Esta é a continuação do conto “Marcado por Adair” e de outros anteriores a ele.
***
Adair parou junto à porta da sala dos chuveiros, me retendo.
– Você, não – avisou, num tom sóbrio.
Não entendi. Tínhamos acabado de fuder, eu estava suado e, além disso, com a barriga e os genitais cobertos pelo esperma já seco de Garcia. Ele se aproximou de meu ouvido, e num raro volume baixo da voz, explicou com um leve sorriso:
– Quero você com esse cheirinho de porra. Não é a minha, porque a minha tá aí dentro. Mas quero fingir que é.
Falou um pouco mais baixo:
– Não fica preocupado, porque não tá forte assim. Só eu do teu lado é que vou sentir.
Fiquei completamente sem ação.
– Pode ser, meu doce? Me faz esse agrado? Se não quiser, tudo bem.
Aquiesci, sorrindo. Fiquei esperando no corredor, enquanto ele tomava sua ducha. Garcia subiu a escada e sorriu para mim, sem se aproximar. Correspondi e ele fez um sinal com o dedo, indicando que estaria no terraço. Adair veio ao meu encontro.
– A gente vai ter que conversar – disse. – Mas vamos deixar isso pra depois.
Pousou uma mão em meu ombro. Compreendi que ele queria desfrutar o máximo possível daquele momento. Não só gozara dentro de mim como tinha, pela primeira vez, me sentido sem a interferência do látex. Provavelmente, não tinha sido só a primeira vez comigo, mas a primeira em muito tempo.
É claro que eu estava preocupado com a falta da prevenção, ao risco que tinha passado e às consequências. Muita gente gosta de viver na roleta russa, mas não era o meu caso: fora com dois namorados e em mais algumas trepadas entre um e outro, eu não dava sem camisinha. Mas era uma escolha minha render-me à preocupação ou embarcar com ele na mágica daquele momento. A coisa já estava feita; não tinha como voltar atrás. A escolha era óbvia. Fiz um ar animado e o convidei:
– Vamos tomar uma vodiquinha pra descansar? Você ficou um tempão em cima de mim e não é nenhum peso-pena.
Ele riu. Quando subíamos, falei de Garcia e que ele provavelmente estaria no bar do terraço.
– Tá puto comigo? – ele perguntou a Garcia, assim que chegamos à mesa, ambos com nossos copos com vodca com gelo.
– Puto? Pelo contrário.
– Eu gritei com você.
Garcia fez um aceno com a mão frente ao rosto, mostrando que não dera importância àquilo.
– Você é mesmo muito especial – disse ele, olhando pra mim.
Com vergonha, eu me sentava ao lado de Adair, mas do lado oposto ao dele. Temi que ele sentisse meu cheiro.
– Eu te falei... – disse Adair.
– Desde aquela vez que ouvi os gemidos por trás da porta da cabine que eu queria ver vocês dois.
– E não só viu, né? – Adair retrucou.
– Mas eu não pretendia isso. Nem me passou pela cabeça que fosse rolar.
– Fala sério, Garcia...!
– Sério. Eu só queria olhar. Mas acabei me entusiasmando. Não sei como aconteceu, mas de repente aconteceu.
– Fique a vontade pra quando quiser mais – falou Adair, simulando uma mesura e me oferecendo, com sua característica cara-de-pau. – Ele também gostou.
– Gostou? – perguntou Garcia, visivelmente entusiasmado, e voltou-se pra mim.
Concordei, fazendo um hã-hã tímido. Por mais putarias que eu fizesse com Adair, não conseguia me acostumar de todo àquela sem-cerimônia das situações em que ele me colocava.
– Qualé, Garcia... Você tá querendo ouvir elogio aqui do playboy. Você viu como ele ficou contigo. Eu já tinha avisado pra ele que você era foda – fez uma pausa, e completou, divertido: – Que você também era foda. Porque o fodão aqui sou eu.
Os dois caíram na gargalhada. Eu curtia a amizade deles. Eram muito diferentes um do outro, mas muito camaradas entre si.
