eles estão errados não é tio Conrado? – Liara mordia o lábio fazendo biquinho para chorar. – Ele vai voltar não é?
- Eu espero que sim linda – Conrado se abaixou e lhe deu um braço muito apertado, do qual ele também estava necessitando muito.
- Canta uma música pra gente tio Conrado, o tio Miguel sempre fazia isso quanto estávamos para baixo. – pediu João, o garoto dos olhos sonolentos.
- Não sei se tenho clima para isso – Conrado abaixou a cabeça.
Liara segurou seu rosto com suas pequeninas mãos e o levantou novamente vendo os olhos do outro, marejados.
- O tio Miguel sempre dizia que cantar alivia a tensão. – disse Liara indo buscar um violão.
- Tudo bem – Conrado foi vencido, lembrando que esse também era o seu lema.
Ele sentou-se em posição de flor de lótus, e ao primeiro sinal de melodia, as crianças despertaram e sentaram-se em volta dele. Conrado podia até sentir o calor emanando dos corpos delas.
Conrado escolheu a música “Closer” do Travis. (http://www.youtube.com/watch?v=2Ag952XVcOg).
A música era um desabafo para ele, que deixava cair algumas lágrimas em meio às notas. A letra revelava com toda propriedade o fundo do seu coração. Como ele queria que Miguel estivesse ali.
Miguel trabalhava na pregação sem qualquer sinal de emoção. Falava com as pessoas numa mecanicidade triste e desmotivadora. Seu coração estava longe dali.
Quando a manhã estava quase no fim, o filho do pastor visitava as últimas casas do perímetro selecionado para aquele dia. Ele estava acompanhado de Paula que falava sem parar, mas suas respostas eram sempre monossilábicas e frias.
- Nós estamos pensando em organizar a comissão do congresso juvenil mais cedo este ano, o que você acha Miguelzinho? – Paula arreganhava os dentes.
- Pode ser – ele respondeu impaciente.
- Eu também estava pensando que nós dois podíamos... – Paula foi interrompida por um carro que parrou abruptamente perto dos dois.
Conrado mais que depressa saltou do veículo.
- Preciso falar com você – o filho de Luciano encarava Miguel com firmeza.
- Já expliquei para o doutor Luciano que irei me ausentar durante essa semana – disse Miguel sem olhá-lo no rosto.
- Sabe muito bem que não é isso que temos para conversar! – gritou Conrado, chamando a atenção de Paula que ficou assustada.
- Ei, porque está gritando com ele dessa forma? – Paula interveio.
- Não se mete garota – Conrado não estava para conversa fiada.
- Vai indo na frente Paula. Já te encontro – pediu Miguel.
- Tem certeza Miguelzinho? – ela fez uma voz manhosa que deixou Conrado visivelmente irritado.
- Absoluta – respondeu Miguel.
A moça lhe deu um beijo e saiu olhando para trás.
- É sua namorada? – Conrado perguntou com raiva, quando Paula se distanciou. Miguel ficou em silêncio. Talvez fosse até bom dizer que sim.
- As crianças sentiram muito sua falta – Conrado tentava reconhecer o seu Miguel naquele religioso de traços duros e olhos opacos que se apresentava diante dele.
- O que você quer Conrado? – Miguel finamente olhou no fundo dos olhos do outro, como sempre fazia.
- Como assim o que eu quero? Depois do que aconteceu...
- Conrado, se o assunto é esse não há nada a ser tratado – Miguel olhou para ele denunciando pelos olhos que não era nada aquilo que queria dizer. – Acho melhor a gente esquecer.
- Esquecer? Não pense que é mais fácil para mim do que para você – Conrado se agitava muito. – Minha cabeça está explodindo com tudo isso, e...
- Não há nada que mereça ser lembrado ou pensado. Esqueça! – Miguel o interrompeu.
– Não podemos.
Miguel o deixou sozinho.
- E se eu não conseguir esquecer? – Conrado sussurrou para si, acompanhando com os olhos Miguel se distanciar dele.
Paula esperava o seu companheiro, cheia de curiosidade.
- Aquele era o Conrado Lima Jadão? – perguntou ela.
- Não! – respondeu Miguel, passando por ela e a deixando para trás. Parecia que aquilo que mal tinha começado chegara ao fim.
Conrado chegou a sua casa cuspindo fogo pelas narinas. Será que Miguel não sabia que aquela situação também era muito difícil para ele? Como ele pôde simplesmente dar-lhe as costas e mandar esquecer o beijo? Ele até queria encontrar um botão do esquecimento para apertar, mas não sabia onde tinha sido colocado. O que fazer?
