Olá galera!
Hoje foi um dia super produtivo pra mim e consegui realizar umas das coisas que mais queria há tempos que era revisar esse conto que escrevi há mais de um ano. Na verdade o projeto é que ele fosse dividido em capítulo, mas como venho tendo problemas em postar regularmente e a média de demora entre meus capítulos é de mais ou menos dez dias, eu preferi condensá-lo em um capítulo só não só porque evitaria esse problema de atraso, como porque ainda não tenho um conto que seja de capítulo único e sei que existem leitores aqui que gostam e querem um conto assim e até se desestimulam a ler quando veem os meus romance com 20 capítulos. Pois bem, a narrativa é corrida e bem extensa então pros que gostam de capítulos enormes esse é um prato cheio. Espero que gostem porque pra mim foi uma história incrível mesmo tendo que cortar algumas coisas.
Antes de mais nada eu preciso dar alguns avisos formais por conta que o conteúdo que o texto aborda pode me gerar problemas:
Não tenho relação alguma com o Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Os personagens me pertencem e a cópia não está autorizada. Os termos diplomata, Ytamarati, Instituto Rio Branco e Consulados foram usados apenas como ambientação da história e não me pertencem. Qualquer aparência com fatos reais é mera coincidência. O conto é fictício.
Agora sim, boa leitura!
[ANOS ATRÁS]
Hoje eu faço 28 anos e não poderia estar me realizando de forma melhor. Eu alcancei a minha meta. Desde que terminei minha faculdade de direito eu sonhava com o dia de hoje. Foram anos de luta e estudo. Dedicação, disciplina, por vezes abstinência fizeram parte de uma longa jornada até o dia de hoje. Eu perdi sim alguns amigos, eu passei fins de semana com matéria acumulada, eu gastei rios de dinheiro com cursos preparatórios mas finalmente alcancei. Meus olhos estavam marejados e as letras do computador começaram a borrar. Eu li, reli e reli. Conferi o meu número de RG, meu sobrenome duas, três, quatro vezes. Eu havia sido aprovado! Aprovado no concurso que tanto queria, no cargo que sempre almejei, pra fazer o que mais me dava prazer com uma ótima remuneração.
O que mais eu poderia pedir a Deus? Minha vida seria perfeita dalí pra frente. Nada mais de aluguel porque agora eu iria poder comprar uma casa em Brasília, que eu amo, e talvez com o tempo até outra aqui no nordeste. Nada de pegar ônibus porque eu iria providenciar de dar entrada em um carro ainda no meu primeiro salário. Iria poder ter boas roupas, viajar muito já que parte do meu trabalho envolveria isso, poderia conhecer diversas culturas. Eu já sou poliglota então facilitaria muito.
Vocês devem estar se perguntando quem eu sou e que emprego dos sonhos é esse. Meu nome é Gabriel. Advogado por pura obrigação, já que nunca gostei de advogar, sempre sonhei em ser aprovado com concurso de formação de diplomatas do Instituto Rio Branco. No início do meu curso de Direito, já tardio, eu cursei disciplinas voltadas ao direito internacional e desde então me apaixonei pelo ramo. Eu me encontrei, como dizem. Eu vi todo o universo global que eu poderia me incluir e viver. Morar em outros países, representar o Brasil em assuntos internacionais. Tudo isso me encantava.
Hoje eu fui aprovado para ser diplomata. Agora eu iria me mudar pra Brasília, iria passar 2 anos no curso de formação pelo instituto já recebendo meu salário e depois então entraria na carreira de diplomata de fato. Não sabia se iria morar aqui no Brasil, ou se já iria pra outro país ao fim do curso de formação... Eu só queria ser diplomata! Já pensou se me enviassem pra Paris? Ser diplomata na França? No Reino Unido? Na China? Japão? Nossa, Japão seria demais! Estados Unidos nem se fala... Mas não... Normalmente diplomatas em início de carreira sempre são enviados pra países que ninguém sabe nem o nome.
Eu falava português, inglês, francês e espanhol. Isso facilitava pra que eu pudesse me adaptar a diversos lugares. Enfim, eu não sabia pra onde iriam me mandar e nem se iam de fato me mandar pra algum lugar. Eu só queria curtir aquele momento tão esperado por anos.
A lista de aprovados continha quarenta nomes. O meu estava em nono lugar. Quem liga pra posição? Eu estava dentro do número de vagas! Saí de casa direto pro carro emprestado pelo meu pai que passava os fins de semana comigo e dirigi ainda em êxtase pra casa dele. Estacionei e rompi pela porta com os olhos marejados e sorrindo. Minha mãe assim que me viu já foi preparando o "feliz aniversário" e eu a interrompi falando da aprovação. Toda a família ficou em festa de vez. Meus avós, meus amigos, meus primos, meus tios. Aquele fim de semana foi um fim de semana de festa. Eu não podia parar pra pensar na aprovação que me emocionava.
Naquela noite eu dormi ainda sorrindo pra mim mesmo. Não era só ter sido aprovado, era ter sido aprovado pra fazer o que amava e o que sonhava. Eu era a pessoa mais feliz do mundo.
Quarenta e cinco dias de muita ansiedade se passaram. Como disse, eu nunca fui um maravilhoso advogado e apenas exercia a profissão pra pagar as contas do meu apartamento. Nunca tive luxo. Então com a aprovação e a consequente convocação comuniquei a meus clientes que abriria mão de todas as causas. Uns não ficaram nada felizes. Em quarenta e cinco dias eu estava com tudo pronto pra me mudar pra Brasília. Fiquei em um albergue com poucas malas. Meus móveis viriam na próxima semana. Até lá eu assumiria o cargo e iniciaria o curso de formação. Meu Deus, eu não me continha em felicidade.
A cerimônia de posse do cargo foi bem simples. No Itamaraty, meu novo local de trabalho, o governador do DF, a Presidente, e alguns ministros como o das Relações Exteriores e Planejamento. Aluguei um terno maravilhoso já que os meus estavam bem surrados e tratei de fazer a barba com lâmina, coisa que eu odiava, preferia o barbeador, mas queria meu rosto o mais limpo possível. Recebemos a posse do cargo, assinamos todos os documentos, tiramos diversas fotos e finalmente eu agora ocupava o tão sonhado cargo de diplomata. Era surreal.
[UM ANO DEPOIS]
Bom, o curso de diplomacia no Instituto Rio Branco não era exatamente o que eu imaginava. Digo, o curso era feito com rigor. Eu já sabia. Mas as disciplinas por vezes não me interessavam. Ok, talvez eu tivesse me iludido achando que mal assumiria o cargo já iria embora pra outro país. Mas eu sabia que esse momento ia chegar. A não ser que eu fosse selecionado pra ficar no Brasil, mas todos os aprovados queriam ir pra outro país. Pra quem não sabe, a diplomacia é exercida parte no Brasil e parte em outro país.
Um ano se passou desde a minha aprovação e hoje, novamente meu aniversário, eu estou em situação completamente diversa da que estava há um ano. Hoje eu tenho um bom carro, uma boa casa, posso viajar nos fins de semana, posso comprar todos as coisas que sempre quis, posso ter o melhor video game do mercado que sempre foi um sonho... Mas algo me faltava. Algo que eu achava que faltava lá no nordeste mas eu iria encontrar aqui em Brasília. Algo que eu achava que viria junto, como um bônus, com minha aprovação. A minha vida, financeiramente falando, estava um mar de rosas. Solteiro, sozinho, com poucas despesas e com um salário muito bom eu vivia muito bem. Só que ao mesmo tempo em que sentia falta desse "algo" eu não sabia dizer o que era esse algo. Isso me irritava. Talvez fosse tédio, saudade da família, dos amigos...
O tempo foi passando, a saudade da família vinha vez ou outra... Na região nordeste o apego é mais apego. Não adianta querer negar. Nós sempre somos muito apegados à família. Mas o que me afetava ainda não era essa saudade. Era como se esse "algo" não estivesse dentro do instituto, dentro de Brasília ou dentro da aprovação e me frustrava pensar assim. Eu consegui o que eu mais queria, como podia estar me sentindo vazio? Eu sonhei por anos pra chegar onde cheguei e agora era como se o doce não fosse tão doce assim.
No curso, a maioria dos pessoas eram casadas. Homens ou mulheres. Pra ser diplomata basta nível superior, apesar de que grande parte dos aprovados deriva do direito, administração, algumas engenharias e relações internacionais. Mas havia uma colega enfermeira.
Meu grupo de amigos era pequeno. Quatro pessoas. Os homens sempre levavam as esposas quando decidíamos sair pra beber alguma coisa na sexta a noite. Minhas amigas também levavam os maridos... Eu era o único solteiro do grupo. Também haviam solteiros no instituto, mas no meu grupo de amigos eu era o único. Será que era isso? Faltava uma pessoa? Um cara, no meu caso? Todos os meus amigos sabiam da minha condição e nunca houve problemas. Eu já vi diversas pessoas dizerem que a vida não tem graça sozinho, que vivemos pra dividir os momentos bons com mais alguém. Eu não sabia se era isso, mas aquilo ficou na minha cabeça... Eu agora estava chegando na fase da vida onde a única coisa que faz sentido é casar?
Meses se passaram no regime de aulas do curso de formação. Logo já estávamos com um ano e meio de curso. O fim dos dois anos se aproximava e já poderíamos finalmente ou exercer a profissão aqui ou ir pra fora do país. Os comentários sobre vagas em diversos países começaram a surgir nos corredores e logo foram confirmados com o edital de seleção.
Três vagas no Japão. Uma vaga nos Estados Unidos. Uma vaga em Portugal. Uma vaga na Venezuela. Trinta vagas pra um país no sul da África que eu nem sabia pronunciar o nome. Era sempre assim... Ou seja, trinta e seis vagas. Ou seja, quatro de nós não íamos pra outro país. Ou seja, preciso ver minhas notas. Ou seja, é a minha chance!
Minhas notas estavam boas. Eu poderia sim conseguir uma boa vaga, mas o problema é que todos queriam as melhores vagas então todos também tinham boas notas. Aquilo seria seria muito acirrado. Minha mãe me dava uma força por telefone dizendo que tudo daria certo. Eu não queria um país em específico, só queria um bom local.
