– Capítulo 10 –
Depois da tempestade vem a bonança
Michele veio correndo em direção ao carro de Maria, chorando.
- O que aconteceu amiga? Eu vi o Conrado saí em disparada. – Maria estava confusa.
- Ele me escorraçou de lá feito uma cadela vira-lata! – Michele gritava de ódio. – Ele disse que tinha nojo de mim e que amava aquele viado nojento! Chamou-me de vadia sem noção e de um monte coisas. O Conrado me pisoteou como se eu fosse um tapete velho, amiga. Ai, que ódio desses dois! Mas eles não sabem com quem mexeram.
***
- Miguel, eu quero que você nunca esqueça de que eu te amo mais do que tudo nessa vida, e que não importa o que aconteça eu vou sempre estar do seu lado te dando todo apoio. – Conrado se lançou no pescoço do outro, abraçando-o apertadamente.
- Agora é que estou preocupado mesmo – Miguel sentia que estava prestes a ouvir uma péssima notícia. – Por favor, amor, me conta o que está acontecendo.
- Senta aqui comigo – Conrado o levou pelo braço até o sofá. As lágrimas continuavam a despencar lentamente. Ele deu um beijo em Miguel e retirou do bolso um envelope roto, entregando para o namorado.
- O que é isso? – Miguel pegou o envelope.
- É uma carta da sua mãe. – disse Conrado.
- Da minha mãe?!
- Eu tive a ideia de procurar alguma correspondência entre a minha mãe e a sua, já que elas se conheciam seria de se esperar que existisse. E minha mãe guardava todas as cartas que recebia.
- Isso foi uma ideia magnífica meu amor – Miguel deu um beijo em Conrado e começou a abrir o envelope. Sua felicidade era tanta, que ele esqueceu, por um instante, que o semblante de Conrado não compartilhava de sua alegria. – Uma carta da minha mãe! “Querida Clarice,
Antes de tudo, gostaria de agradecer-lhe pelo que você fez por mim; foi mais que uma amiga, você foi um anjo enviado por Deus.
As coisas não estão nem um pouco fáceis para mim. A abstinência está me matando. Há dias que entro em crise, e começo a roer as unhas tão desesperadamente que tão logo sinto o gosto de sangue invadir meu paladar. No entanto, com a mente limpa, posso agora pensar em meu bebê, mesmo sendo isso um martírio.
Todos os dias, todas as horas, neste exato instante, desejo com todas as minhas forças que um dia eu possa abraçar o meu Miguelzinho. Queria tê-lo nos meus braços, para lhe dar muito amor e carinho, sentir seu corpinho quente, seu cheiro. Quando penso que posso nunca mais ver meu filho, me desespero, perdendo completamente a razão, chegando até ser violenta. Mas, talvez, o melhor tenha sido isso. Meu anjinho não merece uma mãe suja como eu. Quem sabe Antônio não agiu certo, arrancando ele de mim. Infelizmente pensar assim, não diminui minha dor.
Minha amiga, às vezes eu acho que vou sucumbir. Vejo-me perdida, despencando lentamente em um abismo, mas fiz uma promessa de que eu reencontraria meu bebê, e que ele sentiria orgulho de mim. Sonho todas as noites com ele, e o vejo um rapaz bom, justo e honesto. Isso me da paz.
Obrigado mais uma vez por tudo, minha querida, se um dia eu tive um anjo-da- guarda, ele se chama: Clarice Lima Jadão.
De sua eterna amiga, Silvia.”.
Miguel agarrou Conrado com força e começou a chorar como nunca em sua vida. O choro era um misto de muitos sentimentos. Uma dualidade de sensações. Os soluços viam violentamente.
- Meu amor, eu estou aqui com você – Conrado abraçava Miguel com força, o apertando nos braços.
- Oh, meu Deus, ela estava doente – Miguel molhava o ombro de Conrado. – Minha mãe, meu Deus!
- Eu estou com você meu lindo – Conrado chorava também. – Eu vou te segurar firme, e nós vamos até o fim dessa história juntos, entendeu?
Miguel positivou com a cabeça.
- Eu te amo, e estou pronto para o que der e vier. – Conrado ninava Miguel em seus braços.
Os dois ficaram juntinhos no sofá, com Miguel ainda fugando e estremecendo o corpo em suspiros profundos.
Conrado levou Miguel para o banheiro, encheu sua banheira com água quente, apagou a luz e retirou a roupas de ambos. Miguel não esboçava nem uma reação, além do choro estampado em seu rosto. Conrado entrou na banheira, recostando-se em uma das laterais, e puxou Miguel para junto de si, o colocando de costa entre suas pernas.
Conrado se abaixou, levando seu namorado consigo, para que água cobrisse a maior parte possível dos seus corpos.
- Isso se chama simulação do útero materno – disse Conrado, envolvendo seu corpo no de Miguel, como uma ostra protegendo uma pérola. – Minha mãe fazia isso quando eu era criança, e ficava muito agitado.
“Nunca se esqueça, nem um segundo, que tenho o amor, maior do mundo. Como é grande o meu amor por você...”. Conrado sussurrava no ouvido de Miguel, que ia relaxando aos poucos, aclamando sua respiração.
- Será que vou encontrá-la, Conrado? E se ela não estiver...? – Miguel já derramava algumas lagrimas.
- Xiiiiiiii! – Conrado pôs o seu dedo na boca do outro. – Não diga nada. Não pense em nada. Deixe a água te relaxar, me deixa cuidar de você. – Conrado beijava levemente o pescoço de Miguel, juntando mais ainda seus corpos. A terapia surtia efeito lentamente.
Com Miguel já mais calmo, Conrado o retirou da banheira e o enxugou, assim como a si próprio. Os dois foram para cama, e em silêncio ficaram de conchinha. A cada movimento de Miguel, Conrado despertava, e fazia um carinho no namorado. Miguel, exausto de tantas emoções, adormeceu, sentindo os olhos arderem de tanto chorar.
Tudo se tornou uma densa nuvem escura. Miguel caminhava por um corredor, sem direção. Alguns lampejos de luz clareavam como relâmpagos, formando fragmentos de memória. Ele assistia algumas cenas como observador externo.
“Devolva meu filho!”, Silvia gritava, vendo o pastor carregar uma criancinha no colo, enquanto algumas pessoas de branco a seguravam. O menino olhava para trás com olhos tristes, vendo a mulher espernear, desesperada por estar perdendo seu filho. “Eu quero meu filho! Devolva Meu filho!”.
