Reencontrando a Paixão*
(*) Essa é a continuação da narrativa do personagem Murilo do conto À Sombra de uma Paixão – (Nota do autor)
Quando o trem de pouso se desconectou do contato com a pista, alçando o avião no ar, foi como se ele mesmo estivesse se desconectando de seu passado, ao menos assim ele havia jurado a si mesmo. Embora soubesse que precisava de muitos anos para tal proeza e, talvez nunca o conseguisse. O voo, bastante vazio para aquela época do ano, talvez por conta do horário, seguia tranquilo aos trinta e seis mil pés de altitude enquanto Murilo, absorto em seus pensamentos, mantinha o olhar fixo na pequena janela ao lado de seu assento e, nem reparou que o comissário de bordo procurava por sua atenção.
- Senhor! ... Sua refeição, senhor! O que deseja para beber? – ele elevara o tom da voz para conseguir a atenção daquele passageiro distraído e, se fazer ouvir.
Murilo voltou a cabeça na direção dele e, com um gesto declinou da oferta. Continuou olhando pela janela, onde as nuvens brancas banhadas pelo sol, abaixo da fuselagem do avião, pareciam chumaços de algodão alvíssimos formando um tapete felpudo. Estar aqui em cima, nesta calma etérea, é estar mais próximo da essência, da alma, do Roberto. Pois ele certamente estaria aqui, se o que dizem as religiões estiver certo, visto que sempre fora um ser iluminado e especial. Havia se passado quase um ano desde que aquele esquife contendo o corpo do amor de sua vida baixara à sepultura, mas, Murilo não conseguiu evitar que as lágrimas aflorassem em seus olhos. Ele também queria ficar por aqui, talvez encontrasse Roberto entre esse enovelado branco, sorrindo e abrindo seus braços para que ele aninhasse neles, como sempre fazia antes de se amarem até que seus corpos estivessem saciados. Será que algum dia essa dor vai se desalojar do meu peito? Pensou, enquanto o comandante anunciava a aproximação e o pouso em quinze minutos no aeroporto internacional Comodoro Arturo Merino Benítez em Santiago, no Chile.
Ao desejar um ‘boa tarde’, seguido de um ‘muito obrigado’ para as duas comissárias de bordo que, à porta de saída, se despediam dos últimos passageiros que desembarcavam, e que lhe lançaram novamente aquele olhar de satisfação por poderem contemplar um homem com aquele porte e um traseiro tão sensual, Murilo lembrou-se de que havia se esquecido de trazer um mimo para Christina, a secretária do diretor da filial chilena, que certamente estaria a sua espera no saguão para leva-lo até sua nova casa. Ele sempre teve dificuldade para escolher um presente para mulheres. Achava que o gosto delas era tão volúvel quanto o estado de espírito em que se encontravam. E, parecia que ele nunca conseguia perceber esse estado de espírito. Por isso, quando entrou no Duty Free, após ter pegado sua bagagem, pediu que uma das atendentes o auxiliasse. Por que a descrição que fizera de Christina fosse muito fiel, ou porque a própria atendente se sentisse gratificada se recebesse de um homem como aquele, o par de brincos longos com uma pequena crisocola incrustada, ela acertara em cheio na escolha.
Christina esperava-o entre a multidão, num tailleurzinho cinza claro com a lapela do decote recatado forrado de veludo preto. Ele a conheceu durante às vezes anteriores em que veio à filial chilena, enquanto tratava de sua transferência. Lembrava-se de ter perguntado ao Roberto se ela era bonita, e ele ter desconversado, o que significava que ela era muito bonita e que ele não o admitia diante dele sabendo que Murilo ficava enciumado. Ela devia estar com uns trinta anos, tinha um corpo perfeito e sabia como ele deixava os homens. Há muito deixara de se deslumbrar com os olhares ávidos de qualquer um e, ciente de seu poder de sedução, selecionava criteriosamente aqueles olhares que julgava serem merecedores de sua atenção. Para estes retribuía um sorriso discreto, mas fatal. Obviamente ela saíra do escritório diretamente para apanhá-lo no aeroporto. Acenou assim que seus olhares se encontraram, e um sorriso receptivo surgiu em seus lábios contornados por um batom pálido. Murilo não a viu mais do que três ou quatro vezes, desde que a filial chilena foi adquirida, mas simpatizaram-se mutuamente desde o início. Talvez por que Roberto a tenha mencionado, com carinho, algumas vezes em suas conversas.
- Ai que rico! – disse ela quando abriu, rápida e ansiosamente, a caixinha e viu os brincos. Eles estavam sentados no carro dela dentro do estacionamento do aeroporto. – Gracias, eres un gentleman! – acrescentou, dando-lhe outro beijo nas bochechas. – Lo que quieres hacer? Donde quereis ir? – perguntou, quando pegou a Costanera Norte rumo ao centro.
- Deixe-me num dos hotéis da Vicatura, assim estou próximo do escritório. – respondeu Murilo.
- Mas você não precisa aparecer por lá nas próximas duas semanas. E, ontem mandei duas funcionárias da empresa darem uma geral no seu apartamento. Passei por lá antes de vir te buscar, e está tudo arrumadinho. – disse, prestativa como de costume.
- Eu sei. Acho que ainda não estou em condições de ficar sozinho naquele apartamento. Preciso de uns dois ou três dias para criar coragem. – retrucou. – Pretendo ir ao escritório amanhã dar um ‘olá’ para o pessoal. Sei que preciso começar apenas na segunda dia 16, o que é ótimo, pois tenho que providenciar algumas coisas para o apartamento, e arrumar as coisas em seus devidos lugares.
- Posso te ajudar depois do expediente. É só me avisar! – exclamou. – De qualquer forma, o jantar dessa noite é por minha conta. Vou te levar a um lugar incrível que descobri lá para os lados do Bellavista, tenho certeza de que você vai adorar.
- Não sei se estou preparado para encarar seus programas. Acho que prefiro dormir cedo esta noite. – retorquiu.
- É por isso que eu disse que você vai adorar. Não é nada badalado, seremos apenas nós dois, e o lugar é tranquilo com uma comida maravilhosa. Prometo que te deixo no hotel antes da carruagem virar abóbora! – brincou, ciente de que aquele homem ainda não se libertara dos fatos recentes de seu passado nefasto.
