As aventuras de Romildo – A bichinha
Recife, Pernambuco, manhã de primeiro de abril de 1960, depois de um aguaceiro que caiu durante toda a madrugada, vem ao mundo Gladison Romildo Bizerra, tirado do ventre materno por meio de uma cesárea. Bizerra, com “i” mesmo, desde que um escrivão do cartório, com dificuldade até para copiar de outro documento as mesmas letras que via escritas, aliado ao fato de escrever conforme se pronunciava o sobrenome naqueles confins do agreste nordestino, grafara nos registros do avô paterno o erro para a posteridade. O pai, Severino, atualmente subtenente do exército, quando a enfermeira do berçário mostra o pacotinho do qual só sobressai uma cabecinha perfeitamente redonda e, uma carinha amassada e rosada, fica ligeiramente desapontado. Ao contrário dos outros dois mais velhos, que já nasceram com a mesma cabeçona chata e cara de lua dele, esse herdara os traços mirradinhos da mãe. Ao menos era macho e, dele, disso ele tinha certeza.
Quatro dias depois, o mais novo integrante da família era instalado no bercinho colocado ao lado da cama dos pais, num dos dois quartos da modesta, mas confortável, casa da vila militar. Severino Cavalcanti Bizerra olhava para o recém-chegado procurando descobrir o que levara esse rebento a ser tão diferente dos irmãos e, esses, depois de darem uma rápida espiadela naquela coisa rosada que berrava enquanto a mãe lhe trocava as fraldas, logo perderam o interesse, e voltaram para suas brincadeiras. Assim, em poucas semanas, a rotina daquela família voltava ao normal, para satisfação do pai.
Severino era um daqueles nordestinos que conhecia bem as agruras e a sina das gentes dessa região. Nascido num sítio na zona rural de Ouricuri migrara, ainda adolescente, para a capital, o que lhe possibilitou estudar um pouco. Logo de cara, encantou-se com os militares que via passando fardados próximo a sua casa. Matriculou-se na escola de sargentos tão logo concluíra o curso ginasial. Em pouco tempo descobriu que havia nascido para aquela vida. Hierarquia, obediência, regras, ritos, emblemas encontraram respaldo em seu jeito metódico de ser. Embora fosse um homem feio, sem nenhum atrativo, despertou a atenção de Rosinha, a filha caçula de uma vizinha de parentes e, viúva de marido vivo, que Severino ia visitar em Ouricuri. Convivendo apenas com mulheres por que a maioria dos homens tinha ido para o sul a procura de trabalho, Rosinha era mocinha acanhada e ressabiada com os homens que, segundo lhe meteram na cabeça, só pensavam em se apoderar da perseguida de donzelas virgens como ela. Muito mais estimulada pela mãe, do que pelo verde-oliva sem graça da farda do sargento jovem, aceitou sua corte e, pouco mais de um ano depois, se casava, com véu e grinalda, na matriz de Ouricuri. Conheceu a baita estrovenga de Severino na noite de núpcias, quando sentiu, pela primeira vez, aqueles calores na bacorinha sendo aplacados por aquele toco de carne cheio de desejos, num misto de dor e prazer. Formavam um casal estranho, ela bonitinha miúda e franzina e, ele atarracado, sem pescoço, e com umas pernas arqueadas, como se tivesse sido criado sobre um cavalo ou, estivesse abraçando um barril com elas. O mesmo comportamento metódico que vivia no quartel, Severino implantou em sua casa. Planejava ter um filho a cada quatro anos, mais ou menos o mesmo tempo que demorava a ir subindo de patente. Resplandeceu de felicidade quando veio o primeiro; garoto forte, cabeça chata, culhões arroxeados, um cabra-macho para carregar adiante o sobrenome Bizerra. Quatro anos depois, vinha o segundo, tão formoso como primeiro, orgulho que Severino exibia no quartel, aos companheiros de farda, através de fotografias. Rosinha não era mulher muito saudável, por isso, o planejado para dali a quatro anos não vingou. Foram precisos mais quatro de tratamento com um ginecologista para que ficasse buchuda novamente. Uma alegria que se confirmou poucas semanas depois que Severino colocou sobre os ombros o losango amarelo de subtenente. O desfecho não foi semelhante aos outros, embora os lábios da buceta de Rosinha já estivessem mais flácidos do que macarrão que cozinhou demais, foi preciso abrir-lhe o ventre para tirar Romildo lá de dentro, não por que ele fosse grande, pelo contrário, mas, por que ela já não tinha forças para parir. Enquanto o moleque crescia, Severino fazia planos para mais um e, simultaneamente, sonhava com a primeira estrela sobre os ombros. Ela haveria de vir, bem como os machos que a mulher lhe dava. No entanto, desta vez só veio uma menina, tão franzina quanto a mãe e que, ainda por cima, também precisou ser extirpada do ventre materno carregando consigo o útero que a abrigara e, acabando com os sonhos do pai.