As noites começaram a ficar curtas pra tanto estudo. Eu queria nota máxima, sem discussão. Nada de 9. Eu queria 10 e pronto. Consegui algumas. Logo chegou a época de inscrição e seleção. As autoridades do instituto todos os dias nos orientavam sobre os países. Até que os Estados e Cidades foram divulgados. No momento de inscrição era possível escolher até duas opções de local. Eu então coloquei em primeira opção Lisboa em Portugal, porque avaliei ser "mais fácil". A segunda opção eu coloquei Nova York, nos Estados Unidos.
Lisboa eu escolhi porque não vi muitos comentários sobre pessoas que optariam por lá. Nova York era fora de cogitação. Eu jamais seria aprovado, todo mundo quer Nova York! Todo-mundo! Mas enfim, selecionei e entreguei nas mãos de Deus.
Dois meses se passaram desde as inscrições... Naquele dia seria o resultado. Eu lembro que cheguei no Instituto ainda sem saber que o resultado havia saído. Não esperava que divulgassem tão cedo. Eram sete e meia da manhã. Logo os gritos ecoaram na área de refeições. "Japão! Japão!", "Meu Deus! Consegui!", ouvi choro... Alguns amigos estavam felizes por terem ficado aqui no Brasil... Até que um grito em específico me chamou a atenção. "Lisboa!"
Eu fiquei parado no corredor. Haviam conseguido a vaga de Lisboa. Nova York estava longe dos meus sonhos então eu deveria ter ficado aqui no Brasil mesmo... Caminhando devagar até o mural um amigo me abraçou por trás e repousou a cabeça no meu ombro dando um forte tapa no meu peito.
- Você é o campeão Gabriel! O campeão!
Assim que os demais colegas me viram, sorriram e vieram me cumprimentar calorosamente. Eu não estava entendendo. Me levaram até o mural e eu vi.
Assim como no dia da minha aprovação no concurso, naquele dia eu não podia acreditar. Não podia mesmo! Tudo deu certo.
No próximo ano, por sabe-se lá quanto tempo, eu iria morar em nada menos do que Nova York e não poderia estar mais feliz por isso.
[MESES DEPOIS]
Me adaptar à Nova York não foi fácil. Há um outro lado da realidade que ninguém comenta nos filmes e séries. Mas eu vou falar mais disso à frente... Bom, eu cheguei em Nova York em pleno mês de dezembro. Início do metade do inverno. Nevava, fazia muito frio e as previsões é que a temperatura cairia ainda mais. Menos oito graus pra ser exato. Eu vinha do nordeste, nunca soube o que era um temperatura abaixo de vinte e dois graus no melhor dos invernos que já tinha passado.
Chegamos no aeroporto JFK num fim de tarde de uma segunda feira. O processo de translado foi o mais rápido que eu já vi em toda a minha vida. Isso se devia ao fato de que aquele era meu primeiro voo como diplomata oficial do Brasil e não mais um em treinamento. Umas das regras claras é que o diplomata não pode ter sua bagagem revistada, o que adianta muito seu processo de translado. A imigração não me fez uma pergunta se quer.
Na semana anterior eu só tive tempo de mal me despedir da família e arrumar o máximo de roupas possível na mala. Eu sabia que uma vez na cidade eu muito provavelmente faria compras, mas eu já não podia levar meus móveis, meu carro, minha casa, então que pelo menos levasse minhas roupas! Fora do aeroporto carros do consulado me esperavam. Eu era o único brasileiro no meio dos demais diplomatas. Havia um argentino e um que eu não sabia de onde era. Não nos falamos durante a viagem e o voo de quase doze horas foi bem silencioso. Lá após passarmos pela imigração cada um entrou no carro com a bandeira do seu país.
A realidade de me mudar pra Nova York ainda não tinha caído. Eu encarava como uma viagem de férias. Nas minhas férias passadas, no fim do primeiro ano do curso de formação dos diplomatas, eu viajei pra Paris. Eu sempre quis conhecer Paris. Foi muito legal. Eu sentia que estava indo fazer o mesmo, uma visita a um país diferente. Surpresas me aguardavam.
No caminho havia muita neve e os três carros, cada um de um país com seu diplomata, iam enfileirados na rua. Nova York já mostrava seu esplendor do horizonte. Era possível ver a selva de concreto crescer cada vez mais do mar a medida que nos aproximávamos. Era como nos filmes. Manhattan surgiu. Ainda branca pela neve, mas ainda assim linda. Os prédios eram muito maiores que os do Brasil e em seu aspecto geral eram pontiagudos e não só retângulos gigantes como os de Brasília, o que dava um ar muito bonito pra todos eles.
Eu achei um pouco de desleixo do governo Brasileiro não mandar nenhum guia pra me acompanhar. Eu não conhecia a cidade e iria pra o Hotel Tribeca. Onde ficava esse hotel? Eu não fazia a menor ideia. As ruas em Manhattan são divididas em números assim como as avenidas principais. Vertical e horizontal são as direções no meio da cidade. Isso dizia no mapa que me deram no aeroporto. Mesmo assim eu não sabia me localizar. A única rua que eu “conhecia” de Nova York era a Times Square e sabia lá Deus onde ela ficava naquela cidade... Eu estava a mercê do motorista.
Os carros do consulado nos levaram para o tal hotel Tribeca. Que nome estranho pra um hotel. As ruas de Manhattan são muito bonitas. Não é a toa que as pessoas dizem que andar por lá é como uma terapia. Não passamos perto do Central Park. Ou passamos e eu não notei. O fato é que chegamos ao hotel sob um pouco de neve e o transito até estava tranquilo. Imaginei que as pessoas não deviam querer sair de casa naquela neve.
Liguei o GPS do meu celular e vi que o hotel ficava numa rua um pouco afastada do Central Park. Bem afastada na verdade. O motorista falava português com um leve sotaque por trás. Levou minhas malas até a recepção do hotel e eu fiz o checkin. Segui as orientação para ir até meu quarto, 204. Coincidentemente os demais diplomatas estavam nos quartos 205 e 206. Os corredores do hotel eram muito apertados o que me deu um pouco de agonia de estar alí. Nem corredores de supermercados são tão apertados assim.
Entrei no 204 e o quarto não era um quarto. Era um suíte. Havia uma pequena sala, o quarto, banheiro, janelas até bem amplas e aquecedor. O closet era apertado e não caberia minhas roupas todas então decidi não desfazer a mala. Aquilo seria provisório. Eu iria ficar naquele hotel até o governo brasileiro conseguir um aluguel pra mim. Na verdade eu iria procurar o aluguel, mas precisava declarar ao governo pra que o trâmite com meu auxílio moradia fosse adiantado. Só que eu não fazia a mínima ideia de como alugar um apartamento em Nova York, nem quanto custava, nem nada...
Decidi tomar um banho e pedir algo pra comer. Me informaram que todos os pedidos ficam acrescidos às diárias no hotel e a quitação ocorre no fim de tudo. Foi aí o meu primeiro baque. Tomei meu banho em um banheiro bem minúsculo do hotel mas que já dispunha de sabonete, shampoo sem sal, condicionador, espuma e loção pós barba. Havia um roupão branco com uma etiqueta presa. Nela dizia que a roupa de cama e banho era trocada de dois em dois dias. Que paranóia!
A comida veio. Eu sou nordestino então decidi pedir algo que viesse com arroz, feijão e carne. A carne era filé mignon perfeito. Mas o arroz... Como os americanos comem aquele arroz. Era uma papa isso sim. Li de novo o cardápio pra ver se era algum tipo diferente mas não, era arroz simples. Mal toquei naquilo... Comi apenas a carne.
O Wi-fi era bom e deu pra falar com minha família pelo Skype. À noite as luzes da cidade entravam pela janela e apesar de eu estar levemente afastado do centro de Manhattan eu podia sentir toda a vibração da cidade. Dormi tranquilo e sorridente ainda pensando em tudo que estava lá fora. Eu estava numa das maiores e mais bonitas cidades do mundo, iria morar e trabalhar alí e não via a hora de desbravar cada canto dela.
Eu não podia simplesmente sair do hotel. Estava em um confinamento meio velado pelo governo. A orientação passada era que não saíssemos do hotel pelos próximos dias. Nem eu nem os demais diplomatas entenderam, mas todos os governos pediram isso. A área comum do Tribeca não era lá grande coisa então foi um tédio ter que ficar preso principalmente sabendo que o hotel ficava em Nova York. Até que dias depois o consulado me convocou para uma reunião. Não sei se os consulados dos países dos outros colegas também os chamaram. Lá eu fui apresentado aos demais colegas de trabalho, conheci todo o consulado e vi um pouco da realidade que me aguardava. Eles disseram que estavam trabalhando num projeto do governo federal sobre o programa Ciências Sem Fronteiras. Só isso já me animou. Trabalhar com relação entre países era tudo o que eu queria. Meu trabalho finalmente seria empolgante. Mas aí veio um banho de água fria.
Primeiro, eu não iria trabalhar diretamente com projetos assim. Eu teria que primeiro fazer um treinamento – como se os últimos dois anos não bastassem – que serviria de “especialização”, algo assim. Torcendo o nariz eu assinei todo o termo de compromisso. As aulas, que eram chamadas de encontros, aconteceriam no prédio do consulado mesmo em uma área reservada. Ao menos iria ficar no consulado que era o que eu mais queria. Se pudesse moraria lá e não voltaria pro hotel.
Os outros diplomatas eram muito cordiais e tinham um jeito de falar muito diferente. O português deles não era mais o brasileiro e o formalismo era muito grande. Eu teria problemas em me adaptar, logo vi. A partir do dia seguinte eu teria que pegar táxi todos os dias até o consulado. Além disso, teria que em até um mês apresentar minha proposta de aluguel que se encaixasse dentro do meu auxílio moradia. Se eu quisesse um aluguel mais caro teria que descontar do meu salário e isso eu não queria nunca!
As aulas na especialização começaram e colocar uma mochila nas costas como fiz todos os anos da minha vida já era de longe entediante. Saí do hotel e bastou olhar pela rua pra logo ver um táxi. Eles são amarelinhos como nos filmes e todos tem uma luminária encima que acende em vermelho e verde indicando se está em corrida ou disponível. Quando levantei a mão para o táxi ele cruzou a rua na contra mão e estacionou na minha frente. Eu fiquei me perguntando pra quê aquele desespero. Entrei e indiquei o endereço do consulado que nem adiantou muito. O motorista já sabia.