Amplamente recuado da calçada onde abetos, álamos e plátanos se perfilavam em diferentes alturas, erguia-se o edifício contornado por sacadas da rua El Vergel, no bairro Providencia, um aglomerado residencial da classe média-alta e reduto financeiro. O apartamento no quarto andar tinha uma vista privilegiada das copas das árvores que circundavam o edifício, onde se aboletavam chincóis, cachuditos, tordos e merlos numa profusão melódica que ecoava por todo o ambiente, proporcionada por amplos panos de vidro que deixavam seu interior iluminado e confortável. Murilo o encontrara com a ajuda de Christina, cujos proprietários eram um casal amigo que, com o nascimento do primeiro filho decidira se mudar para uma casa com quintal. Depois de haver pernoitado por duas noites num hotel preparando seu psicológico para enfrentar sua nova vida, mais uma vez tão só consigo mesmo e suas saudades do tempo em que viveu seu intenso relacionamento com Roberto, Murilo destrancou a porta da frente, inspirou lenta e profundamente, e entrou no apartamento que ainda cheirava a tinta fresca e móveis novos. Entre aqueles aromas, peças de mobiliário espalhadas aleatoriamente, caixotes com sua mudança e algumas malas de sua bagagem recente, espalhava-se uma luz âmbar trazida pelo sol que se punha atrás do Cerro San Cristóbal e dos picos da pré-cordilheira. Ele teve a sensação de que aquela luminosidade e a calma que reinava entre aquelas paredes, pela primeira vez, serenava também o seu espírito; augúrio de que, de alguma forma, que ele ainda não sabia qual, seria feliz ali. Ocupou os dias das duas semanas que lhe haviam concedido para a mudança, ajeitando o apartamento, saindo para comprar alguns itens, e passando no supermercado para abastecer a geladeira.
A sede da filial, num dos extremos da avenida Isidora Goyenechea, em Las Condes, ficava num complexo de edifícios empresariais espelhados, por onde circulavam jovens executivos, profissionais liberais, e uma classe de empresários em ascensão, caracterizando o bairro como um eixo comercial, financeiro e turístico. Quando chegou à empresa na segunda-feira pela manhã, pouco antes da maioria dos outros funcionários, Murilo encontrou Christina em frente ao hall de elevadores, com seu modelo típico, tailleur discreto sobre uma blusa branca, cabelos presos por uma espécie de coque no alto da cabeça, os brincos que ele lhe dera de presente e um sorriso jovial, mas cansado, de um fim-de-semana provavelmente agitado. Subiram juntos até o décimo andar, onde ficava a sala da diretoria, uma enorme sala de reuniões, e uma área em formato de L onde se distribuíam os nichos dos executivos ligados à diretoria. Christina levou-o até um dos cantos da ampla sala, onde as janelas se encontravam e descortinavam a paisagem do bairro, e apontou para o box impessoal, onde uma mesa também em formato de L tinha um computador e um ramal telefônico, além de um vaso de gardênias frescas e perfumadas e, ainda, um pequeno pacote embrulhado num papel prateado cintilante contornado por um laço de veludo verde-escuro. Ao abri-lo, Murilo encontrou uma elegante gravata Ermenegildo Zegna e um cartão onde se lia numa letra cursiva bastante inclinada e de traço forte: – EN NOMBRE DE NUESTRA COMPAÑIA ME ES MUY GRATO PODER DARLE UNA CORDIAL BIENVENIDA. NOS SENTIMOS MUY FELICES POR TENER UN COLABORADOR TAN CAPACITADO Y VERSÁTIL COMO LO ÉS USTED. ÉS NUESTRO DESEO QUE USTED SE SIENTA DESDE YA COMO UNA PIEZA CLAVE DE NUESTRO DISPOSITIVO Y EN TOTAL CONFIANZA. SALUDOS CORDIALES –JUAN CARLOS HEVIA. As flores haviam sido obra de Christina, e o presente do diretor da filial.
Enquanto ajeitava seus pertences nas gavetas de sua mesa de trabalho e, iam chegando os funcionários, ele interrompia o que estava fazendo para receber as boas-vindas e conhecer aqueles com os quais ainda não tivera nenhum contato. Recebeu inúmeras propostas de ajuda para o que lhe fosse necessário dos colegas de trabalho e, suspiros disfarçados das secretárias que se punham a seu inteiro, e não mencionado, irrestrito dispor. Christina as afastava com alguma observação engraçada para que mantivessem a compostura e os calores por baixo das saias em restrito controle.
Passava um pouco das dez horas da manhã quando o diretor entrou na enorme sala, vindo dos elevadores. Antes de entrar em sua sala caminhou apressadamente na direção do box onde Murilo havia sido instalado, com um sorriso aberto no rosto amassado, e a mão estendida pronto para cumprimenta-lo.
- Al menos usted podría tener cambiado tu traje y desamassado su cara! Todavia tienes la camisa sellada con sus orgias! Muestre a todos que no consigues mantener tu polla bajo los pantalones! – a voz de censura de Christina, ao vê-lo passar diante de sua mesa, era baixa e discreta, mas suficiente para chegar aos ouvidos de Murilo que estranhou essa ousadia de caráter tão íntimo. Ele fingiu não ouvir a crítica, ou a ignorou propositalmente.
Murilo já o conhecia. Encontraram-se pela primeira vez ainda no Rio de Janeiro, quando Roberto o apresentou durante um jantar, enquanto estava no comando da fusão das duas empresas. Não havia reparado bem nele naquela ocasião, mas, certamente a lembrança que guardava dele não condizia muito com o sujeito amarfanhado que estava a sua frente. E, que comparado à Christina, nesta manhã de segunda-feira, parecia ter sobrevivido a uma batalha, e não apenas ter se esbaldado sabe-se lá onde e como. O terno, apesar do corte impecável e do tecido de alta qualidade, parecia ter saído diretamente da máquina de lavar roupas para seus ombros espadaúdos. No colarinho da camisa azul viam-se vestígios de um batom escandalosamente vermelho. Os cabelos estavam desalinhados e, ainda, um pouco úmidos. A barba de três dias, escura e densa, dava-lhe um aspecto desleixado.
- Obrigado pelo presente, é de extremo bom gosto! – agradeceu Murilo, apertando a mão de Juan.
- Fico feliz que tenha gostado! – exclamou, retribuindo o aperto de mão e abraçando-o em seguida. – Quero que almoce comigo hoje. Pretendo colocá-lo a par das coisas por aqui, e sei que você traz algumas novidades da matriz. Poderemos discutir isso no almoço. – disse, antes de entrar em sua sala, sem cumprimentar Christina.
- OK! Ficarei aqui a sua espera! – retrucou Murilo, ciente de que seu anfitrião não ficaria contente por muito tempo, depois que ele lhe expusesse algumas diretrizes da matriz.
