Pai e mãe,
Estou tão constrangido. Fiz muitas coisas em Manaus que não sei se teria coragem de contar para vocês, mas se vocês estiverem vendo tudo peço desculpa. Sou jovem e tenho que aprender muita coisa ainda.
***
Lá estávamos nós. No caso, o Léo e eu, no quartinho da casa da tia dele. O calor de Manaus estava tão intenso que parecia queimar até o meu estômago. O suor escorria pelo meu corpo, mas isso não parecia incomodar Léo. Pelo contrário, ele adorava. Beijava cada centímetro da minha pele com desejo, enquanto suas mãos exploravam o meu corpo com uma confiança invejável. Infelizmente, o tempo era nosso maior inimigo.
Léo tinha esse dom de me deixar sem forças. A segunda vez foi ainda melhor que a primeira, sem sombra de dúvidas. Era difícil acreditar que eu estava ali, transando novamente com o mesmo cara — e que cara! Um verdadeiro deus grego.
— Tá gostando? — perguntou ele, puxando de leve meu cabelo.
— Sim. — respondi, a voz carregada de prazer.
— Você é muito lindo. — ele sussurrou antes de deixar um beijo quente no meu pescoço.
Uau. Pela primeira vez alguém me chamou de lindo. Meu coração disparou de um jeito que eu tinha certeza de que dava para ouvir. Aquele momento estava sendo mágico. A gente se entregou por completo, e o que aconteceu ali foi pura loucura. Quando terminamos, precisei de um instante para recuperar o fôlego, pois o mundo girava sem parar. Léo, no entanto, vestiu a sunga, descartou o preservativo no lixo e saiu como se nada tivesse acontecido.
— Ok, Yuri. Respira. Finge costume. — murmurei para mim mesmo antes de sair.
Enquanto isso, a vida amorosa da família Cervatti ia de vento em popa. No escritório da tia Olívia, mais uma vez Orlando fazia uma visita. Ele era um verdadeiro cavalheiro e sabia exatamente como conquistar uma mulher. Carlos, o estagiário da minha tia, se mordia de ciúmes. Ele não tinha coragem de se declarar e sofria calado. Bem-vindo ao clube, Carlos. Bem-vindo ao clube.
— Carlos, pode pegar um café para o Juiz Silveira, por favor? — pediu tia Olívia.
— Claro. — ele respondeu, saindo rapidamente.
— Desde a sua festa de aniversário, não nos vimos mais. — comentou Orlando, acomodando-se na cadeira com um sorriso charmoso.
— Você sabe como é... Vida de advogada não é fácil. — desconversou tia Olívia, visivelmente nervosa.
— Olivia, somos adultos e responsáveis pelos nossos atos. Sinceramente... — ele segurou a mão dela com firmeza. — Eu faria tudo de novo. Mas, desta vez, te levaria para um outro lugar.
Carlos voltou com duas xícaras de café, mas, ao ver Orlando segurando a mão da chefe, tropeçou de propósito, derramando o líquido quente no juiz.
— Nossa! Desculpa! — disse ele, forçando um olhar arrependido.
— Tudo bem. Onde fica o banheiro? — perguntou Orlando, levantando-se com cautela para não se queimar mais.
— Nossa, Carlos! Você precisa ter mais cuidado! Orlando, venha, eu te levo até o banheiro. — disse tia Olívia, saindo com ele.
Assim que eles desapareceram no corredor, Carlos murmurou com um sorriso malicioso:
— Um a um. Essa branquinha é minha.
Na piscina, minha irmã Giovanna me procurava. Perguntou para alguns amigos, mas ninguém sabia onde eu estava. Zedu, sempre solícito, se ofereceu para ajudar na busca. Ele vasculhou a casa inteira, mas não encontrou vestígio de mim.
A verdade? Eu estava no banheiro, desesperado. Léo tinha sido um pouco mais selvagem dessa vez, e eu acabei me machucando. Para piorar, meu calção era amarelo, e um pouco de sangue manchou a parte de trás. Lavei freneticamente, esfregando o tecido como se minha vida dependesse disso. O suor escorria pelo meu rosto, e eu parecia um chafariz humano.
Três batidas na porta.
— Não tem ninguém! — gritei, instintivamente.