- Era só dizer que era no consulado brasileiro. – ele disse (em inglês).
Os táxis em Nova York contam com Wi-fi, pagamento por cartão de crédito e TV. Alguns até tem água, lanches e tudo mais. Cheguei no consulado e passei pelo holl de entrada. Eram 8h da manhã, eu estava com sono pelo fuso horário 2h a menos que no Brasil. Meus colegas me cumprimentaram e dobrei o corredor meio triste em saber que não ia ficar com eles.
Entrei no que parecia ser um pequeno auditório e lá haviam mais uns vinte diplomatas. Eu engoli um seco.
- Faça amigos Gabriel. Fala amigos... – eu disse pra mim mesmo.
Observei onde haviam mais deles sentados e me sentei perto na tentativa de me entrosar. Uma mulher sorriu pra mim. Eu devolvi o sorriso. Me sentia no colegial outra vez. Mais diplomatas chegaram e somamos quase quarenta pessoas. Do outro lado do auditório estava sentado sozinho um homem que aparentava ser da minha idade. Seus óculos quadrados estilo geek contrastavam com seu rosto meio redondo e limpo sem nenhum fio de barba. Ele tirou um caderno da mochila e posicionou no apoio da poltrona. Ele vestia um terno muito bonito acompanhado de uma gravata vinho. Era muito alto. Sua calça subia e ficava muito acima do tornozelo devido estar sentado e ter as pernas muito longas. Apesar da altura ele tinha um corpo bem distribuído. Sua camisa clara, que foi exposta após ele tirar o blazer, apertava seu tronco e braços que não eram musculosos mas tinham sim sua firmeza. Ele estava sério e como disse, sozinho já pronto pro início da aula. Ele suspirou. Parecia entediado, assim como eu, de estar alí. Ao soltar o ar pesadamente sua ombros se curvaram e ele apertou o cenho visivelmente tentando se concentrar. Refez a postura após passar a mão no rosto e seu olhar encontrou o meu. Um frio me passou pela espinha. Ele continuou me olhando sem expressão. Meu ar faltou, eu não sei porque. Derrubei minha mochila no chão fazendo barulho e todos olharam pra mim. Recolhi e fingi não me importar. Também tirei meu caderno e caneta de dentro. Desabotoei o blazer e o estendi sobre a poltrona na minha frente. Após aquele pequeno vexame velado eu voltei a olhá-lo que continuava imóvel me observando. Nossa atenção foi pro professor que entrou e começou a falar. A aula era sobre noções mais específicas do direito internacional público falando sobre peculiaridades de tratados internacionais.
Quatro horas de aula se passaram e eu até tentei olhar pra ele que não mais me olhou. Sua atenção era do professor e eu tentei fazer o mesmo. No horário de almoço nos encontramos todos no refeitório. Os diplomatas trocavam experiências que haviam vivido em outros países mas eu, estava iniciando a carreira e não tinha nada pra contar do Brasil. Afinal, todos eles vinham do mesmo lugar que eu. Meu ouvido estava atento a todos alí e nenhum, nenhum mesmo, era iniciante como eu. Todos já haviam trabalho em vários países. Eu era o novato do grupo e não era interessante pra eles virem perguntar algo. Peguei meu almoço e fui pra uma mesa praticamente do lado da estufa.
Pra minha surpresa, o cara de mais cedo também pegou seu almoço e sentou na mesma mesa que eu, porém do lado contrário e no outro extremo. Eu olhei pra ele mas ele continuava a comer sem tirar os olhos da comida. Cortava carne com facilidade com os talheres e as garfadas iam até sua boca de maneira muito silenciosa. Mais pessoas vieram pra nossa mesa e começaram a conversar. Logo todos nós já interagíamos de leve, mesmo ele, que se limitou a comer, recolher a bandeja com o prato e talheres e se levantar deixando um ar de estranheza em todos nós.
Com o passar dos dias eu conheci um pouco de Manhattan. Não tinha muito como sair a não ser nos fins de semana quando tinha folga. Mas fiz algumas compras, conheci todos os pontos turísticos mais tradicionais e comi comida brasileira – graças a Deus! – em restaurantes que sabia onde ficava. O consulado não era uma faculdade então não rolava muito de reunir o pessoal pra sair. Todo mundo casado. Todo mundo cansado, como eu costumava dizer. Isso resumia muito minhas amizades e companhias pra sair.
O caladão das aulas se chamava Rafael. Ele era diplomata brasileiro há 4 anos em Portugal. Soube disso pela boca dele que finalmente se abriu e disse algo durante a aula. Ele levantou a mão e respondeu uma pergunta do professor, que assim como todos nós, se espantou ao vê-lo falando e decidiu aproveitar a oportunidade pra conversar com ele que não deu muita intimidade.
Foi passado um trabalho em sala de estudos de casos e teríamos que nos dividir em duplas. Coincidentemente ficamos sem duplas já que o meu lado do auditório, onde mais pessoas sentavam, todos já tinham seus grupos de amigos. Ele me olhou de longe por um tempo.
- O que tá esperando? Vai fazer dupla com o cara lá. – Alice, uma diplomata brasileira que veio da Nigéria disse.
Eu catei meu caderno e me levantei. Ele fez o mesmo. Nos olhamos sem saber quem ia pro lado de quem. Até que ele sentou. Eu então atravessei o auditório e me sentei do seu lado direito.
- Olá. – ele disse baixo ajustando os óculos.
- Olá.
- Meu nome é Rafael.
- É, eu sei... Digo, eu sou Gabriel.
- Hum... Você veio direto do Brasil?
- Sim. Do instituto.
- Legal. – ele voltou a atenção para o caderno. – Vamo começar?
Fizemos o trabalho falando baixinho e discutindo como resolver o caso. Preparamos a fundamentação muito rápido. Ele escrevia muito rápido e manuseava a lei de maneira muito mais veloz que eu.
- Nossa, você folheia muito rápido. – eu disse e ri.
- É o costume. Logo você pega. – ele disse ainda sem expressar nada.
Ele me intrigava. Nenhum sorriso, nenhuma expressão, nada! Como alguém conseguia ser assim? Ele não me olhava, apenas folheava as páginas passeando o dedo por eles procurando a fundamentação e copiando em seguida na folha.
Fomos os primeiros a entregar e fomos liberados. Descemos os degraus do auditório e fomos até o centro entregar o trabalho pro professor. Rafael entregou, se virou e saiu. Eu já ia dizer algo mas ele já estava subindo os degraus de volta pra sua poltrona. Catou suas coisas e saiu.
- Seu amigo está com algum problema? – o professor perguntou.
- Amigo? Eu mal sei o nome dele...
Subi os degraus e peguei minhas coisas. Do lado de fora Rafael tomava café quente e olhava por uma janela enorme no segundo andar do consulado. Eu me aproximei aos poucos. Catei um copinho de papel e também me servi café.
- Que frio, não? – eu disse.
Ele continuou olhando pelo vidro vendo a neve cair.
- Você veio de Portugal. Lá não é frio assim, eu imagino. – eu tentei.
- Não. Não é.
- Você ficava em que cidade de Portugal? – eu perguntei ainda olhando pras suas costas.
- Lisboa.
- Deve ser um ótimo lugar.
- É sim.
- Eu nem imaginava que conseguiria a vaga aqui pra Nova York. Era apenas uma...
- Uhum. – ele soprou o café.
- Chegamos numa época difícil com o clima.
- Sim.
Odeio respostas curtas!
- Você já conseguiu aluguel?
Ele demorou responder ainda soprando o café.
- Não.
Rangi meus dentes tanto por ele me responder com monossílabos como também por ele continuar de costas olhando pro tempo.
- Nem eu. Ainda nem sei como funciona o processo de aluguel aqui.
- Não tive tempo de pensar nisso ainda. Também não sei.
Bingooo! Uma resposta com mais de uma palavra! Era minha chance!
- Essa semana eu devo pesquisar uns imóveis, em Manhattan mesmo. Devo fazer umas visitas... Se você quiser ir...
- Não. Obrigado.
Ele jogou o copo de papel na lixeira e saiu frio. Eu fiquei no vácuo. Me aproximei da janela onde ele estava sentindo seu perfume que ficou alí. Era bom. Levemente adocicado. Olhei pela janela e lá fora, na pracinha, em frente o prédio do consulado havia um casal de namorados tirando selfies enquanto se beijavam. Só podiam ser turistas pra estarem fazendo aquilo com aquele frio...
Mas enfim, porque ele era tão frio? Porque falava tão pouco. Já tínhamos semanas de curso e ele não se enturmava com ninguém. Esse trabalho pareceu a chance de chegar nele e ele não se abriu de jeito nenhum.
Estávamos liberados da aula então fomos embora. Cheguei em casa, digo, no hotel, pesquisei por imóveis pra alugar em Manhattan e os preços não eram nada convidativos. Uma suíte super pequena custava quase meu auxílio moradia todo. Com muita pesquisa eu achei um bom apartamento no finalzinho da parte inferior do Upper West Side. Levaria uns 20 minutos a pé pra chegar no Empire State e mais uns 15 de lá pro Central Park. Me pareceu bom. As fotos eram muito boas. Decidi procurar o vendedor. Demonstrei interesse e ao saber que eu era diplomata logo se tornou muito receptivo e quis marcar uma visita pro mesmo dia. Como estava livre, eu fui.
Nos EUA é necessário dar toda uma papelada pro aluguel, não é como no Brasil. Acreditem há muito mais burocracia pra aluguel de imóveis. Eu gostei do imóvel, tinha um piso de madeira lindo, aquecedores, uma sala ampla, uma cozinha com moveis planejados que me fariam economizar, já tinha uma lavadora e secadora de roupas, o quarto já tinha um closet e nele uma pequena varanda dava um pouco de ar livre. Não havia paisagem natural alí, eram só prédios, mas eu gostei do mesmo jeito. Conferi toda a parte de instalações. Afinal, sou advogado, não podia deixar me passarem gato por lebre.
