Passamos o resto do domingo juntos e na segunda feira o movimento de pessoas na casa já era grande, Cida preparando as refeições, Joca no jardim e o Zé a postos encerando o carro do papai.
O William levantou cedo e foi embora antes mesmo que os funcionários chegassem, apenas a Cida viu ele saindo e insistiu que ele tomasse pelo menos um café. Ele se recusou dizendo que voltaria mais tarde para me buscar.
Cida me deu um beijo de mãezona e perguntou o que eu queria comer.
- Apenas um café com leite e um pãozinho quente Cida, não estou com muita fome não rs.
Ela: Meu amor, você tem que se alimentar direito, pois, saco vazio não para em pé, ouviu?
Ele me encarava com um olhar de repreensão por eu não comer corretamente, mas o fato é que eu não estava com fome mesmo.
Eu estava um pouco nervoso com a volta dos meus pais e eu tinha algo sério para decidir, e dependendo da resposta do meu pai, eu sairía de casa.
Era umas nove horas da manhã e estavámos a mesa, eu e a Cida conversando sobre as dores de cabeça que eu dava para ela quando criança.
- Você e o William eram dois demônios, nunca dormiam, não paravam por nada, não tinha um botão de liga e desliga rs.
O dia que você caiu da bicicleta e ralou todo o joelho, você chegou aqui carregado pelo vizinho e quando me viu se jogou dos braços do senhor e pulou no meu colo chorando feito um bebê, e não queria me soltar por nada nesse mundo. Sua mãe ficou muito chateada por você escolher o meu colo ao invés do dela. Quando ela falou de te levar no hospital você chorou ainda mais, pois queria que eu fosse junto, eu tinha muita pena da sua mãe Hick, ela não tinha culpa, ela sempre tentou ser uma mãe presente para vocês todos, mas seu pai não queria que ela os mimassem. Isso fez com que você e seus irmãos se apegassem a mim.
- Cida?
- Sim, o que foi meu amor?
Ela se virou com as mãozinhas na cintura esperando que eu continuasse:
- Meu pai é um ditador aqui dentro? Tipo, eu não lembro de momentos felizes ao lado dele, o pouco que me recordo eram brigas e discussões, e tudo que ouço sobre ele é que, é um senhor extremamente seco e ignorante. Isso é verdade?
- Hick, seu pai foi criado de outra maneira, a família o colocou num colégio militar e por isso ele não soube entender o real significado da palavra amor, foi educado por pessoas rígidas e bastante exigentes, e ele exige isso de vocês também. Você pode perceber isso pela forma que o Gabi é com os filhos dele e com vocês. Quase que uma cópia exata do pai, ele foi criado praticamente da mesma forma que o Dr. Roberto. E se não fosse a Dona Branca, você teria ido para o mesmo colégio, aí era colocar nas mãos de Deus e rezar por você.
Nossa conversa foi interrompida por barulhos ineterruptos de buzinas.
A família já estava de volta e eu não esperaria nem mais um minuto para resolver a minha vida.
Ouvi gritinhos, risadas e passos rápidos da Diana e do Filipe correndo e chamando por mim.
- Tio Hick? Tio Hick, cadê você?
Fui ao encontro dos dois amores da minha vida e os carreguei em meu colo, quase caímos os três no chão.
A Diana estava bronzeada e com um embrulho na mão.
- Tio, eu te trouxe um presente....espero que goste rsrs.
Ela me entregou o embrulho enquanto sentávamos no sofá.
Era um apanhador de sonhos, muito bonito e com um significado que ela me explicou:
- Esse é um apanhador de sonhos, a teia trançada filtra todas as coisas ruins e deixa só os sonhos bons passarem e também vai fazer você se lembrar mais rápido das coisas boas que te aconteceram, mas só as boas ok!?
Eu adorei o presente e vindo com aquelas palavras da minha gatinha teve um significado ainda maior do amor que ela sentia por mim.
Logo o Filipe nos interrompe:
- Também te trouxe um presente bem legal! Eu tenho, papai tem também, o tio Jê e essa é a sua.