A tarde foi para o seu trabalho no consultório do seu pai. Queria afundar-se em quefazeres, mas só durante alguns segundos sua mente escapava da lembrança insistente do beijo. Parecia que o gosto da boca de Miguel estava impregnado na sua.
- Algum problema? – perguntou seu pai, repassando uns papéis para ele, enquanto este fazia anotações em uma prancheta.
- Sempre há – ele respondeu sem dar espaço para complementos.
- Conrado, eu sei que nossa relação de pai filho tem sido muito conturbada nos últimos anos – Luciano falava com calma.
- Ela não tem sido conturbada, porque ela simplesmente não existe – Conrado não dava brecha.
- Diga o que quiser, mas saiba que pode contar comigo para qualquer coisa – Luciano tocou-lhe o ombro. – Sei que você não está bem, e isso tem haver com algo muito profundo. Eu não sei por que razão, mas penso que de alguma forma Miguel está envolvido nisso.
Conrado encarou seu pai profundamente, como há muito tempo não fazia.
- Quando se sente alguma coisa, que naturalmente não é normal, o que se deve fazer? – ele perguntou ruborizado.
- Um sentimento como, por exemplo, o amor? – Luciano indagou.
- É... Talvez – respondeu Conrado.
- Deve ser vivido, eu acho – disse Luciano.
- Mas se ele for contra a ordem natural das coisas – insistiu Conrado. Luciano deu um leve sorriso.
- Filho, se for amor, nunca será contra a ordem natural das coisas, seja lá o que você quer dizer com isso – finalizou Luciano.
Conrado sentiu um resquício de conforto. Era um pequeno feixe de luz no túnel escuro. Mas, já era algo, e, vindo de seu pai, era algo realmente valioso.
No dia seguinte Conrado foi para a oncologia infantil com mais ânimo. Havia levado uma capa, cartola, baralho e uma varinha de mágico. Resolveu inovar com as crianças, trazer um pouco mais de animação.
- Alguém gosta de mágica? – ele perguntou balançando a varinha com destreza.
- SIM!!! – respondeu o coro pueril.
- Não sou Harry Potter, mas acho que dou para o gasto – ele riu.
As crianças adoraram um truque de ilusionismo que Conrado fez, onde se passava a impressão que ele arrancava o dedo polegar. Liara ainda trouxe até uma fita adesiva e se
prontificou a emendar o dedo. Ela disse que ia treinar para quando fosse médica. Queria ingressar na profissão para poder curar as crianças do mundo inteiro.
Sem Miguel, Conrado até que estava se saindo bem. Cantava com as crianças, agora tendo o cuidado de escolher músicas infantis, para engancharem em brincadeiras. Ele lia histórias de aventuras que enchiam os olhos de seus agora bebês. As crianças se empolgaram e se divertiram bastante quando ele trouxe as peripécias dos personagens memoráveis de Mark Twain: Tom Sawyer e Huckleberry Finn. Em suas jornadas cheias de perigo, emoção, liberdade infantil e muita aventura. Conrado levava uma máquina fotográfica e registrava todos os seus momentos de descontração com os pequenos. Montaram um mural cheio de fotos lindas.
Luciano sempre dava uma escapadinha para observar seu filho brincando com aquelas crianças. Seu coração se estufava de orgulho e esperança. De fato, o convívio com Miguel tivera um efeito positivo e visível.
Durante toda a semana Miguel se dedicava a igreja, a pregação e a aturar Paula buzinando em seu ouvido. Os discursos do pastor não tinham nem um efeito sobre ele. As conversas dos irmãos eram tão mecânicas como seus cumprimento e aperto de mãos, que não emanavam o mesmo calor que as crianças da oncologia e Conrado.
Nem uma só noite, desde que deixara de ver Conrado, Miguel teve paz. Sua consciência era uma confusão. Ora ele se culpava pelo sentimento que tinha por Conrado, ora sentia vontade de sair correndo da igreja e ir dizer a ele tudo o que estava guardado no seu coração.
No final de semana, Christiane veio visitar, muito chateada por ele não ter mais dado nem uma notícia.
- Olá Fernanda – ela disse assim que a esposa do pastor abriu-lhe a porta.
- Quanto tempo Christiane – Fernanda a cumprimentou com beijinhos.
- Tenho estado muito atarefada – e não tenho a menor disposição de olhar para cara chata do teu marido, ela pensou.
- Oi titio – Christiane foi em direção ao pastor que lia um livro.
- O Miguel não está – o pastor foi seco.
Ele odiava a aproximação de sua sobrinha com seu filho, por considerá-la uma “pervertida incurável”.
- A menos que ele tenha pulado pela janela do quarto, ele está sim, vi quando entrou aqui com uma sacola.