Que merda, Yuri! Não podia ser mais burro?
— Yuri? É o Zedu. Tá tudo bem? — ele perguntou.
— Sim! Ótimo! — falei, sem parar de esfregar o calção.
— Tem certeza? Todo mundo tá te procurando.
A mancha finalmente sumiu. Respirei fundo, vesti o calção e abri a porta. Meu rosto estava molhado de suor e eu estava visivelmente desconfortável. Tentei parecer natural, mas sou um péssimo ator. Esse talento quem herdou foi a Giovanna.
Zedu estava parado ali, de costas, e que visão! Suas pernas eram musculosas e cobertas por uma camada sutil de pelos. No lado direito das costas, uma cicatriz discreta chamava minha atenção.
— Ei, estranho. — chamei.
Ele se virou, me analisando.
— Tá tudo bem mesmo? Vi você com o Léo. Achei que ele estava te incomodando. — ele disse, enxugando o suor da minha testa com a mão.
— Tô bem. O Léo não fez nada. — garanti.
— Você sabe que somos amigos, né? Se alguém mexer com você...
— José Eduardo! Tá tudo bem, sério. — interrompi, apertando seu ombro com firmeza.
Voltamos para a piscina e, ao chegar, vi todos olhando para cima. Franzi a testa. Será que um avião passou? Ou um drone? Mas, ao seguir o olhar da Giovanna, entendi tudo.
Richard, meu irmão caçula, estava no telhado da casa. Antes que eu pudesse reagir, ele se jogou direto na piscina. Fiquei possesso. Entrei na água e o repreendi na frente de todo mundo. Pronto, ele conseguiu estragar meu dia perfeito.
Sentindo o climão, meus amigos começaram a contar suas maiores loucuras. Brutus relembrou o dia em que invadiram uma casa à venda só para nadar na piscina. Ramona gargalhava ao lembrar que, na fuga, sua calça ficou presa na grade do muro e tiveram que pedir ajuda.
— Aquele muro destruiu meu look. — lamentou ela.
— Ramona, você pular um muro é tão improvável quanto o Richard se comportar. Simplesmente não existe. — provocou Brutus, jogando água nela.
— Alguém viu o Yuri? — perguntou Letícia. — Ele sumiu depois de brigar com o Richard.
Zedu se ofereceu para me procurar novamente. Foi até a churrasqueira e cortou algumas fatias de carne. No caminho, viu Léo me abordando.
— Quer repetir a dose? Estou livre esses dias e muito afim. — Léo garantiu, piscando.
Aquilo me fez esquecer o drama com Richard. Meu dia voltou a ter um brilho especial.
Voltamos para casa mais tarde, e coloquei Richard de castigo. Depois, entrei na internet e pesquisei maneiras de apimentar uma transa. O que eu encontrei? Cada coisa... Me empolguei e até montei um kit caseiro de sedução. Escondi tudo no meu guarda-roupa.
***
Ao sair do escritório, minha tia percebeu que um dos pneus do carro estava furado. Inteligente e habilidosa em várias áreas, trocar pneus definitivamente não era seu forte. Pegou o estepe e passou um bom tempo tentando soltar os parafusos, sem sucesso.
Carlos, que passava de bicicleta, avistou a cena e parou para ajudar.
— Precisa de uma mão? — perguntou ele, encostando a bicicleta no carro.
— Um pouco — admitiu tia Olívia, chutando o pneu frustrada e ajeitando o cabelo.
— Vamos lá! — exclamou Carlos, fingindo animação e se agachando para trabalhar no pneu.
— Vamos... — murmurou titia, nervosa, ao notar como a roupa de ciclista dele destacava seu físico.
Enquanto Carlos fazia o serviço, minha tia contou sobre sua trajetória no Direito, a perda dos meus pais e sua vida como tia e mãe de um adolescente e duas crianças. Em vez de se assustar, Carlos parecia cada vez mais fascinado. E isso podia ser um problema no futuro.
Após alguns minutos e um dedo cortado, Carlos finalmente trocou o pneu. Tia Olívia ofereceu uma carona, mas ele recusou, preferindo seguir de bicicleta. Ela ficou balançada com a atitude do estagiário — e, em parte, por causa do físico dele, especialmente... a bunda. Depois dizem que só nós, gays, somos tarados.
