Objeto duma aposta

Um conto erótico de Alec W.
Categoria: Heterossexual
Contém 4733 palavras
Data: 18/01/2016 15:46:56

Preliminarmente: se busca um conto erótico, PARE DE LER, pois este, consoante as tags, trata-se, principalmente, de drama, romance e amor. A quem decidir ler, vamos nessa, pois há muito a ser contado e sentido. Recomendo a leitura do primeiro conto, para melhor entendimento.

Narrado por Sofia

-Não posso fazer nada, você é maior, vacinada e inteligente o bastante para reconhecer que não será fácil. Vai ser uma pedreira, Sofia! Se você pensa que não, as pessoas tem, sim, preconceito! Não se iluda!

-Em algum momento, falei que queria que fosse fácil?

-Não, não falou. Mas... ah, que falta faz a sua mãe! Estou vendo que vou ser obrigado a me casar de novo, porque só outra mulher pra entender o que tem dentro da sua cabeça!

-Estou apaixonada, pai, é isso o que tem dentro da minha cabeça! Não fuja do assunto. Nunca se apaixonou? Por que se casou com a mamãe?

-Você sabe, Sofia. Porque a amava! E sabe o que sofri, quando ela partiu, me deixando com três filhos para criar! Se não fosse a sua avó, eu estava ferrado, como, aliás, fiquei, quando ela também partiu. Principalmente por sua causa. Uma filha mocinha e eu todo tímido e desajeitado, Deus do céu!

-Menos drama, seu Sérgio! O senhor se saiu muito bem e está tentando se sair melhor ainda, escorregando do assunto e deturpando-o. Tu és fueda, pai, rs.

-Rs, isso é jeito de falar com seu pai, menina?

-Esperava que o senhor me apoiasse! O Sávio e o Heitor me compreenderam e apoiaram!

-Sofia, eles são seus irmãos e eu, seu pai! É totalmente diferente o grau de responsabilidade para com a sua felicidade! Pense bem. O que é estar apaixonado? Pode ser um estado transitório, que evapora como a mais volátil das substâncias, assim que o encanto se quebra. Porque quebra, minha filha. No mundo, não existe ideal nem perfeição. Todas as carruagens são abóboras, todos os príncipes são sapos e todas as princesas são mulheres da vida real. E se for apenas uma fase? Você vai mexer com os sentimentos de um rapaz, que pela própria deficiência, é, já, mais sofrido que a maioria, para vir a constatar que não era bem assim e colocar um ponto final no relacionamento? Penso que é uma loucura. Esperem, fiquem e conheçam-se mais, é a minha opinião.

-Já que o senhor está pedindo o português claro, que assim seja: não há mais o que esperar, pai. Sei tudo o que me é preciso saber, inclusive que o encanto está nos olhos de quem vê. Está nas minhas mãos enxergar a abóbora como carruagem, o sapo como príncipe, a mim mesma como princesa e cultivar esse sonho de forma que possa sempre ver daí para melhor. O que é uma vida sem sonhos? É indigna de ser vivida! Por acaso o encanto que o senhor vivia com a mamãe, se quebrou?

-Não, filha. Nunca!

-Então, pai, não me negue a sua aprovação. Eu amo o Alec e decidi aceitar seu pedido de namoro.

-Você tem certeza, Sofia?

-Impossível estar mais certa, pai.

-O que fazer, senão dar-te a minha bênção? Traga o meu genro. Quero conhecê-lo e ter certeza de que vai te fazer feliz.

-Ele vai, meu pai. Ele já faz.

Conversando com meu pai, percebi claramente a trajetória meteórica do meu relacionamento com o Alec. Realmente, era assustador. Há cinco dias, nada significávamos, um para o outro. Apenas colegas de classe que sequer se falavam, até o desafio de péssimo gosto que me fez a Louise, na ocasião em que o professor de Ciência Política propôs um trabalho em duplas:

-Aposto o meu cu de quatro, que você não tem coragem de escolher o cara das muletas, dar em cima dele e satisfazer as nossas curiosidades!

-Que horror, Lou! O nome dele é Alec e você sabe! E pra que eu iria querer seu cu de quatro, rs?

-Rs, sei lá, pra comer com um strap-on, rsrsrs. Aposto o que você quiser. Vai amarelar, rs?