O pastor a encarou como se dissesse que sua presença não era bem vinda, mas Christiane no clímax de sua cara-de-pau fingiu não entender e subiu direto para o quarto de Miguel.
- Garota mais petulante – sussurrou o pastor.
- Ela é sua sobrinha Antônio – interveio Fernanda.
- É uma depravada que quero bem longe do meu filho.
Chegando ao quarto de Miguel, Christiane adentrou sem nem uma cerimônia.
- Christiane! – Miguel se assustou.
- Poxa Miguel, eu fiquei muito preocupada com você depois do que aquele delinquente te fez, e mais ainda quando soube da morte da Luiza, e você nem para me dar uma notícia, ou um sinal de fumaça, pelo menos.
- Desculpa prima, mas eu não estou bem – Miguel trancou a porta. – Não contei para o meu pai sobre o lance do Pezão.
- Mas esse marginal tem que pagar Miguel.
- O doutor Luciano disse que vai cuidar disso – explicou Miguel.
- E como está você e o Conrado? – ela se jogou na cama.
- Não há nada entre mim e o Conrado.
- Ah, por favor, né Miguel? Chega dessa palhaçada! Até quando você vai negar que você gosta dele? Vai jogar fora a oportunidade de viver uma história de amor?
- Fala baixo – ele sussurrou. – Christiane você sabe muito bem...
- Que você é burro ou algo parecido? – ela interrompeu – Não. Eu não sei. Miguel passou a mão na boca sofregamente e desabafou:
- Nos beijamos.
- O quê? – Christiane pulou da cama. – E você ainda diz que não há nada entre vocês? Miguel! Se o cara te beijou e você correspondeu, por que fazer tanto drama com uma coisa tão simples? Meu lindo cai com vontade naquela gostosura de homem.
- Christiane! – Miguel arregalou os olhos. – As coisas não são fáceis assim.
- É o tal do inferno né? – ela revirou os olhos.
- Hã? Que inferno?
- O inferno de fogo para onde as almas condenadas pelos pastores e padres vão penarem por toda a eternidade – ela explicou impaciente. – Bem. A Júlia me falou da conversa que teve com você sobre as traduções bíblicas, então eu te trouxe um artigo de um amigo meu professor, muito interessante.
Miguel recebeu umas folhas encadernadas com o seguinte título: O Inferno sem Fogo.
- Para que isso Christiane? Qual o seu interesse em me ver...? – ele não conseguiu terminar a frase.
- Em te ver amando? Não é óbvio? Eu gosto de você Miguel e quero vê-lo bem – Christiane acariciava seu rosto.
- Eu prometo ler o artigo – Miguel levantou-se. – Mas no momento Chris, eu preciso entender tudo que está se passando na minha cabeça, por isso o melhor é ficar longe dele.
- Entender não. Aceitar. Pois eu tenho certeza que já está bem claro para você os seus sentimentos. Chega de mentiras! – Christiane também se levantou. – Eu já vou indo – ela o beijou. – Fica bem tá?
- Obrigado pela visita – eles se abraçaram.
- Não se esquece de ler o artigo – ela disse antes de sair do quarto.
- Pode deixar – Miguel garantiu.
Sozinho, Miguel começou a folhear o artigo. Falava da influência mitológica sobre a percepção do inferno e das almas condenáveis. A parte que mais chamou sua atenção foi à análise sobre as palavras do original bíblico: Geena, Hades e Seol. Em suma o artigo, bem fundamento, revelava que na verdade inferno significa apenas sepultura comum da humanidade, ou seja, o túmulo. Se a eternidade é uma promessa para os salvos, então os condenados não podem viver para sempre, mesmo que seja no inferno.
Miguel atirou o artigo de lado e cobriu a testa com as mãos, suspirando fundo.
- O que aquela moça queria? – o pastor Oliveira adentrou abruptamente no quarto do filho.
- Ela só veio me ver – respondeu Miguel indisposto.
- Não gosto de vê-la com você!
- Ela é minha prima e sua sobrinha.
- Judas era um amado de Cristo...
- Tá bom pai, eu já entendi que você não gosta da Chris, o que não significa que eu compartilho da sua posição. – Miguel já não aguentava mais tanta pressão.
- Não gosto desse seu jeito Miguel – falou o pastor.
- Sabe pai, mudanças são coisas intrínsecas à vida.
- Do que está falando?
- Já parou pensar que tudo que o senhor passou a vida acreditando, que tudo que lhe disseram pode não ser em sua totalidade verdade?
- Eu tenho certeza que tudo que eu acredito é verdade! – o pastor disse convicto.
- Acontece que não estou me referindo a você, e sim a mim – Miguel pegou um casaco e saiu do quarto.
- Aonde você vai?
