Vamos Nós Três - Parte 16

Um conto erótico de calango86
Categoria: Homossexual
Contém 1837 palavras
Data: 18/03/2016 17:56:45

PARTE 16

Era a terceira vez que o carro morria naquela tarde. Encontrar o ponto da embreagem algumas horas antes de rever o Leandro parecia missão impossível, já que minha mente não conseguia se concentrar em fazer o automóvel andar e preferia divagar sobre as trocentas situações possíveis para o reencontro. Seria uma saída casual e descontraída, como se o visse pela primeira vez? Seria extremamente constrangedor, a atmosfera carregada de indiretas venenosas? Ou seria alguma coisa na área cinzenta entre um extremo e outro? Passaram-se cinco dias desde o almoço com a Alexia e finalmente havia chegado o sábado da noite dos casais. Ao longo da semana, consegui fazer as aulas práticas transcorrerem tranquilamente, mas... Foi só raiar o fatídico dia que minha ansiedade crescia em progressão geométrica e minhas tripas viravam gelatina enquanto tentava desempacar mil quilos de aço diante de um semáforo aberto.

– Calma, Eduardo. Engata a primeira e vai soltando a embreagem, devagarzinho. Isso. Quando o carro der uma tremida é porque você chegou lá – tentava me tranquilizar um calmo Denilson.

Santo homem. Eu já teria perdido a paciência comigo mesmo umas trinta vezes no lugar dele. Depois que o carro voltou a andar e dirigi por mais alguns minutos, fazendo vários retornos e treinando controle de embreagem em terrenos inclinados, finalizei a aula praticando baliza no estacionamento do Ginásio Nilson Nelson. O Denilson saiu do veículo, posicionou os cones para simular carros imaginários na frente e atrás, acendeu um cigarro e recostou em uma árvore.

– Vai lá, guri! Tu consegue.

Usei o macete que ele passou para endireitar o carro, observando pelo retrovisor o cone traseiro e posicionando o veículo rente ao cone frontal. Girando o volante todo para o lado com o automóvel parado, engatei a ré e acelerei aos poucos, enquanto desvirava o volante para o carro se alinhar com o meio-fio, no espaço entre uma demarcação e outra. Durante o processo de deixar as rodas retas, ele conversou comigo enquanto fumava seu Lucky Strike.

– Eduardo, Eduardo... Que te aflinge? Cê tá tenso hoje, rapaz. O carro não nega.

– Sério, você acha? – respondi enquanto colocava a cara pra fora da janela e olhava para trás, verificando se a baliza estava nos conformes. Por uns segundos, pensava se devia falar ou não da razão do meu nervosismo. Decidindo, disse. – Então... É porque hoje vou rever uma pessoa que faz tempo que não encontro. Acho que eu tô ansioso pra isso, algo assim.

– Algum parente que mora longe ou uma garota? – e completou com uma risadinha, antes de levar o cigarro de volta à boca. – Isso tá com cheiro de mulher! Tem umas minas que marcam mesmo, né?

E olhou pro céu, como se estivesse pensando em alguém do seu próprio passado que o faria se sentir apreensivo se ele pudesse rever. “Nenhuma das opções” foi o que pensei. Mas acabei falando:

– A segunda opção.

– Sabia!

Terminando a aula, o Denilson me levou para casa. Evitou falar comigo durante o trajeto, talvez por achar que eu precisava de um tempo sozinho com meus próprios pensamentos para me preparar mentalmente. Mas assim que chegamos e deixamos marcada a próxima aula, ele segurou no meu ombro e disse:

– Vai dar tudo certo, cara. Se você tá tão nervoso assim, então é porque essa pessoa é muito especial e tu tem medo de fazer alguma merda ou agir feito um idiota. Quer um conselho? – e finalizou, dando uma piscadinha. – Seja você mesmo, espontâneo. Não tenta disfarçar o nervosismo, velho. Se reparar que você tá assim por causa dela, ela vai se amarrar. Vai se sentir importante.