-Ei, loucas da xereca, o que tanto combinam, aí? Vão fazer o trabalho, juntas? - perguntou Roseli, que se sentava atrás de mim.

-Essa piranha da Lou quer que eu escolha o Alec, para fazer o trabalho, me ofereça para ele e descubra tudo o que queremos saber. Disse que aposta o que eu quiser.

-Pois eu dobro a aposta! O Alec é pra lá de estranho. Tá em quase todas as baladas, mas não chega em ninguém. Ou é gay e não quer queimar o filme ou o pau não sobe.

-Ou não perdeu a virgindade antes do acidente, rsrs...

-Shhhhhhhhh, falem baixo, piraram?

-Anda logo, Sofia! Alguém vai escolher o cara, ele só tem notão.

E foi neste momento de fraqueza, que me rendi e a nossa história começou a ser escrita pelas linhas mais tortas:

-Professor... eu escolho o Alec!

Vezes sem conta me arrependi, porque ele me olhou e sorriu, um sorriso grato e franco, direto. Não havia volta. A escolha estava feita e o caminho era para frente. Até pensei em desistir e só fazer o trabalho, mas aquele cara tinha um algo a mais, um ímã só dele. Uma vez próximos, era ali que eu queria estar, fato que descobri enquanto conversávamos após a aula. Percebi que quando estava sentado, gesticulava sem parar. Falava com as mãos, que não podia usar com tanta constância, ao estar de pé. Tinha mãos grandes, bonitas e antebraços extremamente sexys. Antebraços eram meu ponto fraco, sempre me excitaram - primeira coisa que eu olhava, em um homem... exceto no Alec. A primeira coisa que notei nele foram seus olhos. Quem disse que precisam ser claros para serem lindos? Seus grandes, brilhantes e vivazes olhos castanhos bem poderiam ser o meu chão. Sim, eu iria tentar seduzi-lo. Pelo visto, não seria difícil. Estava excitado e, embora tentasse disfarçar, era perceptível. Belo volume. Uma das perguntas estava respondida. Uma contra outras cem, que se formavam dentro da minha cabeça.

Nem nos meus sonhos mais incomuns imaginaria que as coisas iriam tomar o rumo que tomaram, após chegar em sua casa e vê-lo aparentemente tão fragilizado. Não sabia que usava cadeira de rodas e me assustei. A dor transparecia em seu rosto, embora dissesse o contrário. Ele deveria querer muito que eu estivesse ali, para superar a dor que lhe castigava e essa atitude me quebrou, por dentro. Fiz o possível para não ficar olhando para suas pernas, que estavam inquietas. Fazia calor, mas o Alec estava de jeans, mesmo sendo óbvio que tinha pernas grossas. O que estaria escondendo?

Percebi que sentia dificuldade em se concentrar no texto, ele é que não percebeu que eu sentia muito mais e que usei do meu jeitinho feminino para fazê-lo analisar a maioria dos fundamentos do nosso trabalho. Concluí que viria a ser excelente advogado, pois mesmo com dor, excitado e desconcentrado, argumentava com lógica, sem perder o eixo das questões. Conforme o tempo se passava, vi seu rosto ir se descontraindo. A dor abrandava, suas pernas se mexiam menos e seu perfume e seus olhos cravados nos meus seios estavam me deixando toda molhadinha. Minha bucetinha piscava, todas as vezes que me lembrava do volume entre as pernas do Alec. Sabia que ele estava excitado, mas estávamos tão próximos que não havia meios de visualizar seu volume sem que ele percebesse, se bem que pensava que era isto mesmo que ele queria, rs.