- Para um lugar onde eu possa pensar – ele saiu sob os protestos de seu pai.
- Meu Deus, eu achei que ele havia tomado o rumo da retidão novamente – o pastor falava sozinho.
Antes de o pastor deixar o quarto do filho, seus olhos se fixaram nos papéis que Christiane trouxera para Miguel. O pastor os pegou e começou a correr os olhos pelo artigo, logo comprimiu os lábios, amassou com indignação e arremessou longe.
- Maldita seja essa Christiane!
Na semana seguinte, Conrado foi para o hospital animado e decidido. Agora Miguel teria que ouvi-lo, ele pensou, já haviam tido tempo suficiente para se prepararem para um confronto. E acima de tudo, ele, Conrado, já havia pensando o suficiente e pesado todos os prós e contras. Uma decisão tinha que ser tomada logo.
No corredor da oncologia infantil, Luciano conversava com Júlia em um tom bem triste, quando Conrado chegou.
- Aconteceu alguma coisa? – perguntou Conrado vendo o semblante consternado de seu pai.
- Eu é que deveria fazer essa pergunta – Luciano franziu a testa. Conrado fez uma cara de quem não estava entendendo nada.
- Miguel nos ligou hoje, e pediu que o colocássemos em outro trabalho aqui no hospital
– disse Júlia.
- O que está acontecendo Conrado? Esse pedido de Miguel não faz sentido.
- Por que não pergunta a ele? – disse Conrado irritado, indo para junto das crianças.
O dia se passou lentamente. E por mais que Conrado e Miguel se esforçassem para ocupar suas mentes em outras coisas, não conseguiam se esquivar um da imagem do outro. A situação era insuportável e insustentável.
À noite, ao final do culto, Miguel saiu da igreja, pois não estava disposto a passar pela sabatina dos irmãos curiosos.
- Você parece estar bem tenso – surpreendeu-o Paula, surgindo subitamente.
- Paula, eu vim para cá porque quero ficar sozinho – Miguel estava irritado com a inconveniência da moça.
- Poxa Miguel, antes de eu viajar para casa da minha avó há um mês, você não me tratava assim.
- Talvez porque você não fosse tão invasiva – ele disse se afastando dela, e indo sentar no meio-fio.
Paula ainda não se dera por vencida.
Na mansão de Luciano, Conrado estava deitado em sua cama encarando o quadro de sua mãe, como se pedisse um auxílio. Mas, para sua irritação, logo foi despertado de sua concentração, com alguém batendo na porta do seu quarto. Ele correu desesperadamente para abrir na esperança de ser...
- Ah, é você – Conrado olhou seu pai com indiferença e uma pontada de decepção.
- Estava esperando outra pessoa? – Luciano trazia alguma coisa debaixo do braço. – Bem, não importa. Queria te dar isso – ele entregou um livro de capa dura para filho.
- Que é isso? – Conrado perguntou fingindo não está curioso.
- Miguel todos os anos, prepara um anuário contando os avanços das crianças e outras coisas sobre suas vidas lá no hospital. É uma espécie de “diário de bordo”. Já que está se dando tão bem com as crianças, achei que podia gostar de conhecer um pouco mais sobre elas.
- Pode ser – disse Conrado com desânimo.
- Então, boa noite – Luciano estava com muita vontade de abraçá-lo, mas se conteve, tendo a porta logo fechada em sua cara pelo filho.
Conrado começou a explorar o livro, rindo com as fotos registradas. Eram situações inusitadas de pura descontração. Ele notou que todas as fotos estavam assinadas por Miguel. Ele fotografa muito bem, pensou ele.
No livro havia uma ficha técnica de todas as crianças, além de poesias e textos da autoria de Miguel, tudo feito com muito capricho e doçura. Aquele sim era o rapaz que o encantou. Aquele era o Miguel ensolarado que amainava as dores com um sorriso e seu otimismo de Pollyanna. Aquele era o dono da boca que o fizera enlouquecer. Não! Ele não podia aceitar a imposição de Miguel.
Conrado fechou o livro e mudou de roupa rapidamente. Pegou a chave e a carteira sobre sua mesinha e saiu decidido a resolver essa situação de uma vez. No caminho, ele ensaiava falas, mas nenhuma lhe parecia boa. Tinha que ser no improviso mesmo, pensou Conrado.
Miguel ainda estava na presença de Paula quando o carro de Conrado estacionou abruptamente próximo dos dois. Parecia até que isso era praxe. Reconhecendo o veículo, o filho do pastor tentou fugir.
- Nem pense em sair daqui Miguel! – Conrado desceu rápido do carro, falando em tom muito autoritário.
- Conrado nós já conversamos, por favor...