– Ele... Ele tem um coisa... – disse Garcia, como que procurando com as mãos o que queria dizer. – Não sei, Adair, parece que ele nos faz nos perder nele, meio que perder a cabeça, mas ao mesmo tempo parece que ele se entrega totalmente, que está todo na mão da gente. É confuso.
– É. Meu viadinho tem poder.
– E é isso, talvez... Ele não é um viadinho, e ao mesmo tempo é. Olha só pra ele. Esse aí é um viadinho? Sério. É um viadinho? Não é. Mas comigo foi, com você ele é. Mas na hora certa.
– É o jeito dele.
– Pois é. Eu sei que é. Sei que ele não tá fingindo agora, como sei que ele não estava fingindo antes. Acho que isso que ele tem de especial, entende? Isso é o que dá tesão na gente.
Fez uma pausa. Ele parecia quase que extasiado. Eu, no fundo, estava gostando; me sentindo o máximo. O cheiro de esperma, discreto como Adair dissera para me tranquilizar, me inebriava: me fazia sentir, não sei bem por que, realmente o máximo. Mas mal olhava para os dois, embaraçado.
– Ele tem esse jeito masculino... A gente olha pra ele e, se não fosse aqui, nem acharia que é gay. O jeito dele andar, o modo que fala, que olha. É coisa de macho. Ele senta de perna aberta! Mas aí, na hora agá, aquela pele macia, os gemidos dele, aquele pauzinho todo macio...
– É. Taí. Você surtou nisso. – falou Adair, e finalizou, com ar maroto – Sei da tua história.
– Ahn?
– Tua fama, antes de comer viado, disse, depois de um gole da vodca que já chegava ao fim.
Garcia caiu na gargalhada.
– Que fama? – interferi, pela primeira vez.
Adair olhou pra mim, depois olhou pra ele, e atirou:
– Chupador de grelo. O segredo do Garcia com as mulheres era que chupava um grelo como nenhum outro. A fama corria.
Garcia soltou uma gargalhada gostosa, mas eu não gostei. Adair olhou para mim e viu minha expressão fechada. Segurou firme minha coxa.
– Deixa de ser babaca, playboy... O Garcia acabou de dizer que o que ele gosta em você é justamente que você tem jeito de macho, parece macho.
– Você é maravilhoso, Flavinho – correu a acrescentar Garcia.
Lançou-se sobre a mesa, afoito:
– Não interprete mal o que o Adair disse. Não te acho afeminado; você não é afeminado. Se eu quisesse uma mulher, se eu quisesse chupar um grelo, eu procurava uma mulher. Eu gosto de mulher; ainda gosto de mulher. Gosto de buceta. Não é nada disso.
Eu realmente não tinha gostado do rumo que a conversa havia tomado. Ele continuou, parecendo cada vez mais aceso:
– Não tem, pra quem já fudeu muito mulher, não tem como não pensar numa mulher quando a gente pega em você, quando a gente te ouve gemer, quando a gente entra em você. Mas também não tem como te ver como mulher, porque além de você não ser, o que um homem que te pega sente tesão é justamente porque você é um homem com jeito de homem. Travesti não tem isso; essa história de “mulher com pau” pra mim não excita. Você é um tesão porque você consegue ser homem e ao mesmo tempo se entregar como... nem uma mulher acho que se entrega como você, porque você é um homem. É homem igual a mim, e isso deixa de ter importância na hora agá porque você se entrega, abre mão disso, de ser homem, ser macho, porque o que você gosta não é o que um homem, o que um macho gosta; então, pra mim você é completo, entende? Eu fudi um homem, mas ao mesmo tempo... Nem sei te dizer; só sei que... Eu já comi muitos homens aqui, muitos homens que gostam de dar a bunda, muitos homens tão passivos como você, mas nenhum... Igual a você, do jeito que você... – fez uma pausa. – Nenhum.
Parou de falar. Tomou um gole da cerveja, da garrafa quase vazia. Eu me sentia o rei da cocada preta, embora não entendesse bem o que ele quisera dizer – nem me achasse à altura do que talvez eu tivesse entendido. Adair ficou olhando pra ele, pensativo.
– Garcia.
