Umas perguntas surgiam em minha mente. Perguntas do tipo “por que você não bateu nele ou se defendeu?” “por que você vacilou desse jeito, Théo?”... E isso ficava se repetindo, e se repetindo... Eu já não agüentava mais, mas eu teria que conviver com aquela culpa pra sempre.
Quando acordei naquela maca, senti tudo doendo em meu corpo. Escutei uma confusão vinda do corredor. Era a voz do Dan discutindo com o médico. Eram palavras, mais ou menos, assim: “eu quero entrar – Dan gritava com ele” “mas você não pode entrar, ele tá em\”... O Dan entrou no meu quarto e eu logo me assustei. Ele ficou me olhando muito e sua respiração foi ficando forte. Lagrimas escorriam em seus olhos. O médico entrou depois dele e tomou um susto.
– Théo... Você tá acordado! – falou o médico.
– Já que ele tá acordado, me deixa conversar com ele. Por favor.
O médico me olhou, olhou pro Dan, ficou sem saber o que fazer. Eu balancei a minha cabeça lentamente e positivamente e o médico nos deixou a sós. Dan fechou a porta e me deu um abraço, sem dizer nenhuma palavra. Aquele tinha sido o abraço mais gostoso de toda a minha vida. Ele chorou muito.
– Cara... Olha só pra você...
– Não queria que ninguém me visse assim. Tô horrível.
– Mesmo com todos esses curativos, você continua lindo. Muito lindo.
– Eu não lembro de muita coisa da ontem... Você sabe o que aconteceu? Como eu cheguei até aqui?
– Quando eu cheguei no seu apartamento, você estava no chão, cheio de sangue, todo vermelho. Eu me espantei.
– Não tinha ninguém lá comigo?
– Não. Eu fiquei tão espantado... Pensei que você tivesse morrido! Eu levei você até o meu carro e te trouxe pra cá. Tô na recepção desde ontem te esperando acordar... E ainda bem que você acordou.
– Meu Deus! Me perdoa, mano. Me perdoa, me perdoa. Por favor. Eu não queria te dar esse tipo de dor de cabeça, Dan.
– Você tá louco? Que tipo de problema você me deu? Você só me deu preocupação, mano, mas tudo valeu à pena, você tá bem.
– Muito obrigado por tudo, cara...
– Não precisa me agradecer, Théo. Só quero que você me diga quem foi que fez isso com você. Me fala.
– Por que você quer saber?
– Eu quero te ajudar. Essa pessoa tem que ser presa, ou levar uma surra pra aprender. Me fala, cara.
– Dan, é melhor deixar isso pra lá...
– Não cara. Olha pra você. Você tá todo arrebentado, mano. Você é louco em querer deixar isso pra la?
– Eu posso resolver isso. Digamos que quem fez isso comigo é meu amigo.
– Amigo? Imagina se ele fosse seu inimigo?!
– Eu sei o que eu tô fazendo, Dan. Eu posso resolver isso.
– Qual foi o motivo disso tudo, Théo?
– Esse meu amigo é homofóbico. Ele meio que descobriu que eu sou gay.
– E como isso aconteceu? Não vai me dizer que foi por minha causa... Théo, por favor, me fala quem é esse doido. Por favor!
– Dan, eu te agradeço por te feito isso tudo por mim, te agradeço do fundo do meu coração, mas eu quero muito poder ter uma conversa com ele, e sozinho. Não quero que nada de ruim aconteça com ele.
– Como você pode pensar assim? Eu te ajudei e quero te ajudar ainda mais, Théo. Se você me falar quem foi esse cara, eu\
– (cortei) Dan, me desculpa, mas não fazer isso. Os meus problemas eu posso resolver sem violência. Quero reencontrá-lo e fazer o que eu quero fazer. Não quero colocar ninguém na cadeia ou algo assim.
– Tá bom, então. Tudo bem! Não posso te obrigar a nada, mesmo. Fica bem, e que você tenha uma ótima recuperação.
Ele saiu do quarto. Tentei chamá-lo, mas ele nem olhou pra trás. Mano, eu não sabia se tinha feito o certo ou errado, era como uma dúvida que nunca ia se acabar dentro de mim. Posso até estar exagerando, mas é que o Ícaro era especial pra mim, não queria que ele fosse preso, ou que o Dan batesse nele. Como já falei pra vocês, o Dan era másculo, forte, e se ele pegasse o Ícaro numa briga... Coitado do Ícaro. Mas será mesmo que ele podia ser chamado de coitado? O que ele tinha feito comigo e com a esposa dele merecia um perdão? Por mim, sim. Entendi que aquele tinha sido um momento de fraqueza dele. Mas cara, como pude ter sido tão besta pra pensar assim? Sim, pensei que tivesse sido um momento de fraqueza e que ele merecia perdão, mas fui a pessoa mais idiota do mundo. Ah, como eu me arrependo por não ter tido outro pensamento que não fosse aquele... Besta. Era isso o que era. Besta.