- Por favor, é o caralho! – Conrado ficou cara a cara com o outro, sentido sua respiração acelerada.
- Ei! Quem você pensa que é para falar assim com o meu Miguelzinho? – Paula tentou se interpor.
- Cala boca garota, antes que ferre para o teu lado! – Conrado vociferou assustando Paula, que recuou.
- Conrado eu vou entrar... – disse Miguel tentando sair, mas o outro foi mais rápido e o deteve pelo braço.
- Tudo bem! – Conrado pressionou sua língua na parte interna da bochecha. – Se prefere que a nossa conversa seja na frente dos teus irmãos, pra mim beleza. Pode entrar, mas eu vou junto.
- Não faz isso – pediu Miguel.
- Que se dane!
- OK! – Miguel se deu por vencido.
Os dois entraram no carro e saíram, sob o olhar assustado de Paula.
Conrado dirigiu até uma rua deserta e estacionou o carro e desligou o motor.
- Pode falar – Miguel estava muito nervoso.
- Tem ideia do inferno que foram esses dias pra mim? – Conrado começou a chorar batendo o punho do volante. – Não foi só você que ficou com a cabeça virada depois daquele beijo. Cara eu gosto de mulher, eu sempre gostei. Eu não sei se tô virando viado, bicha, florzinha sei lá! Só tenho uma certeza: eu gosto de você. – Conrado falava como se aquilo lhe custasse metade da vida. – É muito difícil reconhecer isso, mas se eu ficar calado eu vou pirar.
Miguel só o olhava assustado.
- Eu até estaria disposto a embarcar nesse lance com você, pra gente ver no que ia dar, mas você já fez sua escolha, e por mais que eu vá ficar doido por não ser essa escolha, vou te deixar em paz, se você me disse que o beijo não significou nada e que você não sente o mesmo que eu estou sentido.
- Você está...
- Chega Miguel! – Conrado gritou – Eu não quero desculpas nem conselhos. Responde sim ou não. Você sente o mesmo que eu sinto?
- Sim – Miguel respondeu depois de um breve silêncio. – Mas eu não...
Conrado colou sua boca na Miguel com urgência, sugando seus lábios com fome e muito desejo. Não era calmo como primeiro beijo, era mais ardente e bruto, como se ele quisesse absorver até a última gota do sabor de Miguel. O carro estava em chamas. E o beijo se estendeu por muito tempo, até que Conrado foi terminando em selinhos, que seguiram da boca para a bochecha de Miguel, descendo pelo queixo, onde ele deu uma mordidinha fazendo o outro estremecer. Ele finalizou abraçando Miguel com força, como em um adeus definitivo.
- Pode voltar para o hospital, para junto das crianças – sussurrou Conrado, cheirando o pescoço de Miguel – Eu vou respeitar seu tempo, só não desaparece mais.
-Tá – disse Miguel com o rosto molhado de lagrimas. – Me leva pra casa Conrado assentiu. Em silêncio os dois partiram.
Quando Miguel chegou a sua casa seu pai ainda não estava. Ele subiu para o quarto calmamente, sentia um alívio estranho, como se o beijo de Conrado tivesse refutado todas as suas dúvidas. Sua cabeça estava leve, sem mais acusações, pelo menos não tão ferrenhas. De repente ele passou a enxergar melhor tudo que estava acontecendo consigo. O sentimento parecia amadurecer e ganhar solidez. Ele se atreveu até ficar com um sorriso bobo no rosto, acariciando os lábios na tentativa de memorizar os contornos da boca de Conrado, seu gosto. Mas nem uma dessas sensações se comparava ao que o filho de Luciano havia dito:
“Só tenho uma certeza: eu gosto de você”.
Miguel, deitado na cama, começou a acariciar seu cabelo, fechando os olhos e comprimindo os lábios. As imagens de Conrado o beijando com voracidade, arrepiavam todos os seus pelos, fazendo os poros entrarem em erupção. Miguel deslizou sua mão pelo peito apertando com desejo, imaginado Conrado sugando seus mamilos. Sua mão continuou explorando o próprio corpo, chegando ao abdômen, onde ele estremecia. O filho do pastor não acreditava no que estava fazendo, mas também não conseguia parar. Ele começou a invadir o próprio cós da calça, sentindo o contraste da mão fria tocando seu membro, já duro como rocha, quente e pulsante. Ele suava, arfava, mordia os lábios se contorcendo na cama. O corpo agia quase que por conta própria, guiado por extintos da memória genética, a mente só servia para produzir as imagens, mas não usava a razão, pois esta estava totalmente bloqueada pelo prazer e êxtase.