Peguei o orçamento com o dono do imóvel e levei ao consulado naquela mesma tarde. Apresentei ao setor responsável e sem enrolação aprovaram a contratação, afinal, queriam que nós mesmos pagássemos nossa acomodação já que os hotéis estavam sendo pago com o dinheiro do governo até o fim do mês.
Fechei negócio no dia seguinte com o dono imóvel e fui providenciar a mudança. Eu era expert em mudanças então não tive surpresas. Com tudo pronto, eu estava satisfeito.
No consulado, eu tentava ignorar o Rafael que ainda continuava calado, focado nos estudos e sem nenhum amigo. Eu tentava sim ignorá-lo mas não conseguia. Eu queria me aproximar, conversar, ser amigo, sair... De alguma forma eu o queria perto. O sentia sozinho, isolado e isso não faz bem pra ninguém. Eu queria ajuda-lo. Queria fazê-lo ver as coisas de um jeito diferente mas ele parecia estar habituado a ser fechado.
Mais uma vez na área do café Rafael estava olhando pela janela vendo a neve cair. Nesse dia usávamos roupas de frio mais robustas porque a temperatura já estava a menos treze graus.
- Bom dia. – eu disse.
- Bom dia. – ele respondeu e soprou o copo de café ainda olhando pelo vidro.
Eu não sei o que de tão interessante ele via naquela pracinha...
Eu me pus ao seu lado e ficamos de braços cruzados olhando a pracinha já toda branca de neve. Caminhões da prefeitura rodavam pelo consulado jogando sal no gelo.
- Como você tá? – eu perguntei.
Ele relutou em responder.
- Eu? – ele riu. Foi a primeira vez que ele riu. A beleza dele foi multiplicada por mil naquele momento e fiquei com a boca levemente aberta observando seu reflexo.
- É. Você. Sempre tão calado aí na sua... As vezes eu até penso que você não tá bem.
Ele fez um semblante triste.
- Do que isso importa?
Ele me deixou sem palavras.
- Tô tentando conversar com você. Eu me importo. É que você não fez amizade com ninguém... O natal tá logo aí. É saudade da sua família? Porque se for não é só você que sente.
Ele franziu o cenho como se tivesse provado de algo amargo.
- Um pouco de saudade sim. – ele respondeu após um tempo.
- É... Isso é difícil. Principalmente nessa vida de diplomata que hoje tá aqui amanhã tá do outro lado do mundo... Eu também sinto falta dos meus pais.
- Você não é casado? – ele perguntou finalmente me olhando nos olhos, porém ainda pelo reflexo do vidro a nossa frente.
- Casado? Não! – eu ri. - Nem namorar eu namoro... Sou uma rara exceção. Acho que todo mundo aqui é casado.
Ele voltou a olhar pela janela. Ficamos em silêncio por um tempo.
- Eu era casado até vir pra cá.
- Sério? O que houve?
- Ela não aguentou isso aí que você disse... As mudanças constantes de país pra país.
- Sinto muito.
- Foram seis anos de casamento.
- Nossa... – eu me espantei. – É muito tempo.
- Nem tanto
- E você tem quantos anos então? Porque eu não te dou mais que trinta.
- Tenho trinta mesmo.
- Você é mais reservado assim por conta desse assunto do casamento? Porque se isolar não ajuda.
- Ainda é muito recente. A forma como tudo ocorreu... Os problemas... As coisas que foram ditas... Ainda tô sofrendo um bocado.
- Deve ser difícil.
- Você não faz ideia.
Me assustei quando ele levou a mão ao rosto e limpou uma lágrima do olho esquerdo.
- Não queria tocar num assunto sensível, me desculpe.
- Tudo bem... Eu que peço desculpas por tá aqui fazendo esse papel.
- Não há problema algum em chorar. Você tá sofrendo. Mas isso vai passar, você vai dar a volta por cima logo logo. – eu pus a mão sobre seu ombro. – Você já mostrou ser um cara legal.
- Você não deixou ninguém no Brasil? – ele se recompôs.
- Não... Não deixei ninguém nesse sentido que você pergunta.
- Sorte a sua.
Nós rimos.
Naquele momento eu notei Rafael de uma forma diferente. Ele estava fragilizado pelo fim do casamento e a mudança de países. Daquele dia em diante Rafael abaixou um pouco a guarda e nos tornamos levemente mais amigos. Sentávamos perto, fazíamos os trabalhos juntos e almoçávamos na mesma mesa. No fim de semana o levei pra conhecer meu apartamento e dei dicas de como ele poderia conseguir um aluguel. O prazo dado pelo consulado para conseguir um imóvel estava acabando e ele não estava se mexendo.
Com o passar dos dias o feriado de ação de graças chegou. Normalmente não temos esse feriado no Brasil. É tradição nos EUA fazer caridade nesse dia mas como éramos brasileiros e não tínhamos esse costume decidimos então apenas sair pra caminhar no Central Park já começando a ficar branco pela neve. Estávamos na cidade há quase um mês, na época mais linda do ano e não havíamos ido ao Central Park ainda.
Os patos, os mais corajosos a enfrentar o clima, estavam no lago central recebendo migalhas de pão que Rafael jogava. Aquilo não ia durar muito, no máximo em janeiro o lago congelaria. Marcamos de nos encontrar lá. Ele dividiu o pão comigo e enquanto jogávamos pros patos a conversa mais íntima interrompida de dias atrás voltou à tona. Rafael era tão retraído sobre o assunto do casamento que instintivamente começava a falar baixo quando isso era mencionado.
- Brigamos feio durante mais de um mês. Eu cheguei a sair de casa porque não aguentava mais. O pior de tudo é que eu ainda a amo.
- Ela não te tratava mal?
- As vezes. Já brigávamos por algumas outras coisas... Coisas de casal. Mas tudo piorou muito quando o Brasil demostrou interesse em mim pra vir pra Nova York. O consulado do Brasil em Portugal me recomendou e por mais que digam lá que você não é obrigado a vir, você é sim. Ela então não queria se mudar de novo. Já era a quarta vez e isso é estressante demais, eu admito.
- Você já foi diplomata onde?
- O Brasil me enviou pra Portugal, depois foram meses na Itália... Depois voltei pro Brasil... Depois meses na França e de volta em Portugal. Só que em Portugal em cidades diferentes. O que obrigou a mais mudanças. Mas eu pensei que isso fosse acabar. Porque eu já tava em Portugal há dois anos sem nenhuma palavra sobre mudança no consulado. Essa vida é boa pra quem é solteiro, como você. Ela não aguentou me acompanhar. As pessoas do lado de fora pensam que é um sonho viver de país em país assim mas não é. – ele jogou um pedaço de pão mais longe como se fosse uma pedra no rio.
- As coisas acontecem por um motivo. Talvez algo melhor venha pra você.
Ele riu em desdém.
- Você não sabe como eu a amava. Foram seis anos jogados fora do nada. Mas também não posso largar meu emprego! Devo admitir que gosto do que faço. Sempre gostei.
- Ela ficou em Portugal?
- Não. Voltou pro Brasil. Ele é advogada. Disse que ia “recomeçar” lá...
- Você é formado em quê mesmo?
- Jornalismo.
Ele rasgou outro saco de pães com força.
- Ainda não foi procurar aluguel? – eu perguntei pensando em mudar de assunto.
- Não... – ele dizia jogando o pão pros patos claramente triste por ter tocado nesse assunto.
- Rafael, o prezo do consulado tá acabando. Você vai ter que pagar as diárias do hotel com seu salário. Já era todo o seu dinheiro se isso acontecer.
- Ainda estou com problemas...
- Que problema? É só procurar os anúncios na internet e fazer uma visita. Quando você disser que é diplomata todo mundo vai querer ter um imóvel alugado por você.
- O problema é que eu a amo, Gabriel. Eu a amo! Eu não aceito esse fim. – ele disse mais alto. – Não sei se vale a pena ficar aqui sem ela e as vezes penso em cair dentro do primeiro avião e ir pro Brasil tentar reatar tudo.
- Você ficou maluco? Largar o emprego de diplomata? Aqui? Tem noção de quantas pessoas queriam estar no seu lugar? Você sabe porque Nova York sempre tem poucas vagas, isso quando tem? Porque todo mundo sonha em vir pra cá!
- Não é um sonho sem ela.
- Rafael, a escolha foi dela! E se tivessem te mandado pro Paquistão?
- Eu iria se ela fosse.
- Você está ferido Rafael. Esse é o problema. Mas você vai melhorar. Largar o emprego por ela não é uma opção. Você precisa superar.
- Eu não quero superar. Eu a quero de volta! – ele atirava as migalhas mais longe imitando pedras.
- Você tá preso...
- Tô. Vou continuar preso. Eu não vou superar isso. Eu sei que não.
- Vai sim.
Eu me aproximei por trás e coloquei a mão em seu ombro em sinal de apoio. Ele baixou a cabeça e tirou os óculos enxugando os olhos. O fim daquela tarde chegou e colorindo o céu de amarelo dourado. Naquele dia eu vi que estava sim apaixonado por Rafael e queria mais que tudo fazê-lo esquecer essa mulher.
No natal eu liguei pra minha família pelo Skype e após toda aquela cerimônia eu decidi ligar pro Rafael e ver como ele estava. Muito provavelmente sozinho e triste. Natal é sempre sinônimo de família e ele, talvez mais do que eu, estava sem ninguém.
Logo a vídeo chamada se iniciou.
Rafael estava sem camisa e com os cabelos recém cortados molhados em frente ao notebook. Só era possível ver a parte superior do seu peitoral mas eu notava sinais espalhados.
- Oi Gabriel. – ele sorriu.
- Feliz natal Rafael!
- O natal não é amanhã? – ele disse meio confuso.
- É, mas hoje já é vinte e quatro de dezembro. O clima de natal já chegou! Eu tava pensando... Nós não temos família pra fazer ceia então que tal irmos no supermercado e comprarmos algumas coisas pra gente fazer uma ceia mais simples, só pra gente não passar a meia noite em sem graça?
Ele ficou cabisbaixo.
- Tem certeza disso? Você quer passar a ceia comigo?
- Claro! Vamo! Você quer passar a meia noite trancado no hotel? Pode vir aqui pro meu apartamento.