Apertei sua mão, peguei o elevador e subi pensativo. O Denilson era muito gente fina e teve boa intenção, mas ser espontâneo era tudo o que eu não queria sob o olhar atento da minha namorada.

***

– Bem, pode descer. Tô aqui embaixo, no táxi branco – falei ao celular. Passei o fim de tarde no piloto automático enquanto me arrumava para a saída. Comi apenas duas torradas com requeijão para enganar o estômago até a hora do jantar, despedi-me de mamãe e quando vi já estava no estacionamento do bloco da Alexia.

Enquanto ela não chegava, aproveitei para estalar todos os dedos das mãos, hábito que adquiri para lidar com o stress pré-jogo desde a época em que jogava futebol na escola. Era melhor que a mania anterior, de roer as unhas antes das provas. A verdade é que fazer terapia talvez fosse uma boa pedida para trabalhar a ansiedade, mas tinha medo de comentar com minha mãe e ela falar que isso era falta de oração. Ela possuía uma desconfiança crônica quanto a psicólogos, talvez porque meu pai fosse um e de nada tenha adiantado para salvar o casamento. Ou talvez porque ela acreditava mais no aconselhamento dos pastores do que no conhecimento de alguém que estudou a mente humana por cinco anos, vai saber.

E então a porta traseira do táxi se abriu e me despertou das divagações. Na falta de palavra mais adequada, a Alexia surgiu deslumbrante. Os cabelos estava trançados e caiam na lateral direita, uma trança volumosa e de um vermelho tingido que parecia natural. A franja e algumas mechas soltas na frente davam um toque despojado que contrastava com o penteado clássico. Para completar, usava um vestido lilás curto e drapeado no busto. Acredito que até o taxista tenha ficado embasbacado e assobiado mentalmente, porque sua olhada de esguelha foi bastante persistente.

– Uau! – foi só o que consegui falar. Aquele visual tinha engolido todas as minhas palavras e possibilidades de fazer uma piadinha.

Ela me deu um beijo, mordeu o lábio inferior provocativa e alisou a trança para então soltar:

– E agora fecha os olhos e imagina como eu estaria se tivesse competição hoje à noite! Essa produção toda mesmo sendo a única mulher de uma mesa com dois gays. Haha!

“Três”, minha voz interna a corrigiu.

– Eu nem preciso dizer o quanto você tá linda, né? Só queria ter reparado que você tava chegando pra abrir a porta do carro...

E ela sorriu. Pensei ter visto um leve rubor tomando conta de seu rosto. Foi um sorriso genuíno, de quem realmente fica contente por ter recebido um elogio sincero. Acho que também a deixei sem palavras e piadinhas, afinal. Nos demos as mãos e assim permanecemos, com elas entrelaçadas, até chegar ao restaurante. Isso me ajudava a controlar o nervosismo. Quanto a ela, pude jurar que as palavras “você tá linda” ecoaram na cabeça durante todo o caminho.

Nosso destino era um bistrô recém-aberto no Pontão do Lago Sul, centro de lazer e entretenimento à beira do Lago Paranoá. Pelo que lemos na internet, era uma casa conhecida por ter vinhos bons a preços acessíveis, além de frios e pastas diferentes dos usuais. Nosso único receio era o fato de ser um local novo e acabar lotando demais por conta do fator novidade. E em Brasília as coisas funcionam assim: tudo que é inédito chama multidões como um pote de mel atrai ursos, mas após poucas semanas as pessoas se enjoam, deixam de ir e o estabelecimento fecha para dar lugar a outro restaurante da moda.