O beijo veio de forma tão natural, que parecia ter vindo de outras vidas. A entrega não foi diferente. O Alec parecia adivinhar meus desejos e possuir um mapa do meu corpo, pois explorava minhas zonas erógenas como quem conhece o que é seu. Que vontade de morder seus antebraços até machucar, que tesão animal! Só não satisfiz minha vontade por medo de machucá-lo, dificultar seu manejo das muletas e, consequentemente, sua locomoção. Minhas mãos percorriam as cicatrizes em suas costas, mas até suas cicatrizes me davam tesão. Na verdade, até o medo que senti, quando despi sua calça, me deu tesão, pois parecia estar tocando um território proibido. Na nossa classe, as meninas formulavam hipóteses sobre o que ele teria, debaixo das roupas. Devido à sua deficiência, algumas achavam que usava uma sonda ou um coletor, por estar sempre de jeans. Iara, a mais vadia de todas, havia perguntado ao Lipe, companheiro de balada, do Alec, que respondeu que não tinha nada além de um pau e duas bolas, rs. Ninguém acreditou. Mas naquele momento, eu via que o Lipe dissera a verdade. Não tinha nada, mesmo. A boxer preta e justa marcava o contorno impecável de um pau grande, grosso, com uma cabeça pra fazer qualquer mulher salivar e um saco delicioso de se lamber. Como já sabia, suas pernas eram grossas e me perguntei o que ele faria para manter aquele pernão. Os pés eram grandes, com dedos longos, um quê aristocrático e estavam muito mais frios que o restante do corpo. Entendi a razão da calça, ele sentia frio nas pernas, face à circulação irregular.

E foi assim, ao vê-lo completamente nu, que me dei conta de que o que estava sentindo não era apenas físico. Era o Big Bang, a grande explosão de uma paixão avassaladora, que me fazia gozar aos jorros. As cordas mais profundas da cítara do meu ser estavam, finalmente, sendo tocadas, formando uma sinfonia exótica, de rara e emocionante beleza, que me preparava para um momento ímpar: as lágrimas do Alec e sua apaixonada confissão de que aquela era a sua primeira vez, após o acidente. Não existem palavras que expressem o que senti. Era como se não fosse ele quem estivesse confessando, mas eu. Era como se ele fosse um espelho de mim, como se suas lágrimas fossem as minhas, sua confissão fosse a minha e sua primeira vez pós-acidente fosse minha!

Lembrei-me das palavras da minha mãe, dias antes de partir: -Sofia, você tem nove anos, mas pode entender o que vou te dizer. Preste atenção. Mesmo doente como estou, a vida vale a pena, porque um dia, encontrei seu pai, tive seus irmãos e você. Sua avó sempre me dizia que pessoas são metades desiguais e que o amor é a capacidade de quebrar pedaços de si mesmo, para encaixar no coração do outro e fazer a metade perfeita. Mas com o seu pai, não precisei quebrar nada. Meu coração foi feito certinho pro tamanho do dele e o dele, pro meu. E eu sei que você vai encontrar alguém assim. Peço a Deus e o sinto, minha filha.

E eu encontrei! Encontrei o meu Alec, que compartilhou seu segredo, trazendo à tona as palavras e preces da minha mãe, que me deram a certeza de que com aquele homem, meu coração jamais seria quebrado. Chorei. Choramos juntos. Ele era a metade perfeita, que, de coração puro, me deu o seu melhor, sem saber que dias antes, era apenas o mero objeto duma aposta mesquinha! Quanta desigualdade! Desigualdade, aliás, que eu estava decidida a sanar, dando-lhe meu coração e meu amor, inteiros, jamais permitindo que quebrasse seu coração, para se encaixar no meu.

Minhas amigas ficariam pasmas, se tivessem visto o quanto a vida do Alec era normal. Podíamos fazer qualquer coisa, juntos. A única coisa que ele precisava, para tomar banho, escovar os dentes, se barbear ou até cozinhar, era uma cadeira de plástico. Uma cadeira comum, sem braços. Nenhuma complicação, nenhum mistério e a classe quase inteira se afogando num mar de mistérios inexistentes! Como o ser humano se compraz, fantasiando o desconhecido, principalmente quando está nos limites da vida alheia!

Na noite seguinte à nossa entrega, cheguei à faculdade antes do Alec e prontamente fui abordada pela Lou e pela Rose, que haviam espalhado o assunto da aposta para a Thaís, a Carmen e a Polyana e só Deus sabe para mais quem. Todas se contorciam de curiosidade, pois o que acontecera entre mim e o Alec, ficara evidente. Não havia meios de esconder nossa química, tranparente como o sol atravessando a uma vidraça.

-Vamos, flor, estamos loucas pra saber tudo! Pode começar a falar. Como foi a transa? - perguntou a Rose.

-Gatas... da minha parte, a aposta está desfeita. Pago o que quiserem, porque não posso contar nada do que desejam saber.

-Puta que pariu, Sofia, vai tomar no meio do seu cu! Por que não? - perguntou a Lou, já ficando furiosa.