“Você nunca mais vai vê-lo”, o pastor pôs a criança dentro de um carro.
“Miguel!!!”, Silvia se soltou das pessoas de branco, e correu em direção ao carro, mas este se apressou em sair. Ela se jogou no chão aos berros, logo as pessoas de branco a arrastaram de volta para um casarão. Silvia continuava gritando pelo filho, implorando para que devolvessem seu bebê.
- Mãe! – Miguel acordou subitamente.
Ele estava sozinho na cama. Suas lembranças eram confusas, mas logo o turbilhão de pensamentos começou a se ordenar, trazendo a recordação do que acontecera na noite anterior.
Miguel se levantou á procura de Conrado, mas não o encontrou.
Na mesa da cozinha, o notebook do filho de Luciano estava ligado e com uma página na internet aberta. Miguel se aproximou, olhando o que Conrado havia acessado. Era o site de uma clínica para dependentes de drogas: Espaço Recomeçar. Havia várias fotos de grupos reunidos em lugares lindos, rodeados por natureza. Ao lado do notebook, pairava a carta de Silvia. Miguel olhou para o remetente, e verificou que o endereço se tratava do mesmo lugar que Conrado estava pesquisando.
- Oi amor! Já acordado? – Conrado entrou na cozinha com uma porção de sacolas.
- Onde você estava? – Miguel caminhou em direção a ele.
- Bem, eu não tenho nem um talento culinário como você, então fui até a padaria comprar o nosso café. – Conrado colocou as sacolas sobre a bancada da cozinha. – Como está se sentindo?
Miguel fez uma cara de “mais-ou- menos”.
- Trouxe um monte de coisas gostosas para o meu cordeirinho tristinho – Conrado lhe deu um beijo carinhoso.
- Eu estava vendo aquele site que você acessou – Miguel apontou para o notebook. – Você descobriu o que minha mãe tinha.
- Não vamos falar disse agora – Conrado fechou o computador, e o retirou da mesa junto com a carta de Silvia. – Depois do café a gente vai conversar com calma.
Miguel assentiu com a cabeça, e foi para o banheiro se higienizar.
O café da manhã foi quase um monólogo. Conrado falava sem parar, fazendo piada de tudo, tentando esforçadamente fazer Miguel, extremamente silencioso, sorrir. Algumas vezes ele até conseguiu. Era um desperdício um sorriso tão iluminado ficar tanto tempo abrochado, pensava Conrado.
Quase no final do café, Miguel se manifestou seriamente:
- Você acha que ela está viva? Quero dizer, esse vício destrói as pessoas em uma rapidez incontrolável.
-Tenho certeza disso, amor. Aquela clínica é maravilhosa, eles fazem um trabalho muito eficaz – Conrado se levantou, pegou o telefone e um pedaço de papel. – Mas isso você mesmo vai descobrir.
Miguel o olhava sem entender bem o que ele pretendia.
- Toma. – Conrado entregou para ele.
- O que é isso? – perguntou Miguel.
- É o número da clínica de reabilitação. – explicou Conrado. – Aquela carta que sua mãe enviou tem um sete anos, pouco antes de a minha mãe morrer. Com certeza eles devem guardar informações de pacientes.
- Não Conrado, eu não tenho coragem – Miguel quis devolver o telefone.
- É claro que tem meu amor – Conrado empurrou o telefone de volta. – Você é a pessoa mais corajosa que conheço, e sei que não vai dar para trás agora que está tão perto de saber tudo sobre ela, principalmente com a chance de encontrá-la.
- E se ela não estiver... Bem? – Miguel na verdade temia que ela não estivesse viva.
- Miguel, a vida é uma série de riscos, onde a possibilidade de se machucar é tão grande quanto à de ser feliz, mas ficar parado no meio do caminho é a pior escolha que se pode fazer. – Conrado se ajoelhou perto da cadeira dele. – Miguel, eu estou aqui. – Conrado teclou o número e entregou o telefone para ele.
Miguel recebeu o aparelho muito trêmulo, mas decidido a não retroceder.
- Espaço Recomeçar, bom dia, com quem eu falo? – um rapaz atendeu.
- Miguel Fernandes Oliveira – ele balbuciou o seu nome.
- Em que posso ajudá-lo senhor Oliveira?
Miguel tentou falar, mas estava muito travado. Conrado segurou sua mão com força, mirando-o com um olhar de confiança.
- Em que posso ajudá-lo senhor? – perguntou novamente o atendente.
Miguel respirou fundo apertando a mão de Conrado:
- Estou procurando por uma paciente de vocês. – disse Miguel.
- Qual o nome dela senhor?
Conrado pegou rapidamente o envelope e entregou para Miguel, que pela primeira vez ia pronunciar o nome completo de sua mãe:
- Silvia Arantes de Lacerda.
- Silvia Arantes de Lacerda – repetiu o atendente. – Ah, o senhor deve está falando da Silvinha.
- Silvinha?
- Sim, senhor Oliveira, é a forma carinhosa como que a chamamos.
- E como ela está?
- Bem, senhor. Não damos informações sobre o quadro clinico de nossos pacientes.
- Mas é muito importante para mim – Miguel começou a se desesperar.
- Lamento senhor.
- É o filho dela quem está falando! – Miguel soltou como um desabafo.
O atendente ficou em silêncio durante algum tempo, até que gaguejou:
- O que senhor disse?
- Que sou o filho de Silvia Arantes de Lacerda – ele repetiu.
- Santo Deus! – o homem o exclamou. – Você é o Miguelzinho filho da Silvia?!
- Sim!
- Deus seja louvado! Deus seja louvado – o homem comemorava. – Todos os dias em que Silvia passou aqui, ela não falava em outra a coisa que não fosse o dia em que te encontraria meu rapaz.
- Então ela está bem? – Miguel começou a sorrir.
- Sim – o homem também sorria. – Ela não vai acreditar nesse milagre.
- Onde ela está? – Miguel estava agitado.
- Ela mora aqui na cidade, se firmou junto de nós. – o homem estava em êxtase. – Minha mãe é amiga dela e sabe tudo melhor do que eu, mas ela está viajando e só chega à noite. Então, assim que ela chegar entrará em contato com você imediatamente, certo?
- Certo! – Miguel respondeu. – Eu nem acredito nisso... Alô? Alô? A ligação caiu.