O outro o olhou, como se tivesse voltado à terra naquele instante. Adair ficou em silêncio mais uns dois segundos.
– Não confunde as coisas – fez outra pausa. – Na boa, não confunde as coisas.
Garcia mudou a expressão, ficando mais sério. Adair não foi agressivo, mas manteve a sobriedade em cada palavra:
– Ele tem dono. Eu sou o dono.
– Eu sei, Adair.
– Quem fode ele primeiro sou eu. Quem manda sou eu. Ele tem um macho que cuida dele e esse macho se chama Adair.
– Você não precisa dizer isso pra mim – Garcia retrucou, no mesmo tom de seriedade. – Já dividimos antes e tanto eu quanto você respeitamos quem mandava no rolo. Você não precisa me dizer isso.
Fiquei com medo de o tempo fechar de vez. E, embora constrangido por ser assim o centro das conversas, eu estava me sentindo tão bem com o clima amistoso de antes...!
– É que eu não quero que a gente se desentenda por besteira – explicou Adair, já relaxando o tom da voz. – Mas se quiser provar dessa cuceta de novo...
Garcia esboçou um sorriso, sinalizando que tudo voltava à boa:
– Mas na próxima vou tentar a camisinha. Quer dizer, nem sei se vai ter próxima. Mas uma boa chupada eu dou nele – e riu.
– Ele ficou doido; você viu, né? Você sempre foi bom nisso. O sucesso com as mulheres – e riu, cúmplice do outro.
Garcia esvaziou sua cerveja, enquanto Adair tomava um último gole longo da vodca, que a esta altura devia estar tão aguada quanto a minha. Fez-se um silêncio.
– Vou lá no bar – eu disse. – Adair, vou pegar cerveja pra mim; você continua na vodca?
Ele me respondeu que não, com o olhar. Garcia fez o mesmo, e entendi que eu deveria pegar mais três cervejas. Mas ninguém me deu muita atenção e não me levantei: alguma coisa estava acontecendo e eu não sabia como agir. Fiquei quieto no meu canto.
– Adair – disse Garcia, quebrando finalmente o silêncio.
Reacomodou-se na cadeira, ficando um pouco mais próximo da mesa:
– To estranhando você.
Adair riu.
– Você nunca falou comigo desse jeito. Não por causa de um cara. Você não confia mais em mim?
Estava me sentindo mal presenciando aquela conversa. Pegar as cervejas era uma boa forma de sumir dali.
– Não é isso. Claro que eu confio. É porque eu sou teu amigo e gosto de ser teu amigo que eu falei.
– Gente, eu... – tentei continuar, me levantando, mas fui interrompido por Garcia.
– Agora é diferente das outras vezes?
Desta vez, foi Adair quem se reacomodou, visivelmente desconfortável. Não ouvi o resto, já saindo:
– Eu vou pegar sua cerveja, Garcia. Vou pegar pra nós três.
Saí rapidinho.
Quis demorar o máximo possível para ser atendido no balcão, mas não tive sucesso: pelo adiantado da hora, o bar já estava esvaziando. O atendente – aquele que Adair comia de vez em quando – me deu as garrafas em dois tempos. Fiquei ali feito um babaca, sem ter o que fazer, dando um tempo para que eles se entendessem.
O balconista, sem também muito que fazer, puxou papo. Há um bom tempo estava amistoso comigo, mas era a primeira vez que conversava.
– Você prendeu mesmo o Adair.
– Eu? Nada...
– Ele é foda. E aquele pirocão... – e sorriu, com cara de sacana.
Eu ri, simulando ser gentil. Adoro putaria, mas não curto falar das minhas putarias com deus e o mundo. Não queria dar corda.
– É tão grosso... Você aguenta direto, né...? Poderosa... – e sorriu mais uma vez, tentando cumplicidade.
Não sei disfarçar muito bem quando acho alguém inconveniente. Dessa vez, não retruquei. Meu silêncio falou por si.
– Não leva a mal, não – respondeu, aprumando-se.
Pegou um pano que estava próximo e foi até a pia, para lavá-lo. Quando voltei, os dois já estavam em outro clima.
– Garcia não para de te elogiar, meu doce.
