Pai e mãe,
Hoje tive um encontro — pelo menos parecia um. Almoçamos, rimos e fomos a uma exposição. Apesar de tudo, ainda sinto falta do Zedu. No entanto, nos últimos dias, ele tem sido um verdadeiro babaca. Realmente, não sei o que pensar ou fazer.
***
Chegamos cedo à exposição de fotografia. Alguns convidados já estavam lá, e o ambiente parecia muito agradável. Diogo me apresentou a alguns amigos, todos bem mais velhos que ele. No entanto, isso não impediu que o lugar transmitisse uma sensação de segurança. E as fotografias... Nossa, eram deslumbrantes!
O nome do artista era George Guerreiro. Segundo Diogo, ele trabalhava em um jornal local e tinha um estúdio de fotografia. A foto de que mais gostei retratava uma garotinha tomando banho em um igarapé. George conseguiu capturar toda a inocência da menina.
— Gostou? — perguntou Diogo, pousando a mão no meu ombro.
— Demais.
— Boa tarde. — Disse um homem alto ao se aproximar de Diogo, cumprimentando-o com um beijo no rosto. — E então? — perguntou, com uma expressão de expectativa.
— Está tudo lindo, parabéns. Ah, Yuri, este é George, o fotógrafo responsável pela exposição. — apresentou Diogo.
Caramba! George era um típico "ursão": alto, com uma leve barriguinha de chope e uma barba impecável. Cumprimentei-o e comecei a elogiar seu trabalho, destacando especialmente a foto da garotinha no igarapé. George recebeu cada elogio com um sorriso.
De repente, um homem gordo, vestindo uma bata com as cores da bandeira do Brasil, entrou no salão, atraindo todos os olhares. Ele parecia desfilar pelo espaço, sem medo dos comentários e olhares alheios. Nossa, como eu queria ter aquela confiança! Seu nome era Hélder, colega de apartamento de George.
— Olá, viados! — saudou Hélder, abraçando Diogo e George.
— A senhora veio. Parabéns. — disse ele, olhando para Diogo e depois para mim. — Gente, para tudo! Quem é esse chubby lindo?
— É meu amigo da escola. — explicou Diogo.
— Vocês parecem um casal. Olha, Yuri, agarra logo o Diogo, ele é um ótimo partido! Eu mesmo tentei, mas a química não rolou. — contou Hélder, rindo ao lembrar do dia em que ficou com Diogo.
— Hum. — soltei, olhando para Diogo e rindo.
— Foi só uma vez. No fim, decidimos ser amigos. — tentou se justificar Diogo, sem muito sucesso, é claro.
***
Duas horas. Esse foi o tempo que levou para Carlos entrar em desespero. Até aquele momento, a equipe responsável pelo elevador não havia dado sinal de ajuda. O estagiário até tentou sair pelo alçapão, mas descobriu que estava selado.
Tia Olívia reconheceu os sinais de ansiedade — afinal, já presenciara os meus surtos. Com toda a paciência, segurou o rosto de Carlos e pediu que ele se acalmasse. O estresse só atrapalha quem sofre de crises de ansiedade.
— Tire esse terno, Carlos — pediu ela, com doçura.
— A gente precisa sair daqui, Olívia!
Carlos transpirava excessivamente. Preocupada, minha tia pegou uma pasta e começou a abaná-lo. Aos poucos, ele foi se acalmando, mas o suor continuava a escorrer. Então, sem hesitar, ela abriu os botões da camisa dele. No mesmo instante, um flashback de Parintins invadiu sua mente. Titia tentou resistir à lembrança e aos sentimentos que vinham junto com ela.
— Eu sou patético, né? — murmurou Carlos, sentando-se no chão, enquanto Olívia o amparava.
— Jamais. Ter medo não faz ninguém ser patético — garantiu ela, abanando-o com mais vigor.
— Me desculpe… — ele lamentou, sem coragem de encará-la.
— Ei. — Tia Olívia tocou seu rosto delicadamente, fazendo-o olhar para ela. — Você não precisa se desculpar. Você é um cara incrível.
Lutar contra um sentimento tão forte não deve ser fácil, não é? Minha tia falhou na tentativa e, num impulso, deu um beijo espetacular em Carlos.
Foi quando, de repente, o elevador voltou a funcionar. Os dois se levantaram num sobressalto. A porta se abriu, revelando um grupo de funcionários da empresa, que os observavam com expressões curiosas.
Titia estava descabelada, e Carlos, completamente suado. Um dos coordenadores se aproximou e, sem graça, pediu desculpas pelo inconveniente.
***
Eu estava adorando aquele grupo. Apesar de serem mais velhos, George e Hélder nos tratavam com total igualdade, sem qualquer condescendência. A conversa fluía leve, repleta de risadas e histórias compartilhadas. Depois de algumas horas juntos, esticamos o encontro para o apartamento de George, que vivia com seu marido, Jonas, um homem também gordinho, de sorriso fácil e olhar acolhedor. Eles estavam juntos há sete anos e a sintonia entre os dois era visível nos pequenos gestos de carinho trocados entre uma conversa e outra.
A mesa estava repleta de petiscos e bebidas. O clima era descontraído e acolhedor. Eu nunca havia tido amigos gays tão incríveis antes, e tudo isso só aconteceu graças ao Diogo, que me recebeu de braços abertos — ainda que com segundas intenções.
Entre um gole e outro, comecei a contar sobre minhas primeiras experiências em Manaus: como foi a adaptação na nova escola, as expectativas para os próximos anos e os desafios de me sentir pertencente a um lugar diferente.
