SEGUNDA PARTE – CONSPIRAÇÃO
Faltavam duas semanas para a família de condes daquela província distante chegar à capital do reino quando, no meio da madrugada, o jovem guerreiro (que ainda não fora iniciado oficialmente, já que precisava se tornar maior de idade primeiro, o que ainda demoraria dois meses a acontecer) olhava a noite do lado de fora do dormitório comum, onde outros guerreiros recém recrutados dormiam profundamente.
Arthur não queria pensar nele, nunca nunca, mas as vezes era tão difícil, quando sonhava com ele e acordava no meio da noite, feito hoje, desnorteado e sozinho, e não queria voltar a dormir porque não queria repetir a sua dose de Paulo, mas ao mesmo tempo, passar o resto da madrugada em claro não ajudava muito, sua cabeça, mesmo depois de mais de um ano e meio da partida do seu amigo, ainda parecia a seta de alguma bussola teimosamente focada naquele norte. E se o encontrasse hoje? E se Paulo visse quem ele havia se tornado, a maneira que cresceu, tanto física quando mentalmente nesse tempo, talvez Arthur sacasse a espada, de tanta raiva. De tanta angustia que essa falta de respostas lhe causava. Podia ao menos ter mandado uma carta só pra dizer que estava vivo, não precisava explicar nada, não precisava dizer que não gostou daquele beijo, e que não queria nunca mais ver Arthur, só escrever algumas palavras, estava vivo, estava bem. Mas nada. Arthur já não tinha forças para acreditar que Paulo continuava vivo, porque a cada dia que passava parecia que aquele boato que se espalhou pelo vilarejo era verdade, a família toda executada no castelo, talvez algum repolho envenenado tenha sido servido ao rei, e claro, a culpa era deles. Já começava a querer acreditar em alguma coisa, só pra não ser assim esse vazio tão grande.
E tão perdido estava nesses pensamentos que só notou um pequeno grupo de homens se aproximando e conversando em voz alta quando eles já estavam tão próximos que não adiantava mais tentar se esconder, e Arthur também não tentaria se esconder de qualquer forma, se havia uma coisa que ainda sobrara do antigo Arthur, era o fato de ele não ter medo. Eram outros guerreiros, mais velhos, que pela maneira que falavam e riam alto já deviam estar um pouco bêbados, mas ainda não completamente, era só um aperitivo para a bebedeira que teriam durante a noite na farra.
– Olha só o novato que ainda não foi dormir... – disse Oscar, que era um dos primeiros que Arthur conheceu quando chegara, e que assumia uma espécie de liderança carismática sobre os colegas, ainda que tivesse o mesmo posto que eles.
Arthur não respondeu, dois cachos do seu cabelo ruivo caiam sobre o olho direito, mas o esquerdo estava austero.
– Está ouvindo a música, menino? É o chamado! – disse um dos amigos de Oscar, que se aproximou cambaleando até ele, e cheirava a vinho clandestino, bebida proibida aos guerreiros, mas que pareciam beber mais que água. Apoiou os braços sobre os ombros de Arthur e disse apontando para o horizonte, como se visse o ponto de onde essa musica vinha. – Em algum lugar do outro lado dos muros, um bordel com lindas moças espera por nós...
– Nem tão lindas assim, na maioria das vezes.
– Nada lindas, quase todas as vezes.
– Dragões vitorianos, quase sempre.
– Ou melhor, sempre.
Eles iam remendando as frases uns dos outros e continuando a piada, o que parecia ao mesmo tempo infantil e cúmplice, porque todos aqueles homens se conheciam há muitos anos e já sabiam exatamente como cada um era, como se fossem irmãos. Arthur gostava daquilo, mas ainda não se sentia como um deles, e temia que nunca fosse se sentir, ele, que só queria ser guerreiro para ficar perto do amigo. – Por que não vem conosco, moleque? Tem jeito de homem, mas cara de que ainda não conheceu uma mulher – falou Oscar, num tom mais lúcido que o do seu amigo bêbado, mas ainda assim visivelmente também devia ter algum álcool no sangue.