Não vou esconder: estava adorando ser o centro das atenções deles; estarem falando tanto assim de mim. E, gostei, sim, de ter me visto, momentos antes, como a donzela disputada por dois machos. Mas, ao mesmo tempo, me senti mal de vê-los naquela conversa tensa. Agora, tudo parecia voltar ao normal.
Olhei para os dois, enquanto conversavam, e me dei conta, satisfeito, desse prazer. Estava com os dois homens que haviam acabado de me comer, e que estavam satisfeitos comigo. Tinha a porra dos dois no meu corpo. Eram mais velhos do que eu – Adair mais de 15 anos, Garcia quase trinta – e isso me excitava. Não sou fã de coroas – nem passei a ser a partir dali –, mas é uma sensação diferente quando você é possuído por um cara mais experiente que sabe fazer as coisas e que te mostra que sabe (ser coroa não significa necessariamente ter estes dois predicados). Quantos viadinhos como eu já não tinham passado por aquelas picas...! E eles tinham gostado de mim; tinham me traçado com gosto; feito barba, cabelo e bigode.
Um outro coroa se aproximou, cumprimentou brevemente nós dois e inclinou-se para falar com Garcia. Adair aproveitou para virar-se pra mim:
– Meu doce, você é uma delícia. Mas agora quero que você vá tomar seu banho.
– Você quer ficar sozinho com o Garcia?
Ele riu, com ar maroto:
– Não, meu docinho, não é isso. É que teu perfuminho de porra já tá me enjoando...
Eu fiz uma cara feia pra ele, mas sorri depois. Concordei e saí.
Depois do banho, aproveitei para passar na cabine, pegar a “caixinha” e devolvê-la logo ao bar do primeiro andar. Quando ia subir, me veio a dúvida se, no fundo, eles não queriam mesmo ficar sozinhos, e pensei em ir para a sauna a vapor para passar o esfoliante e o hidratante. Talvez Adair ainda fosse me comer; estava chegando a hora de irmos embora. Mas não sabia se ele aguentava outra ou não: era a primeira vez que ele gozava mais cedo, e não na última foda.
Retornei à cabine, peguei os produtos e entrei na sauna a vapor. Não havia ninguém. Enquanto começava a suar, me dei conta que eu não avisara que ia demorar: havia descido apenas para uma ducha, coisa de cinco minutos. E se Adair quisesse mesmo ficar a sós com Garcia, não teria a menor cerimônia em me mandar, gentilmente, deixá-lo em paz e dar uma volta. Fui pra ducha gelada, ali dentro mesmo, me enxaguei e subi direto, ao encontro deles.
– Ué, cadê o Garcia? – estranhei, pondo os frascos na mesa.
– Deixou um beijo pra você. Saiu há pouco; achei que vocês fossem se encontrar na escada.
Ele olhou ao longe. Eu olhei pra ele. Tínhamos tido, os três, uma foda muito gostosa. Eu estava orgulhosíssimo, me sentindo o viado mais gostoso desse mundo. Garcia tinha, finalmente, sustentado uma ereção e comido um cara, que era eu. Adair tinha me esporrado. Eu estava feliz, deixando pra pensar no assunto depois, por estar com a porra dele dentro de mim. Isso era um problema.
Mas não era esse problema. Não entendia bem por que, mas alguma coisa estava errada. Algo estava errado.
***
Este conto teve início com o texto “Admirando o calibre de Adair”.
A história completa se desenrola nos seguintes textos, em ordem cronológica
(Os links para cada um dos textos estão na página do meu perfil de autor, em
http://www.casadoscontos.com.br/perfil/ “Admirando o calibre de Adair”
2. “No hotel, com Adair”.
3. “O preço para ter Adair”
4. “Guiado por Adair”
5. “O desafio de Adair”
6. “Exposto por Adair”
7. “Sob o teste de Adair”
8. “Entendendo Adair”
9. “Entregue a Adair”
10. “Presença de Adair”
11. “Além de Adair”
12. “Adair, dono de mim”
13. “Um outro Adair”
14. “Marcado por Adair”
15. “Esse macho se chama Adair” [você está aqui]