Juan Carlos devia ter uns trinta e cinco anos. Era o filho mais velho de um empresário bem sucedido com uma socialite de família tradicional, que se viu forçado a assumir a empresa depois que o pai sofrera um AVC, que o impossibilitou de ficar a frente do negócio, cerca de dois anos antes da empresa em que Murilo trabalhava no Rio de Janeiro, adquirir o controle acionário e incorporado todo o processo produtivo do Chile. Nessa função ele se mostrara totalmente inepto, não só dilapidando, em pouco mais de dois anos, boa parte do patrimônio acumulado pelo pai, como gerindo ineficientemente a empresa, que precisou dessa fusão para manter-se viável. Seu gênio instável e, por vezes agressivo, fizera com que boa parte daqueles funcionários que haviam erguido a empresa junto com o pai, tivessem se afastado, deixando um enorme rombo no capital intelectual que, aos poucos, foi se estendendo para a produção e para as finanças. Arrogante, ele tinha dificuldade para aceitar as diretrizes da matriz, e pouco antes de Murilo deixar o Rio de Janeiro, cogitava-se em afastá-lo da empresa, caso ele insistisse em refutar esses critérios. Como novo gerente da linha de produção da filial chilena, cargo que anteriormente Roberto supervisionava do Rio de Janeiro, Murilo fora encarregado de acompanhar as decisões de Juan Carlos e, reportar-se à matriz, quando essas iam de encontro com as normas estabelecidas. Esse papel de cagueta, que em nada condizia com a personalidade de Murilo, foi o que o levou a quase desistir da transferência para o Chile. Mas, permanecer no Rio de Janeiro, era como desistir da vida e fazer um pacto com a morte.
O trabalho ocupava quase todo o tempo de Murilo. Ele não se apressava para deixar o expediente no final do dia, trancafiar-se no apartamento era como dar asas às suas saudades, e ele evitava recordar-se delas. Vez ou outra aceitava os convites para uma happy hour com o pessoal do escritório. Christina é que mais o impulsionava a não ficar em casa, e inventava programas que, na maioria das vezes eram agitados ou ousados demais para seu jeito introvertido. Em feriados prolongados ele gostava de pegar o carro e, sem um roteiro pré-determinado, dirigia por horas, admirando os cenários nas estradas que ora o levavam para as montanhas na cordilheira dos Andes ou ao litoral do Pacífico. Aproveitou-se da boa qualidade das universidades públicas chilenas para se matricular numa pós-graduação, com isso resolvendo simultaneamente duas questões, ocupar ao máximo seu tempo livre e alavancar a carreira. Para minorar sua solidão quando chegava em casa, comprou um filhote de buldogue inglês, gordinho, cheio de dobrinhas na pelagem caramelo e branca, com um par de olhos castanhos, espertos e ladinos. Batizou-o com o nome de Astor, por que nos primeiros dias que o trouxera para casa, ele emitia uns ganidos tão exasperantes quanto os tangos que o bandoneonista argentino Astor Piazzolla tocava e, que Murilo detestava.
Em pouco tempo, Murilo conseguiu fazer uma radiografia da filial, e começou a perceber o porquê dos resultados pífios e dos lucros decrescentes. As pessoas trabalhavam sob uma espécie de coação, de uma gestão equivocada, e desafiadas a apresentar resultados para os quais não tinham lastro, nem técnico e, nem de infraestrutura. Habituado ao alto grau de capacidade do pessoal da matriz, cujos meandros ele conhecia a fundo, por estar lá desde os dezesseis anos quando ingressou como office-boy, a pouca capacidade gerencial do Juan Carlos lhe saltou aos olhos. Murilo se posicionava muito livre e sensatamente nas reuniões de diretoria, angariando adeptos ao seu estilo de trabalho e ajudando os colegas a gerenciarem suas áreas com mais probidade. Isso o fazia bater de frente com as posições de Juan Carlos, que via seus argumentos sendo derrubados por terra, de maneira inteligente e persuasiva. Ele passou a ver essas pequenas derrotas nas mesas de reunião, como uma afronta a sua posição de filho do ex-dono, e menos reconhecidamente como uma insubordinação contra sua vontade de macho líder. Foi o que bastou para começarem a travar uma batalha nos bastidores, quase uma guerra fria. Esse clima tenso tirou boa parte do tesão que Murilo sentia por ter aceito a transferência.
Outro fator que logo foi se mostrando um fardo das suas atribuições, foi o fato de precisar ir com certa regularidade até o chão da fábrica, que ficava no bairro industrial de Maipú, um distrito metropolitano de Santiago; para, junto aos engenheiros de produção, implantar as diretrizes que ele desenvolvia nos escritórios em Las Condes. A distância de quarenta e cinco quilômetros entre os escritórios e o chão da fábrica, era um tormento nos horários de pico da manhã e da tarde, por isso ele os evitava, ora madrugando, ora regressando tarde da noite. E, também, por que o obrigava a passar por algumas callampas, as favelas da região metropolitana de Santiago, onde vive uma população miserável, tanto pelo aspecto econômico quanto pelo moral e, um tanto de remanescentes dos índios mapuche. A visão dos barracos empoleirados em tudo o lembrava da sua tragédia no Rio de Janeiro. Aquele amontoado de criminosos, narcotraficantes, oportunistas, vagabundos que não eram capazes de encarar um trabalho regular e, que viviam daquilo que espoliavam dos cidadão de bem, o enojava e lhe trazia dores que ele procurava sepultar.
Pouco mais de seis meses depois de ter assumido sua atual posição, Murilo recebeu a visita do pai do Juan Carlos. Era uma manhã em meados de setembro, uma semana antes do início da primavera, embora os rigores do inverno ainda se fizessem sentir, especialmente nas manhãs geladas e nos finais de tarde com um sol mortiço e alaranjado. A doença havia deixado sequelas importantes naquele corpo grande e forte, como uma imobilidade quase total do lado esquerdo, que afetava o braço e a perna, bem como um pronunciado desvio da boca e um fechamento da rima palpebral. No entanto, mesmo se deslocando majoritariamente numa cadeira de rodas, percebia-se nele uma energia que fluía espontânea e brandamente.
- Então este é o pupilo do Ventura! – exclamou, assim que Christina o trouxe até junto à mesa do Murilo, referindo-se ao diretor da empresa que havia adquirido o controle acionário da dele. – Ele me fez ótimas referências da sua pessoa e, lamentou ter que abrir mão de um funcionário que, segundo ele, viu crescer dentro da empresa. – acrescentou, abrindo um sorriso largo e amistoso. – É um prazer conhece-lo pessoalmente! Aceite minhas desculpas por não ter vindo antes, mas, tenho um batalhão de médicos que quer me impedir de fazer tudo. – continuou, colocando-se em pé com dificuldade e abraçando Murilo como a um filho.
- Por favor, não se levante! O prazer é todo meu. – retribuiu Murilo, apressando-se a amparar o homem que demorava um pouco a se equilibrar sobre as pernas.
- Veja só Christina! Acabou de chegar e é mais um a querer me socorrer. – disse com bom humor, dirigindo-se à secretária, depois que Murilo o segurou pensando que ia cair.
- Desculpe! Não foi essa a minha intenção. – balbuciou Murilo, embaraçado por não saber lidar com aquela situação.