– Pensei que guerreiros não pudessem sair dos muros do castelo sem ordens reais.
– E eu pensei que novos recrutas não pudessem ficar acordados até depois da meia-noite. Quando eu disse no dia da sua entrada aqui, que você seria um bom guerreiro, foi porque eu vi que você também não é muito de seguir as regras. E então, vai conosco ou vai começar a criar inimizades com os seus parceiros guerreiros para a vida toda?
– Para a vida toda! – os outros guerreiros gritaram juntos e em voz alta, ecoando as palavras de Oscar, mas fizeram em tom de piada, zombando do juramento que repetiam todas as manhãs e que usava as mesmas palavras.
Arthur não queria ir com eles, Arthur não queria conhecer os dragões de que falavam, e nem que encontrasse por sorte uma jovem bonita nesse bordel, não queria conhece-la, por seus motivos, que os seus parceiros guerreiros para a vida toda não precisavam ficar sabendo; mas o fato é que também não queria bancar o certinho e dizer que preferia voltar para a cama. Se Oscar gostasse dele, teria uma vida muito mais agradável e muito mais amigos por aqui, por isso ele se levantou do bloco de feno em que estava sentado olhando para a lua minguante e os seguiu avante rumo a uma portinhola secreta no muro, e que os deixava fora dos olhos daqueles nobres que viviam ali enclausurados entre aquelas quatro paredes altas. Mas antes disso, Oscar sorriu ao ver que o garoto era novo e não sabia direito o que estava fazendo, porque quando se levantou do bloco de feno, levou consigo a espada presa a roupa, e Oscar tirou sarro, perguntou para onde ele achava que estava levando aquela espada, e depois acrescentou: “Para onde estamos indo, um homem só precisa levar sua espada mais importante” segurando com força o pau que se marcou sob o tecido da calça.
Arthur tinha um pressentimento de que não iria gostar daquele lugar. E estava certo. Logo que aquele grupo de guerreiros chegou no bordel iluminado de cores quentes e cheirando a incenso e flores murchas, cheio de moças extremamente maquiadas que vestiam vestidos curtos sem nada por baixo saltando do colo de um homem para outro, Arthur viu que aquele era exatamente o tipo de lugar que ele não gostaria de estar. Mas bem, tudo pelas aparências. Se sentou num dos cantos, escondendo o rosto com aqueles dois cachos de cabelo ruivo pra ver se assim não chamava a atenção, sem saber que assim era que chamava mais, porque seu rosto quando se escondia daquela maneira, transmitia alguma áurea de mistério que era atraente, fosse num menino a dois meses de ficar maior de idade, fosse num homem feito.
As moças se aproximavam sorrindo, traziam vinho que ele aceitava cordial, mas sempre pedia que se afastassem quando queriam se sentar no seu colo, o que queria dizer que não estava querendo levá-las para os quartinhos três por três no corredor do fim do bordel.
Seria uma noite jogada fora, sentado ali num canto vendo um a um dos seus companheiros guerreiros levando uma, as vezes duas, prostitutas para os fundos, e Oscar levando sua terceira, quando Arthur, olhando para a gotinha de vinho no fundo da sua taça de latão, foi que ouviu o murmúrio do homem que estava sentado atrás dele e conversando com um amigo:
– Daqui a duas semanas chegará o famoso conde de não sei aonde – ele proferiu com desprezo. – E o nosso plano começará.
– Quais são as ordens? – o outro perguntou, bêbado demais e falando alto com uma moça no seu colo que somente ria sem prestar atenção em nada.
– Você já está com um cargo no castelo? Sim? Pois bem, dois dias antes da chegada do conde, nós manteremos o copeiro do castelo fora de cena, e você assumirá essa função, porque assim terá as chaves de todas as portas, e no dia em que os hóspedes chegarem, você entrará no quarto do rapaz que quer desposar a princesa, e o matará sufocado com o travesseiro.
– Com o travesseiro? Pensa que sou o que, alguma lady? Prefiro mata-lo com a lâmina da minha espada!