Embora não fosse verdade, falei as palavras que meu coração ditou e que pareciam ser as únicas cabíveis:

-Caso estivesse namorando, você revelaria os detalhes da intimidade do seu namorado? Então! Eu também não posso revelar a intimidade do meu!

Olhos se arregalaram. Queixos caíram. Babado, confusão e gritaria interior, porque ninguém dizia palavra. Quebrei o silêncio:

-E tem mais: por favor, parem de comentar sobre a aposta. Este assunto morreu aqui. Não suporto a ideia de ver o Alec magoado, porque ele é uma pessoa maravilhosa e não merece sofrer. Sei o quanto é cedo para dizer isto, mas o amor bateu à porta do meu coração... e eu não abri, escancarei!

Vendo que eu manifestava um sentimento real, minhas amigas me abraçaram e prometeram não mais cogitar sobre a intimidade do meu amor. Mas eu tinha um problemão, nas mãos: havia mentido, precisava dizê-lo ao Alec e estava preocupada com o seu atraso, bem como com a sua reação.

Quando o vi chegar, suspirei de alívio: ele estava bem. Corri ao seu encontro e minha expressão preocupada o intrigou, mas antes que pudesse abrir a boca, fui largando:

-Alec, eu fiz uma coisa muito errada e, de coração, espero que possa me perdoar. Eu... falei para a Louise, a Roseli, a Carmen, a Thaís e a Polyana que você é meu namorado!

-Ah, é, sou seu namorado, rs? Se você diz que sou, eu sou! Você quer namorar comigo, Sofia?

-Quero, sim, mais que tudo na vida, mas antes, você precisa saber que...

-É sobre a aposta? Se é, já me contaram. Ouvi dizer que a faculdade inteira está sabendo.

O estrago que eu queria conter já tinha acontecido! Desmoronei, chorei. E agora? Pretendia nunca quebrar o coração do Alec, mas já via o primeiro pedaço arrancado!

-Eu juro, Alec! Nunca quis lhe fazer nenhum mal. Aceitei a aposta porque te achei atraente desde o primeiro dia de aula. Mas eu desisti, dizendo às meninas que não podia revelar nada sobre a sua intimidade, porque é meu namorado. E além disso, pedi às meninas que o assunto da aposta cessasse, porque não suportava a ideia de te ver magoado. Sabe por que fiz isso?

-Psiu... não diga nada! Sei, sim. Pelo mesmo motivo que está aqui, dentro do meu coração e não há aposta que possa mudar.

-Mas Alec... Por que tinha que ser assim? Nosso começo foi tão lindo!

-Não deixou de ser, Sofia. É a nossa história e não pode ser mudada. Acima do bem e do mal, estamos unidos. Posso superar os termos da aposta, não posso é ficar sem você. Diga que sou louco, porque sou. Louco por você. Eu te amo, Sofia. Aceita namorar comigo?

-Aceito, Alec! Aceito porque também te amo. É muito mais que um namoro.

-Sim, é a insanidade, Sofia.

E assim, nos beijamos apaixonadamente. Não havia mais ninguém ao nosso redor, embora o pátio estivesse cheio. No nosso mundo, só havíamos nós. O nosso mundo girava, num giro louco embalado pelas asas de milhões de borboletas.

-Vamos fugir, depois da aula, minha linda namorada, rs?

-Vamos, rsrs.

-Só mais uma coisa, Sofia... Marque a data.

-Que data?

-A data em que vou te pedir em namoro, ao seu pai.

-Rsrs, já vejo meu pai pirar, rs...

Narrado por Alec

Após a aula, fui convidado para três baladas. Recusei a todos os convites. Queria apenas ir para casa e pensar na revolução que me acontecia. Estava feliz como não me lembrava de ter estado. Meu maxilar doía, por permanecer sorrindo até sem perceber, rs. Dirigia cantando alto, marcando o ritmo com os polegares, no volante e decidi que tiraria meu violão do armário. Tinha a melhor das razões para voltar a cantar.

Cheguei em casa cedo e, sem ser aguardado em tal horário, surpreendi meus pais aos amassos, na sala, rs. Hilário, os dois envergonhados como se eu tivesse nascido por milagre, rs. Tentei prender o riso, mas não funcionou - caí na gargalhada, rsrs. Minha mãe ficou uma fera e saiu para a cozinha, pisando duro como um general. Meu pai e eu rachamos o bico, rs.

