Ao encontra-lo sentado na mesa me direcionei até ele, que não parava um segundo sequer de digitar no teclado de seu telefone. Ao chegar à mesa, ele ergue sua cabeça e me vê. A feição séria que insistia em permanecer em sua face dá lugar a um pequeno sorriso. Vê-lo sorrir me deixava contente, pois sempre o via com a cara fechada. Sorrio retribuindo e ele se levanta, guardando o telefone e estendendo sua mão pra mim. Prontamente eu toco a sua mão, e sinto mais uma vez, no mesmo dia, sua mão forte e seus olhos fixos nos meus.
— Que bom que não demorou, não gosto de esperar. — Ele fala no mesmo tom de ordem que usava comigo.
— Agradeça aos motoristas da prefeitura, são bem responsáveis. — Eu me sento e ele senta logo em seguida.
O garçom chega com dois cardápios e um vinho, que acho que ele já deveria ter pedido. Não entendia o porquê da distância do restaurante, sabendo que existiam restaurantes tão bons quanto ao que estávamos sendo mais próximos a prefeitura. Ele analisa o cardápio, em silêncio, sério, e eu não conseguia olhar nem mesmo para os primeiros pratos, só conseguia olhar para o prefeito em minha frente, almoçando comigo, e não conseguia compreender aquele almoço repentino.
Roberto chama o garçom que estava nos atendendo, e faz o pedido, o dele e o meu. Como assim ele havia feito meu pedido? Tudo bem que o salário dele é quinze vezes maior que o meu, mas não entendi a petulância em fazer meu pedido sem ao menos ter me consultado. Sem me deixar relutar com aquela ação, ele entrega os dois cardápios ao garçom, que sai logo em seguida.
— Espero que goste de fettuccine — Ele fala pra mim, olhando em meus olhos. Sem permitir que eu fale alguma coisa sobre gostar ou não ele continua: — Deve estar se perguntando o porquê desse almoço sem mais nem menos, mas como eu sempre falava para você, quero você trabalhando diretamente na prefeitura, e trouxe os papeis de sua mudança de cargo, preciso que assine. —
Ele põe em cima da mesa alguns papeis, com alguns textos daqueles que ninguém lê e apenas assina confiando na honestidade alheia. Eu seguro os papeis e corro meus olhos por aquele monte de letras e parágrafos e incisos que mal tinha lido os tópicos e já começava a me dar uma preguiça imensa.
— Tudo bem, eu sei que você sempre falava em me lotar diretamente na prefeitura, a Priore eu achava que era apenas brincadeira, depois passei a acreditar, só não entendo muito o motivo dessa vontade em me transferir pra lá. E, mais uma coisa, você não contou um segundo sequer na minha vontade de ir ou não trabalhar lá. —
Ele me olhou com um olhar estranho, pesado, mais sério do que o normal. Por um segundo eu me arrependi de ter falado aquilo. Seu porte sério me deixou envergonhado, e totalmente arrependido de ter levantado a hipótese em negar aquela transferência de emprego.
— Não, eu não contei com sua vontade da transferência, pois pra mim, não há essa hipótese. Eu quero a mudança, e já comuniquei a sua coordenadora que a partir de amanhã você já estará lotado na prefeitura, esses papeis são apenas para mudança de salários, formalizar cargo e toda essa papelada de contratação. Preciso que assine, de preferência antes que o garçom nos sirva o almoço. —
Eu estava de boca aberta com tamanha petulância, eu entendo, mais uma vez lembrei que ele era o prefeito, e que aquilo seria bom pra mim, mas seu tom de ordem sempre me deixava incomodado, suas palavras saindo como ordem me afetavam de uma maneira que eu ainda não compreendia.
— Eu vou levar esses papeis pra ler com calma, vou ler direitinho tudo que me caberá ao cargo, e amanhã darei a resposta. — Resolvi então mostrar que não seria tão fácil como ele planejava que fosse.