Passados vinte minutos, finalmente chegamos. Agradeci e paguei o taxista (que deu uma última olhada em direção à Alexia antes de baixar os olhos para contar o dinheiro), saímos do carro e caminhamos em direção ao bistrô. Seu nome era Dom Gibão. A proposta do lugar era simular um casarão colonial, com mesas de madeira nos jardins, varanda e interior da casa. Por sorte, e talvez por termos chegado mais cedo que o planejado, ainda havia lugares vagos nos três ambientes. Já na entrada, uma imponente porta dupla de mogno, a solícita atendente perguntou:

– Boa noite e bem-vindos ao Dom Gibão! Mesa para dois mesmo?

– Não, estamos em quatro. Falta chegar mais um casal – respondeu a Alexia.

– Certo. Estamos com disponibilidade de mesas no ambiente interior e no exterior, que é dividido entre a varanda e o jardim. Alguma preferência, senhores?

– Acho que vai esfriar, né, meu bem? – falei apontando com o rosto para dentro do bistrô, onde imensos lustres de aspecto arcaico pendiam do teto.

– Mas aqui fora é tãããão mais romântico... – ela disse de maneira meiga e segurando as mãos contra o peito, como se sua fala tivesse vindo diretamente do coração.

Eu sabia que ela ia preferir isso e também sabia que iria concordar.

– Ok, Alex. A gente fica no gramado do jardim. Se você sentir frio eu te aqueço então – e a puxei contra mim, a mão em sua cintura. Ganhei um beijo discreto e uma roçadinha de nariz em minha bochecha.

– Que cavalheiro! Não se fazem mais desses, heim? – a atendente disse antes de nos levar à mesa. Tive certeza que era mais bajulação de funcionário do que sinceridade de mulher.

– Acho que o lugar me inspirou – respondi com um sorriso.

E isso não foi apenas uma frase de efeito. O lugar realmente era pensado em casais, pois todos os detalhes exalavam romantismo. Desde os castiçais prateados nas mesas até o cara tocando violino na escadaria que levava do gramado à varanda. Sentados numa mesa um pouco mais afastada dos postes de jardim, a iluminação feita basicamente pela luz das velas, folheávamos o cardápio com a atendente ao nosso lado, aguardando o pedido. Enquanto esperávamos o Leandro e seu namorado chegarem, pedimos uma tábua de queijos artesanais e um vinho tinto recomendado pela casa. Havíamos decidido beber naquela noite. Afinal, já estávamos com dezoito anos e nossos pais ultra-religiosos não precisavam saber. Eu nem mesmo estava dirigindo.

Entre um petisco e uma bebericada de vinho ou outra, nossa conversa fluiu como raras vezes havia acontecido antes. Compartilhamos nosso medo de escolher o curso errado, falei sobre a tranquilidade zen do meu instrutor de autoescola mesmo quando eu catava o meio-fio e ela me contou aos risos que seu pai experimentou o suco verde da sua dieta e cuspiu tudo na pia, falando que “aquele treco tava mais pra molho pesto que pra suco”. Relembramos os episódios da escola e comentamos como tudo aquilo iria fazer falta, mesmo os momentos ruins, porque a memória tende a enfeitar até os quadros mais feios.

A música, o álcool, o papo; tudo foi me relaxando e me fazendo esquecer que havia passado o dia inteiro ansioso para que o relógio marcasse aquelas oito da noite. A Alexia, com seu corpo encostado no meu e nossos braços sobrepostos, reclamava do frio. Eu ria e falava que tinha avisado, mas ela rebatia dizendo que preferia tremer ao meu lado debaixo do céu estrelado que ficar aquecida onde o som do violino não chegava. As coisas estavam na mais pura harmonia, como se aquele momento fosse uma casa de lego em que as peças se encaixam perfeitamente, sem sobrar ou faltar.

Mas então eu senti. Uma mão pousou sobre meu ombro, como aconteceu no dia do clube. E dessa vez eu sabia quem era.

(FIM DA PARTE 16)

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Comentários

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Isso que é um fim de novela... Na parte mais tensa hahaa capitulo maravilhoso

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Nossa, prq acabou aí?? kkk Agora vou ficar super ansioso. rsrs

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