Por que eu quem ia se dar mal nessa história de casamento do meu amigo que tinha reaparecido na minha vida depois de anos? É, é uma confusão atrás de outra. Mas não física, e sim em minha cabeça, no meu mundo. As coisas não eram tão fáceis e ali, naquele casamento, sentia um vazio, uma espécie de vácuo, não sei o que era de verdade, mas era ruim, era mal, nada se comparava aquela sensação estranha que me tinha tomado desvatadoramente.
Após o casamento, fomos para a festa, que ficava em um campo atrás da igreja. Tudo muito lindo por ali. Mesas decoradas, um canto só com rosas e outros tipos de flores, bebidas à vontade, muita comida e muita gente bonita reunida. Eu me sentia um cego em um tiroteio, pois eu tava tão perdido ali, sem conhecer ninguém, e o Ícaro nem me dava bola, o que era super aceitável. Depois de muito tempo parado olhando para as pessoas com cara de taxo, fui à mesa dos vinhos e me servi. Um homem se aproximou de mim e se serviu. Caralho... A partir dali, aquele casamento estava começando a valer a pena em minha vida (ou não). E enquanto eu me servia, ele não tirava os olhos de mim, e até falou.
– Esse vinho que você pegou não é tão bom quanto esse aqui... – estendeu a mão pra mim, dando-me um vinho.
– Valeu – falei recusando –, mas eu não vou tomar muita bebida hoje. Tô dirigindo.
– Compreensível. Amigo do noivo ou da noiva?
– O Ícaro é meu amigão, e a Nina tem sorte de ter um cara como ele. Você é amigo dele ou dela?
– Ela é minha prima. Não somos muito próximos, mas não deixa de ser.
– Você não parece estar muito satisfeito com tudo isso aqui...
– Só estou um pouco cansado. Trabalho duro, vim pra cá de avião e ainda não tive nem tempo de descansar. Muito corrida a minha vida.
– Compreensível.
Nós rimos. Pela primeira vez ali naquele lugar, eu estava sentindo alguma coisa que não era aquela sensação ruim.
– E seu nome?
– Théo.
– Prazer, Loai. – e estendeu a mão pra eu apertar.
– Loai... Que nome bacana. Diferente também. – apertei.
– É um nome norte-americano. Eu a Nina nascemos lá...
Engatamos num papo bem legal. Ficamos muito tempo nos falando ali, e o Loai era legal demais. Alto, moreno, barba por fazer, 29 anos, cabelo liso e pequeno, lindo mesmo, pouco másculo. Suas características me chamavam atenção, e o seu papo também, mas aquilo se acabou. O Ícaro chegou ali perto e expulsou o Loai dali, a gritos e a quase porrada.
– Sai fora daqui, seu bicho. Vai embora, animal.
Loai saiu assustado. Eu fiquei mais ainda.
– Mano, cê tá louco? Você tá conversando com viado agora? – ele falou com ódio mesmo.
– Louco tá você, irmão. O que te deu pra tratar o cara assim?
– Ele é viado, Théo. Curte dar a bunda. Você tá louco de falar com cara assim? Nem queria que ele viesse pra cá hoje.
– Ícaro, deixa de ser preconceituoso, mano. O que você fez foi errado. Coitado do cara. Quase que cê dava nele, porra.
– Coitado é o meu pau, seu otário. Tá defendendo viado agora? Porra, Théo, logo você. É foda.
– Acho melhor eu ir embora daqui. Quando você tiver melhor, a gente conversa melhor, beleza?
Saí dali amuado e ele nem pediu pra eu ficar. Me afastei muito dali e me isolei num canto. Observei toda a festa de longe. Loai chegou e sentou do meu lado.
– Você tá bem, cara? – ele perguntou.
– Tô, mano. E você, em?
– Tô bem também. Nem ligo mais pro Ícaro. Ele é assim faz um tempo.
– Você faz bem em não ligar. Ele é muito sem sentido, eu em.
– Ainda bem que existe caras com bom senso e sem preconceito hoje em dia. Você é um deles.
– Não tem nem como eu ter preconceito contra mim mesmo.
– O quê? Cê também\
– (o cortei) Sim, mano, também sou gay, mas ninguém sabe disso. O Ícaro é como um irmão, mas nunca contei pra ele e você já deve saber qual é esse meu motivo.
– Eu fiquei mais feliz em saber disso. Agora sim.
Mais papo pra gente. O Loai era um cara super de boa, bacana, gentil demais. Alguma coisa também me dizia que não daria certo com ele, e eu queria e não queria tentar.
Foi se passando o tempo e já estava um pouco tarde. Esse foi o momento certo da nossa aproximação (ou não).
– E aí, tá ficando tarde... cê quer ir pra outro lugar?
– Se eu quero ir pra outro lugar? – retruquei.
– Você não gostaria de ir pra um lugar mais aconchegante? Ou uma balada, ou um barzinho... A gente podia conversar mais.
– Claro, quando você quiser, mas não hoje.
Me fiz de difícil, pois resolvi seguir as minhas intuições. Ele me entendeu e não tirou o sorriso do rosto. Estendeu-me sua mão e me deu um cartão com o número do telefone dele. Me pediu pra eu lhe ligar. Ele me deu um beijo na testa e saiu de perto de mim. Nossa, que coisa boa.
Esperei umas horas sentado ali e fui falar com os noivos, mas não os alcancei. Fui pra minha casa e não parava de pensar no Ícaro dizendo “sim” pro padre e olhando pra mim logo em seguida. Mano, eu perdi a chance de ter o Ícaro por uma noite, ou por algum momento, sei lá. Eu tinha perdido a chance de tê-lo em mãos, ou a chance de tentar fazer isso com ele. O cara era preconceituoso todo, mas isso me excitava de um jeito espantoso. O seu corpo era a chave mestre pra abrir um coração cheio de amor pra dar, e para abrir um corpo com muito caminho a explorar e cheio de tesão, que era o meu. Eu sentia que, algum dia, o Ícaro iria falar comigo sem aquele seu ódio, mas enquanto isso não acontecia, eu me divertia com o primo da sua mulher.
Depois que aquele casamento passou, não tive muitas notícias boas do casal. Em um mês de casados, eles já tinham brigado muito, e a Nina sempre me ligava pra contar essas coisas – sim, ela achava que eu era um conselheiro amoroso – e eu ficava de mãos atadas.
Uma coisa boa que aconteceu naquele mês foi o Loai, que, mesmo longe, era um prazer conversar com ele. Como ele morava em outro estado, era difícil o nosso contato pessoal, mas marcamos para ele vir pra cá pro RJ, com a desculpa de visitar a Nina. Foi aí que a minha desabou de uma vez. Mas foi uma derrapada boa e ao mesmo tempo horrível. Os ventos mostraram que não estavam ao meu favor, mas Deus, ao mesmo tempo do sofrimento, me mandou uma alegria imensa. Nunca perdi a fé em relação a determinados assuntos, e Ícaro, porém, era um deles.
Eu estava prestes a realizar uns sonhos pendentes e não sabia. Não sabia, inclusive, que para realizá-los, eu teria que sofrer bastante, bastante mesmo. Minha vida estava mudando.