Cheguei a minha cidade natal por volta de umas nove da manhã, estava um trânsito bastante tranquilo por aqui, passei pelo portal que dava início a cidade e continuei, estava nublado e chovendo fininho, embora ainda estivesse abafado pelo calor do verão. Diferente das outras vezes que eu sempre pegava o mesmo caminho, a rua que levava até minha antiga casa, do qual eu tanto sentia falta, dessa vez eu continuei na estrada principal, até chegar a entrada de um morro, subi e fui até o final, parei o carro e sai, peguei o arranjo de flores e fui até a entrada do cemitério, esse lugar sempre era triste, com esse tempo de chuva, conseguia ser ainda pior do que o normal, abri o portão e fui andando pela chuva, que mesmo fina, já tinha embaçado meus óculos. Continuei até chegar ao local que eu queria chegar , e lá estava, a sepultura de piso branco com azulejos pretos e uma enorme orquídea desenhada no centro, sempre foi a flor favorita da minha vó.
" Leontina Kreush"
" Nunca abandone alguém que te ame de verdade"
Era o que estava escrito na lápide dela, era uma frase que ela sempre dizia, e eu sempre gostei muito dela, por que é algo a que pensar, vocês não acham??Eu sempre fui o neto mais apegado a minha vó, sempre fomos muito ligados, não que o Léo, a Deiziane, e os meus outros primos não fossem também, mas é que desde criança, eu vivia grudado com ela. Tomava café e almoçava e dormia na casa dela quase todo dia, fazia companhia pra ela onde quer que ela fosse, sempre me aconselhou pra tudo, mesmo que eu ainda fosse novo, os conselhos dela eram maravilhosos, e era umas das coisas que eu mais sentia falta, era desses conselhos, eu não sei se ela me aceitaria hoje, se tem uma coisa que eu nunca perguntei a ela, era qual a opinião dela sobre homossexuais, mas levando em consideração que ela era a favor da lei " Se te faz feliz, é o que realmente importa" , acho que ela iria aceitar o que me fizesse feliz , meu pai diz que ela nunca teve nada contra, ele sentia muita falta da mãe dele.
Ela foi diagnosticada com câncer no pulmão em 2006, quando eu tinha apenas doze anos de idade, uma criança ainda, ela lutou contra o câncer por dois longos anos, até que veio a falecer no dia, quando eu já tinha os meus quatorze anos, foi uma perda enorme pra toda família, mas eu sofri demais, cheguei a entrar em depressão e coisa pior. Desde aquele fatídico dia, eu venho aqui e deixo um arranjo com as flores preferidas dela, e converso com ela, parece loucura, eu sei , mas me sinto bem fazendo isso, eu sempre desabafo todos os meus problemas, e saiu daqui com a consciência limpa, como se ela me ouvisse e aquilo me fazia bem, por mais que eu não tivesse nenhuma resposta, mesmo depois de falar e falar por horas, eu sentia que ela me ouvia, se eu passasse muito tempo sem vir aqui, eu me sentia muito mal, como se ela precisasse que eu viesse, como se ela estivesse com saudades e quisesse me ver, loucura eu sei, mas cada um acredita no que quer, e cada um tem suas crenças .
" Religião é como um grupo de amigos que se sentam em uma mesa de um restaurante, cada um vai pedir o prato que quer , mas não precisam brigar por causa disso." Eu lembro de ter lido essa frase em um artigo, só não lembro quem foi que escreveu.
Eu fiquei ali por horas embaixo da chuva, que já estava mais forte a essa hora, eu chorava de saudades dela enquanto falava, toda aquela tragédia com o tio Éd , me fez reviver tudo que eu sofri com a perda dela, eu chorava sem parar e deitei ali do lado e fiquei jogado no chão, embaixo da chuva.
- Higor, meu bebê, o que você ta fazendo aqui nessa chuva. - Minha mãe tinha acabado de chegar, estava com um guarda chuva.
- Mãe??- Falei surpreso , ele então viu meu estado, e me abraçou.
- Oh meu bebê, o que está acontecendo, fala pra mãe. - Eu a abracei tão forte, aquilo era bom.
- Eu sinto tanta falta dela Mãe. - Eu soluçava com o choro.
- Eu também sinto meu lindo, foi mais que uma sogra, foi uma verdadeira mãe para mim, mas agora temos que ir, ta chovendo muito. - Minha mãe sempre foi muito apegada a minha vó, eram quase mãe e filha, era normal minha mãe se apegar a alguém tão doce, afinal ela perdeu sua mãe muito cedo, a minha outra vó que não cheguei a conhecer.