- Não se desculpe meu rapaz! Depois dessa maldita doença, devo mesmo só inspirar comiseração nas pessoas. – disse, um tanto contrariado, voltando a se sentar na cadeira que Murilo fez deslizar até junto dele. – Mas, vamos ao que interessa. Em primeiro lugar, minha esposa e eu o esperamos para o jantar na quinta-feira, às oito e meia, não aceito recusas. Em segundo lugar, estou sabendo que nossas receitas pararam de despencar depois que você chegou aqui, o que é fabuloso, pois eu temia que, com o tempo, os atuais proprietários desistissem desta filial e a fechassem. Sabe, meu jovem, tenho aqui alguns funcionários que começaram comigo quando eu não passava de um garoto como você. Detestaria vê-los sem trabalho a essa altura da vida. – Suas palavras adquiriram um tom mais sério, e Murilo pode perceber que ele as dirigia indiretamente ao filho que, até então, estava parado junto ao pai sem emitir nenhuma palavra. Mas, que estava visivelmente insatisfeito com os elogios que o pai tecia a seu favor.
- Havemos de dar um jeito para que isso não aconteça! Temos um ótimo time, e creio que logo estaremos revertendo essa situação. – ponderou Murilo, pegando a mão do velho entre as suas e encarando-o com ternura.
- Agora estou vendo porque o Ventura não quis abrir mão de você. – sentenciou emocionado. – Se precisar de qualquer coisa, não hesite em me procurar. Essa carcaça já está emperrando, mas, aqui dentro ainda tenho alguma coisa funcionando. A Christina ainda tem os meus telefones, não é, Christina? – sentenciou, num gracejo. O que ela confirmou com um sorriso.
O tempo passou e a promessa que Murilo fez ao velho ia se cumprindo. Depois de três anos, a filial, do prejuízo, já respondia por vinte e oito por cento dos lucros globais. Graças ao esforço que ele, e aqueles que mantinham a mesma gestão ponderada dele, seguiam. Aliado a uma intervenção cada vez mais tímida por parte do Juan.
Todos os anos, desde que Murilo havia se mudado para Santiago, os pais do Roberto vinham visita-lo por ocasião do seu aniversário. Este ano não estava sendo diferente. Ele se comovia muito com a dedicação deles, e carregava consigo a certeza de que todo o amor que seus pais biológicos lhe negaram, eles lhe ofertavam em dobro. O feriado do dia do trabalho, quando caía seu aniversário, permitia que ele os acompanhasse numa pequena viagem que ele planejava meticulosamente, meses antes da vinda deles. Costumava leva-los aos lagos andinos, a patagônia chilena ou aos balneários da costa do Pacífico, pois não se demoravam muito mais do que uma semana ou dez dias. Esse era um evento que Murilo curtia muito, sentia-se eufórico nos dias que antecediam a chegada deles, e sempre implorava para que ficassem por mais tempo.
- Não gosto de saber que você está tão longe da gente, e sem ninguém para cuidar de você. – disse a mãe do Roberto na noite anterior à outra dolorosa partida deles.
- Eu vou ficar bem. Sinto muita falta do Roberto, mas tenho que aprender a viver sem ele. O destino assim o quis, só me resta aceitar. – ainda era difícil falar de seu grande amor, especialmente com os pais dele.
- Faz quatro anos que ele foi arrancado de nós. No entanto, eu sei o quanto ele te amou, e sei também que ele não gostaria de saber que você parou a sua vida, que não está tentando ser feliz novamente. E, você conhecendo-o como o conhecia, também sabe disso. – ela tinha razão, mas para Murilo isso parecia como ter que se despedir completamente dele, até de suas lembranças e, isso era demais para ele.
- Você precisa refazer a sua vida, não só a profissional, mas também a sentimental. – interveio o pai do Roberto. – Procure conhecer alguém que mereça todo esse amor que você tem a oferecer. Ele fez do nosso filho o homem mais feliz desse mundo. Ele aproveitou cada instante desse amor até aquele dia fatídico. O Roberto nunca foi egoísta, tenho certeza que se você estiver dando esse mesmo amor que ele ganhou para fazer outra pessoa tão feliz quanto ele foi, ele há de se regozijar seja lá onde estiver agora. – acrescentou, procurando fazer aquele filho do coração reencontrar seu caminho.
- Nunca vou encontrar alguém como o Roberto! Nem um amor tão intenso quanto o que ele me deu. – retrucou Murilo.
- Você não deve procurar um outro Roberto. Deve apenas deixar que alguém chegue ao seu coração. Você não vai reviver a mesma história do Roberto, mas vai construir uma novinha em folha e, ela pode ser tão linda e rica quanto a que vocês viveram. – sentenciou, paternal. – E, nós estaremos sempre te apoiando, esteja certo disso.
Por conta de uma reestruturação na empresa, foi contratada uma firma de coaching empresarial para dar uma renovada nos processos de gestão. Essa firma propôs um treinamento aos diretores e gerentes de área, num hotel em Puerto Varas, a quase mil quilômetros ao sul de Santiago. O treinamento tinha previsão de durar uma semana, o que significava o deslocamento de mais ou menos trinta e duas pessoas até lá, brasileiros e chilenos. As margens do lago Llanquihue, o hotel Cumbres Patagonicas, se mostrou o lugar ideal para o entrosamento dos participantes. Na divisão dos quartos por duplas, Murilo e Juan Carlos dividiram a mesma suíte avarandada com uma tranquilizante vista sobre as águas de um azul turmalino do lago e o pico nevado do vulcão Osorno ao fundo. Depois dos dias agitados por palestras, gincanas e dinâmicas de grupo as atividades se encerraram por volta do horário do almoço na sexta-feira. O pessoal tinha a tarde livre para recreação e um jantar de encerramento, para na manhã seguinte embarcarem em Puerto Montt para seus respectivos destinos. Murilo havia decidido só regressar num voo no início da tarde de domingo, prolongando a oportunidade daquela beleza natural que o lago oferecia naquela época do ano.
Tendo perdido algumas das dinâmicas de grupo para Murilo e seus parceiros, Juan Carlos os convidou, naquela tarde, a disputar umas partidas de tênis em duplas, nas quadras do hotel. Ele e os parceiros perderam as três partidas para as duplas de Murilo, compostas sempre com outro brasileiro.
- Vamos para mais uma, a de revanche! – sentenciou ofegante, depois de mais uma derrota.
- Já estamos há mais de quatro horas jogando, para mim deu, não tenho mais folego. – disseram praticamente em coro os jogadores que se deixaram cair exaustos sobre as cadeiras na beira da quadra.
- Então vamos para uma de simples, você e eu, Murilo. Ou vai arregar também? – dava para perceber a aspereza das derrotas em sua voz.
- Estou no meu limite! Acho que não sobrevivo a mais hora de quadra. – revidou Murilo.
- É falta de espírito esportivo não dar uma última chance aos perdedores. – provocou Juan.
- Manda ver Murilo! Mostre a eles que não somos feras só no futebol. – impeliu um dos que acabava de vencer uma das partidas.
A desconcentração e a preocupação com o revanchismo fizeram Juan Carlos perder facilmente um set atrás do outro. Quando saíram das quadras, Murilo estava certo de que se até então ele era um desafeto, de agora em diante, era um inimigo. Essa certeza estava estampada no semblante soturno do diretor, quando o grupo sentou-se próximo aos janelões do Bar Araucaria, no térreo do hotel, para um drinque.
