A única certeza que eu tenho todos os dias é a de que eu tenho um filho em casa ao invés de um marido.
Dezembro do ano passado o Léo me inventa de começar um papo cabeça em pleno café da manhã, ele via algo no tablet e veio me mostrar:
-Amor, olha só. Essas cortinas caem bem pra cá pra sala, não!?
- As que a gente tem já cumprem com a sua função: deixar escurinho.
Eu já sabia que aquilo era só uma introdução do que vinha pela frente.
- Ah, mas essas combinam com as cadeiras da sala, aposto que a tua mãe concorda.
- Nem vem, da última vez comprei um jogo de louça que tá mais parado que o abridor de lata elétrico.
- Isso é verdade. Mas sim, voltando... Eu tava pensando em fazermos a ceia de Natal aqui.
- Ué, por que?
- Ah, sempre vamos da sua casa pra minha e agora eu queria inovar.
- Inovar como, Jesus!?
- Fazer algo nosso.
Isso já tava me dando dor de cabeça, sabia que ia render esse assunto. Cada vez mais ele aparecia com essas conversas e eu ainda não tinha achado de onde ele tirava essas ideias.
- Tá te chateando alguma coisa lá em casa (casa dos meus pais)?
- Não, não é isso.
- Então é o que?
- A gente devia fazer algo nosso, não só pra gente mas pros outros também. A gente só junta as pessoas aqui pra beber.
A minha vontade era dizer que eu não tava entendendo nada e que conversaríamos depois, à noite. Mas se eu fizesse isso seriam dois trabalhos: aguentar ele fazendo drama o dia todo pelo WhatsApp e cozinhar à noite discutindo com ele. Então, resolvi matar aquele assunto ali mesmo.
- Por que tu não diz logo onde quer chegar?
- Tudo que é de importante seja Natal, Ano novo ou o que quer que seja, a gente sempre sai de casa. Não paramos um momento pra ver que essa casa aqui parece de enfeite em dia de festa. Nem parecemos uma família.
Bingo, ele tinha parado de fazer rodeio e chegado no ponto que tanto incomodava ele e não sabia como falar pra mim. Eu fiquei surpreso quando ele disse isso, sobre não parecermos uma família. Por sorte eu tava sentado, senão teria voado nele. Claro que eu jamais bateria nele mas com toda certeza teria vomitado palavras que de sangue frio eu jamais falaria.
Peguei a chave do carro e saindo disse que à noite iríamos conversar. Ele ainda meio bravo disse pra eu ficar e nem dei bola, fui trabalhar.
A gente não é muito de ignorar um ao outro mas eu percebia que tinha que dá esse tempo tanto pra mim quanto pra ele. Esse tempo que passamos “brigados” e/ou afastados, mesmo que seja por menos de um dia, essa falta, faz com que eu perceba o quanto eu necessito dele, o quão somos dependentes dessa relação. Eu evito logo pedir desculpas ou aceitar coisas apenas para agradá-lo, faço de tudo para que ele também bata cabeça pra enxergar se há necessidade de estarmos discutindo sobre algo. Já que estamos num relacionamento que tudo seja resolvido de ambas as partes.
Não passei muito bem aquele dia, não liguei pra ele nem ele fez o mesmo, ambos sabíamos que não adiantar muita coisa. Parece que a palavra “família” ficava ecoando na minha cabeça o dia todo. Pensei em ir na casa da mamãe antes de ir pra casa, mas ela ia me encher de pergunta e não tava no clima de ouvir sermão, preferi ir direto pra casa. Cheguei e mal tive de vontade de tomar banho, apenas fiquei esperando por ele na varanda. Quando ele chegou tava diferente das outras vezes, tava sério ao invés de cabisbaixo. Ele chegou até onde eu tava e sentou na minha frente, fui logo direto:
- O que tu quis dizer com o fato de não parecermos uma família? Tô te devendo em algo? O que te incomoda?
- Não – ele me interrompeu – não fazes nada de errado, desculpa se fiz tu pensar assim. Não deves nada a mim. Eu apenas queria que a gente começasse a criar algo nosso, nem que fosse uma pequena ceia, aos poucos...
- Léo, isso não partiu de ti. Eu tenho certeza.
- Que coisa chata achar que eu sou levado pelos outros. – ele se levantou e eu puxei a mão dele até ele voltar pra onde tava.
- Isso é ideia de quem? Se for da tua mãe...
- Não é dela.
- Ah, então é da tua irmã.
- Matheus...
- Matheus o cacete, ela já tá te enchendo o saco de novo. Custava tu ter me falado que ela tava enchendo teu ouvido de merda?
Não é novidade que a minha relação com ela nunca foi a das melhores, ela na maioria das vezes se mantém na dela mas tem dia que ela tem uns surtos e acaba me irritando.
- O que ela te disse, Léo?
- Nada.
- Não me faz pegar a chave do carro.
- Oh, ela não falou nada demais.
Ainda que ela não valesse nada, o Léo e seu espírito fraternal por n vezes tentava defender ela mas acabou me contando que em uma das conversas deles ela soltou pra ele “por que que a gente não se portava como uma família e parava de viver por baixo da saia da mãe deles? ”. Aquilo me ferveu o sangue, até porque ela vive na casa dos pais até hoje e só não perdeu a guarda do filho porque o pai dele é uma ótima pessoa e evita colocar o filho nesse fogo cruzado e mesmo assim se faz bastante presente.
Eu consegui desfazer todas as minhocas que tinham na cabeça do Léo, que não eram poucas. Tive que mostrar pra ele que fazemos parte de uma grande família e deveríamos agradecer por isso. Que em nesses momentos festivos que passávamos na casa de nossos pais não deixa de ser um momento de gratidão por tudo que eles nos proporcionaram e que passar esses dias em nossa casa nos traz um sentimento de solidão, quando geralmente temos a infelicidade de não termos certos entes queridos próximos da gente. Enquanto eu falava ele me olhava atento, como se uma casa de engrenagens estivesse trabalhando naquele momento na cabeça dele.
- Odeio quando tu faz parecer que eu sou o besta aqui em casa. - disse ele rindo.
E eu abracei aliviado por ter conseguido cessar aquela discussão e ter mudado o semblante dele. Pois duas coisas me partem o coração: ver ele triste e com raiva.
Acabou que ele me cozinhar feito um condenado aquela noite e disse que no outro dia tínhamos que ir ao shopping. Mas isso eu conto outro dia.
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E aí, como vocês andam my babies??