- Como sabia que eu estava aqui?? - Perguntei enquanto caminhávamos pra fora do cemitério, eu estava encharcado, mas minha mãe me abraçava mesmo assim, já estava mais calmo agora.
- O seu Agenor passou lá em casa e disse que te viu entrando no cemitério com um arranjo de orquídeas, eu já sabia o que você ia fazer aqui, você sempre perde a noção do tempo quando vem pra cá, e com essa chuva, fiquei preocupada, então vim atrás de você, vamos pra casa tomar um banho quente, se não pode ficar doente... - Mães sempre iguais kkkk.
- Obrigado dona Ieda, eu te amo muito sabia.
- Então para de preocupar o coração da tua mãe desse jeito guri.
- Isso já é normal, faço isso desde adolescente, ou já se esqueceu?? - Comecei a rir e aquele clima triste havia sumido.
- Claro que lembro, saia pra festa na sexta e voltava só na segunda e nem ligava, tu já quase me infartou umas quinhentas vezes guri.
- Exagerada né dona Ieda . - Comecei a espirrar.
- Ta vendo, o que eu disse, já ta doente, vamos logo pra casa, entra no carro.
- Eu dirijo. - Falei pegando a chave no bolso.
- Nem pensar, me da aqui. - Pegou as chaves da minha mão.
- Mas o carro é meu.
- E eu sou sua mãe, entra no carro. - Não tinha argumentos, então obedeci.
Minha mãe deu a ré no carro e olhei pro portão do cemitério, e uma lembrança em questão veio a minha cabeça, do meu primeiro dia de aula na quinta serie, era em uma escola nova e eu lembro até hoje quando corri pra casa da vó contar o que tinha acontecido .
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LEMBRANÇAS...
Eu tinha acabado de descer do escolar, nem fui pra casa, corri direto pra casa da vó, eu sempre contava tudo pra ela e tinha que contar essa novidade, abri o portão e fui correndo porta a dentro.
- Vó, vó, vó, vó. - Eu repetia sem parar até encontrar ela na cozinha, eu a abracei por trás.
- Que foi menino. - Ela disse rindo.
- Não vai acreditar no que aconteceu hoje na escola, lembra quando eu disse que não ia me apaixonar de novo?? - Falei eufórico.
- Deixa eu adivinhar, não cumpriu a promessa?? - Ela já ria sabendo a resposta.
- Ai vó , ela é maravilhosa cara, olhos verdes, simpática, linda , gentil, eu to Amando. - Eu disse me jogando no chão e fazendo drama.
- Ai menino, esses amores de crianças. - Ela ria.
- Não é de criança vó, é de verdade, amor mesmo.
- Ata bom, se você diz, e qual o nome da sortuda que ganhou seu coração??
- Ariane vó, Ariane Hinckel ...
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Minhas lembranças foram interrompidas pelo barulho do portão que se abria e minha mãe botava o carro na garagem. Ela me fez tomar um banho quente e almoçar, depois foi arrumar umas coisas e eu fui pra área da piscina, fiquei embaixo da área coberta, sentado na mesa e olhando a água forte batendo na piscina e o tempo nublado no mar, como o muro atrás era de vidro, era ótimo pra ver a praia e o mar, mesmo com aquele tempo, era lindo de se ver, fiquei um tempão ali pensando em tudo, como era bom estar em casa, e com meus pais, falando no meu coroa, ele havia saído e ainda não tinha chegado. Eu fiquei em tranze com aquela vista, como será que o Artur vai reagir com a volta do Pedro?? Ele era sempre tão compreensível, mas até que ponto ele seria?? Eu já contei pra ele tudo que o Pedro significou em minha vida, tudo o que ele me fez , será que algum dia eu iria perdoa-lo por tudo?? Será que eu iria entender o seu ponto de vista e voltaríamos a ser amigos, ele e o Artur poderiam se dar bem??? Assim como eu e a Luiza nos damos?? Mas ela nunca fez nada contra o Artur, diferente do Pedro por mim, minha onda de pensamentos foi quebrada pelo meu coroa que havia acabado de chegar.
- Que saudades filhão. - Ele me abraçou.
- Saudades coroa . - Respondi.
- Dessa vez você voltou mais cedo, que milagre. - Brincou ele.