Antes de voltar para casa, minha tia passou em um restaurante japonês e comprou nossa tradicional barca de sushi. De vez em quando, jantávamos juntos como uma verdadeira família, compartilhando o dia. Eu gostava disso, é claro que omiti alguns detalhes, como minha aventura no banheiro.
— Vocês passaram pouco protetor solar — reclamou tia Olívia, molhando um sushi de atum no shoyu.
— Desculpa, tia, o sol de Manaus é cruel — me defendi, porque, de fato, o sol de Manaus é cruel.
— Minha marca é proposital. Fiquei pegando um bronze. Afinal, essa é a única coisa positiva de morar aqui — Giovanna disse, mastigando uma folha de alface.
— Tia! Eu pulei do telhado na piscina! — Richard gritou animado, para meu desespero.
Felizmente, o comentário passou despercebido porque Alfredo mandou uma mensagem no celular dela.
Depois do jantar, fiquei responsável por jogar o lixo. Era o momento perfeito. Nunca torci tanto para minha família ir dormir. Assim que a casa ficou silenciosa, dei um jeito de levar Leonardo para o meu quarto. Sala? Ok. Escada? Ok. Corredor? Ok.
Parecíamos personagens de um filme de espionagem. Mal entramos e Léo já me puxou para um beijo. Escapei de seus braços por um instante, coloquei música para abafar qualquer som suspeito. Escolhi Oasis. "Supersonic" tocava quando meu celular começou a vibrar. Sem paciência para interrupções, joguei o aparelho dentro da gaveta.
Alerta de spoiler? Nada atrapalhou. Cada transa com o Léo era uma nova descoberta. Eu não sabia que meu corpo poderia ser tão flexível. Depois de algumas horas de beijos e carícias, o levei até a porta para nos despedirmos.
No dia seguinte, acordei feliz. Até me desesperar ao ver dois chupões no meu corpo. Graças a Deus, em lugares discretos. Enquanto isso, meus irmãos tentavam se virar na cozinha, deixando um rastro de bagunça. Não reclamei, só limpei e voltei a dormir. Ou melhor, hibernar.
O sono faz milagres pelo humor. Revigorado, decidi visitar Letícia, mas, na verdade, queria mesmo encontrar o Léo. Ao chegar, vi minha amiga praticando yoga na sala.
Ficamos conversando, e o papo fluía de forma natural. Letícia, além de linda e flexível, era divertida. O assunto logo chegou à família.
— Seus irmãos dão muito trabalho, né? — ela perguntou, tentando uma posição digna do "Exorcista", aquela cena icônica da protagonista descendo a escada de cabeça para baixo.
— Um pouco, mas consigo lidar. Você e o Léo parecem se dar bem, né? — perguntei, tentando saber mais sobre meu novo crush.
— Só parece. Ele é ridículo. Ainda bem que já foi. — jogou essa bomba na minha cara enquanto mudava de posição, agora plantando bananeira.
— Como assim, "já foi"? — levantei do sofá, sem me preocupar em disfarçar.
— Ele estuda em Santa Catarina. Mora com nossos avós.
Meu castelo de areia desmoronou. Como ele pôde ir embora sem me contar? Segurei o choro para Letícia não desconfiar, mas por dentro, eu estava despedaçado.
De repente, começou um temporal forte. Tentei correr para casa, mas me cansei rápido. Que ódio! Perdido nos meus pensamentos, tropecei na entrada. Quando olhei para o chão, congelei.
Zedu estava encharcado, tremendo.
Não foi um bom dia para mim e, claramente, também não para ele. O ajudei a se levantar e entramos. Havia um bilhete da tia Olívia dizendo que tinha saído para jantar com meus irmãos. Nem vi o tempo passar conversando com Letícia.
Peguei uma toalha e comecei a secar a cabeça de Zedu. Ele não falava, só chorava. Respeitei seu silêncio e esperei que se acalmasse.
— Tira essa camisa, Zedu. Você vai pegar um resfriado.
Sexo foi a última coisa que passou pela minha cabeça. O rosto dele estava molhado, mas não era só da chuva.
— Zedu... — abaixei ao lado dele, que estava sentado na minha cama. — Não quero ser intrometido, mas o que aconteceu?