Observei ele fechar a mão e apertar com força, como se fosse dar-me um soco a qualquer momento, sua mão que estava em cima da mesa sobressaltava as veias e eu vi que ele estava realmente apertando forte, depois de um pequeno tempo eu o senti relaxar e dar um longo suspiro, e de olhos fechados ele falou tentando transparecer calma:
— Você poderia apenas aceitar e assinar logo de uma vez, sem ter de demorar tanto para resolver isso. —
— Não irei demorar tanto assim, amanhã terá a resposta. —
Antes que ele pudesse replicar a minha fala o garçom chega com os pratos, rapidamente eu pego os papeis e ponho de lado, deixando que ele servisse nosso almoço. O prato estava delicioso, comemos em silêncio, mas seus olhos continuavam em mim, como se fosse uma flecha que penetrasse até minha alma, o silêncio que permanecia no almoço deixavam o ambiente ainda mais tenso. Depois de um tempo terminamos o almoço, e eu fiquei esperando que ele chamasse o garçom para pedir a conta, não que eu quisesse que ele pagasse a conta, o que seria ótimo, diga-se de passagem, mas esperei por ele já que foi ele quem realizou o pedido, e não o deixaria pagar o meu por puro orgulho mesmo.
O Prefeito me olha, e sério, com seus olhos fixos nos meus chama a minha atenção:
— Podemos ir? Não precisará ir com o transporte da secretaria de saúde, eu lhe levarei até lá, e espero que pense de uma forma bem positiva na sua transferência de cargo durante sua tarde. —
Não entendi, mais uma vez, aquela forma repentina de ir embora. Iríamos sair sem pagar? Bom, resolvi confiar que de alguma forma tudo estava sobre controle e me levantei para segui-lo até seu carro, ele se levantou logo em seguida e caminhava atrás de mim, podia sentir sua respiração quente de tão perto que ele estava. Que dia era aquele? Primeiro um almoço com o prefeito, mudança de cargo e agora uma carona de volta ao trabalho tendo como motorista o próprio prefeito. Ao chegarmos a seu carro, ele destravou o carro e entramos naquele luxuoso automóvel, ele dirigia em silêncio, ele olhava atencioso para a estrada, acredito que, como eu, ele estava incomodado com o silêncio e resolveu ligar o som, tocava uma música parecida com rock, algo desconhecido para mim.
Depois de dirigir por tantos minutos ele estaciona em frente ao prédio que até hoje seria o prédio em que eu trabalhava. Ele destrava o carro e mais uma vez fala como se tentasse se controlar e permanecer calmo:
— Aguardo sua visita amanhã em meu gabinete, às nove horas da manhã, e espero imensamente que chegue com esses papeis assinados. Tenha uma ótima tarde de trabalho. —
Ele fixa seus olhos mais uma vez em mim, acreditando que esperando alguma palavra minha para se despedir.
— Estarei em seu gabinete Senhor Prefeito, amanhã no horário combinado. — Ele não me respondeu mais nada, eu sai de seu carro e mesmo de costas sentia que ele estava me olhando, o carro permaneceu parado até que eu entrasse no prédio.
Agora, além de ter de entregar umas últimas ATAS que restavam para eu redigir, tinha aqueles papeis para assinar e dar uma reviravolta em minha vida. A tarde passou voando, não vi minha coordenadora naquela tarde, confiei nas palavras do Prefeito que diziam que Doutora Gertrudes já estava avisada. Deixei todas as ATAS em sua mesa e sai em direção a minha casa pensar em tudo que havia acontecido naquele dia e não conseguia entender a obsessão do Prefeito em ter-me trabalhando na prefeitura, apenas sabia que a partir de amanhã teria um novo trabalho, novos deveres e, claro, um bom novo salário. Sim, eu aceitaria a mudança de cargo e passaria a trabalhar diretamente com o Prefeito.