Tento manter a calma, pois, evidentemente, poderia ser meu colega de quarto. Fui me aproximando, dessa vez mais calmamente, e abro a porta completamente para encontrar um inspetor. Não é bem um inspetor como no Brasil, mas é uma espécie de monitor ou instrutor que cuida dos dormitórios. Ele era alto e não apresentava ser muito velho, por volta de 28 anos, no máximo. Tinha cabelos escuros curtos, olhos verdes e era magro.
– Bom dia! Você deve ser... vejamos... – parecia procurar meu nome em uma prancheta – Daniel, certo? Daniel Bellintoni.
Concordei acenando a cabeça, ainda meio confuso com aquela situação. Parece que ele percebeu minha reação e continuo.
– Me desculpe... Sou Nicholas, o monitor do terceiro andar. Vim aqui dar as boas vindas e... bem... arrumar o quarto para o seu colega de quarto, John Stewart. – nesse momento parei para pensar por que um veterano precisaria que arrumassem seu quarto. – Bom, John é o filho de um dos professores mais importantes da nossa faculdade, na área de humanas, Mark Stewart, e... bem... – Nicholas parecia meio envergonhado de falar – apesar de ser uma pessoa muito legal, é um, digamos, um pouco problemático. Quer dizer, você nunca se perguntou como conseguiu dividir um quarto com um veterano e não com um calouro? – de fato, nunca havia parado para pensar. – Não queira saber. – Concluiu, dando um sorriso forçado.
Nesse momento, fiquei com medo, e acho que minha aparência me entregou.
– Ah, espere, não precisa ficar com medo. Ele é uma boa pessoa, de verdade! Os amigos adoram ele, mas é um pouco rebelde. Há uma história de que decidiu cursar engenharia só para contrariar o pai, mas ninguém sabe se é verdade. Por incrível que pareça, é incrivelmente inteligente, e tem uma das maiores médias do curso, mas quando decide deixar de estudar e ir para a farra, ninguém segura ele, nem mesmo o antigo colega de quarto. Não quero por pressão nenhuma ¬– pronto, já esperava bomba – mas esse é o terceiro ano de faculdade dele, e, nesses dois primeiros anos, já teve três colegas de quarto diferentes.
Não conseguia falar nada. Se o objetivo dele era me deixar com medo, conseguiu, estava completamente sem reação.
– Ah... sim... entendo... acho que vou ter que aguentar... – dei um sorriso forçado – Além do mais, sou estrangeiro, e ele pode não ir com a minha cara, né?
– Você se acostuma, mas olha, se eu fosse você, mudaria de cama, e deixaria aquela da janela para ele. Vai que ele encrenca né?
De repente, quando estava pronto para responder concordando com Nicholas, a porta, que não estava completamente fechada, se abre, dando entrada a um garoto moreno alto e forte, usando óculos escuros e com um sorriso contagiante no rosto, que logo falou, interrompendo-me:
– Deixa disso, Nicholas, deixa o novato ficar com a cama, depois a gente se acerta!
Se aquele fosse John, a aparência era bem contrária ao medo que formava na minha cabeça. E, em primeiro momento, pareceu muito simpático. Nicholas logo confirmou minhas suspeitas:
– John! Quanto tempo, seu maluco! Você não me ligou nenhuma vez nessas férias, está me devendo aquela revanche no boliche há meses! – Foi falando e se aproximando de John, que colocava sua grande mala em cima da cama, quando finalmente chegou perto e o cumprimentou com um abraço. – Vê se esse ano toma jeito, ein! Seu pai quase enlouqueceu no final do último semestre.
Até então, eu estava parecendo invisível naquele quarto, o que não me incomodava muito naquele momento. Minha alegria não durou muito tempo.
– John, esse é Daniel, seu novo colega de quarto. Ele parece ser uma boa pessoa, e, de verdade, espero que consiga durar mais que um semestre aqui.
– Deixa de ser babaca, Nick! Anda, vai embora e tenta achar o Andy e o Jaimy.
– Ah, claro. Mas, dessa vez não vai ser muito difícil, eles estão no quarto bem enfrente a esse. Eu não entendo uma coisa, se eles são tão seus amigos, por que um deles não divide quarto com você? – Nicholas falou rindo e saindo rápido do quarto, antes de ouvir a resposta de John, que apenas emitiu um palavrão, mas também levando na brincadeira.
Logo após essa cena, John virou para mim e tentou me tranquilizar:
– Olha, não liga pro que esse cara falou não tá? É muito palhaço, e desde que dei uma surra nele no boliche, tenta me difamar. – Disse sério, mas com um tom de humor.
– É, bem... olha... se quiser que eu troque de cama, de verdade, não tem problema nenhum. Eu até prefiro dormir longe da janela. – disse eu, forçando um sorriso amarelo.