— Minha avó faleceu hoje — ele revelou, a voz trêmula.
Explicou que os pais lhe deram a notícia quando voltou da festa. Tentou me ligar de madrugada, mas eu não atendi. Me senti péssimo.
— Desculpa, eu... eu estava resolvendo umas coisas... — balbuciei, segurando sua mão.
Zedu apenas assentiu, olhando para o chão. Me sentei ao lado dele e o puxei suavemente.
— Quer deitar um pouco?
Ele hesitou, mas acabou encostando a cabeça nas minhas pernas.
— Yuri... posso dormir aqui hoje?
— Claro, Zedu. Claro.
— Desculpa incomodar.
— Não se preocupe. Só avisa sua mãe, ela pode ficar preocupada.
Deitados um ao lado do outro, instintivamente, o abracei e afaguei seus cabelos. Ele não recuou. Só chorou mais um pouco, sentindo a dor do luto.
E eu, de alguma forma, só queria estar ali com ele.
***
Naquela manhã, um e-mail fez tia Olívia voar para a empresa. Os diretores estavam estudando maneiras de expandir os negócios e desejavam abrir uma filial na cidade de Parintins. Ela e Carlos passaram o dia inteiro viabilizando o projeto, analisando custos, possíveis locais e a logística da nova unidade. A sinergia entre os dois ajudou bastante e, em menos de duas horas, o documento inicial estava pronto.
— Acho que quero ir a Parintins. Preciso conhecer os sócios pessoalmente. Você pode falar com o pessoal do setor financeiro? — perguntou Olívia, enquanto revisava alguns números.
— Claro. Vou falar com a Silvana. Ela me deve uns favores — respondeu Carlos, anotando algo em sua caderneta. Ele hesitou por um momento e, com um sorriso de canto, acrescentou: — Ah, e por falar nisso, não tenho nada com a Silvana. Sou solteiro, na verdade, divorciado. Minha ex só não tirou meu couro.
— Ok. Obrigada pela informação. — Olívia respondeu, sem levantar os olhos do computador, enquanto enviava uma mensagem para mim. — Carlos, a avó de um colega do Yuri faleceu. Vou sair mais cedo. Por favor, cuide de toda essa viagem para Parintins e não esqueça de enviar os documentos.
— Claro, pode deixar comigo — afirmou Carlos, sorrindo.
Eu sou chorão por natureza, mas quando meus pais morreram, quase tive um colapso. Meus irmãos também sofreram muito, principalmente Giovanna, que era extremamente apegada à nossa mãe. Levamos bastante tempo para nos acostumar com a ausência deles. Eu precisei de anos de terapia, e ainda preciso. A dor não some, apenas ameniza.
Acordei assustado, com o coração disparado. Algum pesadelo que não me lembrava. Tentei me acalmar, respirando fundo. Olhei para o lado e percebi que Zedu já não estava mais na cama. Passei a noite inteira abraçando-o, dormimos assim, em uma conchinha estranha. Meu olhar percorreu o quarto até encontrar um bilhete sobre a escrivaninha.
"AMIGO, OBRIGADO POR TUDO. VOU AVISAR A TURMA SOBRE O VELÓRIO E ENTERRO DA MINHA AVÓ. DEPOIS TE LIGO. OBRIGADO MESMO. ZEDU."
Eu ainda estava destruído com a notícia da viagem de Leonardo. Ele não poderia ter feito aquilo comigo. Como teve coragem de partir sem me dizer nada? Chorei muito naquela tarde, um choro silencioso, daqueles que sufocam. Mas, ao mesmo tempo, pensei no Zedu. Eu já estive na posição dele. Perder alguém que a gente ama nunca é fácil. Quando tia Olívia chegou, nos levou para o local do velório.
Odeio velórios e funerais. Me trazem as piores lembranças. Aquele clima mórbido, a tristeza sufocante. A família de Zedu estava toda reunida. A cerimônia foi realizada na casa da tia dele, não muito longe da nossa. Naquela noite, conheci melhor a família do meu amigo: o pai, Ulisses; a mãe, Teodora; e os irmãos mais velhos, Fred e José Leonardo.