Depois de dois longos dias internado naquele hospital, o medico chegou em mim e me disse que eu estava livre. Soou como música.
Eu ainda sentia dor, porém era coisa aceitável, só doía mesmo quando eu mexia muito as costas, mas ele disse que em três ou quatro dias eu estaria novinho em folha. Acreditei nele. Já em casa, sofria um perrengue para fazer certas coisas, então eu decidi ficar la na minha cama, deitado, só vendo filme. Aproveitei bem o clima, pois tava em época de chuva.
Dormi. Os filmes não estavam bons e eu acabei dormindo. Tive um sonho estranho, até: O Dan estava na minha cama, comigo, a gente tava trocando carícias e o Ícaro entrava no quarto e me batia mais, enquanto o Dan só observava. Porra, que coisa horrível era aquela? Eu me acordei assustado, muito assustado e senti muita dor nas costas. Fiquei deitado mais um pouco e a dor estava se estabilizando. Me levantei devagar e fui até a cozinha. Bebi água e fiquei ali pensando na minha vida. Percebi que a porta da varanda estava aberta e que a chuva tinha parado. Fui até e lá e me apoiei na coluna. O vento era frio, muito frio, e fazia mais frio ainda pelo fato de eu estar apenas com um calção de jogo de futebol, sem camisa, sem nada. Reparei uma coisa estranha quando olhei lá pra baixo: havia um carro parado do outro lado do meu prédio. Como era fechado o condomínio, os prédios e as casas ficavam apenas de um lado até o final e do outro lado era apenas o parque, a piscina, a sauna, a academia, essas coisas. E lá tinha um carro parado, e ele estava ligado. O que mais me deixava intrigado era o fato do carro ser igual ao do Dan. Fiquei olhando muito e não conseguia parar de assimilar aquele carro ao carro do Dan.
A chuva voltou, e voltou com força. Queria ficar ali olhando, mas não queria ficar sentindo dores e gripado. Entrei e fechei a porta da varanda. Ainda tinha conseguido me molhar. Enxuguei-me com a toalha e me deitei novamente. Em dois minutos, escutei algumas batidas à porta. Ainda com dificuldades, me levantei e fui abrir. O Dan não falou nada e apenas me abraçou. Era incrível como aquele cara conseguia ficar mais lindo a cada dia que se passava. A sensação da sua barba encostando-se a meu pescoço era deliciosa, e sua respiração em meu ouvido me deixava em delírios, o seu cheiro também era motivo de tesão. O silêncio predominou naquele momento, pois o abraço era a coisa mais deliciosa e apropriada. Ele quebrou isso com vários pedidos de desculpas.
– (sussurrava) Me desculpa, me desculpa mesmo, Théo. Me desculpa me meter em seus assuntos, tá? Me desculpa. Eu não conseguia falar com você, então eu tive que vir até aqui...
– Fica tranquilo, Dan.
E o abraço ficou mais forte. Ele olhou pra mim com um olhar de tesão, com um olhar apaixonado. Ele deu um beijo em minha testa e me abraçou novamente. Tomei uma iniciativa: puxei sua cabeça e lhe dei um beijasso. Não sei de onde veio coragem de fazer isso, mas eu achei que não fosse questão de coragem, e sim questão de vontade mesmo.
Desde que o Dan tinha passado a mão na minha mão naquele bar, eu estava com vontade de tê-lo só pra mim, de tê-lo em minha cama. Eu queria poder transar com ele de verdade, e não só uma pegação num banheiro público. Queria poder experimentar coisas com ele, fazê-lo descobrir muita coisa do sexo gay, e que nós pudéssemos aprender várias coisas juntos. E aquele beijo foi o ponta-pé inicial pra tudo isso.
Os lábios do Dan eram ótimos para beijar. Carnudos, quentes, fazia bem os movimentos... O cheiro dele tinha se concentrado no meu nariz e era um prazer a cada respirada minha. Suas mãos foram passeando pela minha nuca, pelas minhas costas, enquanto as minhas estavam apenas em sua bochecha, alisando sua orelha e sua barba. Aquele beijo foi demorado, foi carnal, foi espiritual. Nunca tinha sentido nada como aquilo. E tudo ali foi ficando quente. Senti sua ereção e ele segurou firme no meu bumbum e me apertou contra ele. Ele fazia movimentos contra mim e seu pênis duro se contraía com a minha barriga – ele era mais alto que eu – e aquela sensação era esplêndida. O seu pau pulsava na minha barriga e ele me beijava mais, e mais, e mais. Minhas mãos passearam pelo seu cabelo e ele beijou meu pescoço, mordeu minha orelha. Tirei seu casaco e o clima esquentou mais.
Eu não sabia o que ia rolar, mas tava tudo muito bom. E o Ícaro? O que ia rolar com ele? O que eu sentia por ele, afinal?