- Eu estou tão feliz por você meu amor – Conrado tinha ouvido toda a conversa.
- Meu amor, ela está viva! Ela está bem! – Miguel chorava e sorria, beijando e abraçando Conrado.
Os dois, envolvidos pelo momento, terminaram sua comemoração em cima da mesa da cozinha. Transaram com tanta intensidade, que poucas coisas permaneceram em seus lugares.
No hospital, ao ouvirem a história, Luciano e Júlia ficaram chocados com tudo. As coisas aconteciam numa velocidade impressionante. Mas, para Miguel, no que dizia respeito a sua mãe, as coisas estavam lentas demais. Ele passou o dia inteiro que não se aguentava, contando os segundos para que a noite chegasse.
Quase perto do fim do expediente, Conrado contou para Miguel todo o ocorrido com Michele, receoso dele não acreditar em sua fidelidade. Contudo, Miguel, em nenhum momento, levantou alguma dúvida. Isso se em deu em parte por confiar muito em Conrado, e parte por estar com a cabeça totalmente voltada para o possível encontro com a mãe, naturalmente.
Em casa, o pastor Oliveira soltava fogo pelas narinas com a audácia de Miguel. Dormir fora de casa era inaceitável, ainda mais porque ele imaginava em que companhia ele estava. O pastor tinha decidido que iria por um basta nisso de uma vez por todas.
A campainha da casa tocou com urgência, levando o pai de Miguel ao máximo de sua irritação.
- Já estou indo! – o pastor vociferou.
Ele abriu a porta, mas não tinha ninguém.
- Moleques de rua – o pastor murmurou.
Antes de fechar a porta seus olhos encontraram um envelope repousando no tapete da entrada. Ele pegou o pacote e o examinou com cautela antes de abrir. Michele e Maria observavam de longe, dentro do carro.
- Que desperdício! – Maria se lamentou. – Não sei por que concordei que você fizesse isso. Imagina o que a gente podia ter ganhado?
- Quieta! – Michele ordenou. – Agora, é só esperar a bomba explodir. Que os demônios digam Amém!
O pastor fechou a porta, e abriu o envelope puxando um maço de fotos de dentro. Ele quase desmaiou quando viu as imagens: Miguel beijando Conrado com todo o romantismo e entrega. Era o Armagedon.
O pastor Oliveira passava as fotos com rapidez, sentindo uma pontada a cada imagem gravada pelos olhos. O seu sangue estava fervendo, enchendo as veias do punho cerrado. Ele correu com urgência para o banheiro, e se ajoelhou diante do vaso sanitário, onde despejou um fluxo grande de vômito. Estava enojado e com a carne tremendo de ódio. Bufava como um touro valente, pronto para arrebentar com qualquer coisa que atravessasse o seu caminho.
- Maldito. Maldito! MALDITO!!! – o pasto rugia no banheiro, comprimindo com uma força descomunal as fotografias.
- O que está acontecendo Antônio? – Fernanda foi ao banheiro, usando um avental.
- Veja essa nojeira! Olhe para essa manifestação demoníaca! – ele entregou as fotos para ela.
Fernanda analisou as fotos em silêncio, passando uma por uma com cautela. Estava chocada, era fato, mas o que poderia acontecer a partir dali, era sua maior preocupação.
- Antônio, esse é um momento muito delicado, você precisa se acalmar. – ela encostou sua mão no ombro dele.
- Me acalmar?! – ele se levantou subitamente. – Como você quer que eu me aclame sabendo que o meu filho é um... – ele engoliu em seco. – Oh, meu Deus, eu não consigo pronunciar essa palavra.
- Quem trouxe essas fotos? – perguntou Fernanda.
- Eu não sei. Deixaram na porta, mas isso também não importa – o pastor passava a mão na testa e no cabelo sofregamente. – Isso não pode estar acontecendo. O que eu fiz Senhor para merecer uma maldição dessas sobre a minha cabeça.
- Antônio, eu tenho certeza que Miguel irá esclarecer tudo a você, só peço que se...
- Esclarecer o quê, Fernanda?! Você acha que existe alguma explicação para isso que tá aí? É inconcebível!!! Eu sabia que esse miserável desse Jadão o desviaria, só não imaginei que iria levá-lo para o mais profundo abismo.
- Você já pensou que isso tudo pode ser uma brincadeira de mau-gosto? Hoje em dia qualquer um pode fazer uma montagem com a imagem alheia só para prejudicar alguém. – Fernanda tentava intermediar de todas as maneiras.
- Montagem? – o pastor refletiu um pouco.
- Sim. – Fernanda tinha esperança de remediar a situação.
O pastor Oliveira saiu apressadamente do banheiro, com Fernanda logo atrás. Subiu as escadas e foi direto para o quarto de Miguel, revirando suas coisas feito um cão-policial.
- O que você está fazendo? – perguntou Fernanda.
O pastor, sem responder, foi direto ao armário de Miguel pondo todas as suas roupas abaixo. No fundo, encontrou uma caixa de madeira com um pequeno cadeado, pegou abruptamente e tentou abrir.
- Antônio, você não pode fazer isso, é algo particular de Miguel. – Fernanda já imaginava o que ele iria encontrar.
- Cala essa boca Fernanda! – o pastor vociferou. – Não se meta nessa história!
- Eu não vou permitir que você faça nada contra o Miguel! – Fernanda gritou!
O pastor desceu para pegar um alicate na cozinha, voltando na velocidade de um relâmpago.
- Você não tem esse direito – Fernanda estava inconformada, vendo o marido forçar o cadeado.
- Por que ele precisa de um cadeado? – o pastor perguntou retoricamente, rompendo o feixe da caixa. – Pronto!
Seus olhos atingiram um tom de vermelho assustador, quando viram os guardados. As fotos que Miguel sempre tirava dos dois, os bilhetinhos safados de Conrado, e o pior de todos os objetos que o pastor poderia encontrar: a aliança com os nomes dos dois gravados.
- Antônio... – Fernanda olhava para ele, assustada.
O pastor Oliveira começou a inflar e esvaziar o peito cada vez mais rápido. As mãos cerravam-se violentamente. O pai de Miguel lançou um grito que mais parecia um urro, arremessando tudo para o lado.
No apartamento de Conrado, os dois namorados estavam muito ansiosos, esperando a ligação. Miguel tentava se distraí cozinhando, mas seus pensamentos não conseguiam deixar a imagem de sua mãe.