– E como vai explicar depois, seu jumento?! Não, ouça, você o matará com o travesseiro, sem deixar marcas, apenas sufocado, e todos dirão que foi alguma coisa que estava envenenada no jantar real, e causou um engasgo na garganta durante a noite. Talvez um veneno, vão especular, mas ninguém vai conseguir provar nada. Até agora, essas são as ordens que me foram passadas, e é bom que as siga a risca, entendeu?
– Bom, o que eu posso garantir é que a risca que eu vou seguir agora é essa aqui – ele disse lambendo a coluna da moça no seu colo, e descendo por ela até a bunda da mulher. Depois ele se levantou e sem dizer nada ao outro, levou-a para um dos quartos.
E o outro homem, agora sozinho, levantou-se pronto para ir embora e Arthur olhou de soslaio para ele, vestia-se com roupas longas e marrons, como se quiser passar despercebido, e antes de por o capuz que fazia parte da sua roupa, olhando-o de costas, Arthur percebeu que ele era muito diferente das pessoas do reino, seu cabelo de um loiro tão claro que beirava o branco, sua pele alva e avermelhada, parecia estrangeiro. Mas estava com planos bem sorrateiros que o guerreiro logo começou a tentar entender.
– Posso me sentar com você? – perguntou um homem beirando os trinta anos que apareceu na frente dele minutos depois, quando Arthur ainda tentava entender tudo aquilo.
Ele concordou meio hesitante, depois do que ouvira olhava para todas aquelas pessoas no lugar lotado e parecia não poder confiar em nenhuma delas. Mas aquele homem na sua frente tinha cara de ser uma boa pessoa, e pelo menos era um homem que fisicamente parecia ser do reino e não um estrangeiro.
– Escuta, eu sei que deve ser estranho um homem pedir para sentar com outro num lugar como esse – esse desconhecido ia falando com Arthur, tentando se explicar – Mas não me entenda mal, acontece que eu vi que um homem que eu vinha seguido até aqui se sentou atrás de você, e parecia estar conversando com outra pessoa que eu não consegui reconhecer, mas... não sei se posso falar isso... você é um guerreiro, certo? Por lei, vocês são obrigados a guardar os segredos de interesse do rei, essa regra é levada a sério por vocês?
– Por mim sim – Arthur respondeu, e foram as primeiras palavras que ele falava ao homem, que desde o começo já percebera que aquele era um jovem de poucas palavras.
– Pois bem. O homem que eu vim seguindo é um informante de um reino próximo. Eles são nossos aliados, mas parece que não por muito tempo, estão querendo começar uma guerra porque a nossa princesa se negou a casar com o príncipe deles. E eu não sei o que esse homem fazia aqui, mas provavelmente planejava alguma coisa, talvez até contra o rei. E é muito importante que eu descubra isso e possa evitar. Por isso eu preciso saber se você ouviu alguma coisa que possa me ajudar.
Arthur fitava-o com seus aguçados olhos verdes. Parecia um homem decente, mas bem, o ruivo tinha lá seus motivos para não confiar nas pessoas.
– Como eu vou saber que você também não está mentindo?
O outro homem sorriu, guerreiros geralmente não eram assim tão astutos quanto este, ainda bem que para essa missão seria bom ter um guerreiro inteligente e não uma montanha de músculos que só pensa em matar com a sua espada. Ele abriu o roupão que vestia e mostrou o emblema real estampado na parte interna do tecido. Somente funcionários do castelo tinham aquela identificação, que era para que não fossem parados pelos guardas e pudessem transitar livremente para dentro e para fora dos muros. – Eu sou o copeiro do castelo. Meu nome é Gabriel, prazer.
– Arthur – ele se apresentou também, finalmente convencido de que Gabriel, o único amigo que Paulo fizera na sua breve estadia no castelo muito tempo antes, falava a verdade. E depois contou tudo o que ouvira, sem saber que Gabriel já conhecia a família que viria visitar o rei, e que era seu amigo esse jovem que os outros planejavam matar, na verdade ele era amigo daqueles dois, e Arthur ainda explicou que o outro homem estava agora num dos quartinhos dos fundos, e se ofereceu para fazer o serviço caso de Gabriel quisesse matá-lo, Arthur podia fazer isso, aquele homem era um perigo para o reino e se fosse preciso, um guerreiro não deve pensar duas vezes antes de matar um inimigo.