O jantar de encerramento aconteceu num clima de confraternização, e foi terminando aos poucos, por volta da uma e meia da manhã de sábado, quando os participantes iam se retirando gradativamente para as suítes. Murilo quase não notou a presença do Juan durante o jantar, sentado num grupo em uma mesa do lado oposto do salão. E, por isso, pouco se falaram, como, aliás, durante praticamente toda aquela semana. Cansado, ele subiu até a suíte vazia e mergulhada numa penumbra. Despiu-se e tomou uma ducha antes de se deitar. Assustou-se, quando saiu do banheiro enrolado com uma toalha na cintura e terminando de secar os cabelos com outra, ao perceber que, sentado apenas de cueca numa poltrona com o quarto às escuras, Juan Carlos segurava um copo de uísque numa das mãos.
- Deve ter sido um dia maravilhoso para você, não é? – disse, numa voz pausada e um pouco mais rouca que o normal. – Uma semana cheia de vitórias e, para terminar, triunfo e glória até nas quadras.
- Contei com um bocado de sorte! E a ajuda dos parceiros, apenas isso! – exclamou Murilo, procurando não injetar combustível naquela conversa.
- Já eu, estou cercado de traidores por todos os lados! – o tom de sua voz passou a ser acusatório.
- Acho que o pessoal que jogou com você estava cansado, talvez por isso não conseguiram dar tudo de si em campo. Foi uma semana agitada para todos nós.
- É uma bela maneira de definir os imprestáveis que querem apenas me ver arruinado. – disse com desdém.
- Certamente não é assim. Não leve algumas partidas de tênis tão a sério. – apaziguava Murilo.
- As partidas são o de menos. Se até meu pai se alia ao inimigo, o que devo esperar de um bando de vira-casacas? E, o que dizer dos relatórios que você vem enviando sistematicamente para o Rio de Janeiro, onde estão tramando meu afastamento? Então me diga, estou ou não cercado de traidores? – acusou.
- Bem! Se você está me acusando de traição, fique sabendo que nunca fiz nada nesse sentido. – afirmou Murilo, com determinação.
- Estou acusando, sim! Desde que você chegou aqui, vem trabalhando para me derrubar. – ele se levantou, gesticulando com tal ímpeto que derramou o conteúdo do copo sobre o carpete.
- Não seja ridículo! Você nem sabe mais o que está falando! – revidou Murilo exasperado.
- Posso não ser tão capacitado quanto você, nem tão bonzinho, mas não sou idiota. – sentenciou em alto e bom som.
- Não vou perder meu tempo discutindo com você. Além do mais, estou cansado demais para isso. Boa noite! – disse Murilo, procurando o pijama para se deitar.
- Maricón, sarasa, mariquita! – bradou Juan.
Subitamente sentiu a mão pesada do Juan Carlos em seu ombro tentando girar seu corpo para que ficassem frente a frente, e arremetendo um golpe com a mão cerrada na direção dele. Um reflexo rápido evitou que recebesse o soco diretamente no rosto, sentindo o impacto na altura da clavícula. Murilo tentou evitar o avanço de Juan sobre si, mas, um segundo soco o atingiu violentamente próximo ao nariz, abaixo do olho esquerdo, fazendo com que começasse a sentir o sangue viscoso e morno escorrer sobre seus lábios. Ele percebeu que Juan não estava bêbado, um pouco alterado apenas, o que deixava seus golpes um tanto quanto sem uma direção precisa e, certamente, menos destruidores do que a capacidade plena daquele homem musculoso. No entanto, decidiu que não se prestaria a saco de pancadas. Cerrou o punho e o desferiu com toda a força contra o agressor, acertando-o no canto da boca, de onde logo brotou um filete de sangue. Possesso, Juan avançou em cima dele, dando-lhe outro soco que o atingiu no peito, fazendo-o perder ligeiramente o equilíbrio, o que favoreceu a investida seguinte de Juan que o derrubou de bruços sobre a cama. Antes de conseguir se virar, Murilo sentiu o corpo pesado do Juan sobre o seu e as duas mãos em torno do seu pescoço, tentando esganá-lo. Sentindo o ar lhe faltar cada vez mais, Murilo se agitava sob aquele corpanzil, fazendo com que a toalha que estava enrolada em sua cintura se soltasse expondo sua bunda. A carne rija e morna das nádegas de Murilo se encaixou na virilha de Juan provocando a imediata ereção da sua jeba. Ensandecido, Juan apertava o pescoço e afundava a rosto de Murilo no travesseiro, enquanto sua pica saía da cueca e se aninhava no reguinho que se agitava preso por suas coxas potentes. Desajeitada, mas vorazmente, a cabeçorra estufada da benga encontrou a entrada pregueadinha daquele cuzinho apertado e a penetrou sem escrúpulos nem sensibilidade.
- Aaaai Juan! Seu cacetão está me machucando! – ganhiu Murilo, sufocado pelas mãos que lhe obliteravam a garganta.
Nesse instante, Juan deu-se conta do que estava fazendo, e afrouxou a fúria concentrada em suas mãos. Enquanto Murilo tossia e ansiava para que o ar lhe entrasse nos pulmões, Juan sentiu a suavidade e o toque aveludado daquela pele em contato com a palma de suas mãos. Deixou-as deslizar lentamente sobre aqueles ombros perfeitos, e deixou seu rosto se afundar no cangote de Murilo, de onde vinha um perfume rescindindo a baunilha, levemente doce e reconfortante. O bafo etílico e quente de Juan roçava sua nuca, enquanto o cacetão ia se alojando em seu cuzinho, em estocadas vigorosas e cadenciadas. Murilo parou de se agitar sobre a cama e, depois de tanto tempo, permitiu-se uma entrega cabal, voltando a sentir aquela ardência prazerosa em suas pregas anais, da qual ele há muito, carecia. Aquela confusão de sensações, envoltas num raciocínio lento e obnubilado, que as quatro doses de uísque haviam implantado em sua cabeça, desapareceram abruptamente, assim que Juan sentiu seu caralho ser firmemente cingido por aquele cuzinho apertado, úmido e tão sensualmente quente. De repente, foi como se ele receasse fazer qualquer movimento bruto que interrompesse aquela prazer indizível que ele experimentava. E, ele passou a movimentar a pica suave e demoradamente dentro daquele casulo macio que o agasalhava. Murilo gemia, ainda abalado por aquela arremetida violenta e, languidamente deixou-se penetrar, procurando não avivar a gana de seu opressor. Ambos arfavam sob a excitação daquele rebuliço todo e, à medida que iam se acalmando, seus corpos começaram a sentir um prazer envolvente e vívido. Murilo gozou lambuzando o lençol, e Juan despejou o conteúdo que ingurgitava seus culhões, nas profundezas daquele antro voluptuoso e acolhedor. Eles ficaram deitados, um sobre o outro, por um tempo que nenhum dos dois seria capaz de dizer se longo ou exíguo. Era um tempo único, só deles, que nada tinha haver com aquilo que acontecia fora daquela suíte. Mas, perceptível o suficiente para que Murilo visse Juan adormecer com um semblante desanuviado e plácido, o que o fez cair no sono também.