-Fodeu, pai, depois dessa, a mãe não vai te dar, rs.

-Há há, ela já deu, ô, inocente, rs. Aliás, falando em dar, como foi o seu encontro, rs?

-Do jeito que o senhor está pensando, só que muito melhor. Rolou um sentimento especial, sabe?

-Sei, vejo em seus olhos. Filho, eu acredito em amor à primeira vista. Nunca te contei isso pra não dar mau exemplo, mas você já é maduro pra saber: quando era solteiro, eu era um buceteiro master. Quem quisesse dar, eu queria comer, sem distinção de idade, peso, cor ou estado civil. Seu avô, piranheiro-mor, me dizia: -Vamos piranhar, meu filho, porque o que se leva da vida são as gozadas que a gente deu! E lá íamos nós dois, atrás de sacanagem. Até o dia em que conheci a sua mãe. Naquele dia, minha vida de galinhagem acabou. Houve até quem especulasse que eu tinha virado o disco, rs. Que nada. Quando o amor entra no coração, é a guinada fatal, é o momento em que você deixa de ter o leme da sua vida nas suas mãos, pra compartilhá-lo com alguém. Não me admira que encontre o amor na sua idade. Quando conheci a sua mãe eu tinha vinte anos e não sei quem era mais fodido, ela ou eu, rs. Faltava dinheiro, faltava estudo, faltava tudo, menos amor. Dez anos, até organizarmos a vida para nos casar. Mas eu faria tudo de novo!

-Ainda estou elaborando o que sinto. Assim que souber explicar, vou compartilhar. Piranheiro, hem, Vanderley? Rs, quem diria! Por isso o senhor tem tanto medo das minhas escapadas, rsrsrs. Tenho sangue boêmio e nem sabia, rs. Por ora, vou tomar um banho, fazer um lanche e me deitar.

-Vá, filho. E... Alec... o que se leva da vida é tão somente o amor verdadeiro.

Sabia que meus pais tinham a esperança de que namorando, eu sossegaria e se não abandonasse, ao menos reduziria a vida desregrada. Mas meu pai não dissera aquelas palavras para me incentivar a namorar, foi mesmo por interpretar meu sentimento. Aquela breve conversa significava o marco zero de uma nova abertura entre pai e filho. Fora uma confissão de homem apaixonado para homem apaixonado.

Mais tarde, ia me deitar quando notei que a minha mãe ainda andava, na cozinha. Decidi deixar a porta aberta. Sabia que ela queria me dizer algo, pois este era o seu comportamento típico. Deitei-me, aguardei e estava num estágio entre a consciência e o sono, quando a minha mãe entrou. Embora ela quisesse conversar e me fazer as suas perguntas de todo dia (se tomei meus remédios, se tomei a colher de mel, se sentia dor, se tinha ido ao banheiro antes de me deitar, por que não tinha calçado uma meia, ia zangar porque mais uma vez, deixei a cadeira de rodas longe da cama e por aí vai, rs. Coisas de mãe e feliz de quem tem uma.), ela viu que o cansaço me vencia, pegou um par de meias, me calçou (detesto meias, elas me dão a sensação de estar sufocado), deu-me um beijo na testa, disse: -Eu estou aqui, filho, te amo e só quero que seja feliz. - e saiu, encostando a porta.

Na manhã seguinte, estava na cozinha, tomando meu café da manhã, quando a minha mãe comentou:

-Então quer dizer que a Sofia não tem mãe?

-Quem disse isso à senhora, mãe?

-Você, meu filho. Ontem à noite, fui te ver e você estava mais dormindo que acordado, com os pés muito frios. Peguei um par de meias, te calcei e você disse, claramente: -A Sofia não tem mãe.

-Não me lembro de ter dito.

-Mas disse. Como eu poderia saber? O que aconteceu com a mãe da Sofia?

-Morreu. Teve câncer de pâncreas e fígado. Nessa época, a Sofia tinha nove anos.

-Que tristeza, meu Deus! Ela tem irmãos? Tem madrasta?

-Tem dois irmãos, o Sávio e o Heitor, ambos mais velhos que ela. E não tem madrasta. Sérgio, o pai dela, não voltou a se casar, nem tem namorada firme. Por que tantas perguntas?

-Para saber um pouco sobre a moça que te fez dormir tão feliz, que apagou, sorrindo, por uma noite inteira, depois de um dia de dor.