O que para o pai foi uma decepção, para Romildo foi a redenção. Com uma diferença de oito anos, os mais velhos não tinham nenhuma compatibilidade com ele. Quando muito, faziam-no de escravo, pedindo que fosse apanhar as coisas para eles, que guardasse os brinquedos quando o pai chegava e se zangava com a bagunça e, servia de saco de pancadas, uma vez que sua constituição física em nada contribuía para se defender deles. A chegada daquela bonequinha encheu seus dias de alegria e, à medida que ela crescia, eles se afinavam cada vez mais. Passavam horas se divertindo com as bonecas, fingindo brincar de casinha preparavam comidinhas enquanto esperavam pela volta dos maridos. Com o tempo, Romildo foi adquirindo uns trejeitos que o pai tratava de corrigir quando chegava em casa.
- Descruza essas pernas moleque, está parecendo sua irmã! Ou - Senta de perna aberta feito homem! Ou ainda, - Segura isso com firmeza, com mão de macho! – aconselhava, quando o via sentado recatadamente como uma menina. Ele obedecia, pois desde cedo aprendera a não desafiar as ordens do pai, cujas consequências ele e os irmãos bem conheciam, mas era tão desajeitado, que essas atitudes forçadas criavam situações cômicas, das quais os irmãos se aproveitavam para fazer troça dele.
Ah! Que ventura foi aquele dia trinta e um de março de 1964! O pai de Romildo ficou aquartelado. As valentes tropas brasileiras estavam à postos nos quarteis de todo o país, prontas para impedir que aquele ex-líder sindicalista de esquerda, que presidia a nação, implantasse as tais reformas de base para salvar a economia que andava capenga como sempre foi. Severino acompanhava pelos jornais a movimentação política, lia muito, mas compreendia pouco. O que ele e seus companheiros de farda sabiam, uns instigados pelos outros era que, fazia-se mister impedir que nosso querido país fosse dominado pelas multinacionais em detrimento da nossa indústria nacional, que os latifundiários não tivessem sozinhos a posse das terras, ao invés daquelas hordas de desocupados que queriam cultivá-las, que nas cidades houvesse moradia para os sem-teto e, prioritariamente, que o grande vilão comunista não espalhasse seus tentáculos por estas plagas ensolaradas e malevolentes. Não podia haver glória maior do que ver o marechal Castelo Branco, chefe supremo das forças armadas, sendo empossado como presidente. Severino identificou-se naquele líder, cabeça chata com cara de lua cheia, nordestino e militar. Aquilo era sua raça. Findava a hegemonia daquela gente do sul, com um sotaque gozado, quase uma outra língua, que, até então, sempre estivera à frente dos desígnios da nação. Pelas casernas do país espalhou-se a convicção, feito rastilho de pólvora que, quem ditava as ordens agora eram os militares. E, para deixar isso bem claro para o populacho civil, que não vestia aquele garboso verde-oliva, foram criados os atos institucionais, tão brilhantemente esculpidos pelos gênios fardados. Fosse o que fosse e, mesmo que muito do que estava acontecendo estivesse muito além de sua capacidade de compreensão, Severino já sonhava com as estrelas sobre seus ombros se multiplicando e até, quem sabe, chegando a uma que fosse gemada. O reflexo desses acontecimentos logo se fez sentir no seio da família. Severino se empenhava para encaminhar os filhos para as forças armadas, a profissão do futuro. Os dois mais velhos estavam a um passo deste destino glorioso.