– Não, se matarmos ele agora, eles saberão e planejarão outra coisa. No momento, basta que a gente esteja sempre um passo a frente deles, e quando forem dar o bote, nós os pegamos todos de uma vez. Venha, você precisa me mostrar esse homem, porque ele disse que já tem uma função no castelo, então eu preciso conhecer o seu rosto.
– O que? Você quer ir comigo lá para trás? Você sabe o que as pessoas vão pensar em ver dois homens...?
– Arthur, eu não me importo, minha mulher sabe muito bem quem eu sou e só a opinião dela me interessa. E você? Teme o que os outros vão pensar?
Gabriel se levantou e esperou para ver se o outro faria o mesmo, enquanto Arthur olhava para ele, porque parecia uma decisão difícil de ser tomada, cheia de significado. Ele se importava com o que os outros iriam pensar? Não, isso era coisa do Paulo, Arthur estava pouco se lixando se as mulheres do bordel ou os seus colegas achassem que ele gostava de homens, o que afinal de contas, era verdade. Se levantou e foi com ele. E Oscar viu a cena quando voltava pelo corredor depois da sua terceira prostituta, cruzaram os dois com o líder dos guerreiros e ele parou de andar quando os viu, olhou para trás, acompanhando os dois com os olhos, na sua fisionomia não parecia chocado, mas sim, intrigado com a cena. Virou todo o vinho que ainda restava na taça em suas mãos e depois voltou para o salão do bordel.
Quando Arthur viu num dos quartinhos com portas feitas apenas de cordinhas esticadas verticalmente, e reconheceu o homem que procuravam, ele mostrou a Gabriel, que precisou apenas olhá-lo por um instante para saber quem ele era. Já conhecia aquele homem, aparecera no castelo dois meses antes como assistente de cozinheiro, e vinha subindo de cargos graças a seu talento para preparar comidas exóticas, pudera, visivelmente não era nascido no reino.
– Vamos embora.
– O que? Você não vai fazer nada?
– Vou, vou avisar os guardas para vigiá-lo, vou mantê-lo longe do cargo de copeiro, que aliás é meu cargo. E na hora que ele for atacar o conde Rômulo, vou estar lá e mandar executá-lo. Mas agora, o que nós vamos fazer é sair daqui antes que ele nos veja.
Rômulo? Esse é o nome do famoso jovem conde, que irá desposar a princesa e quase começar uma guerra? Arthur lembrou que lá atrás, quando ele fez o teste para se tornar guerreiro, um dos chefes disse que assim que ele se tornasse maior de idade, sua função seria guarda no castelo, e guarda justamente desse tal de conde Rômulo.
De volta ao salão, Gabriel disse que já conseguira o que precisava naquele lugar e tinha que voltar ao castelo antes que dessem pela sua falta, mas disse que gostou de ter conhecido Arthur e que certamente se veriam outra vez. E então, sozinho outra vez, Arthur também já estava na sua hora de ir embora daquele lugar e sem falar nada com os demais guerreiros que estavam,, jogados no chão feito esponjas de álcool, o jovem ruivo foi embora. E só na rua escura, foi que ele ouviu a voz de alguém se aproximando, pensou que tivesse sido descoberto e fosse aquele estrangeiro, e já estava pronto para sacar a espada, mas sua mão tocou o vazio. Droga, ótimo conselho esse do Oscar. Como é que ia duelar usando sua espada mais importante? Mas felizmente para sua surpresa, quando estava num beco sombrio que o levaria para a mesma portinhola de antes, foi que ele ouviu a voz do homem que o seguia dizendo “Ei, vai mais devagar...” e era uma voz familiar que não lhe dava medo. Ele parou de andar e esperou que Oscar o alcançasse.
– Indo embora, já?
– Eu queria chegar ao dormitório antes do sol nascer, daqui a pouco...
– Tudo bem – Oscar tinha um sorriso simpático outra vez para ele, mas agora era um sorriso mais aberto que da outra vez, quando viu sentado no feno. – Posso ir com você?