Logo os toques já não eram mais suficiente, então Miguel começou a movimentar seu pênis, meio sem jeito, ensaiando uma masturbação deliciosa. As sensações eram
crepitantes, ele nunca imaginara que o corpo humano era capaz de produzir todo aquele prazer extremo. Seus gemidos aumentaram junto com a intensidade de seus movimentos, e num arfar máximo, ele gozou litros na sua calça. Os filetes de esperma escorriam pelas suas pernas lhe causando mais prazer e satisfação.
- Oh meu Deus! O que eu fiz? – ele respirava vacilante. – Oh meu Deus! Que coisa maravilhosa!
Miguel ria como um bobo, bem baixinho. Seu corpo ainda ardia em pleno fogo do desejo. Ele levantou rapidamente, sentido a calça encharcada pelo liquido pegajoso, por um momento sentiu nojo da sensação deslizante entre suas pernas. No banho, enquanto se limpava, seu toque o excitava novamente, fazendo-o ficar de mastro em pé, mas como não sabia o limite diário daquilo, resolveu não arriscar, apressando-se no banheiro.
Já limpo e refrescado, Miguel foi procurar um pijama, e quando puxava a peça de debaixo de uma pilha de roupas, derrubou uma caixinha de madeira no seu pé.
- Ai! – ele soltou um grito pulando que nem saci.
A caixa se abriu espalhando uma porção de fotos e outros objetos, ele juntou tudo e jogou sobre sua cama, pegou o pijama e vestiu-se, depois foi arrumar as coisas na caixa. Já fazia bastante tempo que ele não mexia naqueles objetos, uma nostalgia boa lhe bateu o coração.
Miguel remexia em umas fotos suas, quando ele tinha 13-14 anos. Encontrou uma em especial, que lhe deixou em choque. Ele ficou embasbacado com o que viu, seu coração disparou, seus lábios começaram a tremer e as lágrimas inevitavelmente despencaram. De dentro da caixa ele puxou um correntinha de ouro branco, com um pingente da asa direita de um anjo que representava a metade de outra parte encaixável. Havia um cristal muito delicado no encontro do fecho. Miguel olhava para foto e para correntinha, chorando e sorrindo ao mesmo tempo. Na asa do pingente havia uma inscrição incompleta: “Meu coração...”.
- Meu Deus! Como é possível? – ele balançava a cabeça, incrédulo e beijando a foto. – Obrigado, obrigado pela resposta.
Naquela noite, como já não acontecia há dias, ele dormiu em paz e feliz. Finalmente Deus havia se manifestado. O engraçado, Miguel pensava, era que a resposta sempre esteve com ele, apenas aguardando o contexto que lhe daria um significado.
Miguel acordou com um humor indescritível. Ele parecia à própria alvorada nas manhãs de verão.
- Bom dia família – ele sentou-se a mesa, juntando-se ao pai a madrasta.
- Podemos saber o porquê desse sorriso estampado de orelha a orelha? – Fernanda o olhava, cheia de curiosidade.
- Tive uma bela noite – Miguel não conseguia parar rir.
- Que bom que está animado, hoje o perímetro da pregação é enorme – disse o pastor o encarando-o por cima da caneca que ele levava à boca.
- Eu não vou sair com vocês – declarou Miguel, servindo-se de suco.
- Quer dizer que tem um compromisso mais importante do quê o que Jesus lhe comissionou? – o pastor aumentava a irritação.
- Se é mais importante eu não sei, mas hoje eu vou para o hospital, afinal, Jesus também falou de amor ao próximo – apesar de firme, Miguel não entrou no clima de pesado do pai.
- Vai ver Conrado Lima Jadão? Por acaso a noite de ontem não foi suficiente para resolverem o assunto de vocês?
- A Paula já foi encher seus ouvidos com asneiras? – Miguel, bebeu rápido o suco.
- Ela só estava preocupada com você Miguel – Fernanda tentava abrandar os ânimos. – Conhecendo a fama de Conrado, ela ficou com medo dele fazer algo contra você.
- Conrado nunca tentaria nada contra mim – Miguel respondeu convicto.
- Como você sabe disso? – perguntou Fernanda.
- Eu convivo com ele no hospital – respondeu Miguel. – Ele realiza trabalho voluntário. No começo ele se mostrou uma pessoa difícil, mas não é mais assim. Tenho muita fé que...
- O que ele queria com você? – perguntou secamente seu pai.
- Ele só queria conversar – respondeu Miguel sentindo o rosto em brasa.
- Conversar? Fico tentando imaginar que assunto aquele delinquente teria em comum com você – o pastor era implacável.
- Já disse que ele trabalha comigo – Miguel baixou os olhos.
- E por acaso nesse trabalho você está aprendendo a mentir Miguel?
- Antônio! – Fernanda estava achando exagerada a interrogação de seu marido.