Quando abri o embrulho eu cai na gargalhada, era uma camiseta regata, dessas de praia mesmo com os dizeres: "Salve as bonitas, afogue as feias". Adorei os presentes, coloquei sobre o sofá e fui receber o restante do pessoal.
Minha mãe veio toda feliz, risonha e bastante emotiva me abraçar e me beijar.
Papai me deu um aperto de mão e um tapa nas costas.
- Está melhor Luiz Henrique?
A Sara me abraçou e me disse que precisava mijar, tomar um banho e depois conversaríamos.
Luminha me beijou e me olhou como que se soubesse de alguma coisa.
- E ae aproveitou pra trepar bastante com seu namoradinho?
Esse foi o Jean!
O Gabriel me deu um abraço e perguntou se fiquei bem. E eu respondi que super bem.
- Cuidado Henrique, não brinque com minha paciência.
Suzan: Não ligue pra ele Hick, é um ranzinza nato, mas me diz? Como passou esses dias?
Eu lhe dei um beijo, dizendo que já estava cem porcento bom.
O último Matheus me deu um aperto de mão forte e demorado.
- Faltou você lá conosco Hick.
Ele é um cara bem legal, somos grandes amigos.
Estavam todos na sala reunidos tomando água, suco, refrigerante e meu pai um whisky puro.
Eu resolvi que era a hora.
Sinto minhas mãos suarem, tremerem e minha garganta e voz quererem falhar, mas é o momento, ou faço agora ou nunca farei isso:
Filipe e Di, vocês dois podem ir com a Cida na cozinha, que o tio de vocês precisa conversar com os adultos.
Vi a expressão de sustou, medo e raiva no rosto do Gabriel. O Jean começou a andar em volta de si mesmo e meu pai deu uma golada do liquido e eu pude ouvir o barulho do gogó fazendo a bebida descer garganta adentro.
- O que você quer falar Henrique?
Minha mãe perguntou enquanto procurava uma poltrona para se sentar, ela já desconfiava de algo. "Acho que mãe sempre sabe de tudo, sem a gente precisar falar".
Meu pai cruzou os braços esperando que eu continuasse e foi o que fiz.
- Me lembrei de várias coisas esses dias e dentre essas recordações e percebi que eu não estava feliz vivendo da maneira que eu estava vivendo. Infelizmente eu estraguei a data mais importa da vida da Sara por conta de uma discussão que tive com a Carol no carro naquele dia. Mana eu te amo e sinto muito por ter estragado o seu casamento.
Ela: Você não estragou nada, você está aqui conosco e é isso que importa, eu amo você Hick, "amo".
Continuei.
- Eu ia fazer a pior besteira da minha vida naquele mesmo dia e talvez por obra de um ser maior, o acidente aconteceu para me alertar de que algo não estava certo. De fato não estava.
- Chega de rodeios Luiz Henrique, fala de uma vez.
Meu pai mostrando a todos os presentes naquela sala, o quanto ele era educado.
- Bom pai, já que o senhor quer que eu vá ao ponto. Eu sou gay, sempre fui gay, saí com muitos homens durante minha adolescência e maior idade. Eu não amo ou amava a Carol, ela queria o seu dinheiro e eu queria me camuflar. E de alguma forma ambos ajudaram um ao outro.
Meu pai veio pra cima de mim para me bater, seus olhos avermelharam naquele instante e ele franzia a testa enquanto mordia os próprios dentes.
- Viado? Filho viado, eu não criei nenhum de meus filhos para ficarem de quatro para outro homem. Te interno numa clínica, te mato, mas você não vai fazer isso comigo.
Ele gritava e tentava de todo jeito me pegar.
O Matheus e o Gabriel seguraram o meu pai. Ele mostrava os dentes como um cachorro raivoso, chegava a babar enquanto gritava palavrões em minha direção.