– Pode, claro.
Saíram daquele beco escuro entraram num outro, ainda mais escuro, Oscar comentou como quem não quer nada – E aquele seu amigo, lá no bordel, você já conhecia?
Arthur imaginou que a pergunta chegaria mais cedo ou mais tarde, já que cruzaram por aquele corredor. Só imaginava que Oscar fosse tocar no assunto de maneira mais rude e debochada, chamando-o de afemminado ou algo assim, mas não era, era Oscar sendo discreto mas deixando claro pelo seu sorriso o que queria, e se não fosse o sorriso, também deixaria claro pelo que fez depois, encurralando Arthur e o jogando com força contra uma parede, apertando o seu corpo contra o dele “se eu soubesse que você gostava, não tinha ido no bordel, você é muito mais bonito que aquelas mulheres de lá” e beijou seu pescoço. Como um homem beija um pescoço, com força, brutalidade, ao mesmo tempo lambendo e sugando. E fazendo Arthur arrepiar. Oscar era o homem mais bonito entre os guerreiros do reino, disso todos sabiam, fossem as prostitutas dos bordeis, fossem as filhas dos barões, viscondes ou marqueses, mas meninos muito pouco, ele gostava de um rapazotes mas nunca investia porque era raro, era difícil aparecer alguém assim como Arthur, parecendo homem mesmo, jovem mas macho, e isso excitava o espírito guerreiro de Oscar, transar com um homem era como uma batalha com outro soldado, ser ativo era como ter poder sobre a outra pessoa, e faze-la gostar disso, pedir mais, essa sensação era o que mais o excitava em suas fantasias com rapazes. E agora era também o que sentia apertando Arthur contra o muro e sugando seu pescoço branquinho com pelos ruivos perto do couro cabeludo. E quando ele afastou o rosto para olhar nos olhos verdes de Arthur, meio que pedindo permissão enquanto se aproximava daqueles lábios, Arthur o afastou um pouco, não permitiu que o beijasse, apenas comentando “Você está cheirando a prostitutas.” E Oscar se afastou, pedindo desculpas, porque aquilo parecia mais uma maneira educada do ruivo dizer que gostava de rapazes, mas não de Oscar. Mas Arthur não queria que Oscar pensasse assim, ele era um cara bacana, ele era muito bonito com aquele cabelo preto desgrenhado e aqueles olhos negros abismais, ele era um rapaz que Arthur queria consigo, porque acima de tudo, Arthur queria esquecer Paulo, Arthur queria apagá-lo do peito e da carne. Havia a chance de Paulo estar morto, ou pior, vivo e fugindo dele, fugindo daquela tarde em que se beijaram, ainda garotos, na beira do abismo. E Arthur não queria alguém assim, na verdade não sabia que tipo de pessoa ele queria, mas não assim, fugindo. E foi sua vez de segurar Oscar pelos braços e não deixar que ele tirasse o corpo ali de perto, os dois da mesma altura, os dois com olhos acesos como lamparinas coloridas, e Arthur aproximou o rosto dele, os lábios do seu ouvido, deixando que seus cachos ruivos se emaranhassem no cabelo desgrenhado preto dele enquanto murmurava “Quando você estiver sóbrio, e cheirando só o seu cheiro natural, vem me procurar” apertando na mesma hora a bunda e o pau de Oscar, com a mão direita e a esquerda muito bem sincronizadas. E os dois sorriram, cúmplices, e voltaram a andar na direção do muro. Conversando como bons amigos.
***
Duas carruagens paradas na beira da estrada de terra, abaixo da mesma lua minguante, que Romulo olhava fascinado do lado de fora. Suas roupas eram elegantes e de tecido fino, ornando com seu cabelo loiro ouro e seus olhos claros como o de um verdadeiro nobre. O chamariam de príncipe, quando casasse com a princesa, aquela garota mimada, mas que salvara sua vida e a de seus pais, que dormiam muito profundamente dentro da segunda carruagem, a viagem seguiria assim que o sol raiasse, e precisavam chegar ao reino em no Maximo treze dias, para conseguir estar presente no ritual de passagem, que seria dali a quinze dias, e que era uma cerimônia muito bonita onde os guerreiros novos passavam a fazer parte oficialmente do restante do grupo. E o rei os abençoava pessoalmente com sua espada, um a um. Era nessa cerimônia, durante o jantar de gala, que seus tutores disseram que ele tinha que fazer o pedido.