- Tudo bem então.
- Então melhora esse astral aí e me encontra no Bulbs, aquele mercado 24h perto aqui do meu quarteirão, ok?
- Devo demorar mais de meia hora pra chegar aí. Minhas roupas de frio estão todas sujas e não tenho lavadora muito menos secadora. Se eu lavar minha roupa a mãe nesse frio ela não vai secar nunca. Não sei o que vestir.
- Traz sua roupa aqui pra casa. Aqui tem lavadora.
- Hum... – ele riu – Não quero incomodar...
- Olha, eu vou estar lá esperando. Venha e traga a roupa. Não se acanhe.
Rafael apareceu no mercado mordendo os lábios de vergonha com as bochechas muito vermelhas demonstrando o frio que estava sentindo mesmo com o gorro na cabeça. Trazia uma mochila cheia de roupas.
Compramos poucas coisas mas foi o suficiente pra passarmos a noite esperando pela ceia confortáveis em meu apartamento sob o barulho da lavadora de roupas abarrotada. Nós conversamos bastante e com poucos mas sinceros sorrisos que soltava Rafael me encantava ainda mais me deixando triste em vê-lo sofrendo por alguém. Ele era um homem encantador, não merecia estar passando por aquilo.
Quando a meia noite virou estávamos na varanda da janela o meu quarto onde eu havia colocado alguns jarros com flores que eu estava cultivando pra embelezar o ambiente. Estávamos rindo e tomando um vinho barato péssimo – horrível mesmo – que compramos no supermercado por três dólares o litro. Acabamos levando três litro daquele negócio amargo e já tínhamos bebido um.
Debruçados na varanda do quarto nós olhávamos pra rua com poucos carros. O caminhão dos bombeiros brilhava lá no fim da rua fazendo a curva.
- Feliz natal. – ele disse pontualmente à meia noite, me olhou e sorriu.
- Feliz natal! – eu o abracei pela primeira vez desde que nos conhecemos e o apertei. Eu queria que naquele abraço todas as coisas que eu pensava fossem ditas. Eu queria passar de alguma forma pra dentro dele o quanto eu estava apaixonado, o quanto eu me importava sim com ele, o quanto queria vê-lo bem e deixar tudo isso pra trás porque ele não merecia passar por aqui e eu estava alí na sua frente, o amando... Queria que ele soubesse o quanto me afeiçoei a ele nas últimas semanas de uma forma muito intensa.
Rafael ameaçou desfazer o abraço mas eu não me importei continuei o abraçando como se os segundos anteriores não fossem suficientes. Ele refez o abraço, agora mais sério e momentos depois o ouvi enxugar o nariz. Foi um choro leve, de dor, de quem sofre todos os dias à noite antes de dormir.
- Você vai superar isso sim.
- Obrigado. – ele disse entre as lágrimas deixando escapar um breve soluço.
- Chorar não é vergonhoso Rafael. Eu tô aqui pra te ajudar.
Senti seus ombros relaxarem. Nosso abraço deve ter perdurado por vários minutos até que ele limpou as lágrimas e se separou de mim. Ficamos de frente um pro outro com ele fungando o nariz e olhando pro chão. Levei a mão ao seu rosto e enxuguei o restante de uma lágrima em sua bochecha esquerda. Acariciei seu rosto e ele fechou os olhos aproveitando e denunciando que sentia falta daquele tipo de cuidado.
Meu polegar acariciou a maçã do seu rosto por mais algumas vezes e Rafael suspirou pesadamente. De olhos fechados ele respirava e continuava imóvel enquanto eu acariciava seu rosto sem se mexer nenhum milímetro sequer.
Eu queria dizer algo, mas tinha tanto medo de estragar tudo e ele se dar conta do que estava acontecendo. Seu rosto estava sendo acariciado por outro homem. Não queria que ele pensasse que eu estava me aproveitando do seu momento de fragilidade para conseguir algo a mais.
- Eu quero tanto... Tanto te ver bem. – eu disse baixinho.
- Já estou bem. – ele disse ainda de olhos fechados sem se mexer.
- Não quero que sofra por quem não te quer mais. Você é um homem incrível. Você merece mais e se uma etapa da sua vida acabou é sua chance de começar algo novo.
- Eu vou superar.
- Vai sim. Você é forte.
Ele abriu os olhos e eu retirei minha mão do seu rosto imediatamente. Ele sorriu o sorriso mais lindo desde que o conheci.
Eu estava perdidamente apaixonado por aquele sorriso.
Nos dias seguintes eu levei Rafael a alguns locais. O Itamarati enviou um comunicado ao consulado prolongando nosso feriado de fim de ano até bem depois do ano novo. Fomos ao Museu de Arte Moderna que surpreendentemente abriu gratuitamente em pleno dia vinte e sete de dezembro. Estava bem mais cheio que da primeira vez que fui, semanas atrás. Era lindo. Eu adorava a arquitetura do prédio. Gostava mais do que as artes que estavam lá. Rafael me encontrou pontualmente às nove horas como marcamos. Carregava consigo uma câmera fotográfica profissional no pescoço.
- Não sabia que você gostava de fotografia.
- É um hobby. Jornalismo me ensinou como manusear uma câmera.
Ele falava e fotografava cada canto do local.
- Quando eu fui no Louvre, em Paris, eu fotografei tudo mas com o celular. Nem sei pra onde vai uma câmera dessas... – eu disse.
- Então vem cá.
Ele tirou a alça da câmera do seu pescoço e colocou no meu. Eu segui suas instruções.
- Segura firme... Aperta o botão até a metade pra focar... Aí... Agora termina de apertá-lo até o final.
A foto do quadro foi feita e ficou muito boa. Era simples.
Naquela mesma manhã fria fomos nos degraus do MET. Do outro lado da rua um carro de som passava anunciando um show gratuito no Central Park no dia seguinte. A banda Chairlift iria tocar perto da ponte dos enamorados no parque e a música “Bruises” ecoava chamando a atenção de todos pro som simpático que tem. A brincadeira de tirar fotos foi crescendo com aquela música e já nos divertíamos tentando acertar os cliques.
Sim, assim como em Gossip Girl, as pessoas se sentam e passam o dia lá comendo naqueles degraus. Por incrível que pareça não havia lixo em lugar nenhum, as pessoas nunca deixam nada nos degraus. Nós tiramos algumas fotos divertidas e era bom vê-lo sorrir. Melhor ainda saber que ele estava rindo comigo.
Do MET nós fomos pra Time Square. A previsão do tempo indicava neve só a partir das três da tarde então ainda daria pra aproveitar um pouco. Descemos os degraus e saímos. Mas não antes de receber os panfletos do show entregues por jovens com roupas rasgadas bem estranhas.
Manhattan parece enorme nos filmes mas é perfeitamente possível percorrer a ilha a pé. Na Time Square nós vimos das principais lojas. A avenida em sí já é maravilhosa. A arquibancada vermelha central na divisa das ruas estava molhada pela neve derretida e o cowboy de cueca não estava alí perto. Também, com aquele frio... Mesmo assim haviam muitas pessoas indo e vindo sem direção. A cidade não para por nada.
Almoçamos em um restaurante de comida italiana na Time Square mesmo. Tudo tinha massa pelo meio. A coisa mais simples que se vendia lá era arroz. Foi muito bom e ainda aprendi um pouco sobre culinária italiana já que o Rafael entendia bem por ter morado na Europa e comentou durante o almoço.
A neve chegou mais cedo. Duas da tarde e os primeiros flocos já caíam. Faziam menos quatorze graus e era difícil permanecer aquecido mesmo com várias roupas sobre si. Eu e Rafael tremíamos e o ar gélido saia de nossas bocas enquanto falávamos.
Saindo do almoço conhecemos a quinta avenida que fica super perto da Time Square já que são só duas avenida abaixo. As lojas famosas estavam lá. Mas não entramos em nenhuma. Havia liquidação de roupas de verão em todas elas, já as roupas de frio estavam custando muito caro.
Ainda conseguimos tempo de ir no Rockfeller center super rápido. Praticamente só entramos, subimos e descemos. Mas a vista lá de cima é maravilhosa. Rafael curtiu para tirar fotos e eu pra admirá-lo feliz. Não tem como andar por Nova York e não lembrar das cenas de Gossip Girl, o letreiro do Empire Hotel, vermelho, se acendia não muito longe de onde estávamos e decidimos terminar o dia subindo no Empire State Building. Dentro do prédio há de tudo. Não só escritórios como imaginam. Lojas, playgrounds, restaurantes, lanchonetes, áreas públicas... Tudo. Aquele lugar é um mundo. Subimos até o topo e Rafael ficava cada vez mais encantado pelas fotos.
- Onde eu estava com a cabeça por não ter saído de casa mais cedo? Nova York é demais. – ele dizia com a câmera em punho.
- Eu te falei.
Sete da noite os seguranças começaram a orientar as pessoas pra sair mesmo ainda estando claro. Eu não sei quem tira fotos do Empire State à noite como vemos na internet, mas pessoas comuns não são. Não é permitido subir após escurecer. Rafael desceu desapontado pois esperava tirar mais fotos com as luzes.
- O dia foi muito cansativo. Mas foi muito bom também. – ele disse enquanto caminhávamos rente a parede de tijolinhos exposto do meu prédio.
- Eu queria tanto sair com você... Digo, com alguém... Porque eu já havia saído mas sozinho... Não tem a mesma graça. – eu contornei.
- Me chama mais vezes.
- Claro que chamo!
Ficamos em silêncio na porta. A neve caia sobre nós.
- Eu acho que vou subir. – eu disse.
- É... Eu já vou... Tchau. – ele sorriu.
- Tchau.
Ele partiu e eu o observei pelas costas se distanciar com uma mão segurando a câmera onde as memórias daquele dia estavam e a outra no bolso direito. Segundos depois ele parou e tirou do bolso um papel. Eu continuei observando. Ele leu o papel e se virou.
- Que horas a gente vai? – ele disse ao se virar. Eu fiquei sem entender. – O show! O show do Chirlift. Que horas a gente vai?
- Ah! – eu ri – Umas oito a gente se encontra no Central Park.
- Fechado.