-Oh, meu Deus, a senhora não dormiu, mãe?

-Como, Alec? Estava preocupada com você. Quando saímos, te deixamos cheio de dor. Quando retornamos, não foi difícil deduzir o que tinha acontecido. Na hora, fiquei contrariada, mas percebi que estava pensando só em mim. Mudei o foco, ao pensar no quanto você estaria feliz. Fiquei brava, de novo, quando você e seu pai começaram a rir, mas passou quando ouvi a conversa de vocês e conferi o brilho em seus olhos, tal qual seu pai viu. E passei a noite levantando para te olhar. Foi isso.

-Não foi só isso, mãe. Conheço a senhora. Diga tudo.

-É que... Eu tenho medo, Alec. Medo de você sair ferido.

-Por que esse medo, mãe?

-Como é difícil admitir... Porque nunca te vi apaixonado, filho. E você está, é inegável! Como, meu Deus, uma paixão entra no seu coração desse jeito, em uma tarde? E se essa moça não quiser nada sério com você? E se a família dela for preconceituosa? E se...

-Ei, mãe! Chega de dúvidas. Vamos deixar acontecer, certo? Enquanto durar, vai ser eterno e vai me fazer viver mais. Não se esqueça de que sou seu filho e por isso, sou forte. Eu posso com um tombo. Quem se levantou duma cama de hospital para a vida, levanta de qualquer coisa.

-Certo, filho. E... se cuide, viu? Cuide do corpo, do coração e dos pensamentos. Se precisar de mim, estarei sempre ao seu lado.

-Eu sei, mãe! E também sempre estarei pronto, se a senhora precisar de mim.

Emocionada, minha mãe abraçou meus ombros e me deu um beijo, no topo da cabeça. Fiz um carinho em suas mãos e logo depois, me levantei e fui tirar meu violão do descaso a que havia sido relegado. Afinei-o, mas o som surdo, das cordas antigas, não me agradou. Avisei minha mãe e saí, para comprar um encordoamento novo. Passei parte da manhã e parte da tarde envolvido com meu violão, o qual, com as novas cordas, ficou com um som muito agradável. Que maravilha, ter para quem fazer música! Dormi um pouco. Acordei, tomei um banho e meu celular tocou. Atendi. Era o Marcelo, notavelmente agitado, dizendo que precisava falar comigo naquela hora e que não podia ser por telefone. Pedi que ao menos resumisse o assunto, para não me deixar tão preocupado.

-É uma coisa que o Daniel ouviu da Louise, cara. Uma coisa tipo o cu do anu, indescritível.

-E o que isso tem a ver comigo?

-Isso é o que não posso dizer, por telefone.

-Certo, passo na sua casa, meia hora antes de ir para a faculdade.

Cumpri com o combinado e qual não foi a minha surpresa, ao ouvir que no dia em que a Sofia me escolheu para ser seu par, no trabalho de Ciência Política, sua escolha foi motivada por uma aposta com suas amigas, que estavam piscando pra saber coisas íntimas, a meu respeito. O papel da Sofia seria me seduzir e repassar às meninas se eu gostava de mulher, qual era o tamanho do meu pau, se tinha sensibilidade nele, se eu conseguia transar, se aplicava injeção no pau, pra ficar duro, se usava vasodilatador, bomba peniana, anel peniano, plugue no rabo e o caralho. E o pior: Deus, o mundo e a torcida do Flamengo estavam cientes da aposta, se ardendo pelo desfecho.

Sacudi a cabeça, incrédulo. Nada daquilo fazia sentido. Pra que queriam saber? E já que queriam, por que não me perguntaram? Eu teria dito, de boa. Teria respondido até o que não perguntaram, circunstanciando as minhas limitações. Ainda bem que não estava na minha casa. Que tristeza! Por mais que esquentasse a cuca, meu quebra-cabeças continha peças trocadas, que não se encaixavam nem a cacete! A Sofia que tinha vibrado e se emocionado comigo, não podia ser a mesma que só queria saber se o 'cara das muletas' fodia ou não, a fim de me expor. Absurdo, sem chance. Curiosamente, eu não conseguia sentir raiva dela, só vontade de chorar, por acreditar que tinha sido escolhido, pura e simplesmente. Queria crer que tudo aquilo tinha uma explicação.

-Bora, cara, tá na nossa hora.