Enquanto isso, Romildo a exemplo dos irmãos, seguia estudando num conceituado colégio de padres da cidade. Dona Rosinha fazia questão que seus filhos fossem educados segundo os preceitos da santa amada igreja católica. Ela, como praticante fervorosa, que não deixava de comungar pelo menos uma vez por semana, não iria permitir que seus filhos se tornassem hereges. Também ali ele era alvo das chacotas dos colegas, fosse pelo jeito abaitolado, fosse por seu excesso de timidez, o que quase sempre o envolvia em confusões, levando-o com frequência à sala do diretor. Esse era um jesuíta austero, os alunos todos o temiam. Primeiro porque era um sujeito grande, até um pouco gordo e, segundo, porque sempre andava pelos corredores com uma expressão carrancuda. Numa dessas ocasiões, quando Romildo contava nove anos, seguiu para a sala do diretor como lhe havia ordenado o professor de português, depois de ter se envolvido em mais uma discussão com outros dois alunos e, não bem esclarecida. Os meninos chegaram à antessala, onde ficava a secretária, e a encontraram vazia. Provavelmente, dona Anastácia tinha ido aliviar sua bexiga frouxa. Entraram mesmo assim e iam seguindo até a sala do diretor que estava com a porta entreaberta. Silenciosos e precavidos, aproximaram-se pé ante pé, até se depararem, pela fresta da porta, com o jovem padre Júlio, professor de história e, cuja voz mal dava para ouvir no fundo da sala de aula, agachado diante da batina soerguida do diretor, com o que Romildo podia jurar que era o pinto do cônego entalado na sua boca. Enquanto o padre Júlio chupava aquela coisa monstruosa, parecido com um salame mofado, como se fosse um picolé, o cônego se contorcia e, com uma expressão de satisfação, ronronava feito um gato recebendo cafuné. Os meninos estavam com os olhos arregalados quando foram surpreendidos pelo diretor que, imediatamente, abaixou a batina e, com sua voz ribombante, perguntou o que estavam fazendo ali. O padre Júlio se pôs em pé um pouco enrubescido e, terminava de lamber dos beiços uma calda esbranquiçada parecida com leite.
- Eu estava dando as bênçãos ao padre Júlio, não é padre? – sentenciou, enquanto os moleques se perguntavam intimamente que tipo de benção esquisita era aquela. – Agora sumam daqui, ou receberão uma penitência que nem em um ano vão conseguir pagar! – exclamou, enquanto os meninos saiam chispados dali.
Por volta dos onze anos Romildo percebeu que seu corpo começava a se modificar. Não era nada muito extraordinário, mas uma penugem rala começava a crescer ao redor do seu pintinho com fimose. Muitas vezes também, quando estava voltando do colégio, o sacolejar do ônibus fazia com que seu pau começasse a ter vontade própria e se enrijecia e, ele envergonhado, temendo que alguém visse aquela coisa dura apontando debaixo das calças, amarrava uma blusa ou colocava a mochila diante da pica. Ao contrário dos irmãos mais velhos, que agora já estavam na escola militar, ele não desenvolveu uma voz mais grave, nem ganhou pelos nas pernas e nos braços, muito menos no peito, como seu irmão mais velho, que os tinha tão densos quanto os do pai. Enquanto os garotos da idade dele iam sentindo um tesão irrefreável se espalhando pela virilha e culminando nos cacetes, ele sentia uns calores se acumulando no cuzinho toda vez que estava debaixo dos chuveiros com os colegas de turma após as aulas de educação física. Aquele festival de caralhos, nos mais diversos formatos e tamanhos, ouriçava suas preguinhas e, ele se deleitava com a visão daqueles machinhos pelados.
Numa tarde, em que a mãe fora visitar uma comadre adoentada, ao voltar do colégio, Romildo encontrou seu segundo irmão, o mais safado e desbocado de todos, com a filha da vizinha dentro do quarto. Laurinha estava com a blusa aberta e, seus peitos, pequenos e redondos, balançavam conforme ela se mexia. O irmão estava sentado na beirada da cama, completamente nu, com as pernas bem abertas e, Laurinha segurava os cabelos compridos, presos num rabo de cavalo com uma das mãos e, com a outra, o pau duro do irmão, que ela chupava desenfreadamente. Flagrados, ambos se assustaram, mas o irmão agarrou a cabeça de Laurinha e, sem demora, a recolocou entre suas coxas.