- Não se meta Fernanda, ele é meu filho e eu sei o que é melhor para ele.
- O senhor sabe o que é melhor pra mim? – Miguel começou a falar alto. – Então por que me impede de saber sobre as coisas da minha vida, como por exemplo, sobre a minha mãe? Ou acha que o melhor é um filho está separado de quem o carregou nove meses na barriga?
- Já esgotamos sobre esse assunto Miguel!
- O senhor talvez, mas eu não – Miguel permanecia firme.
- É exatamente o que você disse, aquela mulher te carregou nove meses na barriga, nada, além disso. E não tente mudar de assunto.
- O senhor é que tem feito esse papel muito bem durante esse tempo, as vezes que quis saber sobre ela, sempre arranjava um jeito de encerrar o assunto e passar para outro – Miguel levantou-se da mesa, pegou sua bolsa e saiu.
- Volte aqui Miguel! Eu ainda não terminei com você! Não quero mais você metido nesse hospital!
Miguel não deu ouvidos para o pai e saiu em disparada rumo ao hospital. Ele estava decidido a fazer algo, e não ia permitir que a tortura do seu pai o desfocasse do seu objetivo.
Chegou ao hospital quase junto com casal Jadão.
- Miguelzinho, que saudades – Júlia o abraçou ternamente.
- Eu também estava com muitas saudades – ele apertou Júlia nos seus braços.
- Como vai meu filho? – Luciano também o abraçou.
- Vou bem doutor Luciano – Miguel retribuiu.
- O hospital não foi o mesmo na semana passada sem você – disse Luciano.
- Imagina! Eu que não consigo ficar longe de vocês e dos meus bebês – ele riu. – E o Conrado? Ele já vem? Preciso muito conversar com ele.
- Vamos conversar na minha sala Miguel – Luciano ficou um pouco triste. Os três seguiram conversando.
Luciano ficou a sós com Miguel e pediu para que ele se acomodasse.
- Aconteceu alguma coisa? – perguntou Miguel preocupado.
- Bem, essa pergunta não deveria ser minha? – devolveu Luciano. – Conrado tem se comportado de maneira estranha com alternâncias violentas de humor, depois vem você pedindo para ser mudado de trabalho. Então eu pergunto está acontecendo alguma coisa?
Miguel abaixou a cabeça e pensou por uns instantes.
- Muitas coisas, mas acho que essa não é hora para falarmos – Miguel mostrava desconforto.
- Eu entendo e respeito Miguel – Luciano foi compreensível. – Só tomem cuidado para não saírem feridos dessa nítida turbulência.
Miguel assentiu com a cabeça.
- E ele? Vem?
- Ele me disse que as crianças não poderiam ficar sem você, e não achava justo ser um obstáculo, então me pediu para mudá-lo de trabalho em vez de você – respondeu Luciano.
- Ele fez isso?
- Sim – respondeu Luciano. – Meu filho tinha uma expressão de total desolação. Essa semana está muito difícil para ele. Faz seis anos que a mãe morreu.
- Eu não sabia. – Miguel sentiu um aperto no coração.
- Misturada com a dor da perda, sinto que há mais uma coisa, só não sei o que é. Miguel ficou em silêncio
- Miguel, eu peço a você, se souber como ajudá-lo, por favor, faça! – Luciano estava desesperado.
Miguel se levantou e caminhou para porta sentindo uma tristeza profunda.
- Conhece as Pilastras de Deus? Ele está lá neste momento – Luciano disse antes de Miguel deixar sua sala.
O filho do pastor foi para a oncologia infantil, sentindo a cabeça doer.
- Tio Miguel!!! – as crianças se atiraram sobre ele.
- Que saudade meus amores – ela ria e chorava.
- Olha o que o tio Conrado fez para gente – Liara arrastou Miguel até o mural de fotos. Miguel ficou encantando com as imagens. Conrado em momentos de pura descontração e envolvimento com os pequenos. O seu sorriso era puro e lindo. Seus olhos azuis transbordavam uma satisfação contagiante.
- Ele divertiu a gente à beça – disse João.
- Mas não fica com ciúmes, tá tio Miguel? No nosso coração dar pra caber os dois, nem que seja bem apertadinho – Liara sorriu. Miguel a beijou.
Olhando ainda para as fotos, ele puxou a correntinha, da noite anterior, de dentro da camisa e beijou o pingente, encarando a foto de Conrado vestido de mágico.
- Trás o tio Conrado de volta, tio Miguel – disse Liara tomando sua atenção.
- É isso que vou fazer linda – Miguel sorriu e foi chamar a enfermeira para ficar com as crianças.