- Sabia que você fica tão sexy cozinhando? – Conrado, sentado por trás da bancada, mordia o lábio com um sorrisinho malicioso.
- Não começa Conrado Lima Jadão – Miguel sorria sem se virar para ele. – Isso não é hora para pensar nessas coisas.
- Toda hora é hora – Conrado argumentou. – Se dependesse de mim não saia de dentro de você nunca.
- Vou fingir que nem ouvi – Miguel olhou para ele rapidamente.
- Mas falando seriamente – Conrado se ajeitou no banco. – Eu acho que já tá na hora da gente dá um rumo para as nossas vidas.
- O que quer dizer com isso?
- Morar juntos.
- Morar juntos? – Miguel se assustou – Não acha que ainda tá cedo para pensar nisso?
- Não! – Conrado foi convicto. – Pra que esperar? A gente se ama, temos o nosso trabalho, um apartamento, meu pai devolveu meu dinheiro, então não há razão para não morarmos juntos meu amor.
- Faz sentindo – Miguel foi vago. – Contudo, eu queria esperar só mais um pouco.
- Por quê?
- Me deixa resolver primeiro essa história com minha mãe – pediu Miguel. – Eu te prometo que assim que tudo estiver acertado, eu me mudo de vez para cá, e enfrento o pastor.
Conrado fez uma cara de impaciência.
- Por favor, amor.
- Tudo bem cordeirinho – Conrado cedeu a contragosto.
- Te amo! – Miguel deu uma sequencia de beijos nele.
Os dois jantaram apressadamente, pois Miguel a toda a hora dizia que estava ouvindo o telefone tocar. Após o jantar, ele ligou para Christiane do seu celular, e contou tudo que estava acontecendo a ela. A prima, obviamente ficou muito irritada, pois ela sempre era a última que sabia das coisas. Miguel prometeu um jantar em sua homenagem no apartamento de Conrado. Christiane, ego nas alturas, aceitou na hora. Conversaram por mais alguns minutos, até que Miguel se despediu, pois queria estar concentrado.
Miguel deitou-se no sofá, ao lado do telefone, e ficou admirando a foto de Silvia, em que ela expunha a barriga de grávida com o seu nome escrito com tinta vermelha. Seus pensamentos foram interrompidos pelo toque do telefone. Miguel caiu do sofá, quase derrubando Conrado também.
- Atende logo cordeirinho – Conrado o levantou com pressa.
Miguel saiu quase engatinhando para pegar o telefone, até que alcançou o objeto desejado.
- Alô?
- Alô. Boa noite! Gostaria de falar com Miguel Fernandes Oliveira. – falou uma voz feminina suave.
- Está falando com ele.
- Olá Miguel, aqui é Edite Ferreira – cumprimentou a mulher. – Você falou hoje mais cedo com o meu filho.
- Sim, senhora, eu liguei para a sua clínica para saber sobre uma de suas pacientes.
- Eu já estou a par de tudo – declarou a mulher – Silvia foi uma de nossas pacientes mais queridas. Todos na clínica conhecem a história do afastamento dela e do filho. Minha amiga encontrou forças para lutar contra dependência, na esperança de ter o seu filho novamente junto a ela.
- Sim. – Miguel já derramava algumas lágrimas. Conrado o abraçava forte, com o rosto encostado no seu.
- Eu preciso que o senhor venha até a minha clínica para conversarmos antes de qualquer coisa – disse Edite com certa cautela. – Não me leve mal meu rapaz, mas seria muita irresponsabilidade da minha parte antecipar qualquer coisa a respeito desse nosso telefonema para a Silvinha. Ela acabou de reconstruir sua vida, e ainda está frágil. Quero conhecer você primeiro. Ter certeza de que é quem diz ser.
- Eu compreendo – Miguel soluçava. – Quero estar aí o mais rápido possível.
- Ótimo – Edite ficou satisfeita. – E quando seria sua vinda?
- Dentro de dois dias. É o tempo que preciso para me organizar – Miguel recebeu a concordância de Conrado.
- Vejo que é um rapaz decidido.
- Senhora, se tiver ideia do que é não ter sua mãe, entenderá minha urgência.
- Tenho fé de que tudo se transformará numa feliz surpresa – confessou a mulher.
- E como ela está? – as emoções de Miguel estavam à flor da pele.
- Ela está muito bem – respondeu Edite sem dar mais detalhes.
- Ainda deseja me reencontrar? – Miguel parecia uma criança assustada.
- Com se sua vida dependesse disso – afirmou a mulher.
Miguel começou a chorar, ficando sem condições de continuar a conversa.
Conrado pegou o telefone, se apresentou com um amigo, e combinou a ida dos dois.
Ânimos mais calmos, Miguel decidiu que era hora de voltar para casa. Sabia que ia enfrentar uma fera, pois com certeza seu pai já tinha um sermão longuíssimo por ele ter dormido fora, mas diante da notícia maravilhosa, nada poderia abalá-lo.
- Ah, dorme aqui amor – Conrado suplicava.
- Não posso lindo. Preciso dar satisfação para o meu pai, mesmo sendo truculento, eu devo respeito a ele.
- E não pode só ligar?
- Você sabe que não Conrado – Miguel afirmou. – Não posso vacilar agora que estou tão perto de encontrar minha mãe e vir morar com você.
A última frase agradou o filho de Luciano.
- Tudo bem – Conrado aceitou. – Eu te levo em casa minha vida.
Os dois namoraram um pouquinho, mas não transaram. Miguel organizou suas coisas rapidamente na mochila, e foi levado por Conrado.
Na porta da casa do pastor, os dois ainda se beijaram longamente dentro do carro e se despediram. Miguel esperou parado do lado de fora, até que o carro de Conrado sumisse. Ele estava radiante. O sorriso ia de orelha-a-orelha.
Na sala de visitas, dois pastores da igreja de Miguel, conversavam baixinho com uma Bíblia na mão cada um.
- Boa noite pastores – Miguel os cumprimentou estranhando a presença dos dois àquela hora.
Os pastores o encaram com olhos de reprovação, mas nada disseram. Miguel correu os olhos pela casa à procura de seu pai e da madrasta, mas não encontrou ninguém. Subiu as escadas indo direto para o seu quarto, ainda desconfortável com os olhares dos pastores.
A porta do seu quarto estava escancarada. Ainda de fora, era possível ver uma bagunça enorme.