- O que você está fazendo aqui, seu bostinha baitinga? Dá o fora e, feche a porta! – berrou enfurecido.
- Eu sei o que vocês estão fazendo aí! – disse Romildo, rindo e se achando muito esperto. – Mas, você não é padre para ficar dando bênçãos!! – emendou feito um arigó.
Essa ingênua inocência não perdurou por muito tempo. Uma noite, durante o jantar, ele perguntou à mesa o que era um pederasta, sob o olhar desconcertado da mãe, o tapão que o pai lhe deu na cabeça e, os risos de escárnio dos irmãos. Dali não veio nenhuma resposta, nenhum esclarecimento. No entanto, os mesmos colegas do colégio que o chamavam de pederasta, trataram de explicar em detalhes o que isso significava. E, desse dia em diante, ele se convenceu de que era uma bicha.
Quando a molecada o retardava no vestiário mostrando-lhe os desenhos grosseiros e impudicos de um catecismo pouco ortodoxo, inspirado nos de Zéfiro e, o provocava a chupar seus pintinhos tal qual se via naqueles desenhos, ele assentia. Logo aprendeu a saborear uma pica e, a tirar dela aqueles sucos apetitosos que, deixavam todo seu corpo em brasa. Em casa, a irmã ia crescendo e se tornando mocinha. Romildo ficava cada dia mais interessado nas calcinhas dela e, como seus corpos fossem muito semelhantes, ele as vestia e se sentia feliz com isso.
- Dá essa de presente pra mim Cidinha? – implorava, enquanto a irmã cumplice, se divertia com a alegria que ele sentia ao usar sua roupa íntima. – Só essa, vai? Juro que faço o que você quiser, pode pedir.
Mancebo atormentado pelos hormônios que inculcavam pensamentos libidinosos em sua mente, Romildo, quando via a rapaziada da rua se juntando num campinho de futebol improvisado num terreno baldio perto de casa, tratava de vestir uma daquelas calcinhas, que se enfiavam no seu rego. Alguma bem ousada da coleção que a irmã o ajudou a formar e, que escondia na gaveta da cômoda do quarto dela para que ninguém desconfiasse que fossem suas, e ia se juntar a eles. Não para disputar a pelada, mas para ver os músculos da frangotada sem camisa e, ficar admirando as rolas deles balançando dentro dos calções folgados. Sabedores das preferências do moleque e, ávidos para desfrutar dos prazeres proibidos, sempre havia um ou dois que convidavam Romildo para pegar em suas jebas, o que geralmente acabava com ele pagando um boquete, ali mesmo, à sombra das jaqueiras de galhos baixos que circundavam o campinho.