-Leva a mal não, Marcelo... Preciso de uns quinze minutos pra organizar os pensamentos e estabilizar.

-Cê besta, ô! Dá uma banana praquelas vagabundas e depois da aula, vamos pro puteiro. O Felipão tá juntando um grupo para assistir a um strip e depois, cada um faz o que quiser. O bicho vai pegar, porque no carro do Luiz Henrique, tem vodka até no cu do povo, rs.

-Nem vou. Não tô a fim, cara. Muito newbie, o Luiz Henrique. Pagar pra comer puta estando bêbado, rs. Prefiro nem comentar.

-Bebe quem quiser, mas não vou insistir. Se mudar de ideia, já sabe.

Decorridos os quinze minutos, mesmo que meus pensamentos não tivessem evoluído, fomos para a faculdade. Não tinha outro jeito, a não ser enfrentar a situação adversa. Minha mãe tinha razão, ao sentir medo, afinal, sempre haveria quem se incomodasse com a minha deficiência e até quem fizesse dela uma piada de domínio público.

Por mais que estivesse sofrendo, cheguei na faculdade de cabeça erguida e logo visualizei a Sofia, que corria, na minha direção, como um loiro raio de sol, pronto a iluminar meu coração. À medida que se aproximava, percebi sua expressão angustiada. Não tive tempo de lhe perguntar nada, ao ficarmos face a face. Sofia já chegou falando e se desculpando: tinha mentido às suas amigas, dizendo que eu era seu namorado. Tentei descontrai-la afirmando que se ela dizia que eu era seu namorado, então, era. Perguntei se queria namorar comigo. Sua sinceridade me surpreendeu. Queria, mas antes, eu tinha que saber que...

Foi a minha vez de não esperar, para falar. Disse-lhe que caso se tratasse da aposta, eu já estava ciente, bem como a faculdade inteira. Não queria fazê-la chorar, mas foi o que aconteceu. E mesmo assim, chorando, Sofia me disse que desistira da aposta, que não havia revelado nada sobre mim, com base na alegação de que eu era seu namorado e que havia pedido às suas amigas que deixassem de comentar aquele assunto, pois não queria me ver magoado. E perguntou se eu sabia o porque de sua atitude. Sabia, claro. Porque ela me amava, assim como eu a amava. Era o nosso louco amor, que nos unia, acima de tudo. Tornei a repetir o pedido de namoro. Pra que adiar, se daí a uma semana ou daí a um mês, o pedido seria o mesmo? Pedido aceito, nos beijamos, selando o nosso compromisso. Eu me sentia totalmente comprometido com a felicidade dela e sabia que era recíproco.

Propus que escapássemos, após a aula, sugestão que foi alegremente aceita pela Sofia. E, lógico, deixei bem claras as minhas intenções, solicitando que ela marcasse um dia para que eu pudesse formalizar o pedido de namoro, pedindo-a ao seu pai. Sofia sorriu e acrescentou que seu pai ia ficar doidão, rs.

Passava da hora de irmos às aulas. Fomos. Ela trocou de lugar, vindo para a frente, a fim de estar sentada ao meu lado. Que delícia de aulas, não ouvi porra nenhuma, rsrs. Saía um professor, entrava outro e eu lá, amarradão. Estava noutro planeta, curtindo o fato de estar de mãos dadas com a minha namorada. Acariciava sua pequena mão, que cabia dentro da minha mão enorme e sentia-me romântico, apaixonado. O que, é claro, não impedia que ficasse de olho nas horas. Saindo dali, iríamos direto para o motel mais próximo, afinal, a energia que perpassava nossas mãos entrelaçadas, era o prenúncio duma noite incomparável.

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Comentários

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A lei da atração é infalível, amigo... nas conversas entre mulheres rolam assuntos até mais cabulosos do que entre os homens e o que seria objeto de uma aposta acabou ocasionando um encontro fortuito e emocionante; a preocupação do pai de Sofia tem certo fundamento por conta da relação entre um casal, onde há uma infinidade de sentimentos e paixões quando a química é perceptível entre as duas partes envolvidas, tal qual a preocupação da sua mãe... o seu pai, apesar do passado piranheiro foi muito sensato nas suas colocações no decorrer da conversa que tiveram a sós na sala de casa. Enfim, ao saber o que todos da faculdade sabiam você teve maturidade suficiente para lidar com a situação e selar este compromisso que se inicia. Abraços.