- Pai? Fernanda? – Miguel entrou no recinto, atropelando vários objetos jogados no chão. – Mas o que aconteceu... – ele interrompeu sua fala quando viu as fotos dele com Conrado, rasgadas e jogadas no chão.
Miguel entrou estado de choque. Seu coração explodia no peito, as pernas tremiam sem controle, e uma súbita vontade de chorar, subia-lhe pela garganta.
- Boa noite filho amado – a voz do pastor Oliveira ecoou pelo quarto.
Miguel virou-se assustado, vendo seu pai parado na soleira da porta.
- Antônio! – Fernanda surgiu desesperada.
- Fique fora disso – o pastor a empurrou para fora do quarto, trancando a porta.
- Pai... – Miguel começou a chorar.
O pastor Oliveira retirou do bolso a aliança que Conrado dera a Miguel, e atirou nos pés do mesmo. Estava totalmente amassada.
- Me diga, em nome do Senhor, que você foi cegado por aquele enviado de Satanás, que foi engodado por ele, que foi possuído pelo demônio, mas que busca a cura para essa doença passível da condenação no inferno.
Miguel recolheu a aliança amassada, cheio de indignação. Respirou fundo, limpou as lágrimas e olhou no fundo dos olhos de seu pai e disse:
- Não! Eu fui abençoado por Deus, quando conheci o Conrado.
- NÃO INVOQUE O NOME DE DEUS NESSA NOJEIRA!!!
- Por Deus sim! – Miguel gritou. – Eu tive o privilégio de conhecer o amor, coisa que muitos nunca tiveram e nem terão. Eu e Conrado nos amamos, e o senhor não pode fazer nada para impedir isso.
- Cala essa boca imunda, possuído pelo demônio – pastor lhe deu uma bofetada mais violenta do que da primeira vez.
- Antônio! – Fernanda gritava do lado de fora.
- Primeiro vou agir como pai, depois agirei como ministro de Deus. – o pastor Oliveira pegou um cinto de couro e dobrou na mão.
- O que o senhor vai fazer?! – Miguel sangrava de um canto da boca, chorando, jogado no chão.
- Vou salvá-lo – o pastor o pegou pelos cabelos e o arremessou em cima da cama, dando a primeira cintada nas costas do filho, que soltou um grito de desespero.
Miguel tentou fugir, mas seu pai o prendeu com as pernas, arrancando sua camisa fora, e aplicando o cinto em uma sequencia desenfreada.
- Abra essa porta Antônio!!! – Fernanda chorava esmurrando a porta.
- Não pai! – Miguel gritava de dor, chorando muito.
O cinto do pastor descia com força, transformando as costas brancas e delicadas de Miguel num extrato de sangue. Os gritos eram horríveis. Agonia, desespero, dor física e mental; humilhação. Miguel se contorcia, tentava se soltar, mas o pastor era mais forte, e a fúria dobrava sua força.
- Você vai matá-lo – Fernanda chorava tentando arrombar a porta.
- Diga que se arrepende! – o pastor exigia.
- Não... – Miguel balbuciou já tonto de tanta dor.
O pastor o virou de frente e cintou seu rosto e peito. O rapaz doce, amável e generoso, era espancando brutalmente, castigado por amar. Miguel já não mais gritava, só gemia.
O pastor Oliveira cessou o castigo, se recompôs e abriu a porta. Fernanda correu aos berros em direção a Miguel, surrado violentamente.
- Oh, meu Deus! Miguel! – ela se ajoelhou tentado acordá-lo. – Você é um monstro! Monstro!
O pastor foi até a escada, chamando os dois companheiros. Os três voltaram para o quarto.
- O que você vai fazer? – perguntou Fernanda cobrindo Miguel com o próprio corpo.
O pastor a empurrou para o lado e pôs sua mão sobre o peito de Miguel, olhando profundamente para ele.
- Se arrepende de seus pecados? – perguntou para o espancado.
- Eu amo ele – Miguel falou com dificuldade. – E Deus abençoa o nosso amor.
- Demônio! Eu ordeno que saia desse corpo! – o pastor oliveira vociferou.
- Saia daqui! – Miguel começou a espernear, chorando muito. Sua cama estava encharcada de sangue.
- O deixe em paz! – Fernanda esmurrou o pastor, mas ele a jogou para fora do seu quarto e fechou a porta.
- Pegue as cordas, o demônio hostiliza – ordenou Oliveira.
Os três amarram Miguel apertadamente.
- Me soltem!!! – ele gritava sem força. – Por favor...
- Liberte esse corpo, demônio. Eu ordeno em nome de Jesus!
Os três vociferavam, com as mãos impostas sobre Miguel, que se debatia na cama, amarrado, suplicando por ajuda. Os três pastores agiam como loucos. Miguel logo perdeu a consciência e desmaiou. Os pastores comemoraram, crendo eles, que o demônio havia deixado o corpo do rapaz.
*** A campainha de Christiane tocava com urgência.
A prima de Miguel, de mau-humor, foi atender o inconveniente que a perturbava àquela hora.
- Fernanda? – Christiane se assustou com o estado da madrasta de Miguel.
- Você a única pessoa que pode me ajudar – Fernanda soluçava.
- O que aconteceu?!
- Antônio descobriu tudo sobre Miguel e Conrado, se não formos logo, ele vai matá-lo.
- Oh, meu Deus! – Christiane suspirou.
As duas saíram às pressas no carro de Christiane. A prima de Miguel ligava desesperadamente para Conrado, mas o celular só dava na caixa postal.
Christiane dirigia muito nervosa. Diante do estado deplorável de Fernanda, ela percebia que uma catástrofe havia acontecido. Tentou ainda algumas vezes ligar para Conrado, mas o celular só dava em caixa postal. Resolveu que era melhor se concentrar no volante.
- Como ele descobriu? – perguntou Christiane.
- Fotos... Enviaram fotos anonimamente para Antônio – Fernanda chorava. – Ele ficou louco. Eu devia ter feito algo... Devia ter impedido Miguel de entrar em casa, mas ele nos trancou dentro do nosso quarto até que ele chegasse. Eu queria ajudá-lo, mas não pude. – Fernanda estava desconsolada.
Christiane não disse nada. Ela tentava inutilmente esvaziar a mente da possibilidade de uma tragédia. O pastor, por mais horrível que fosse, não teria coragem de atentar contra a vida do próprio filho, ela se firmava nesse pensamento.
O carro freou bruscamente na entrada da casa do pastor. As duas saltaram, correndo às pressas. A casa aparentemente estava vazia.