- Saudades de casa, do meu cantinho.
- E cade o meu genro ?? To com saudades daquele cabeção . - Ele riu, era tão bom saber que o meu pai gostava do Artur assim.
- Ele não veio, nem sabe que eu to aqui.
- Filho, aconteceu alguma coisa entre vocês?? - Meu pai olhou preocupado.
- Não pai, nós estamos ótimos, é que aconteceu uma tragédia na família dele, o tio dele morreu e ele viajou com a família pra cidade natal dele. - Expliquei.
- Nossa que triste, sinto muito por ele, e você não foi junto por causa do trabalho??
- Sim sim, e depois eu pensei melhor, só ta a familia lá, nem a Gabi foi, foi melhor não ir mesmo.
- Mas você ta tão pra baixo, o que houve garotão??
- É saudades dele, uma semana já e ele só volta segunda.
- Ele te faz muito bem né filho, por isso eu gosto tanto dele. - Como eu gostei de ouvir aquilo.
- Faz sim pai, mas agora preciso te perguntar uma coisa . - Ele me olhou sério.
- Pode filho.
- O que aconteceu com você??
- Como assim??
- Pai , na época em que eu apresentei o Artur pra você, me assumi, você aceitou e como era isso que eu queria, não questionei, mas eu notei algo muito diferente em você, desde que eu tinha chegado aquele dia. - Eu sempre quis ter essa conversa e essa era a hora.
- Diferente como?
- Pai, você nunca foi preconceituoso, isso é fato,nunca teve problemas com homossexuais, mas certa vez me disse que se fosse com seus filhos jamais aceitaria, uma puta hipocrisia, isso me fez ter muito medo de me assumir, mas então quando eu crio coragem e falo, você aceita com muita facilidade e ainda gosta do Artur, sem falar que agora você ta super divertido, amoroso, gente boa com todo mundo, alegre, desculpa a sinceridade, mas você não era assim... - Desabafei de uma vez.
- Eu sei de tudo isso filho, e vou te contar o por que eu mudei tanto de uma hora pra outra, só não fica bravo comigo?? - Ele quase chorou, o que me deu certo receio.
- Prometo, pode falar.
- Eu ouvi uma conversa tua com sua mãe ao telefone, eu ouvi ela falar sobre seu namorado, aquilo quase me matou do coração, eu fiquei em um estado de puro ódio, me desculpa filho, eu era muito idiota, eu e ela discutimos feio, ela tentava me convencer que era algo normal, que eu aceitava os outros e tinha que aceitar meu filho também, mas eu não podia aceitar, meu próprio filho, meu orgulho, o pegador, os pais das garotas viviam te trazendo pra casa pela orelha, depois de pegar você dormindo com as filhas deles, então eu não podia acreditar que aquilo era verdade, eu era muito hipócrita e fiz uma besteira, que foi a melhor coisa que eu fiz na minha vida e ...
- E o que pai?? - Eu estava em choque com o que ouvi.
- Eu sai correndo e peguei o carro, estava disposto a te dar uma surra, me perdoa filho, foi quando um carro cortou a minha frente e eu cai de um penhasco, um cara que viu tudo correu para me socorrer e chamou uma ambulância, cheguei no hospital, e fui direto para a cirurgia, fiquei entre a vida e a morte, quando acordei, sua mãe estava do meu lado, ela não te avisou, por medo que eu fizesse algo contra ti , o garoto que me salvou entrou no quarto e ele estava acompanhado de outro garoto, notei uma aliança idêntica nos dedos deles, quando vi aquilo, meu mundo caiu e eu notei então o quanto fui idiota, fui salvo por alguém que era igual ao meu filho, filho esse que eu não queria aceitar, aquela experiência de quase morte, me fez nascer de novo, dar valor as coisas importantes da vida, como você filho, e seja quem for que esteja do seu lado, o importante é ser feliz, eu não deixei sua mãe contar pra você, tinha vergonha do que eu tinha feito, não queria que soubesse do acidente e nem de nada, eu sabia que uma hora você ia confiar em mim e iria contar, e eu estava certo, foi por isso que eu mudei tanto filho e me perdoa por nunca ter contado... - Ele chorava e eu também, eu não conseguia falar nada, tamanho foi o choque daquela revelação.
- Higor, fala comigo filho, diz que me perdoa...
- Você podia ter morrido pai, e eu nem fiquei sabendo, tem ideia disso???