– Deixa de besteira, se você não gostasse de dormir na janela não teria escolhido a cama quando estava sorrindo. Eu sou lindo, mas não sou burro. – Nesse momento piscou pra mim, pois já havia tirado os ósculos e me deixou ver seus olhos castanhos escuros, bem profundos, e gargalhou.
Acho que ele percebeu que eu ainda não estava muito confortável e disparou:
– Você não está com medo de mim, né? – vendo que eu não respondi nada, enfatizou – Né?
– Não, não. É que... eu sou novato sabe, então é meio estranho. Quer dizer, não quero incomodar ou nada assim, qualquer coisa que atrapalhar, é só me avisar.
– Relaxa, garoto! Eu não mordo não. – gargalhou, voltando-se para a grande mala que ainda estava na sua cama, abrindo-a. – Vai, me ajuda aqui!
Quando falou isso, pude ver o que estava dentro da mala, e não eram roupas, e sim uma televisão bem grande. Achei aquilo engraçado e estranho, mas ele logo tratou de explicar:
– Tá, é estranho, eu sei, mas nenhum quarto tem TV, e eu não consigo ficar longe do meu Xbox. – Eu adorava aquele videogame, minha mão havia me dado o Xbox One no ano anterior, logo quando lançou, como presente por ter entrado na faculdade.
Eu peguei de uma lado da televisão e ele do outro, e pusemos em cima da mesa que ficava na frente da minha cama. Estava já instalando o cabo, e ele vinha trazendo o console, e perguntou:
– Você joga? – balançando calmamente o Xbox.
– Sim, sim. Eu tinha um em casa, agora meu irmão deve estar usando.
– Ia acontecer o mesmo com o meu. – riu ele – Então decidi trazer para evitar maiores problemas. Você é de onde, aqui da Flórida mesmo? Sei lá, você parece muito “tropical”, se é que isso é adjetivo. – riu dele mesmo.
– Não, não. – também não consegui segurar a risada. – Sou brasileiro. – respondi, enquanto já instalávamos o aparelho.
– Sério? Caraca, as mulheres de lá são as melhores, muito boas, né não?
Tive que concordar. Apesar de não ter sido muito galinha nos meus anos de colégio, esse era um fato evidente. Os três anos do Ensino Médio daqui eu namorei com uma garota muito linda, mas tivemos que terminar quando resolvi vir para cá, mas foi um término sem estresse, tudo muito calmo. Ainda nos falamos eventualmente.
– Com certeza, mas as daqui não deixam nada a perder não. – tentei puxar mais assunto com ele.
– Eu sei bem, eu sei bem. – riu ele.
Quando acabamos de montar todo o aparelho, percebi que a TV e consequentemente o videogame ficavam em frente a minha cama, e questionei:
– É, John, tem certeza que não quer trocar de cama? Você pode ficar na frente da televisão, sem problemas.
– Já falei pra relaxar, fica tranquilo, a gente dá um jeito. Deixa eu ir lá embaixo pegar o resto das minhas coisas.
Eu concordei com um aceno de cabeça e ele saiu do quarto. Poucos minutos depois ele estava de volta, trazendo mais duas malas enormes.
– Não sei onde eles se meteram, que saco! – disse ele impaciente, imaginei que estivesse falando dos amigos dos quais comentou mais cedo. Largou as malas em cima da cama, mais uma vez, e falou:
– Bora, vamos jogar, quero ganhar mais um “patinho” aqui! – ele riu e me entregou um dos controles.
Ele botou o jogo “Call of Duty”, e, para a minha sorte, eu jogava sempre com o meu irmão. Jogamos por uns 40 minutos e ora eu ganhava, ora ele ganhava. No meio de uma partida, alguém bateu na porta e eu me prontifiquei a atender: era Nicholas, que estava lá para falar com John.
– Johnny – até então não tinha ouvido esse apelido – seu pai está te chamando na sala do Reitor.
– Ele tá me chamando onde? Nem ferrando que eu vou lá.
– John, fala sério, não começa, é o primeiro dia, vai logo.
De muito mau humor, John resolveu ir e logo falou comigo.
– Cara, vamos ter que desempatar essa depois, mas se quiser continuar jogando pode ficar aí, sem problemas.
– Beleza, valeu!
Ele saiu e eu, sem nada pra fazer, chequei meu celular para qualquer novidade, mas não havia nada, então decidi voltar a jogar. Novamente fui interrompido com batida na porta. Estava andando para abri-la quando parei pra pensar: se fosse John, ele não bateria, pois já tem a chave, então quem seria? Quando abri, vi que se tratavam de dois garotos muito parecidos, acho que até irmãos.