"Meus pêsames", "sinto muito pela sua perda", "seja forte", "não desista" ou "a vida é assim mesmo". Ouvi todas essas frases no velório dos meus pais. Engraçado como as palavras de solidariedade são sempre parecidas. É quase como uma obrigação social. Mas eu não falei nada quando abracei o Zedu. Acho que o abraço disse tudo.
Meus amigos chegaram logo depois e ajudamos no que pudemos. Servimos café aos convidados, organizamos as coroas de flores que chegavam, fomos comprar refrigerantes e auxiliamos em pequenas tarefas.
Brutus estava abalado. Ele era conhecido como "namorado" de Dona Hortência. Letícia assumiu a responsabilidade pela playlist da cerimônia, garantindo que as músicas escolhidas trouxessem conforto. Ramona apareceu com algumas pizzas que o pai dela comprou. Como é bom ter amigos, né? Pena que o Yuri de anos atrás não teve pessoas assim ao seu lado.
Minha tia e meus irmãos foram embora depois de algumas horas, mas decidi ficar com a turma. Conversamos sobre assuntos leves, tentando quebrar a tristeza do ambiente. Em alguns momentos, no entanto, nos calávamos para amparar algum parente que desmoronava diante da perda.
Só fui a dois velórios na minha vida: o dos meus pais e o de Dona Hortência. E uma coisa que percebi é que, quando o choque inicial passa, as histórias começam a surgir. Pequenas memórias, momentos engraçados ou curiosos, relatos que conseguem, por alguns instantes, aliviar a dor e acalentar os corações.
Em um dos quartos, encontrei Zedu chorando. Ele segurava algumas fotos da avó. Eram lembranças doces, agora transformadas em um consolo silencioso. Me aproximei e apertei seu ombro em um gesto de apoio.
— Eu pareço um idiota chorando, né? — ele perguntou, a voz embargada, sem conseguir conter as lágrimas.
— Não. Muito pelo contrário. Só mostra que você é humano — respondi, pegando uma das fotos de suas mãos. Observei a imagem com carinho antes de perguntar: — Vocês eram muito próximos?
— Sim. Ela morava conosco. — Zedu disse, ficando de pé, de frente para mim. — Ela que fazia o almoço, preparava nossas merendas da tarde... — lágrimas deslizavam por seu rosto. — Vou sentir muita falta dela.
— Eu sinto muito — disse, puxando-o para um abraço. Foi um abraço longo, acolhedor e carregado de sentimentos.
Fiquei sentindo sua respiração ofegante perto do meu ouvido. Naquele instante, ele se desarmou completamente em meus braços. Em menos de um mês, consegui ver várias facetas de José Eduardo. O vi no seu melhor momento e, também, no seu pior. Eu queria muito ter uma palavra mágica que pudesse espantar toda a dor, mas isso faz parte da vida. Isso faz parte de crescer.
Já estava há quase 24 horas sem dormir, mas o sono não vinha. A única coisa que eu queria era me manter ocupado, afastar a dor da partida de Leonardo. Acho que fui com muita sede ao pote. Claro que ele nunca ficaria com alguém como eu. Quem, em sã consciência, gostaria de namorar um gordo feio?
***
O Zedu conseguiu cochilar por algumas horas, mas logo cedo já estava de pé. O pastor da igreja de Dona Hortência havia chegado para dizer algumas palavras de conforto à família antes do cortejo seguir para o cemitério. Seria a primeira vez, desde a morte dos meus pais, que eu pisaria em um cemitério novamente. A simples ideia me causava um frio na espinha.
Tia Olívia, que havia conseguido uma licença temporária no trabalho, saiu conosco para o ponto de encontro. Os carros seguiam enfileirados, em um cortejo silencioso e respeitoso. O sol de Manaus, que costuma ser impiedoso, deu uma trégua naquele dia. Pequenos detalhes que, de alguma forma, tornavam tudo menos insuportável. O cemitério ficava um pouco distante, localizado próximo ao aeroporto. Ao chegarmos, descemos do carro e nos juntamos aos demais. Giovanna, sempre dramática, abriu um guarda-chuva rosa chiclete e colocou um óculos escuro tão grande que mal dava para ver seu rosto. Por um milagre divino, Richard se comportou, permanecendo em silêncio durante toda a caminhada.