Na noite seguinte haviam muitas pessoas ao lado da ponte dos enamorados no Central Park. Estava cheio de neve mas a prefeitura limpou um pouco pra garantir a execução do show. Naquela noite Chairlift tocou a música que ouvimos no dia anterior. “Bruises” acabou se tornando uma das nossas músicas preferidas e não era difícil ver Rafael assobiando o resto da noite o refrão bonitinho me apaixonando ainda mais. Nossas mãos se tocaram de leve algumas vezes sob a desculpa da quantidade de pessoas na grama. Eu ficava vermelho e ele apenas ria.
- Que música legal essa... Não sai da minha cabeça. – ele dizia rindo sozinho.
Eu pensava em Rafael todas as noites e ria sozinho pensando em convidá-lo pras mais diversas coisas. Nova York sempre tinha opção de lugares pra sair. É como se todos os dias um lugar novo se abrisse naquela cidade.
Só que no dia trinta de dezembro as coisas mudaram um pouco. Eu realmente achava que estava fazendo um bom trabalho de “recuperação” com o Rafael. Mas talvez eu não estivesse tão certo assim. Eram duas horas da manhã do dia trinta quando o meu celular tocou. Era possível escutar o assobio do vento gélido lá fora. Eu cocei os olhos e atendi. Percebi que estava um pouco suado pelo aquecedor. Não era possível entender muita coisa. Rafael não falava de forma compreensível e estava claramente bêbado misturando inglês e português. “Brooklyn Bridge” foi o que consegui decifrar.
Me vesti rápido e assim que abri a porta do apartamento o vento frio me fez arrepiar. Como o Rafael conseguiu sair de casa naquele frio? Estava louco? E numa ponte às duas da manhã? Eu pensei o pior e me apressei em ir encontra-lo.
Caminhei por uns dez minutos no sentido da saída de Manhattan mas não havia chegado nem no Central Park. Até que um táxi apareceu e me levou até a ponte. Entreguei o dinheiro rápido e nem quis o troco. Subi até a parte superior da ponte. Era muito alto e não via muita segurança. Diferente do Empire State, alí sim deveria ser proibido a entrada à noite.
Rafael estava sentado com as pernas pairando no ar no parapeito da viga de ferro.
- Rafael?
- Ah... Você veio. Eu ainda pensei em ligar e pedir desculpas.
- Não entendi quase nada do que você falou. Eu fiquei preocupado. É perigoso subir aqui à noite.
Nossas falas eram cortadas pelo vento e o som dos carros.
- Eu já tô melhor... Eu acho.
- O que você veio fazer aqui.
- Eu sou um fraco Gabriel.
- Como assim?
- Eu liguei pra ela. – ele dizia calmamente ainda olhando pro encontro do rio East River com o mar de costas pra mim.
- Você...
- Eu liguei. Eu não resisti. Eu sou um fraco. – ele tirou os óculos e limpou o rosto.
- Por quê você fez isso? Eu pensei que tínhamos conversado.
- Porque eu sou um idiota! É por isso! Porque... Porque eu sou um medroso que não quer encarar essa realidade nova. – ele ia recolocar os óculos mas desistiu os repousando sobre as pernas.
- Ela te tratou mal?
- Ela reafirmou tudo que me disse em Portugal antes de ir embora. Cada palavra. Ela não me largou só por conta da diplomacia. Ela me largou porque não gosta mais de mim. Disse que não via mais sentido em nosso casamento.
Eu me sentei ao seu lado.
- Eu sinto muito. Você precisa parar com essas recaídas. Ela já deixou claro o lado dela. Não há o que você fazer.
- Gabriel, amor é coisa rara. A gente não pode jogar fora quando encontra e ela tinha o meu. Ela tinha todo o meu amor.
Eu perdi a cabeça ao ouvir aquilo.
- Não estamos discutindo sobre isso. Eu acredito em você. Você merece mais Rafael. Para de se humilhar assim. Você já fez o que podia agora é hora de aceitar. Você não vê o quanto está se desgastando? O quanto está mal cuidado? Você foi procurar aluguel? Viu o quanto foi bom nos últimos dias sair e descontrair e esquecer por um momento que seja essa droga de divórcio? Eu tô cansado de te dizer isso cara... Quero te ver bem e não sei mais o que faço. Eu realmente tenho me esforçado nos últimos tempos mas você insiste em ir no sentido contrário. Isso tá te fazendo muito mal e eu... Eu tô quase desistindo de te fazer sentir melhor. Porque todas as noites, todas as noites, eu penso que te fiz sentir bem por um minuto que seja... Todas as noites antes de dormir eu penso que você deve estar a quadras de distância dormindo tranquilo enquanto na verdade você atravessa a ilha e vem pra cima de uma ponte, duas da manhã, nesse frio, me deixar preocupado pensando besteira.
As bochechas dele estavam muito vermelhas e os olhos inchados. Eu desenrolei meu cachecol e passei em seu pescoço.
- Poxa Rafael, me escuta. Só queria que você melhorasse. Como na noite do natal... Você me disse que ia superar.
Achei que tinha acabado com tudo com o que disse. Mas que seja.
Ficamos em silêncio por um bom tempo olhando o horizonte de mar e luzes da cidade. Até que instintivamente ele colocou a cabeça em meu ombro e eu enrijeci a postura sem dizer nada. Ele continuou sem se importar.
- Obrigado. Obrigado por vir e por se importar comigo.
- Sempre. Mas vamos pra casa. Tá muito frio.
Levantamos e voltamos pra Manhattan. O deixei no seu hotel e segui pro meu apartamento.
No ano novo decidimos ir pra Times Square. É onde a maioria dos turistas passam o ano novo. É lindo e lá é possível acompanhar a contagem regressiva enorme até a “bola” descer e virar o ano. Todos com muito frio mas foi possível chegarmos até perto do palco onde iam acontecer apresentações. Os shows iam rolando e sempre eram faladas mensagens de incentivo ao novo ano. Era uma vibe muito boa. Rafael parecia mais feliz que nunca. Isso era bom.
Faltavam mais ou menos três minutos para a contagem terminar e todos estavam preparados. Haviam máquinas de papel picado branco à postos pra jorrarem à meia noite exata. Rafael e eu estávamos juntos lado a lado. Uma mulher leu uma mensagem desejando paz e amor pro ano que se iniciava. Ela tinha uma voz muito bonita e a mensagem era muito profunda. Suas palavras nos tocaram e enquanto ela lia já era possível ver casais se beijando. Um casal de namorados se beijaram do nosso lado nos deixando sem jeito. A mensagem terminou e eu sentia minhas bochechas quentes. Meia noite os fogos estouraram e os gritos ecoaram na avenida iluminada. Eu não sei o que me abateu mas comecei a chorar olhando pra cima vendo o papel picado cair. Rafael me puxou pra um abraço e me apertou contra seu peito. Repousei o queixo em seu ombro alto e permanecemos assim envolto de papel, fogos e pessoas gritando e se desejando feliz ano novo umas às outras.
- Obrigado por tudo Gabriel.
Nosso abraço como no natal perdurou por longos minutos e instintivamente como naquela noite nos separamos e minha mão direita foi em direção à sua bochecha esquerda. Meu polegar acariciou sua bochecha enquanto ele continuava de olhos fechados respirando levemente. Eu não sei o que aquele ato significava pra ele mas ninguém alí ligava pra gente então continuei a acariciar seu rosto sem me importar.
Seu rosto virou em direção à minha mão que lhe acariciava e nela ele depositou um pequeno beijo ainda de olhos fechados. Minha boca abriu de leve em surpresa. Ele segurou meu pulso mantendo minha mão erguida e em seu rosto. Beijou mais uma vez e inspirou o meu perfume do pulso arrastando o nariz na barra da manga da meu suéter.
Ao abrir os olhos ele me viu assustado e confuso. Deu um passo diminuindo a distância entre nós dois e levou a mão à minha nuca me puxando pra um beijo forte e sugado. Sua outra mão livre amassou meu suéter com força na altura do peito me mantendo preso. Minhas mãos foram pros seus ombros altos e nossos lábios se moviam em uma sincronia perfeita. Seu beijo era forte mas denunciava um quê de desespero por aquele contato.
Rafael estava sensível e carente. Não ansiava por aquilo mais que eu, mas ainda assim sabia reconhecer que queria um contato a mais comigo. Continuamos nos beijando ainda em meio ao barulho até que nossos lábios se separaram desejando ar. O curto espaço que havia entre nossos corpos não era frio como o resto. Naquele instante continuei de olhos fechados me recusando a acreditar que o beijo tinha terminado. O que havíamos feito? Como seriam as coisas dalí pra frente? Tudo poderia estar estragado.
Minhas mãos desceram por seu blazer e pararam na altura dos botões segurando cada uma em um lado do tecido. Rafael se curvou de leve colou a testa na minha e segurou minha nuca. Aos poucos levou a boca até meu ouvido e falou o que eu mais queria ouvir.
- Aceita ficar comigo? Do meu lado? Só nós dois e mais ninguém?
Eu finalmente abri os olhos e passeis os braços em seu pescoço acabando de vez com aquele maldito espaço entre nós.
- É o que mais quero. É o que eu sempre quis. Quero você pra mim. Não aguento mais te ver querendo ser de mais alguém que não seja eu. Eu estava aqui o tempo todo e só você não viu.
- Desde aquela noite na ponte... Tudo o que você disse. Você se declarou e eu vi o quão idiota eu estava sendo esse tempo todo. Obrigado por não desistir de mim como disse que pensou em fazer. Já disse que amor é coisa rara, não vou mais desperdiçar o seu. Eu prometo.
Eu colei meus lábios em seu pescoço o fazendo tremer de frio um pouco.
Apertei mais o abraço naquele que agora era meu como tanto ansiei. Ficamos mais um pouco no meio da festa inconscientemente de mãos dadas em meio à multidão. Fomos embora ainda de mãos dadas pelas ruas paralelas à Times Square e chegamos no meu apartamento.
Foi a primeira noite que Rafael dormiu comigo. Ao chegarmos e logo ligarmos os aquecedores fomos pra cozinha preparar algo pra comer. O clima era diferente. Rafael parecia mais leve e eu poderia finalmente trata-lo como eu tanto queria. Passamos o restante daquela madrugada vendo filmes na Netflix e vendo sinopses e trailers de novas séries para acompanharmos.