- Claro que tenho, mas eu tinha vergonha, me perdoa, perdoa o seu pai por ter sido um ser humano horrível...
- Pai, você não era horrível, sempre foi uma pessoa maravilhosa, do seu jeito, mas foi, você cometeu um erro, e todos cometem erros, o importante é que você mudou, aprendeu a lição e isso que importa. - Dei um abraço nele, lagrimas escorriam por nossos olhos.
- Por isso eu disse que foi a melhor besteira que já fiz, me tornou um novo homem.
- Eu te perdoo coroa.- Falei rindo.
- Você anda tão compreensível filho.
- Acho que o Artur está me tornando uma pessoa melhor.
- E eu o agradeço todos os dias por isso, e esses machucados ai??
Expliquei tudo o que aconteceu para ele e minha mãe logo chegou.
- Eu já ia perguntar sobre esses machucados ai, ninguém bate no meu bebê, ninguém, esse garoto vai se ver comigo. - Ela nunca mudava.
- Calma Ieda, ele já é um homem e o outro saiu bem pior, eu falei que as aulas iam valer a pena, não falei. - Disse meu pai, na época eu não queria práticar luta, e ele me convenceu, hoje eu agradeço.
- Ah isso me faz lembrar, o Artur me ligou, por que disse que você não atendia o celular. - Falou minha mãe.
- Eu deixei no carro, o que ele queria?
- Falou que ta vindo pra cá. - Respondeu ela.
- Pra cá?? Mas como??
- Ele disse que veio mais cedo de viagem e não te encontrou em casa, o porteiro falou que você tinha viajado, por que te viu saindo com a mochila e de carro e ele logo imaginou que você estaria aqui. - Caramba, era tão óbvio assim onde eu tava.
- Vou tomar um banho. - Sai correndo.
- Você acabou de tomar menino. - Gritou ela.
- Eu tomo outro, quanto mais cheiroso melhor. - Eles riram e eu fui pro banho de novo.
Terminei o banho e fiquei lendo Harry Potter, esperando o Artur chegar, a cada novo minuto, eu olhava no relógio, era tanta saudade que eu não aguentava mais esperar, acabei cochilando, acordei com uma conhecida voz falando no meu ouvido.
- Sentiu saudades amor. - Ao ouvir a voz do Artur, meu corpo ficou todo arrepiado, até que fim.
Nem respondi, puxei ele para um beijo, e não foi qualquer beijo, foi um beijo molhado, forte, gostoso, eu podia sentir sua língua invadindo a minha boca e vice versa, eu não sei se era a saudade ou o que era, mas aquele foi o melhor beijo da minha vida. Continuei a beijar ele, até perder o fôlego.
- Isso responde sua pergunta?? - Falei após o beijo.
- Oh se responde. - Ele sorriu safado, ainda chovia muito lá fora.
- Que saudades meu deus. - Deitei sobre o peito dele e ele começou a fazer cafuné em mim.
- Nem me fale, saudades do teu beijo, do teu cheiro, da tua voz, de tudo. - Ele falava enquanto acariciava meus cabelos.
- E como você está?? - Perguntei.
- Um pouco melhor, agora é aceitar, é a vida. - Ele suspirou.
- Pois é.
- E o que aconteceu com seu rosto?? - Eu já não aguentava mais responder isso.
Mas então contei toda a verdade pra ele, e ele ficou apavorado.
- Quem diria, o Will parecia tão legal, mundo doído.
- Pois é Artur, e nos que já defendemos ele, mas agora preciso falar de outra coisa com você. - Falei sério, me sentei na cama.
- O que foi?? - Ele também se sentou.
- Lembra quando combinamos de nunca mais esconder nada um do outro??
- Lembro. - Ele respondeu.
- Pois então, lembra do Pedro??
-E como poderia esquecer?? - Ele fez cara de ciúme.
- Ele ta morando em Floripa e fazendo faculdade na UFSC Artur. - Falei sem enrolar.
- Como é que é??
- E eu fiquei cara a cara com ele.
- Você fez o que?? - Ele levantou a voz.
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Bom pessoal, mais um capitulo pra vocês, espero que gostem, por favor comentem o que acharam e até segunda, se eu sobreviver ao carnaval hahaha, bom carnaval pra todos vocês. Na próxima eu respondo todos ,agora to indo viajar e já estou atrasado, bom feriado e divirtam-se
H.g20@outlook.com