Seguimos o cortejo em um ritmo lento, respeitando o espaço da família do Zedu, que caminhava à frente. Aquele ambiente, os cheiros, o murmúrio baixo das pessoas — tudo aquilo me trouxe uma sensação amarga e familiar. Era como reviver um pesadelo do qual nunca consegui me livrar. Lembrei-me do dia em que tive que enterrar meus pais. Tentei ser forte, mas foi impossível segurar as lágrimas. Ao meu lado, Letícia percebeu meu desconforto e repousou a cabeça sobre o meu ombro.
Era um gesto simples, mas poderoso. Um lembrete de que, por mais doloroso que fosse, eu não estava sozinho. Eu tinha amigos que se importavam comigo. Amigos que estavam ali para me apoiar, mesmo sem saber tudo o que se passava dentro de mim. Apesar disso, eu ainda escondia deles um pedaço importante da minha vida: o fato de ser gay.
Zedu aproximou-se do nosso grupo. Seu rosto estava marcado pelo cansaço e pela tristeza.
— Oi, gente… — Ele tentou dizer algo mais, mas sua voz falhou.
— Oi. — Respondemos juntos, cada um em um tom diferente.
Ele respirou fundo, mas não conseguiu segurar as lágrimas. Apenas nos olhou, o olhar carregado de dor.
— Ei, somos os teus amigos. Um por todos e todos por um. — Letícia disse, puxando Zedu para um abraço apertado.
— Conte com a gente sempre. — Brutus garantiu, envolvendo os dois em um abraço ainda maior.
— Eu também quero! — Ramona exclamou, correndo para se juntar ao grupo.
— Vem, Yuri! — Brutus chamou, estendendo a mão para mim.
Por um momento, senti o peito aquecer. Eu me sentia parte de algo, algo real e sincero. Não sabia que Manaus me traria tantas coisas boas. Mas, claro, nem tudo era perfeito. Ainda havia o Leonardo, que partira sem nem ao menos me avisar.
Depois do velório, cheguei em casa exausto. Tudo o que eu queria era um banho quente e um pouco de silêncio. Deixei minha playlist tocar aleatoriamente no notebook e me joguei na cama, ainda com os cabelos molhados.
Naquela noite, tive um sonho estranho. Sonhei que meus pais ainda estavam vivos. Mamãe preparava o café da manhã enquanto meu pai lia o jornal. Giovanna e Richard brigavam por alguma besteira qualquer. Tudo parecia tão real que, por um segundo, acreditei estar vivendo aquele momento. O mais curioso? No sonho, o Zedu era meu namorado.
Acordei assustado, com o peito apertado. Levantei e fui direto até o armário, onde guardava uma caixa cheia de lembranças antigas. Peguei algumas fotos e as segurei com cuidado, como se fossem a coisa mais preciosa do mundo. No notebook, tocava Don't Go Away, do Oasis. Foi o estopim. Senti um nó na garganta e desabei a chorar.
Se eu pudesse escolher, daria qualquer coisa para viver naquele mundo do meu sonho. Um mundo onde eu ainda podia sentir o toque da minha mãe, ouvir a risada do meu pai, reclamar das broncas que levava. Mas a realidade era cruel. Eles não estavam mais ali, e nada mudaria isso.
Do outro lado da cidade, Zedu vivia um sentimento parecido. A ausência de sua avó pesava como uma pedra em seu peito. Ela era uma parte essencial da sua vida, e agora só restavam as lembranças.
Manaus – Uma Semana Atrás
— Meu filho, você está com fome? — Dona Hortência perguntou, puxando Zedu para um abraço apertado antes de lhe beijar a testa.
— Sim, vozinha! — Ele respondeu com um sorriso, retribuindo o carinho.
— E o meu namorado? Ele não veio? — Ela perguntou, olhando ao redor.
Zedu soltou uma risada.
— Não, vó. O Brutus não veio hoje.
— Hum… — Ela resmungou, fingindo indignação. — E você? Já tomou suas vitaminas? Não pode ficar tanto tempo no sol assim!
A memória fez Zedu sorrir em meio às lágrimas. Sua avó se fora, mas as boas recordações nunca o abandonariam. Elas estariam sempre ali, fieis companheiras nos momentos em que a saudade apertasse.