O quarto ainda continuava imerso numa luz branda que entrava pelas portas da sacada, onde as cortinas haviam permanecido abertas. O relógio em seu pulso marcava quatro e cinquenta e cinco, e Murilo percebeu que aquela luminosidade vinha da aurora começando a despontar. Seu corpo já não estava tolhido sob o peso no qual adormecera na noite anterior, e Juan não estava com ele na mesma cama, nem na ao lado, que permanecia arrumada e intocada. Ele relaxou e voltou a dormir.
Passava um pouco das dez horas da manhã quando Murilo desceu. O horário do café da manhã já havia se encerrado. Poucas pessoas continuavam no refeitório observando a neblina se dissipar sobre as águas do lago, como se fosse o vapor subindo de uma panela de água fervente. O pessoal da empresa já havia partido, exceto Christina e um dos gerentes brasileiros que também resolvera estender a viagem em companhia da esposa. Murilo juntou-se a eles na mesa próxima à lareira que crepitava sob um fogo prestes a se extinguir.
- Madre de Dios! O que aconteceu com a sua cara? – indagou Christina, perplexa com o inchaço e as equimoses no rosto de Murilo. – Você está horrível!
- Tive um pequeno acidente ontem a noite ao sair do box do chuveiro, escorreguei e dei de cara na pia. – inventou, encabulado.
Pouco depois o casal foi chamado pelo motorista de uma van que saía para uma excursão nos arredores, deixando Christina e Murilo sozinhos. Um funcionário do hotel também se aproximou da mesa nesse momento e disse que o horário do desjejum havia terminado, mas que, se Murilo desejasse, ele poderia trazer um café, algumas frutas e um croissant quentinho. Ele aceitou, pois estava faminto.
- Vocês brigaram, não foi? Estou me sentindo culpada, pois fui eu quem os colocou na mesma suíte, achei que nesse ambiente descontraído conseguissem se entender. Mas, vejo que me enganei. Perdoe-me. – disse Christina, penitenciando-se.
- Acho que isso ia acontecer, mais cedo ou mais tarde. Juan não me suporta! Não sei o que eu possa ter feito a ele para me detestar tanto. – respondeu Murilo, sentindo a dor se irradiar pelo rosto à medida que movimentava os músculos. – Ele me acusou de traição. Disse que enviei relatórios para a matriz comprometendo-o. Eu nunca fiz isso, você bem sabe, tem as cópias dos meus relatórios no seu arquivo. – emendou.
- O Ortiz ouviu o senhor Ventura te perguntando sobre os relatórios, dizendo que ficava claro pelos dados que o culpado daqueles problemas era o Juan Carlos e, deve ter dado com a língua nos dentes. Eu sei que você nunca citou o Juan como responsável. Aliás, você nunca culpou ninguém, limitou-se a descrever os dados tecnicamente, e apontava possíveis soluções que podiam ser implantadas. Sei que nunca citou nomes. – declarou solidária.
- Ele misturou até o pai na história. Não entendi nada! Me chamou de veado. – retrucou.
- Bem! Creio que é a hora de te contar algumas coisas, talvez assim você vai compreender toda essa confusão. – proferiu Christina, ajeitando-se na cadeira, como para ficar mais confortável para a longa história que pretendia contar. – Quando o pai do Juan teve o AVC, aquilo pegou a família de surpresa. Ele e o pai viviam às turras por que o pai o acusava de não se interessar pela empresa e desperdiçar o tempo com aventuras. Ele e a irmã foram criados numa redoma de luxo e conforto, não precisando se incomodar com nada. Por isso o Juan chegou aqui praticamente despejado pelo destino, perdido e sem quem o orientasse, tendo que assumir as rédeas de um negócio que ele mal conhecia. Nessa época eu e ele estávamos namorando, e ele se valia dos meus serviços para se inteirar do que acontecia na empresa. No entanto, isso não durou muito, ele metia os pés pelas mãos e logo a firma estava numa situação em que, se não fosse vendida, estaria falindo dentro em breve. Foi quando o senhor Ventura comprou o controle acionário e o Roberto começou a tocar a produção lá do Rio de Janeiro, vindo acertar detalhes com os engenheiros daqui. Você e ele se parecem até nisso, pois ele costumava ficar até tarde no escritório. Numa dessas ocasiões, pensando que não havia mais ninguém na sede, o Juan Carlos trouxe uma garota que há muito vivia dando em cima dele. Ele não respondia minhas ligações, não estava em casa, e nem nos lugares que costumava frequentar. Desconfiei e fui até a empresa. Acabei flagrando os dois na sala dele, trepando feito coelhos desesperados. Tivemos uma briga e ele terminou comigo na frente daquela vadia, dizendo coisas horríveis e me fazendo sentir a última das mulheres. Perdida e sem saber para onde ir, vi que no fundão do andar onde estão os boxes, havia uma luz acessa no box do Roberto. Fui até lá e desabei num choro convulsivo. Ele me ouviu e me acalmou. Ficamos conversando ali madrugada adentro, e foi quando eu percebi que o Roberto era um ser humano incrível. Eu me abri com ele e contei tudo o que estava acontecendo, como o Juan me usava para conseguir se posicionar frente aos gerentes, e como o ajudava a ocultar as coisas do pai. Até esse dia eu não sabia da sua existência. O que todos sabiam era que o Roberto tinha uma pessoa amorosa, especial e que tinha feito dele o homem mais feliz desse mundo, era assim que ele te definia perante os outros. Quando, naquela noite, eu disse que ele era um privilegiado por ter um amor tão lindo assim, ele disse que, uma vez que eu lhe havia contado meus segredos, ele também tinha um. E, abrindo a carteira, me mostrou uma fotografia onde apareciam vocês dois abraçados na varanda de um bangalô que flutuava sobre palafitas num mar cujas cores iam de um verde claro a um azul intenso. – Este é o Murilo. No que foi uma espécie de lua-de-mel para nós dois. – e esses ficaram sendo os nossos segredos. O Juan Carlos se dava muito bem com o Roberto, era uma das poucas pessoas das quais ele realmente gostava aqui na empresa e, o pouco que aprendeu dos negócios foi com ele. Ele o achava inteligente dotado de uma capacidade de liderança nata. Dias depois, ele me acusou de ser uma mulher sem fibra, pois se eu fosse como devia ser a esposa do Roberto, ele também seria outro homem. Descontrolada com mais essa humilhação eu acabei revelando quem era o responsável por toda a felicidade que o Roberto irradiava. A princípio ele duvidou. Mas, numa das vezes em que esteve no Rio de Janeiro, parece que vocês foram jantar com outros gerentes e ele intuiu que você era o parceiro dele. Por isso, tenho que te pedir desculpas também por esse deslize meu. – ela falava deixando as emoções de lado, como se já as tivesse enterrado, e que agora Juan não representava mais nada em sua vida, além de seu chefe.