- Miguel?! – Christiane gritava. – Miguel?!!!
- Antônio?! – Fernanda se esgoelava, entre os soluços.
Elas subiram urgentemente pelas escadas. A porta do quarto de Miguel estava aberta. Christiane soltou um grito horrível ao ver a cena de filme de terror: Miguel amarrado, sujo de sangue, com muitas marcas pelo corpo, atirado em cima da cama.
- Miguel?! – ela se ajoelhou perto do primo, o desamarrando com pressa. – Oh, meu Deus, o que fizeram com você meu amor. – Christiane não segurou o choro.
- Você veio me salvar Chris? – Miguel falou bem baixinho, derramando algumas lágrimas, mas ainda se esforçando para esboçar um sorriso. – Ele só destruiu o meu corpo, mas não foi capaz de destruir minha alma.
- Nós vamos cuidar de você meu lindo. Vai ficar tudo bem, a prima promete. – Christiane tremia o queixo. Nervosa, ela pegou o celular e ligou para Júlia.
- Oi, Christiane, que surpresa você me ligar, aconteceu alguma coisa? – atendeu Júlia.
- Não dá pra explicar por celular minha amiga, eu só peço que venha o mais rápido possível para a casa de Miguel.
- O que houve Chris?! – Júlia se exaltou.
- Quando você chegar aqui eu explico tudo, mas agora faça o que estou pedindo o mais rápido possível.
- OK! Estou chegando aí – Júlia desligou.
- O socorro está a caminho meu amor – Christiane acariciou o cabelo dele.
Fernanda se aproximou, cheia de culpa, e ficou do outro lado da cama, fazendo um carinho na mão do enteado.
- Você é como uma mãe para mim – Miguel sorriu timidamente para ela, antes de perder a consciência.
- O que vocês estão fazendo aqui? – perguntou um dos pastores que ajudaram o pai de Miguel a amarrá-lo, entrando no quarto.
- Onde está Antônio, pastor Carlos? – Fernanda se levantou.
- Ele foi chamar o irmão Gaspar para cuidar do menino. – respondeu o pastor.
- Quem é Gaspar? – perguntou Christiane para Fernanda.
- Um irmão da igreja que é médico – respondeu ela.
- Quanta manifestação de amor pelo filho – ironizou Christiane. – Só fico aliviada em saber que isso acaba hoje. Sim. Porque Miguel não fica mais nesse hospício nem um segundo, nem que eu tenha que levar ele à força daqui.
- O pastor Oliveira deixou ordens expressas para que eu não deixasse ninguém se aproximar do seu filho – declarou o pastor Carlos. – Eu peço que vocês saiam do quarto, pois ele já está quase chegando e não vai gostar nada, nada de vê-las aqui. Antes que as duas mulheres dissessem alguma coisa, a campainha tocou.
Fernanda desceu as escadas quase correndo, e foi atender a porta. Eram Júlia e Luciano.
- Graças a Deus são vocês – Fernanda sentiu um alívio.
- A Christiane nos ligou dizendo para virmos com urgência para cá. O que houve? – perguntou Júlia apreensiva.
- Venham comigo – chamou Fernanda, os conduzindo até o quarto de Miguel.
O casal Jadão levou um grande susto ao ver o estado em que se encontrava
Miguel.
- O que aconteceu com Miguel?! – Luciano estava horrorizado.
Júlia correu para a cabeceira da cama, tentando trazê-lo a consciência novamente.
- Miguel? Miguel? Miguel? – Júlia chamava.
- Júlia... – ele despertou.
- Vamos levá-lo para o hospital – ela levantou o tronco dele, fazendo com que ele sentasse na cama.
Luciano já pedia uma ambulância.
- Antônio descobriu tudo sobre ele e Conrado – explicou Fernanda.
- Esse pastor é um louco, um monstro! – Júlia estava muito indignada. Apesar do esforço para manter-se forte, ela não segurava as lágrimas.
- Como um pai pode fazer algo tão brutal com o filho? – indagou Luciano com um nó na garganta.
- O rapaz estava possuído, e o pastor Oliveira só queria livrá-lo da manifestação demoníaca. – declarou o pastor Carlos.
- Eu nem vou responder ao senhor – Luciano deferiu um olhar de raiva para o pastor, que o fez abrochar.
Antes de o pastor Oliveira retornar, a sirene da ambulância do hospital Jadão começou a sinalizar do lado de fora. Luciano desceu, voltando minutos depois com dois enfermeiros. Rapidamente acomodaram Miguel numa maca, pois ele estava muito machucado, e movimentar um músculo era um martírio. O pastor parecia ter desejado simular o flagelo de Cristo.
- Eu não permito que vocês o levem! – o pastor Carlos se posicionou.
- Cala essa sua boca! – Christiane deu-lhe um soco nas fuças com toda sua raiva concentrada no punho.
O pastor cambaleou, caindo de costa com um nariz amassado e sangrando.
- Esse soco eu queria ter dado na cara daquele demônio disfarçado de ministro de Deus, o pastor Oliveira. – afirmou Christiane.
Todos ficaram surpresos, mas felizes pela atitude corajosa da moça.
Miguel foi levado às pressas para o hospital. Fernanda foi a única que ficou, ela disse que era melhor esperar o marido em casa.
No hospital Jadão, Miguel recebeu todos os cuidados necessários. E com uma boa medicação, ele adormeceu por completo.
Miguel dormia de lado, pois suas costas estavam um estrago só. O que era mais incrível disso tudo, é que seu rosto, inchado, ainda teimava em manter o sorriso ensolarado, preservando a docilidade e serenidade. Era como se fosse o primeiro raio de sol, penetrando as densas nuvens de uma manhã nublada num pós-chuva. O rapaz sentia que o último grilhão havia sido partido. A liberdade era o galardão do seu sofrimento.
Christiane chorava baixinho na sala de espera, quando Júlia veio ao seu encontro trazer notícias a respeito de seu primo.
- Pode ficar tranquila querida, Miguel está bem – sorriu Júlia.
- Graças a Deus – Christiane soltou um suspiro de alívio.
- Fora uma luxação em duas costelas, os seus machucados foram todos externos, o que é uma boa notícia. – Júlia sentou-se ao lado de Christiane, pondo a mão em seu ombro. – Ele vai ficar bem.