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Rsrsrsrsrsrsrs... Cu do anu é uma expressão que designa algo indescritível. Como descrevê-lo? Rsrsrsrs... Também costumo ler junto com minha esposa pois creio que essa abertura faz bem. Abraços e beijos!

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Morri com o cu do anu, Alec seu lindo. Moço, minha mulher e eu estamos apaixonadas por esse seu jeito mega passional de escrever, faz a gente viajar. Beijos!

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Oh, amigão J.K., o que são erros ortográficos diante da intenção de deixar um comentário tão positivo? Não se preocupe com isso, pois só não erra quem não escreve. Muito obrigado pela tua participação. Grande abraço!

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Alegra-me muito que esteja gostando da minha história, caro Coroa Casado! Não sou escritor. Fiz o cadastro na Casa para tentar a sorte, rsrsrs. Sou péssimo com resumos e tenho consciência de que, às vezes, meus textos são longos. Sei que preciso trabalhar isso. Um dia, eu chego lá, rs! Mais uma vez obrigado e abração!

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Amor... Acredito que é a chave mestra para superar adversidades, não que eu já tenha amado, acho que não, foram apenas grandes paixões rsrs.

Amor, família, drama, pitadas de humor e uma história envolvente, parabéns Alec. Beijos!

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Oh, Adélia, assim você vai me fazer chorar, rs. Fiquei todo emocionado ao saber que os contos te agradaram. Quando trazemos informação ao público, ajudamos a quebrar preconceitos, mediante o combate à desinformação. Não existe assunto proibido e muito menos a dicotomia certo/errado. Vivemos num mundo de infinitas possibilidades, portanto, o que há de mais coerente é aproveitá-las ao máximo. Tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Vale dançar homem com homem, mulher com mulher, todo mundo junto, cadeirante com andante, pais e filhos, irmãos e o que mais couber. Ao infinito e além, aí vamos nós! Muitos beijos, com carinho, deste seu admirador.

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A vida é uma caixinha cheia de surpresas maravilhosas, por exemplo, as visitas de Yuzo e Karen Júlia, excelentes escritores! Saibam que aprendo muito com os textos de vocês. Abraços apertados!

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É esse negócio de aposta pode dar zebra. Já aconteceu de eu e um amigo apostarmos em quem sairia com uma garota. Resultado: acabamos ambos apaixonados por ela e quando ela soube, deu um fora nos dois. O que não aconteceu neste caso, graças à sua percepção de que as coisas mais óbvias nem sempre são verdadeiras. Talvez pela formação jurídica de questionar tudo. Na minha primeira audiência estava defendendo um réu que tinha mentido em tudo para mim. Até as testemunhas eram falsas. Foi um vexame! Depois disso, já teve clientes que até perguntaram se eu era advogado deles ou da outra parte. Passei a especular sobre tudo, para nunca mais ser surpreendido. Gato escaldado tem medo de água fria. Sempre digo que para dois profissionais, nunca se deve mentir: seu médico e seu advogado. Mais um dez com louvor.

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Sim, Linda Vanessa, dissestes a verdade. Sociedade e deficientes criam barreiras, delimitando espaços sociopolíticos, laborais, afetivos, sexuais e até familiares. Em regra, é assim. Infelizmente, tais divisões impedem pessoas de crescerem juntas. Quando iniciei a reabilitação, tive um colega que se perguntava 'por que eu?' e dizia que esta era a razão de sua revolta. Então, perguntei-lhe se já tinha olhado para os lados e se perguntado por que eu ou por que todos os nossos colegas. Quem muito indaga, perde tempo de ser feliz. Aconteceu comigo porque pode acontecer com qualquer pessoa. A deficiência nunca me impediu de amar, viver e ser feliz. Apenas me tornou mais humano e mais consciente, de mim e do outro. Muitos beijos!

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Na verdade, linda Val, é mais complicado do que parece, pois, muitas vezes, o próprio deficiente é o primeiro a ser preconceituoso consigo mesmo, impedindo-se de viver plenamente. O que me salvou de cair nessa armadilha foi justamente a fortíssima vontade de viver, a qual sempre habitou o meu coração. E, recebendo o seu comentário, a minha vontade de escrever mais e mais, também é imensa. Muitos beijos, minha Diva!

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