- Então foi por isso que ele me chamou de veado. E, agora também consigo entender aquelas frases censurando-o na manhã em que comecei a trabalhar aqui e ele veio me cumprimentar com uma cara de quem havia passado o fim de semana na esbornia. – proferiu Murilo.
- Exatamente!
- Mas, mesmo assim, não vejo por que ele tem tanta bronca comigo. A não ser, é lógico, que deteste homossexuais, como a maioria dos machões como ele. – raciocinava Murilo.
- Aí é que você se engana! Eu o conheço bem, bem até demais. Eu sou capaz de jurar que a implicância dele com você começou no dia em que ele percebeu que gostava de você. Eu diria que ele está apaixonado por você! – exclamou, convicta do que dizia.
- Você deve estar fora de si. Ele me odeia, isso sim. – retrucou Murilo.
- Quem está cego e, preso ao passado é você, que não consegue enxergar o óbvio! – revidou ela. – O Juan é o tipo de sujeito que, quando não sabe o que fazer com um brinquedo, não consegue brincar com ele, não domina a maneira de controla-lo, procura quebra-lo! É exatamente o que ele fez esta noite. Ele chegou a um limite em que viu todas as suas convicções sendo postas por terra. Perdeu as dinâmicas de grupo para você, perdeu as partidas de tênis, não é o alvo da maneira doce e carinhosa com que você trata as pessoas e, ainda por cima, o pai dele se encantou com você e vive te elogiando. Foi demais para ele.
- Não consigo acreditar no que você está me dizendo! Você não pode estar falando sério. – Murilo estava pasmo com aquela revelação. Será que estava tão fechado em si mesmo que não via o que estava se passando? Vieram lhe à mente as cenas da noite anterior, e ele se lembrou do toque das mãos do Juan em seus ombros, de como ele aspirou sua nuca, de que como mudou seu jeito bruto de enrabá-lo, depois que ele disse que ele o machucava.
- Pois não duvide! – admoestou.
Na semana que se seguiu o Juan não deu as caras na empresa. Para algumas assinaturas em documentos Christina precisou recorrer ao pai dele, que pediu que ela dissesse a Murilo para vir vê-lo, o que ocorreu dois dias depois quando ela regressou para mais algumas assinaturas. O velho parecia conhecer o filho, e sabia que não era apenas a simples presença do Murilo na empresa que mexia tanto assim com os brios do filho mimado. E pediu para que Murilo não desistisse dele, mesmo turrão como era, era um bom filho e uma boa pessoa. Precisava apenas descobrir isso por si próprio. Naquela sexta-feira, no final do expediente, Christina deu uma carona a Murilo, pois ele havia deixado o carro na revisão.
- Vamos tomar uma taça de vinho no Liguria, é cedo para se enfiar dentro de casa? – perguntou Christina.
- OK! Mas, não quero ficar até tarde, se aparecerem por lá aqueles seus amigos notívagos. – respondeu sorrindo.
- Prometo! Assim, aproveito para ser vista com um homem belíssimo ao meu lado, só para fazer inveja para a mulherada! – exclamou, se divertindo.
O bar começava a receber os executivos que deixavam os escritórios para uma happy hour, na noite fresca e estrelada.
- Estou pensando em deixar a empresa. – proclamou Murilo, quando o garçom terminou de despejar um Sauvignon branco nas taças e deixar um ceviche diante de cada um.
- Que bobagem é essa? Por favor, nem pense nisso! – ela fixou estarrecida e preocupada. – Você mesmo ouviu o que o pai do Juan te pediu.
- Não dá para trabalhar com um clima desses entre a gente. Vamos acabar brigando por tudo e, eu não pretendo ficar me engalfinhando com ele por qualquer coisa. Você viu que ele nem apareceu esta semana para trabalhar. Não podemos continuar assim. – havia um pesar disfarçado na voz de Murilo.
- Eu imagino o que ele está fazendo depois da briga de vocês. Está enfiado em um canto qualquer, desafiando algumas corredeiras num rafting maluco pela cordilheira, se atirando de um avião num paraquedas, escalando algum cume até que a exaustão o vença, ou velejando no lago Vichuquén, desafiando e lutando consigo mesmo, colocando toda a raiva que sente de si próprio para fora. É típico dele. – ela falava com probidade. – Ele está procurando descobrir um jeito de conviver com o que sente por você. E eu sou capaz de imaginar a luta que ele está travando com aquela macheza toda entranhada até o último fio de cabelo dele.
- Você me pinta como se eu fosse um tremendo conquistador de corações. Não sou nenhum predador implacável e insaciável, uma Messalina masculina, como você imagina. – retorquiu Murilo, sereno e levemente ofendido.
- Não! Então olhe discretamente para a terceira mesa a sua esquerda, onde estão aqueles quatro com as gravatas soltas no colarinho. E, a última do lado direito, perto do balcão, onde estão as duas morenas e a loira de cabelos curtos. Para mim é que não estão olhando. Os caras eu até achei que estavam logo depois que chegamos, mas me enganei, te seguiram com uns olhares de ‘vi e quero pra mim’ quando você foi ao banheiro. – disse, frustrada.
- Christina você é hilária! Tem a imaginação mais fértil que eu já vi. – brincou, sem conferir se o que ela dizia era mesmo verdade.
O sábado começou com um sol já alto e um céu límpido. A temperatura agradável e a ansiedade do Astor por um passeio nos arredores levou Murilo a colocar um short e uma camiseta e sair pelas ruas arborizadas do bairro. Pensou em passar pelo supermercado e também trazer algumas revistas. Estava procurando sugestões para redecorar a sala que nunca tinha ficado de um jeito que ele realmente gostasse. Quando voltou e, deixou o elevador, encontrou o Juan sentado no corredor diante da sua porta. Ele estava com um ar de cansado, a barba estava crescida e fazia-o parecer um mendigo, trajava uma camiseta polo e um jeans apertado nas coxas grossas que pareciam não ter visto uma água há dias.
- O que faz aqui? Quem te deixou entrar? – perguntou Murilo, fazendo menção de retornar ao elevador.
- Vim conversar. Aproveitei quando um garotinho estava saindo para entrar pelo portão. – respondeu, pondo-se em pé.
- Não quero brigar com você aqui onde moro. Vá para casa, por favor! – retrucou Murilo, temendo um novo embate.
- Também não quero brigar, só vim conversar. – afirmou, esboçando um ligeiro sorriso.
Murilo abriu a porta e o deixou entrar. Ele examinou o apartamento com atenção, depois deixou-se cair sobre uma poltrona.
- Você tem uma cerveja? Um vinho, ou algo mais forte? – questionou.
- Está um pouco cedo para beber, não acha? – respondeu Murilo. – Posso fazer um suco se você quiser.