Mas Romulo não conseguia nem imaginar a cena.
No começo desse tempo que ele passou fora era fácil dizer que iria sim pedir a mão da princesa, parecia tão simples, ela diria sim, ele se tornariam noivos, e ele estaria segurado entre os nobres. Mas a medida que a data se aproximava ele já não tinha tanta certeza. Não conseguia pegar no sono, não conseguia ter aulas de etiqueta e boas maneiras sem passar mal. E a saudade de Arthur batia cada vez mais forte. Doía fisicamente, as vezes, porque ele sentia dores de cabeça, tinha pesadelos que lhe tiravam a tranqüilidade e as vezes chorava sem motivo aparente. Arthur não se deixava esquecer, o menino impulsivo insistia impulsivamente em continuar na sua mente, e a medida que Romulo cresceu, agora já era maior de idade, mesmo que fingisse que iria completar sua maioridade dali a alguns dias, e agora que cresceu, ele sentia uma necessidade cada vez maior der Arthur. Era amor, mas era também desejo de homem, de macho no cio que sonhava em foder o outro macho por quem era apaixonado. Ele guardava segredo sobre isso, claro, ninguém podia saber. Mas todas as noites vinha sonhando e cada vez mais intensamente com aquele garoto que ele deixou para trás, e Arthur estava magoado com ele nos seus sonhos – e devia estar também na vida real, Romulo sabia – e Arthur pedia, quando eles assim deitados na beira do abismo, Arthur pedia para que ele o beijasse de novo, mas Arthur não beijava. E estavam as vezes sem roupa no seu sonho, na beira do abismo, e Arthur não o beijava, e Arthur não deixava que Romulo enfiasse o pau nele, mesmo Romulo querendo muito muito muito aquele corpo, o do seu menino, que ele sempre quis proteger. Mas uma vez deixou de proteger, e foi embora. E no seu sonho Arthur se levantava, nu, e dizia aquela frase que ele disse lá atrás “Pula comigo”. Mas Romulo dizia que era perigoso, Romulo tinha medo, e Arthur ia até o abismo e pulava, sozinho. E Romulo acordava suando e chorando e sentindo falta do seu menino. Precisou crescer para saber que o que sentia por ele, não era algo infantil. Mas agora, agora estava a caminho de ser nobre. Agora sabia que se desse para trás no plano do rei seria condenado por traição, ele e sua família. E a pena a esse crime é a morte.
Por isso não dormia, por isso passava aquela madrugada de lua minguante olhando para o céu. Caíra na cilada que o levaria para longe de quem ele mais amava, e por mais que tentasse se debater, não havia mais como escapar dela. A primeira luz do dia apagou as estrelas do céu e logo o homem do rei que os escoltava de volta a capital do reino pediu que ele entrasse na sua carruagem e prosseguiram sua jornada.