Logo o filho do pastor deixou o hospital e pegou um táxi o mais rápido que pôde.
- Para onde meu rapaz? – perguntou o taxista.
- O mais próximo que o senhor puder ir das Pilastras de Deus.
O táxi rumou para fora da cidade. Miguel estava apreensivo, nem conseguia admirar a bela paisagem verdejante, esta se tornara apenas um borrão verde e marrom diante dos seus olhos. Mas aproveitou para pensar naquela frase que lera um dia no rodapé de uma pintura:
“Destino ou acaso? Planejamento ou coincidência? A vida é realmente um mistério. Mas é bem razoável acreditar que algumas coisas só acontecem para que outras maiores sejam concebidas. Pois não é verdade que é da decomposição de uma árvore que surgi o renovo?”.
- Só posso ir até aqui – o taxista parou próximo a uma placa que apontava para uma entrada de pedra. “Pilastras de Deus” estava escrito sobre uma seta azul. O carro de Conrado estava estacionado alguns metros fora do asfalto.
- Ótimo! – Miguel pagou a corrida e saltou do taxi, subindo rapidamente por um caminho íngreme. Seu coração estremeceu quando passou pelo veículo.
Ele havia ido uma vez naquele lugar com um grupo da igreja, para meditação.
As Pilastras de Deus era uma cadeia de montanhas repletas de gigantescas rochas nuas, e esculpidas como torres pela erosão. Era lindíssimo o lugar. Como ainda era cedo, o sol emanava seu agradável calor vitamínico e comedido.
Conrado estava sentado, com o rosto enterrado nos joelhos, soluçando em silêncio. Quando Miguel o viu, sentiu uma descarga elétrica percorrer seu corpo, provocando-lhe arrepios na nuca. Aproximou-se e disse com descontração:
- Que ideia é essa de nos abandonar?
- Miguel?! – Conrado se ergueu mais rápido que uma pantera muito hábil.
- Achou que ia se livrar de mim, assim tão fácil? – Miguel foi ao seu encontro com um sorriso enorme.
Os dois se abraçaram, sentindo o desejado calor um do outro, enquanto uma suave brisa os beijava. Estavam no ponto mais alto da região.
- O que está fazendo aqui? – Conrado deslizava seu nariz pelo pescoço do outro.
- Você tornou as crianças dependentes de você, e agora elas me obrigaram a te procurar e levar de volta nem que seja amarrado – Miguel se soltou do abraço.
Os dois foram se sentar no lugar onde Conrado estava.
- Essa semana...
- Eu sei – Miguel o interrompeu, enlaçando seu braço pelo ombro largo dele. – Por isso vim ficar você.
Conrado se virou pra ele, mergulhando no dourado dos olhos de Miguel, que ficavam mais deslumbrantes com os raios de sol.
- Ela era tudo pra mim, minha mãe – disse ele. – Achei que a dor iria passar com o tempo, mas parece mais viva do que nunca. Só quando estou com você, não dói tanto. – Conrado desabou no choro, encostando a testa no ombro de Miguel – Eu queria tanto ter tido mais tempo com ela.
- Ela sempre dizia que você era o herói dela – Miguel afagou seus cabelos.
- O que disse? – Conrado ergueu cabeça sem entender nada. (http://www.youtube.com/watch?v=xsJ4O-nSveg)
Miguel meteu a mão por dentro da camisa de Conrado e puxou uma correntinha de ouro branco com o lado esquerdo da asa de um anjo, e um cristal no encontro de fecho. Depois Miguel puxou sua correntinha e encaixou as duas asas. Formou-se a frase: “Meu coração agora é teu”.
- Como isso é possível? – Conrado estava muito surpreso – Eu não...
Miguel puxou a nuca de Conrado de uma vez e colou suas bocas num beijo quente e molhado. Conrado correspondeu de imediato, tomando a condução do beijo. Suas mãos exploravam o corpo do outro, enquanto as bocas se emolduravam perfeitamente. Os beijos se espalhavam por toda a extensão do corpo, mordendo, chupando.
- Eu quero você Conrado – Miguel arfou. – Quero estar com você.
Conrado intensificou os beijos, dando leves risadinhas. Um tinha a posse do corpo do outro em uma sincronia ensaiada.
Ao longe, dois jovens perdidos na instância máxima do amor. O sol os abençoava com seus raios quentes. E o vento abraçava o sentimento com a suavidade de seu movimento.
Conrado e Miguel. “Um mais um são... Um”.
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Obrigado pessoal por todo carinho. S2DrickaS2, eu não fazia ideia que alguém ainda mencionasse Asfalto depois de tanto tempo de sua publicação. E para quem acompanhar essa republicação até o final, eu prometo uma bela surpresa, talvez até duas.