- Tenho que admitir que você está certo mais uma vez. Vá lá! – exclamou, como se tivesse que se contentar com o que lhe ofereciam.
Murilo foi até a cozinha, que podia ser vista daquele ângulo da sala, e começou a preparar um suco de arándanos. Juan o acompanhava com o olhar fixo nas coxonas lisas e torneadas que saíam do short ajustado ao corpo e, especialmente, às nádegas. Não conseguiu evitar que sua mão desse uma ajeitada no cacete dentro das calças. Quando Murilo voltou, ele acariciava o Astor sentado em seu colo, abanando o rabinho como se tivesse acabado de fazer alguma travessura. Ao estender-lhe o copo, ele o puxou pelo braço e encostou sua cabeça do ventre de Murilo, abraçando-o pelas coxas.
- Perdoe-me por ter sido um cretino com você! – implorou, num rosnar grave e arrependido.
- Deixe de bobagem e me solte, vai derramar todo o suco! – exclamou Murilo, sentindo que aqueles braços ao redor de suas coxas, tiravam a firmeza de suas mãos.
- Não consigo esquecer a noite da sexta-feira retrasada no quarto do hotel. Eu nunca senti nada tão maravilhoso! A sua pele, o teu cheiro, ... eu não queria te machucar. – balbuciou confuso.
- Vamos deixar isso para lá! Já passou. – devolveu Murilo, colocando os copos de suco sobre a mesinha ao lado da poltrona. E, num gesto que requereu muita força interior de sua parte, deslizou os dedos para dentro dos cabelos do Juan e aparou sua cabeça junto ao corpo. Pela primeira vez, depois de muito tempo, ele sentiu como se de suas mãos fluísse um carinho que ele havia dado a apenas uma pessoa, Roberto.
- Não posso! Eu quero você. Preciso de você. – Juan se levantou e segurou o rosto de Murilo entre as mãos, encarou-o com doçura e, colou sua boca na de Murilo, devorando seus lábios e beijando-o, enquanto o apertava contra seu peito.
Murilo deixou que ele o provasse, retribuía seus beijos com ardor e ternura e, começou a sentir o sangue fervilhar sob sua pele, incendiando-a e atiçando seus desejos. À medida que sentia a aquiescência de Murilo, Juan esquadrinhava com suas mãos ávidas a pele branca e morna debaixo das roupas dele. Sentiu toda sua energia se concentrado na virilha e provocando a ereção da pica excitada. Tirou a camiseta de Murilo e apertou os biquinhos enrijecidos de tesão entre os dedos. Acariciou os mamilos e depois investiu contra um deles, abocanhando-o e mordiscando até que ouviu os gemidos de Murilo. Sugou o peitinho como se estivesse mamando e, enfiou a mão por baixo do short até ter uma nádega preenchendo sua mãozona sedenta. Murilo acariciava a nuca dele e beijava aquele pescoço largo e vigoroso como o de um touro. Aos poucos foram caminhado em direção ao quarto, e lá entraram no banheiro sem se largar. O short do Murilo já estava arriado pela metade de suas pernas, obrigando-o a caminhar a passos curtos. Nesse interim, Juan se livrava de suas roupas que ia deixando pelo caminho. Quando a água começou a jorrar sobre seus corpos, Murilo estava nu e Juan sentia a cueca se encharcando da água que descia por suas costas e do pré-gozo que melava e fazia aumentar uma rodela úmida no tecido. Olharam-se nos olhos e, foi essa a primeira vez que se enxergaram. Num repentino, viam para além daqueles corpos tangíveis e abrasados pelo tesão, viam suas almas. Juan deslizou seu polegar sobre a pele ainda arroxeada abaixo do olho esquerdo do Murilo, tocou-o com tanta suavidade, como se tivesse medo de macular ainda mais aquele rosto que lhe sorria. Beijaram-se demorada e lascivamente, saboreando-se, descobrindo-se. Murilo afundou as pontas dos dedos nos pelos negros, grossos e profusos do peito de Juan. Depois, espalhou uma densa camada de espuma de barbear pelo rosto dele, e começou a escanhoar delicadamente, aquele rosto másculo que o admirava deleitado. De quando em vez, Juan apertava as nádegas de Murilo, de onde suas mãos não queriam se apartar.
- Desse jeito você vai me desconcentrar. Depois não me culpe se a minha mão escorregar e encher seu rosto de talhos. – ambos riram, e voltaram a se mirar.
Quando Murilo terminou de barbeá-lo, ele o puxou para junto de si, voltou a beijá-lo sofregamente e, depois, posicionou-se atrás de suas costas. Juan encoxou-o, repetidas vezes, aninhado o caralhão duro no rego molhado do Murilo, provocando-o, incitando-o e, excitando-o. Murilo se reclinava contra aquele peito largo, aceitando aquele jogo sensual e guarnecido de luxúria, até sentir a verga rija e pulsátil entrando no seu cu. Ganhiu dengosamente e, gemia enquanto a penetração se consumava, encapando o membro indômito com o vigor de seus esfíncteres. Juan projetava sua pelve contra aquela bunda carnuda, metendo o cacetão até o talo e, até sentir seu sacão se insinuando no reguinho apartado. Um prazer que fazia vibrar cada músculo de seu corpo e, que ele desejava nunca ter fim. Quando a mão de Juan se fechou ao redor de seu pinto, Murilo gozou deixando os jatos explodirem como a lava de um vulcão. Juan pegou o rosto de Murilo e o virou em sua direção, colou sua boca na dele e enfiou a língua nela, enquanto enchia o cuzinho dele com os jatos de sua porra esculenta. Dali eles foram para o quarto. Enxugaram-se com o calor de seus corpos entrelaçados sobre a cama. E, na mais sublime devoção, Murilo começou a lamber e chupar o caralhão de Juan. Instigou-o com a ponta da língua roçando sua uretra, saboreou o sumo que ele lhe entregou. Continuou lambendo e chupando até a jeba se distender completamente, eriçada e latejante. Mordiscava delicadamente toda a extensão da pica, até chegar ao sacão revestido de pentelhos. Massageou os culhões entre os dedos, sentindo-os se ingurgitarem e ficarem consistentes. Juan instigou-o a abocanhar seu pau, que doía de tanta rigidez e tesão, metendo-o na garganta de Murilo, que movia sua língua em movimentos circulares ao redor do membro entalado na sua boca. Juan gemia deixando o ar escapar por entre os dentes cerrados, até soltar um urro áspero que vinha do fundo de seu peito e, ejacular na boca do Murilo, que sorveu aquele sumo viril avidamente. Amaram-se até a exaustão durante aquele final de semana, selando com uma sequência de gozos, uma união que ambos almejavam.
Desde então estão juntos. Juan descobrindo a cada dia as prazerosas nuances deste amor inédito para ele, e Murilo, redescobrindo a paixão e um sentido para sua vida. E ambos, alimentando esse amor que guardam como um tesouro.