- Fernanda chegou desesperada na minha casa, contando que o pastor havia descoberto tudo sobre os dois. Saí desnorteada ao lado dela. No caminho, tentei ligar para o Conrado, mas só dava na caixa postal. Quando entrei no quarto do meu primo, pensei que estivesse dentro de um filme de terror. Miguel estava amarrado, feito um animal selvagem, coberto de sangue e com o corpo em carne viva – Christiane soluçou fundo. – Acho que nunca vou esquecer essa cena.
- Eu esperava uma reação ruim da parte do pai dele, mas nunca imaginei que pudesse ser tão cruel – confessou Júlia. – Mas, o importante que Miguel está bem, e pode contar com todos nós para ajudá-lo.
- Sem dúvida alguma – Christiane limpou o rosto. – E vocês conseguiram entrar em contato com o Conrado?
- Sim. Luciano falou com ele, mas não detalhou nada, apenas pediu que ele viesse para o hospital – disse Júlia com certo receio.
Elas continuaram a conversar por um tempo, até que foram interrompidas pela entrada abrupta de Conrado.
- Onde ele está?! – Conrado estava fora de si.
- Filho, tente se acalmar, o Miguel está sendo bem cuidado agora – Luciano entrou logo atrás, tentando contê-lo.
- Eu quero vê-lo! – Conrado inflava de ódio, preocupação, desespero, era um misto de tantos sentimentos, que faziam seu sangue concentra-se na sua face, que se avermelhava cada vez mais.
- Você vai poder vê-lo, mas antes precisa ficar calmo, não pode entrar no leito nessas condições. – Luciano argumentava.
- Como o senhor quer que eu me acalme, sabendo que o amor da minha vida está...? – Conrado começou a chorar. – A culpa é minha! A culpa é toda é minha! Eu devia não ter o deixado ir para casa. Eu praticamente joguei o meu Miguel na jaula do leão. Eu sou mesmo um estúpido!
- Não diga uma barbaridade dessas Conrado – Luciano tentava segurar os punhos do filho. – Nem um de nós aqui tem culpa de nada meu filho.
- Foi aquele pastor dos infernos! Eu vou matá-lo!
- Você não vai matar ninguém – interveio Luciano. – O pastor merece sim uma punição, mas quem vai cuidar disso é a justiça.
- Ouça seu pai Conrado – disse Júlia. – Miguel vai precisar muito de você, e é importante que esteja calmo, para passar força e companheirismo para ele, em vez de preocupação.
As palavras de Júlia trouxeram lucidez ao seu enteado. Conrado sentou-se ao lado de Christiane, e dobrou o tronco para frente, escondendo a cabeça entre os joelhos. Ali, ele desabou todo o seu choro contido pela revolta.
Uma enfermeira trouxe um copo de água com um calmante não tão forte para ele, a pedido de seu pai. Conrado tomou o medicamento, e ficou em silêncio, fazendo exercício de respiração. As veias dilatadas, aos poucos iam se retraindo, assim como o nível de adrenalina. Depois de algum tempo ele estava mais tranquilo.
- Agora eu posso vê-lo? – perguntou Conrado com a voz mansa.
- Sim. Pode – sorriu Luciano, estendendo sua mão para o filho.
Conrado segurou firme na mão do pai, e foi conduzido por este até o leito onde Miguel estava. Externamente ele estava calmo, mas por dentro, era como se um tigre estivesse preso com muito esforço, ameaçando se soltar.
Luciano parou à porta do quarto, e deixou que Conrado entrasse sozinho. Miguel ainda dormia, respirando suavemente. O corpo estava repleto de curativos e faixas. Um soro com muitos analgésicos e anti-inflamatórios fortes aplicados, gotejava lentamente, percorrendo o caminho até sua veia.
Conrado caminhou lentamente até a cabeceira, tocando de leve o rosto de seu amado. Seu coração se destroçava a cada instante que os olhos gravavam o estado de Miguel. Conrado estendeu sua mão até tocar na do outro. Inconscientemente, Miguel apertou a mão do namorado, fazendo-o chorar imediatamente.
- Me perdoa meu amor – sussurrou Conrado. – Eu não cuidei de você como merecia.
Miguel despertou lentamente. Com todos os medicamentos que havia tomado, só deveria acordar no dia seguinte.
- Meu Conrado... – ele falou baixinho, esforçando-se para sorrir, contra os músculos inchados e enrijecidos da face.
- Como você está minha vida?
- Agora estou bem, como você do meu lado – sua voz era um gemido.
- Eu nunca mais vou sair de perto de você, meu cordeirinho.
- Vou cobrar lobo-mau. – Miguel ensaiou um sorriso.
Os dois ficaram se tocando, fazendo juras de amor com os olhos.
- Consegui vencê-lo – Miguel disse com satisfação. – Ele tentou arrancar o meu amor por você, mas não conseguiu.
- O que seu pai fez não tem perdão – Conrado começava a se exaltar. – Você tem que denunciá-lo.
Miguel balançou a cabeça bem devagar, fazendo uma negativa.
- Eu quero esquecer tudo o que aconteceu. – Miguel acariciou a boca de Conrado. – O que era presente virou um passado distante. Minha vida começa a partir de agora. Vou morar com você e encontrar a minha mãe.
- Mas meu amor...
Miguel apertou a mão de Conrado, em sinal de que ele não devia contestar.
- São apenas lembranças que não merecem ser recordadas. Cairão no mar do esquecimento – Miguel estava sereno. – Eu sou inteiramente seu agora e você meu, é o que importa. Nosso amor é só o que importa.
Miguel voltou a dormir, afrouxando lentamente sua mão, que apertava a de Conrado.
Na sala de espera, outra balbúrdia se formava. O pastor Oliveira estava aos gritos e berros, exigindo que devolvessem seu filho.
- O seu filho está sendo muito bem cuidado aqui, ao contrario do que ele passou na sua casa. – Júlia se empertigou diante de Oliveira.
- Eu sugiro que saia de boa vontade, ou então vou ter que chamar a segurança para escorraçá-lo daqui – Luciano foi bem claro.
- Eu sou o pai dele, e tenho direito de fazer o que eu achar que é certo! – o pastor cuspia as palavras. – Vou levá-lo daqui quer vocês queiram ou não.
- Quero ver o senhor fazer isso – Júlia peitou o pastor.
- Como tem coragem de exigir algum direito, depois do que fez com Miguel? – Christiane se manifestou. – Você é um monstro. Merece queimar no inferno pela eternidade.