Isso se tornou um hábito. Não havíamos pensado em sexo ainda. Todas as noites adormecíamos no sofá pequeno da minha casa. Ele era muito maior que o sofá, suas pernas compridas não cabiam. Então eu sempre deitava sobre seu corpo enquanto ele mexia em meu cabelo espetado pelo frio.
Rafael dormia em minha casa por volta de duas ou três vezes por semana e tê-lo por perto era tão bom que nos dias em que ele não vinha eu desejava muito que as noite passassem rápido. Até que um dia acordando e vendo roupas lavadas do Rafael no meu guarda roupas eu decidi.
Estávamos na mesa da cozinha preparando torradas com a torradeira nova que eu havia comprado. Aos poucos o apartamento ia tomando jeito de lar.
- Se eu quero? É claro que eu quero morar aqui! – ele disse me abraçando e beijando meu pescoço dezenas de vezes seguidas me pressionando contra o balcão da cozinha. – Obrigado! Obrigado! Obrigado!
Rafael trouxe as coisas aos poucos suas coisas. Logo estávamos de fato morando juntos e já com os documentos do imóvel prontos para quando o recesso voltasse ele os levasse até o consulado informando que havia conseguido aluguel.
Pois bem. Toda a burocracia se passou e agora o valor do aluguel e contas eram divididos entre nós dois. A sensação que eu tinha era de estar casado, mas não era ruim. Nem de perto ruim. Era bom demais. Era algo que eu nunca tinha entendido até estar com ele.
Era por volta do dia vinte de janeiro quando me olhei no espelho do banheiro e tomei mais uma decisão. Eram por volta das seis da tarde e Rafael ainda estava preso no consulado. Como já estava em casa, tomei um bom banho após preparar uma boa comida brasileira pra nós dois. Inclusive, nosso cardápio revezava entre a culinária brasileira feita por mim e a portuguesa feita por ele. No meu banho me higienizei imaginando a noite que vinha.
Estávamos os dois sem camisa no sofá maior que havíamos providenciado. Como de costume, eu sobre seu peito passando os dedos e sentindo cada uma das suas costelas. Ele sentia cócegas e eu sentia seu peito retesar contendo a sensibilidade. O episódio da série no Netflix estava acabando e ele pressionava os botões do controle procurando por mais alguma coisa pra se assistir na programação.
Afundei meu rosto no vão entre seu pescoço e o sofá e chupei uma pequena parte dalí o fazendo tremer. Ele levou a mão às minhas costas acariciando de leve. Já estávamos morando juntos há uns quinze dias e eu nunca – nunca mesmo – o tinha visto pelado. No máximo como estávamos. De calças de moletom e sem camisa.
Investi mais uma chupada e seu corpo retesou e relaxou. Passei os braços por baixo dos seus o enlaçando e remexi a cintura me pressionando contra seu corpo. Rafael por fim largou o controle e repousou as duas mãos sobre o fim das minhas costas. Passou umas das longas pernas sobre a minha me permitindo me encaixar ainda mais em seu meio. Os beijos em se pescoço começaram a ser depositados com leves mordidas em seu lóbulo o fazendo estremecer. Nos beijamos como sempre provando um do outro o máximo possível. Rafael tinha o melhor dos beijos que eu já tinha provado na minha vida. Disso não havia dúvida.
Suas mãos que acariciavam minhas costas entenderam o recado que eu dava desesperadamente e começaram a escorregar pela barra da minha calça e cueca. Até que penetraram pelo tecido e elástico chegando à minha pele. As mãos grandes e com dedos cumpridos, finos e acompanhados de unhas sempre bem cortadas encontraram cada lado da minha bunda e se encheram com a carne macia. A pegada foi forte e me fez gemer em seu beijo dando ainda mais a se entender o que queríamos.
- E quero você... E eu não sei porque estamos esperando tanto. – eu disse olhando em seu olhos.
Rafael olhou minha boca e parecendo mirar me acertou com mais um beijo arrebatador enquanto suas mãos não saiam de dentro das minhas calças apertando e relaxando a carne encontrada. Uma de suas mãos desceu ainda mais e na divisão entre minhas nádegas deslizou até encontrar meu orifício quente e apertado anteriormente já preparado pro ato. Ele pressionou um dedo alí e me fez gemer.
Sua ereção já dava sinais de vida embaixo de mim rente com a minha. Me dando um leve susto pelo tamanho, já que pelo tato eu conseguia perceber ser muito maior que a minha devido a estatura magra, atlética e muito alta de Rafael. Aos poucos a massagem tomou lugar ao primeiro dedo me penetrando. E mesmo sem lubrificação aquilo estava longe de ser ruim. Rafael tirou as mãos da minha calça me rancando um gemido de repreensão porque estava muito bom.
Ele riu e agarrou minhas coxas. Fez força e se levantou do sofá comigo agarrado ao seu pescoço. Aos beijos fomos indo pro quarto e ele me colocou na cama.
- Você cuida muito bem do seu homem. Agora eu vou retribuir e cuidar de você da forma como você também merece.
Ele disse isso e eu fiquei sem ar de tanta excitação ao escutar sua voz se dirigir à mim daquele jeito. Eu estava de joelhos na cama e assisti Rafael tirar a calça e as meias libertando a grande e fino membro que já estava lambuzado pela preliminares. Eu mordi meu lábio de ansiedade. Seu corpo magro porém forte finalmente foi exibido em toda a sua amplitude. Seu peito liso se encontrava com um abdome dividido e forte e envolto de uma cintura fina que levava a um obliquo perfeito em direção à virilha com a pele levemente mais escura e sem pelos. Seu membro apontava para o teto soltando gotas do seu líquido na cabeça rosada e semicoberta pela sua pele. Logo abaixo seu par de bolas grandes e perfeitamente iguais num saco escrotal contraído pelo frio pendiam apetitosamente excitantes. Suas coxas firmes, com músculos à mostra, me levaram ao delírio apenas em olhá-las.
Rafael se aproximou e levou a mão diretamente à área molhada da minha calça pressionando a cabeça do meu membro preso e louco por mais contato. Ele baixou minha calça e a tirou me deixando pelado e vulnerável na cama. Assim como fiz ele esquadrinhou cuidadosamente meu corpo com seu olhar. Não tinha o seu abdome ou mesmo não tinha sua altura. Apesar de ser forte, o fato de eu ser mais baixo concentrava meus músculos em certas regiões. Sempre tive braços, bunda e pernas grossas. Meu membro muito provavelmente teria apenas 70% do tamanho do seu mas nunca esteve tão duro. Minha ereção doía. Literalmente.
Umedecendo os lábios ele deu mais um passo e subiu na cama vindo em minha direção masturbando o membro. Nos encontramos de joelhos no centro da cama e nos beijamos deixando as ereções se tocarem uma sentindo o calor da outra. Catei seu longo membro com a mão e sentindo toda sua rigidez e calor eu o masturbei sentindo a pele deslizar sem dificuldade pela lubrificação excessiva que lá estava. Ele fez o mesmo e permanecemos alguns minutos entre beijos e toques explorando aquelas partes até então desconhecidas do corpo um do outro.
Beijei seu pescoço e peito e desci até sua barriga. Masturbei seu membro perto do meu rosto exalando aquele cheiro gostoso de homem que eu já não sentia há anos. Engoli sua ereção sem dificuldade lhe arrancando o primeiro gemido alto. Chupei seu membro da melhor forma que consegui. Era impossível chegar até sua base então trabalhei com a língua em sua base. O masturbava enquanto sua extremidade estava dentro da minha boca. O tecido de dentro das minhas bochecha o massageou e Rafael gemia quase chorando denunciando o quanto queria e sentia falta daquilo.
Falta de ter alguém. Falta de atrito, do sexo, do carinho, do toque. Homens como o Rafael não foram feitos pra ficarem solteiros. Homens como ele querem um parceiro. Querem uma companhia. São os típicos “para casar”. Homens como ele não merecem sofrer. Merecem um parceiro que esteja mais que disposto a assumir o compromisso de estar ao seu lado, de cuidar dele, de ter e manter uma relação séria. De dar todo o carinho que um homem daquele merecia, afinal, ele me dava todos os dias o maior e melhor carinho desse mundo.
Não entendia como uma mulher largou um homem daquele. Eu o seguiria pra qualquer lugar do mundo sem pensar duas vezes. Se eu fosse uma mulher lhe daria todos os filhos que ele quisesse. Rafael estava muito machucado com tudo o que havia acontecido e como sua vida mudou da água pro vinho em tão pouco tempo. Eu estava responsável por recuperá-lo e fazê-lo que o mundo pode sim te tirar algo, mas nunca vai te deixar no vazio. Eu ia fazê-lo feliz.
Sua mão se arrastou por minhas costas e seu dedo voltou a me penetrar enquanto eu o chupava provando do seu gosto que não parava de sair em incontáveis gotas. Ele alisava cada lado da minha bunda gemendo durante o sexo oral que recebia e penetrando o dedo indicador cada vez mais fundo me obrigando a tirar a boca do seu membro para conseguir gemer livremente.
Encolhendo a cintura ele tirou o membro de mim respirando apressado demonstrando que estava perto do ápice. Me impedindo de sair da posição em que eu estava, Rafael passou pra trás de mim imediatamente depositou um beijo no meu orifício semiaberto por seu dedo segundos atrás. Ele pareceu analisar e então deu mais um beijo. Mais um curto intervalo e então passou a língua próximo do local me fazendo arquear as costas. Ele tomou meu membro de minha mão e enquanto ia experimentando encostar a língua cada vez mais perto da região me masturbava num ritmo manso me fazendo jogar a cabeça pra trás incontáveis vezes entre os gemidos.
Gemidos que o estavam atiçando. Rafael por fim passou toda a língua em meu orifício me fazendo gemer mais alto de uma forma que até eu me assustei. Mais uma vez ele lambeu e eu gritei. Rafael então decidiu perder todo o receio e ajoelhando atrás de mim abriu mais minha bunda me exibindo por completo em frente ao seu rosto e afundando a boca entre as banda deu seguimento a uma sequência de lambidas que me levaram à loucura. Meus gemidos que àquela altura já se confundiam com choramingos desesperados ficaram amis altos enquanto ele tentava me penetrar com a língua quente masturbando nossos membros juntos.