Eu não parei de falar, mesmo com medo e prestes a mijar na calça, eu continuei:
- Não vou mais fingir ser algo que eu não sou, não vou baixar minha cabeça a cada vez que o senhor passar por mim e não vou aceitar mais nenhuma chantagem ou ameaça de ninguém. Eu estou com o William e hoje mesmo eu me mudo pra casa dele.
Minha mãe começou a chorar, a Luma demostrou estar feliz e a Sara sorriu aprovando minha atitude. Meu pai gritou:
- Aquele maldito filho de uma puta, o que ele fez com você? Aí Branca, olha no que seu filho se tornou. Desde aquele episódio na sala que eu quis colocá-lo no colégio militar e você se opôs. A culpa é sua... Eu deveria ter matado vocês dois naquele dia, seu moleque petulante, imprestável.
Ele não parava de gritar e tentou me acertar com o copo de bebida.
Continuei:
- Outra coisa! A Carol está grávida de quase quatro meses e diz que o filho é meu, nós vamos fazer exame de DNA para termos certeza, se realmente for meu, eu vou arcar com tudo que a criança precisar.
Meu pai chutava o sofá e me xingava de vários nomes.
As meninas ficaram com medo que ele fizesse algo e me puxaram para fora da sala e subiram comigo até meu quarto.
A Sara ria e me elogiava:
- Nerd você foi corajoso, quase infartou o papai rsrs. Eu não acredito que aquela biscate conseguiu engravidar de você Hick? Você é burro mesmo.
Eu: Sara, já não basta o nosso pai, você também?
Luma me abraçou forte e disse:
Caralho Hick, você é louco rsrs.
Minha mãe subiu logo atrás de nós:
- Me deixem conversar um pouco com o irmão de vocês?
Sara: mamãe, não....
- Pode deixar Sara!
Eu falei olhando para os lindos olhos azuis da minha mãe.
As três saíram do quarto, ficando apenas eu e minha mãe.
Ela sentou-se na beirada da cama e deu alguns tapinhas no colchão, me convidando a sentar ao lado dela.
- Hick, você é o meu maior tesouro. Quando fiquei grávida de vocês dois, o médio não enxergou você no ultrassom que eu fazia e por isso nós estávamos preparados para receber apenas uma menina. Eu já tinha o Gabi e a Sara seria uma bênção para nós. No dia que dei entrada para dar a luz. Eu até então esperava apenas uma menina que se chamaria Sara. Uma das enfermeiras olhou pra minha barriga e disse: - Quais os nomes? - Ela me olhava toda sorridente esperando uma resposta. Mas eu assustada disse: - Sara. Ela então perguntou se poderia passar a mão na minha barriga e eu disse que sim.
- Qual será o nome do outro bebê? São dois!
- Eu não estava entendendo a insistência daquela mulher, até ela pegar minhas mãos e colocar cada uma de um lado da barriga e me dizer:
- A senhora está sentindo? Olha aqui tem um bebê e desse outro lado tem mais um, são gêmeos.
- Filho, eu fiquei assustada e emocionada pois nenhuma ultrassom tinha encontrado você escondidinho atrás de sua irmã. Você nasceu depois dela e se tornou o nosso xodó... Seu irmão Gabi não desgrudava um segundo sequer de você, ele até dormia ao seu lado numa cama improvisada. Henrique o que eu quero dizer com tudo isso, é que, você pode fazer a escolha que melhor achar para sua vida, mas isso não vai mudar em nada o que eu sinto por você. Te carreguei no meu ventre por meses, te eduquei e te protegi de tudo e de todos até agora. Mas você já é um lindo rapaz, crescido, responsável e de bem, eu sei que você será feliz do seu jeito e sabendo disso o meu coração se ilumina de alegria. Seu pai é do jeito que é, mas ele também te ama.
Ouvindo aquelas palavras eu não contive o nó na garganta e comecei a chorar junto com a minha mãe.
Ela acreditava e apoiava a minha condição, a busca por minha felicidade.
Mas ainda tinha que esperar o Dr. Roberto se acalmar para podermos terminar a nossa conversa. Estava sendo o pior dia da minha vida aquele..