***
Um dia antes da chegada daquela família de nobres a capital, Arthur foi procurado por Gabriel, mas não estava no refeitório onde os demais novos guerreiros almoçavam todos juntos. Gabriel o procurou em todos os cantos e nada de encontrá-lo, mas claro que Gabriel como nem porque procurá-lo no quarto de Oscar, onde os dois estavam trancados a mais ou menos uma hora. Eles se divertiam muito quando estavam juntos, não que transassem, porque isso eles nunca chegaram a fazer de fato, não por falta de investida das duas partes, mas porque Arthur e Oscar queriam as mesmas coisas e nenhum dos dois aceitava ser passivo. Arthur sentia que nunca mais se entregaria a outra pessoa como estava a disposto a se entregar ao seu amigo Paulo lá atrás, porque tinha medo de outra pessoa querida desaparecer da sua vida sem aviso. E Oscar se tornara isso na sua vida, alguém muito querido e importante. E mesmo que não houvesse sexo na relação deles, os dois se sentiam porque Oscar buscava mesmo aquilo, aquela relação com um homem mesmo, aquela brutalidade com que Arthur socava o seu peito e depois o beijava bem no mamilo, mordendo e sussurrando com voz grossa de quem passara a pouco pela puberdade. Era difícil conseguir que Arthur deixasse que Oscar avançasse mas ainda assim se sentia feliz, ele beijava bem, ele sabia chupar e ser chupado do jeito que Oscar sempre imaginava um sexo cheio de testosterona. E Arthur se sentia mais feliz, porque com Oscar ele quase que esquecia Paulo. Agora deitados e abraçados na cama de Oscar, os dois conversavam sobre os compromissos da guarda, e Oscar falava que dali a três dias (dois dias depois da chegada dos nobres) Arthur passaria pelo ritual de passagem e se tornaria maior de idade e também um guerreiro de verdade, e Oscar ouvira comentários dos superiores de que o ruivo iria fazer a guarda dentro do castelo, coisa que o próprio Arthur havia escutado também.
– É claro que eu vou te visitar todas as noites – Oscar comentou, beijando seu pescoço e apertando a bunda nua de Arthur, que correspondeu apertando a sua também deixando aquelas marcas vermelhas de dedos, eram fortes e selvagens, eram homens e não queriam sexo como o de mulheres. Ao longe, alguns guerreiros gritavam chamando por Arthur, e foi só então que ele percebeu que alguém o estava procurando. Vestiu-se apressadamente, despediu-se do seu... bem, nunca tinham trocado apelidos carinhosas nem definições para o que faziam os dois, então ele era seu amigo, Oscar era apenas um bom amigo.
E quando Arthur encontrou Gabriel do lado de fora e o copeiro do rei perguntou onde ele estava que ninguém conseguia encontrá-lo, Arthur respondeu conversando com um amigo. Mas não tinham tempo para falar sobre isso, e Gabriel foi levando Arthur com ele enquanto lhe explicava o que estava acontecendo, o infiltrado do inimigo estava no castelo e já tinha um cargo de confiança entre os cozinheiros, e Gabriel desconfiava que naquela noite ele envenenaria a comida do próprio Gabriel para que assim pudesse tomar o cargo de copeiro e estar no quarto de Romulo quando ele chegasse no dia seguinte. E Arthur disse que aquilo era horrível e eles não deviam ter deixado que esse homem fosse até tão longe, mas Gabriel tinha um plano, que envolveria fingir que comeu a comida envenenada, e sumir das vistas de todos, para que aquele homem pensasse que ele estava morto e então tomasse o seu cargho, mas ele estaria muito bem, esperando para pegá-lo. E precisava que houvesse um guerreiro no quarto na hora em que esse espião tentasse matar o conde, por eles viverem sob juramento, a palavra dos guerreiros era tida sem nenhuma suspeita e se o guerreiro que houvera uma tentativa de homicídio, esse espião podia ser morto na mesma hora, mas como não podia contar nada disso a mais ninguém e o único guerreiro que já sabia de tudo era Arthur...
– Você será o guerreiro escondido no quarto, e que vai evitar o assassinato do conde...
***
Pra não precisar dizer que não adiantar Arthur explicar que ele ainda um guerreiro oficial, que era muita responsabilidade fazer isso, que tinha medo de algo dar errado, para não precisar explicar tudo isso que obviamente Gabriel também não deu ouvidos, basta dizer que na noite seguinte, lá estava ele, escondido naquele armário do quarto do conde enquanto todos jantavam no salão de festas do castelo.
Arthur estava ali fazia doze horas.
Ouvira o hóspede chegando e deixando as malas sobre a cama, mas esse hospede não dissera uma palavra para que Arthur ao menos ouvisse sua voz, e a porta do armário era grossa e sem frestas então não sabia como era seu rosto, e nem importava, ele não tinha nada a ver com aquele povo esnobe da nobreza, e nem queria. Faria seu serviço, evitaria um atentado do inimigo e voltaria a seu posto. Estava nervoso, a empunhadura da espada estava úmida por causa do suor que escorrida da sua mão, o armário abafado, ele estava com fome mas ansioso demais para pensar em comer.