- Você vai acabar comigo assim! – eu disse numa voz de choro.
Ele retirou a língua e subiu em mim falando rente ao meu ouvido.
- Eu disse que ia retribuir tudo. Eu estou cuidando de você como você merece.
Ele beijava meus ombros segurando minha cintura enquanto eu rebolava sentindo seu membro escapar entre minhas nádegas úmidas de sua saliva. Ele voltou pra posição anterior e com mais lambidas suas e gemidos meus ele penetrou dois dedos em mim.
- Ah! Porra... Rafael... Vai logo!
- Eu estou experimentando de todo o seu corpo. Esse pedaço eu só vou provar por último.
Ele beijou minhas coxas, dando leves mordidas e cheiros mostrando o que queria dizer com provar do meu corpo. Mordeu a polpa da minha bunda como um animal e deu leves tapas que me faziam gemer. Eu não aguentaria muito mais. Tentei pegar no meu membro mas ele não deixou.
- Rafael... Por favor! – eu falei com o rosto vermelho.
Rafael por fim se convenceu e se ajustou atrás de mim me arrancando uma respiração profunda. A cabeça do seu membro encostou na minha entrada e quase automaticamente começou a deslizar pra dentro. Eu fechei os olhos e senti cada centímetro do comprido membro entrar sem esforço. As mãos de Rafael, firmes em minhas nádegas, tremiam mostrando o quanto estava se controlando. Quase todo o membro entrou e eu estava preenchido. Soltando um pesado arfar Rafael se debruçou sobre mim beijando meu pescoço e abraçando meu peito.
Nenhuma palavra foi dita. Entre os gemidos eu mexi com o quadril indicando que ele começasse. Rafael terminou de encaixar o restante do membro me fazendo sentir sua virilha rente a mim.
Ele começou com movimentos leves e acompanhados por sua respiração. Logo o ritmo aumentou e enquanto me penetrava Rafael respirava pesadamente tentando prender os pesados gemidos que insistiam em sair contra sua vontade. O prazer era tamanho que eu sentia suas mãos tremerem em minha bunda.
Ele abria um dos lados da minha bunda e admirava o membro entrar e sair compassado. Eu gemia com o rosto enterrado no lençol. Eu estava com ele. O homem que tanto desejei e ele agora era meu. Aquela noite poderia se repetir por toda a eternidade porque ele estaria alí comigo pra sempre e pensar nisso me fez levantar o rosto e jogar o quadril pra trás querendo mais contato.
- Mais rápido! Me fode mais rápido! – eu deixei escapar.
Rafael afundou em mim mais rápido e começamos a suar mesmo com a neve lá fora. Mais rápido ele foi e mais rápido minhas forças iam acabando. Meus joelhos cederam com as investidas e aos poucos eu fui deitando rente à cama pressionando meu membro contra o colchão.
Rafael não saiu de dentro de mim e colocando a língua no meu ouvido voltou a falar.
- Estamos juntos agora. Eu te quero mais que tudo. Mais que tudo... – ele disse e voltou a afundar rápido em minha bunda. Me fazendo gemer contra a cama.
Seu arfar pesado em minha nuca me excitava ainda mais e eu provavelmente gozaria em pouco tempo. Avisei a ele que prontamente saiu de dentro de mim me deixando vazio e carente pelo membro que estava pendente e duro como da última vez que tinha visto minutos atrás.
Rafael me virou e se encaixando entre minhas pernas voltou a me penetrar. Segurou na cabeceira da cama e jogou o corpo de encontro ao meu me fazendo gemer e minha cabeça encostar no painel de madeira.
Eu masturbei meu membro e nem cinco minutos depois cheguei ao meu gozo tão desejado, gemendo, gritando de tanto tesão. Acho que pela primeira posso dizer que tive um orgasmo. Meu corpo estava em êxtase e Rafael após desacelerar me vendo gozar recuperou o ritmo e me olhando nos olhos me penetrou incansavelmente até começar a demonstrar que iria gozar.
Ainda me olhando nos olhos ele abriu a boca para arfar pesadamente. Seus olhos se encolheram querendo se fechar mas ele resistiu para me contemplar naquele momento. Ele não resistiu e com um beijo ele enterrou fundo em minha bunda jorrando jatos de gozo que me inundaram tamanho o volume. Ele gemia e se contorcia encima de mim que sorria feliz em ver seu orgasmo entre meus braços como tanto desejei.
Cansados nós continuamos sem reação frente a todo aquele êxtase. Rafael se desencaixou de mim e senti seu gozo querer escorrer. Deitamos lado a lado nos recuperando.
Eu me virei e abracei seu peito sentindo seu cheio.
- Eu te amo. – ele disse baixinho chamando minha atenção.
Eu ergui o rosto e o olhei nos olhos. Ele estava com eles marejados.
- Que excitante, não? Chorar após o sexo? – ele fez piada de si mesmo e não conteve algumas lágrimas.
- Porquê você tá chorando?
- Porque eu te amo. Eu te amo tanto. Você esteve do meu lado e eu não quero mais nada além disso. Eu só quero você. Obrigado por não me deixar.
- Nunca. Nunca vou te deixar. Porque eu também te amo. Eu te amo muito.
Nosso beijo foi mais manso devido nosso cansaço.
Nos meses seguintes, Rafael e eu mobiliamos todo o apartamento, pintamos as paredes num fim de semana muito sujo, divertido e colorido, terminamos o treinamento no consulado e ingressamos em assuntos importantes nas relações exteriores do Brasil. Nossa vida era feliz. Muito feliz.
Eu amava o chegar em casa e ver pela porta aquele que era nosso lar com características nossas espalhadas por todos os lados. Os tênis de academia dele no canto da sala, meus quadros pintados à mão na parede da cozinha, o mapa mundi enorme que ele desenhou a mão na parede atrás de nossas mesas de trabalho, o meu Mac cheio de post its coloridos colados no monitor ao lado do dele limpo e organizadamente sem nada. No nosso quarto a cama com o lençol que eu havia escolhido mas com os travesseiros enormes que ele gostava mas que me deixavam sem ar, sempre preferi os mais finos. Seus óculos que estavam meio abandonados na cabeceira da cama já que agora ele havia comprado lentes e só usava os óculos em casa por exigência minha sob o pretexto de dar oxigênio ao olho, quando na verdade eu só o queria de óculos porque achava mais sexy. Geek e sexy. Ele ria quando eu falava isso mas ia imediatamente tirar as lentes. No banheiro, o creme de pele que ele gostava que eu usasse estava lá ao lado da loção pós barba que eu adorava que ele usasse todas as manhãs. Eu amava tudo aquilo.
Era uma manhã de sábado quando o Rafael decidiu cumprir a promessa que me fez de desenhar na espuma do cappuccino.
- Eu não acredito nisso. Só vejo isso em filmes. Pra mim que não é possível se escrever em espuma de café. – eu disse me sentando.
- Me assista. E não é na espuma do café, é na espuma do cappuccino. Precisa a dosagem certa de leite... – ele dizia como um cientista analisando a quantidade de leite que colocava na xícara. – Precisa da quantidade exata de pó... – ele colocava o pó com cuidado com a colher e mexeu de leve no mixer. Ok, vamos lá. – ele respirou e começou o desenho.
- Sabe que você fica uma gracinha nesses shorts? – eu disse ainda tirando sarro do shorts novos que ele havia comprado pra dormir mas que ao chegar em casa descobriu serem levemente menores do que ele imaginava. Ficaram curtos na verdade, não cobrindo mais da metade se sua coxa. Mas se você tiver 1,94m não é difícil esse tipo de coisa acontecer.
- Obrigado. Não me desconcentre.
Eu continuei sentado observando ele debruçado sobre o balcão com o rosto tão próximo da xícara que eu pensei que seu nariz fino ia entrar nela.
- Amor, eu acho melhor parar ou senão você vai ficar vesgo.
- Não me desconcentra! Tá dando certo.
- Me deixa ver...
- Não! Fica aí na mesa.
Ele mordeu a língua e continuou o trabalho minucioso.
Até que sorriu.
- Terminei.
Ele colocou a xícara num pires e imitou um garçom com o braço no ar.
- Aqui está senhor. – ele disse em francês atrás de mim e depositou a xícara na minha frente.
Eu fiquei em silêncio enquanto ele continuava parado me observando ler.
Na xícara dizia: Veux tu m’épouser? Seguida de um pequeno coração.
Aquilo significava “Quer casar comigo?” em francês. Um calor correu por minha barriga mesmo sem beber do café. No meio do meu silêncio ele, ainda em minhas costas, depositou a caixinha preta com as duas alianças na mesa ao lado da xícara. Eu relutei.
- Rafael, por favor... Não podemos fazer isso... Você sabe que não podemos. Você ainda é um homem casado...
- Eu era! – ele deu dois passos até o balcão e jogou sobre a mesa os papéis do divórcio e partilha de bens. – Eu sou todo seu agora. Nada, e principalmente ninguém, pode mais nos impedir de ser feliz. Isso é tudo o que eu quero. Me dá mais essa felicidade. Casa comigo.
Eu não sabia se ria ou se chorava e acabou que as duas coisa vieram.
- Sim! É claro que caso com você!
Saltei sobre seu pescoço o enlaçando num abraço apertado e tantos beijos quanto consegui ainda insuficientes pra mostrar o quanto estava feliz.
- Eu te amo! Eu te amo! – eu dizia entre os beijos.
Mais meses se passaram e logo já estávamos de novo prestes ao natal. Um ano desde que tudo aconteceu naquela ceio de natal improvisada. É incrível como o destino pode estar da maneira mais torta possível ao ser ver e no final de tudo ele sempre te leva ao melhor lugar. Eu encontrei meu porto seguro. O homem que eu amo e que, hoje, me ama. Eu aprendi a ter alguém na minha vida.
Ah e antes de eu terminar, sobre aquele “algo” que faltava pra mim lá no Brasil? Eu encontrei. Era amor. Não faltava alguém específico como eu pensava. Faltava amor. Amor por mim e então amor por alguém e de alguém.
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