A semana mal havia começado e aquele sentimento de cansaço em ter de enfrentar mais uma semana de trabalho já tomava conta de mim. Havia poucas horas que havia chegado a minha sala e começado a redigir algumas ATAS de umas reuniões extraordinárias que tinham acontecido durante a semana passada e deveria entregar o mais rápido possível a minha coordenadora.
— As ATAS estão prontas, Fernando? — Pergunta minha coordenadora que havia chegado tão cautelosamente que eu não tinha a escutado.
— Ainda estou terminando, Doutora Gertrudes. — Tinha que chama-la de doutora mesmo não tendo doutorado algum, apenas por ser uma médica que coordenava um dos setores da secretaria de saúde do município e ter de respeita-la por ser minha coordenadora, e por educação também.
— Foram muitas reuniões, né? E você terá que terminar depois. Haverá uma reunião daqui algumas horas num dos postos de saúde do município, o prefeito irá estar presente e ele precisa dos registros da reunião, entretanto sua secretária está de atestado e não poderá ir. Pediu para que a secretaria de saúde disponibiliza-se um secretário para redigir o relatório da reunião e terás que ir. — Ela falou ligando seu computador e pegando diversas receitas médicas e analisando-as com seus óculos que caiam sobre seu nariz.
Vida de funcionário público é desse jeito, nada fixo. Ter de realizar seu trabalho, mas ter também que tapar o buraco dos outros. Continuava a redigir as ATAS até dar a hora de ter de ir para a reunião. Eu até gostava de ter essa aproximação com o prefeito, além de fazer networking poderia contemplar aquele pedaço de mau caminho. As horas passaram e até foram produtivas, já quase terminando a última ATA, Doutora Gertrude chama minha atenção:
— Fernando, o carro está lá fora esperando você para leva-lo até o posto de saúde. — No mesmo instante eu organizei minha mesa e me dirigi até o estacionamento para pegar o carro que me levaria até o posto de saúde.
Seu Antônio era um motorista muito gente fina, engraçado e eu adorava ouvir seus causos, a ida até o posto de saúde tronava-se, então, muito divertida. Dentro de uns minutos havíamos chegado. Ao descer já avisto o Prefeito Roberto cumprimentando a população que insistia em pedir emprego, remédios, e as mais diversas regalias. Entro no local e já me sento pegando um caderninho para anotar tudo. Até que sinto aquele perfume amadeirado perto de mim e uma sombra cobrindo o feixe de luz que brilhava em minha direção.
— Fernando, veio me salvar. — Afirmava o Prefeito Roberto com todo seu porte colossal, com um belo sorriso de canto de boca, estendendo a mão para mim e olhando em meus olhos.
— Sim, Sr. Roberto, vim assim que soube da informação. — Menti para me passar de funcionário prestativo. Estendi minha mão e toquei sua mão grande, firme e forte que tocava a minha. Seus olhos fixos nos meus me deixavam um pouco encabulado, seu aperto de mão demorado de mais me causava um desconforto.
— Estou cuidando para que seja transferido urgentemente para trabalhar diretamente na prefeitura — Ele fala isso soltando minha mão, mas sem desafixar seus olhos dos meus.
E mais uma vez o prefeito toca no mesmo assunto de quando me via: mudar-me da secretaria de saúde para trabalhar diretamente na prefeitura. Eu até gostava dessa ideia, pois iria trabalhar com gente de cargos maiores, só não atendia o porquê de tamanha vontade em me ter na prefeitura, não que eu fosse um mau funcionário, muito pelo contrário, mas na prefeitura deveria ter pessoas bem mais preparadas. Eu apenas sorria encabulado olhando em seus olhos e tentava responder o mais tranquilo possível:
— Estou esperando essa mudança, e espero mais ainda ter um salário tão bom quanto aos colaboradores da prefeitura. — Eu falo num tom brincalhão, até para tentar arrancar algum sorriso daquele rosto sério.
— Terás um salário equivalente, com certeza. — Ele diz isso com um belo sorriso, se despedindo com um aceno de cabeça e indo até um rapaz que ficava responsável por passar os slides da apresentação que iria mostrar a população.
A reunião foi entediante, como a maioria de todas as reuniões, consegui me concentrar e anotar tudo da forma mais clara e objetiva, mesmo tendo que ver os olhos do prefeito que mesmo durante sua apresentação, vez ou outra fixava em mim. Ao terminar os slides, Roberto se despedia de todos, falava ainda com algumas pessoas, e até posava pra algumas fotos, eu até ria daquilo enquanto organizava algumas coisas. Mais uma vez sinto aquele perfume perto de mim.
— Irá almoçar comigo hoje, mande o motorista que lhe trouxe lhe levar neste endereço. — Me entregou um papel com um endereço, deu um pequeno sorriso e saiu.
Eu entendo que ele é o poder máximo que havia naquele município, mas seu tom de ordem foi tamanho que não me atreveria em desobedecer. Continuei a pensar no tom de suas palavras e na forma como ele as disse para mim, sem me dar alternativa, sem me perguntar se iria almoçar com alguém, ou até mesmo se tinha algum trabalho pendente para fazer. Eu apenas mandei uma mensagem para minha coordenadora afirmando que não iria almoçar com ela, e que no período da tarde voltaria para terminar a última ATA.
— Seu Antônio, preciso que me leve neste endereço. — Entreguei o papel para o motorista que foi dirigindo, continuando seus causos e me fazendo rir na maioria deles.
O endereço era distante, comparado aos restaurantes que havia nas redondezas. Depois de um tempo Antônio me deixa no endereço escrito, e parte, dizendo que outra pessoa viria me buscar, pois ele estaria no seu momento de almoço. Despedi-me dele e desejei que o próximo motorista fosse tão engraçado quanto ele. Entro no restaurante, que, diga-se de passagem, era muito bonito, e logo avisto o Prefeito que não parava de digitar no teclado de seu celular. Sigo até sua mesa, até chegar e ser recebido com um belo sorriso.