Quando o jantar acabou lá embaixo e o hóspede voltou para o quarto, Arthur apenas ouvia ruídos de passos, o rapaz provavelmente desfazendo os edredons da cama para dormir, alguém em certo momento bateu na sua porta e pediu para que ele a mantivesse trancada, pois havia suspeitas de que o copeiro morrera na noite anterior, já que nem o via desde o jantar passado. E então as luzes do quarto se apagaram. Arthur sentia que a hora estava chegando, e depois que a madrugada estava no inicio, e o quarto mergulhado na mais absoluta escuridão, talvez com apenas uma luz estelar vinda da janela, mas sem lua, foi que ele supôs que o conde estava dormindo e não notou que a porta estava sendo destrancada por alguém que tinha as chaves.
Era verdade. Estavam tentando matar aquele jovem conde. Arthur aguçou os ouvidos, esperou que o estranho entrasse no quarto, esperou que seus passos sutis chegassem até perto da cama e então saltou para fora do armário e vislumbrou aquele mesmo homem, o que tinha cara de estrangeiro e que não esperava que haveria alguém acordado no quarto escuro, e Arthur disse apenas “traidor” para o homem, nem gritando, nem sussurrando, num tom austero e justo, e com justiça sua espada levantou-se no ar, mas o outro homem estava confuso, porque tudo estava fora dos planos, quando ele pegou o travesseiro foi que notou que não havia nionguém naquela cama, e agora um guerreiro estava no quarto também, estava descoberto seu plano, sua conspiração, e não última hora tentou fugir e correr de volta para a porta mas Arthur com força o jogou de volta e ele caiu deitado no chão.
– Morre um soldado, se ergue um exercito! – o traidor gritou, sabendo que no segundo seguinte seria morto pela espada.
E foi.
Veloz a lamina cortando a escuridão e acertando-o de cima a baixo no peito. Arthur aprendera muito bem a usar uma espada de lamina afiada e não mais de madeira.
Olhou para a cama pra ver se o conde estava bem, mas a cama estava vazia. E então o quarto se iluminou, porque o conde Romulo, que não conseguia dormir já que passava as madrugadas pensando no seu amigo querido, e estava esse tempo na janela do quarto olhando as estrelas, agora acendia um lampião atrás de Arthur e via aqueles cachos ruivos. Aquele porte de músculos e o menino que mesmo mais alto, que mesmo mais forte, que mesmo mais homem, ainda era o seu menino.
– Arthur? – ele gaguejou.
E Arthur sentiu a coluna gelar, sentiu o coração numa doída badalada de sinos, sentiu a espada em sua mão tremer quase cair em cima do cadáver do traidor quando ele ouviu aquela voz, e se virou lentamente, e viu ao lado do fogo da lamparina seu amigo Paulo sem camisa e com a calça de ceroulas de dormir olhando para ele emocionado ao ver ele.
E Arthur não teve tempo de entender nada, de dizer nada, nem pensar nada, porque antes de aquilo fazer algum sentido, ele viu o seu amigo mais velho de olhos azuis cândidos correr até ele e o abraçar forte, e cheirar forte o cheiro da sua nuca e do seu cabelo, e Arthur estava tão perdido, tão confuso que naquele instante, só pensou em abraçá-lo de volta.
***
ACABOU A SEGUNDA PARTE PESSOAL! APROVEITANDO O FERIADO PARA ESCREVER O MÁXIMO POSSÍVEL RSRS, MAS ENTAO, COMO A HISTÓRIA ESTÁ GANHANDO NOVOS PERSONAGENS E FICANDO MAIS COMPLEXA, ACHO QUE NÃO VAI DAR PRA TERMINAR JÁ NO TERCEIRO CAPÍTULO COMO EU PLANEJAVA NO INICIO, AINDA NÃO TENHO IDEIA DE QUE TAMANHO TERÁ, MAS ESPERO QUE ESTEJAM GOSTANDO E COMENTEM COMENTEM COMENTEM. ATÉ A PRÓXIMA!