- Cala a boca sua pervertida! – o pastor gritou. – Tenho certeza que você é uma das responsáveis por incutir em Miguel esses desejos nojentos, mas eu repreendi todo o mal que habitava nele.
- O senhor agiu com violência contra o seu filho. – Luciano não aceitava. – Uma coisa é não aprovar a orientação sexual dele, mas daí a fazer o que fez, é inaceitável.
- Eu não vou discutir a minha maneira de educar meu filho com você, Luciano Jadão – o pastor quis seguir em frente. – Quero meu filho agora! Ou chamo a polícia imediatamente.
- Faça isso mesmo! É bom que o senhor saia daqui algemado como um criminoso que é
– Christiane estava a ponto de explodir.
- Vá para a casa pastor, e não se preocupe com Miguel, pois ele será bem tratado. Depois, quando ele estiver recuperado, o próprio Miguel decidirá o futuro da relação de vocês.
- Vocês não vão tirá-lo de mim! – o pastor acatou o conselho contra sua vontade, e foi embora.
Durante toda a noite, Conrado velou o sono de Miguel. Não queria deixá-lo sozinho nem por um instante. E apesar de se manter tranquilo perto do seu namorado, sua mente maquinava coisas não tão agradáveis.
De manhã, Júlia veio ver o paciente. Mesmo com a presença da médica, Conrado não abandonou seu posto de sentinela, por um segundo. Só depois de muita insistência da madrasta é que ele foi se higienizar e tomar um café no refeitório. A vinda de Oliveira na noite anterior não foi comentada com ele, era mais prudente.
Após dois dias de internação, Miguel recebeu alta, e foi terminar de se curar na mansão. Luciano e Júlia preparam um quarto para recebê-lo com todo conforto e
aparato. Conrado era um cão-de-guarda, cuidava atentamente de cada mínimo movimento de Miguel. Nesse espaço de tempo, o pastor não voltou a procurar a família Jadão, pois se sentiu ameaçado com a possibilidade de ser preso, mesmo achando que agiu corretamente.
Enquanto Miguel dormia sua primeira noite na mansão, Conrado se preparava para tomar uma atitude. Manteve-se equilibrado até seu namorado está melhor, e como ele já estava, era hora de se libertar daquela raiva incrustada.
- Me desculpe meu cordeirinho, mas não posso fechar essa história sem antes colocar o ponto final. – Conrado beijou a testa de Miguel, o cobrindo delicadamente.
O filho de Luciano pegou o seu carro e saiu em alta velocidade para o acerto de contas. Sua carne tremia, seu sangue efervescia, suas mãos apertava o volante a ponto de quebrá-lo.
O carro parou bruscamente em frente à igreja, que estava lotada de fiéis.
-... E quando nos preocupamos com a nutrição espiritual de nossos filhos, demonstramos genuinamente, que somos pais amorosos – declarava o pastor Oliveira, em seu discurso da noite.
- E o que você entende sobre ser um pai amoroso, seu desgraçado filho da puta?! – Conrado entrou subitamente na igreja.
Os irmãos olharam todos ao mesmo tempo na direção do intruso.
- O que está fazendo aqui filho do diabo? – o pastor fechou a Bíblia bruscamente.
- O senhor não gosta de falar a verdade para suas ovelhas, muito bem – Conrado sorriu ironicamente. – Diga a eles o que você fez. Conte aos irmãos que animal imundo você é. O que está esperando?
- Saia da minha igreja! – o pastor desceu da tribuna
- Esse homem que professa ser representante de Deus, não passa de um cretino, bandido, sacripanta! Ele foi capaz de espancar o próprio o filho violentamente. Sabem por quê?
- Cale-se!
- Por causa do amor. Sim. Eu e o filho do pastor, estamos juntos, somos namorados.
- CALE ESSA BOCA!
- Eu e o filho do pastor nos amamos e vamos viver felizes para sempre, como um casal abençoado por Deus!
A assistência estava muda e perplexa com a revelação, enquanto o pastor vinha em direção a Conrado, como um tornado em plena fúria.
- Mandei... Calar... Sua... Boca... Maldita!
- E se eu não me calar, o que vai fazer? Vai me espancar como fez com o Miguel? Não mesmo! – Conrado girou o punho num soco tão violento que arremessou o pastor longe.
– Agora é hora de pagar a fatura.
Conrado o puxou pelo terno, fazendo-o levantar e deu-lhe um soco maior ainda.
Chutes, pontapés e murros choveram no pastor Oliveira.
- Reage seu covarde! – Conrado gritava despejando toda sua força.
O pastor sangrava horrores, tentando se defender, mas era inútil. Algumas pessoas vieram em seu socorro, mas apanharam também. Conrado era uma maquina de socar.
- Você só tem coragem de bater em quem não pode se defender não é? – Conrado continuava a bater sem parar. O pastor já estava quase desmaiado.
- Você... Vai... Para... O inferno, seu demônio – o pastor falava, cuspindo alguns dentes.
- E te levo junto, que é pra socar essa tua cara todo dia – Conrado lhe deu um chute final no estômago fazendo o pastor vomitar.
- Eu vou chamar polícia – o pastor Carlos tremia feito uma vara verde.
- Vai em frente capacho – Conrado se voltou para ele. – Será bom que eu e Oliveira sejamos presos juntos por agressão, aí vou ter mais tempo de amaciar a cara dele na cadeia.
O pai de Miguel arquejava no chão.
- Nunca mais se aproxime de mim e do Miguel, seu monte de bosta! – Conrado cuspiu sobre o pastor Oliveira, deixando a igreja.
Os fiéis assustados e escandalizados pelo que ouviram, foram saindo rapidamente, esvaziando os bancos da igreja. Oliveira gemia baixinho, diante de sua humilhação e total derrocada.
De volta à mansão, Conrado tomou um banho bem demorado para tirar qualquer resquício do verme que esmagara. Sentia um alívio indescritível. E assim, de alma lavada, voltou para junto de Miguel, e encontrou seu cordeirinho acordado.
- Onde você estava? – perguntou Miguel.
- Tinha ido resolver um assunto inacabado – respondeu Conrado. – Agora vai ficar tudo bem meu cordeirinho. Nós vamos começar uma vida nova – Conrado o beijou, e deitou junto com ele, cuidando para não machucar seus ferimentos. Por hora, tudo estava perfeitamente bem.
O que torna o diamante uma pedra preciosa não é o seu brilho, e sim sua solidez.
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