O tempo confirmou as previsões do pai Severino. Com o cabeça chata no poder, as verbas para os ministérios militares cresciam feito fermento, com isso os quartéis do país se abarrotaram da soldadesca, geralmente arrancada da escola nos últimos anos do Colegial, o antigo ciclo médio, recrutados para dar embasamento ao novo lema patriótico, garantir a soberania nacional que, diga-se de passagem nem em sonho estava em risco. Atrapalhando assim, o ingresso dessa leva de jovens na universidade ou, quando menos, atrasando esse processo. Nas casernas inchadas de milicos não se produzia nada de útil. Desperdiçava-se o erário público com milhares de patentes sendo distribuídas indiscriminada e generosamente e, muito bem remuneradas para aquilo que faziam, ou seja, nada. Quando muito, saíam às ruas para debelar uma ou outra passeata de um punhado de rebeldes insurretos que ainda teimavam em criar tumulto nas grandes cidades do país, instigados por acadêmicos que flertavam com o comunismo e, vagabundos desocupados de algum sindicato. Nessas ocasiões, em que saíam dos quartéis num séquito pomposo e beligerante, aqueles nos quais o pouco de coragem ou a valentia não permitiam que se mijassem nas calças, acabavam sendo laureados com uma patente acima, à titulo de bravura por bons serviços prestados à nação. Foi esse o caso de Severino, que adicionou a segunda estrela prateada aos ombros, depois de ter ajudado a dispersar, sem ter se cagado nos fundilhos, meia dúzia de jornalistas inconformados com a lei de censura. No mais, ele desfrutava do soldo mais polpudo, da boia gratuita do casino dos oficiais, do trato que a soldadesca dava diariamente no seu Volkswagen TL verde-abacate, sempre reluzindo feito uma joia e, uma pelada entre os oficiais pouco antes do horário do almoço. Pena que esta placidez não reinasse tão benfazeja em casa. O primogênito andava metendo o pauzão em tudo que era xoxota disponível. Fornicava tanto que acabou por encher o bucho de uma burguesinha safada, cujo pai exigia uma reparação pela decaída da filha. Foi preciso convocar dois sargentos, um cabo e meia dúzia de soldados para dar uma prensa no pai da desnaturada e, desestimulá-lo a continuar pedindo justiça. O segundo filho estava encaminhado, tinha sido selecionado para o Batalhão da Guarda Presidencial e, transferido para Brasília, a recém-inaugurada capital federal, perdida no tórrido e árido planalto central, tinindo de nova, com suas construções de gosto duvidoso sacramentadas pelos ventos da arquitetura moderna,. O que aprontava por lá não chegava a respingar no Recife e, por isso, o pai estava sossegado. Romildo não tinha encorpado, prestes à completar dezoito anos, seria temeroso coloca-lo numa unidade militar, com aqueles modos esdrúxulos poderia macular sua reputação, por isso sentia-se perdido quanto ao rumo que deveria dar àquela cria. A filha ia ficando cada dia mais mimosa e era imperativo mantê-la casta até o dia em que um bom rapaz a pedisse em casamento, o que ele esperava, fosse um cadete, talvez saído das Agulhas Negras. Boa parte dos cabelos brancos que apontavam entre a cabeleira encarapinhada devia-se a essa preocupação, uma das poucas coisas que mexia com a vida pacata da família.
Pelo menos uma vez por mês, aos domingos, Severino levava a família até a casa de um irmão que morava em Olinda, onde se juntavam para um almoço. Seu irmão era um sujeito acabrunhado que vivia desgostoso por ‘Padim Ciço’ e, a esposa, só o terem agraciado com rachadas e nenhum varão. Das três filhas, as duas mais velhas desfrutavam de uma virtuosidade insuspeita, enquanto a caçula, Claudete, era uma puta. Professora por formação e rameira por vocação, era com ela que Romildo mais tinha afinidade. Talvez, por que ambos viviam uma vida dupla, a comportada e castradora em casa diante da família e, a libertinamente prazerosa nas ruas. Claudete era uma jovem opulenta, amojada como se diz por aquelas bandas, isto é, de seios grandes e ancas largas. Fazia a festa dos machos da vizinhança naquelas ladeiras históricas. No dia em que o pai a flagrou dentro de um fusca, de pernas abertas e a xana preenchida pela estrovenga do marido da vizinha, para os lados da Igreja de Nossa Senhora da Boa Hora, cobriu-a de porradas e, a expulsou de casa. Destemida, Claudete convidou o priminho afeminado, que àquelas alturas já alcançara a maioridade, a se mudar para “Sun Paulo”, paraíso progressista onde não haveriam de ser tolhidos por gente tão atrasada e carola quanto nesses domínios coronelistas. Prepararam tudo em surdina. Romildo e ela se encontraram na casa de uma amiga dela, numa noite de garoa fina. Com as passagens de ônibus nas mãos, o rapaz se desvencilhou de suas roupas discretas, verdadeiros grilhões que o aprisionavam a uma vida que ele não desejava e, vestiu uma camiseta justa cheia de apliques, uma calça de cintura baixa, apertada nas perninhas secas e na bunda empinada, que não permitiam que nem mesmo uma folha de papel pudesse ser interposta entre a pele e o tecido e, um lencinho vermelho amarrado ao pescoço fino. Escafederam-se sem deixar rastro.