— Já falei muito de mim. — Soltei uma risada, me sentindo mais à vontade. — E vocês, meninos? Moram os três aqui?
— Sim! Aluguel no Centro de Manaus não é barato. — Respondeu Jonas, enquanto pegava mais um pedaço de queijo da tábua de frios.
— Na verdade, eu já conhecia essa bicha aí. — Explicou Hélder, apontando para Jonas com um sorriso brincalhão. — Depois, as duas se uniram, e eu virei a seguradora de vela oficial. Essas enxeridas são demais!
Todos riram. A cumplicidade entre eles era contagiante.
— E você, Diogo? Como conheceu esse povo? — perguntei, curioso.
— Fiz um curso de fotografia com o George. — Ele respondeu, girando o copo entre os dedos. — Eu era péssimo, mas pelo menos fiz um amigo.
O papo seguiu animado, até que o assunto caiu na festa que eles estavam planejando para comemorar o aniversário de Hélder. Uma festa de ursos, como chamavam. Alugariam uma casa com piscina para reunir o grupo, um encontro perfeito para socializar e conhecer mais do cenário ursino de Manaus.
— Você devia ir! — sugeriu Hélder, animado. — Vai adorar! O ambiente é ótimo pra conhecer gente nova.
A ideia me agradou. Eu finalmente sentia que tinha encontrado um grupo onde realmente me encaixava.
No caminho de volta para casa, senti vontade de me abrir mais com Diogo. Compartilhei com ele um pouco da minha história — sobre a morte dos meus pais, a sensação constante de não pertencer a lugar nenhum e minha decepção amorosa mais recente.
Diogo me escutava com atenção, sem julgamentos. Apesar de sua postura de jovem rebelde sem causa, no fundo, eu sabia que ele era um cara do bem. Talvez gostasse de sustentar essa imagem apenas para se destacar entre os outros alunos.
Ao chegar em casa, me surpreendi ao encontrar tia Olívia sentada na sala. Era estranho, já que ela costumava chegar tarde do trabalho.
— Que milagre você aqui essa hora! — Brinquei, largando minha mochila no sofá.
Ela sorriu de canto e apontou para um quadro apoiado na mesa de centro. Era o quadro de George, o da garota no igarapé. Eu havia comprado na exposição e estava ansioso para mostrar a ela.
— É lindo! Devia pendurar na sala. — Sugeriu minha tia, analisando a pintura com carinho.
Segui seu conselho e, depois de deixar o quadro em destaque na parede, me joguei no sofá. Foi então que ela começou a me contar sobre sua saga no elevador.
A forma como descrevia cada detalhe, o desespero de Carlos, o calor sufocante, as expressões dos funcionários ao verem os dois saindo descabelados… Eu nunca ri tanto na vida! Mas, claro, com respeito.
***
Eu não entendia o Zedu. Ele sempre foi um cara alto astral, divertido e parceiro, mas bastava a Alicia aparecer para aquele Zedu que eu conhecia e adorava simplesmente desaparecer. Era como se ele se transformasse em outra pessoa, alguém mais contido, quase apagado.
Naquela tarde, ele e a namorada foram ao cinema. O filme, pelo que eu sabia, não fazia o estilo do Zedu, mas, ainda assim, ele foi. Talvez para agradá-la, talvez para evitar discussões. Depois da sessão, decidiram jantar na praça de alimentação do shopping.
— Zedu, vamos tirar uma foto para eu postar no Instagram! — pediu Alicia, enlaçando o braço dele e levantando o celular.
Ele ficou imóvel, sem esboçar reação.
— Credo, tu não sorri! — Ela fez uma careta ao analisar a foto na tela. — Fica com essa cara de pipira!
Zedu suspirou, impaciente.
— Vamos comer? Tô brocado.
Nesse instante, a garçonete chegou com os pedidos, mas, ao se aproximar da mesa, tropeçou e um dos copos virou, derramando suco diretamente na blusa de Alicia.
O silêncio durou apenas um segundo.
— Olha o que tu fez! — esbravejou Alicia, saltando da cadeira e olhando para si mesma, incrédula. — Abestada! O que esperar de uma fulaninha que nem sabe falar o plural certo?
A garçonete arregalou os olhos, visivelmente desesperada.
— Me desculpe, moça! Foi sem querer...
Zedu tentou intervir antes que a situação piorasse.
— Tudo bem, acontece... — disse ele, forçando um sorriso. — Tu pode pegar outro suco, por favor? Eu limpo aqui.
Sem esperar resposta, levantou-se e pegou guardanapos para ajudar Alicia.
— Droga! Minha blusa nova! — resmungou ela, ainda furiosa, esfregando o tecido molhado. — O que esperar de uma empregada?!
Foi o suficiente para Zedu perder a paciência.
— Alicia, chega! Foi um acidente.
Mas ela nem sequer olhou para ele, ainda indignada com a "tragédia" da sua roupa manchada.
Eu já desconfiava, mas agora tinha certeza: Alicia era o tipo clássico de patricinha mimada, convencida de que o mundo girava ao seu redor. Felizmente, nem todas as garotas bonitas eram como ela.
Letícia, por exemplo, estava vivendo um momento incrível. A vida de modelo estava começando a engrenar, e, para seu primeiro comercial, ela precisou passar por uma transformação no salão.
Seus longos cabelos negros foram cortados. Doeu, claro, mas minha amiga sabia que mudanças eram necessárias para dar o pontapé inicial na carreira. A equipe do salão sugeriu um corte chanel na altura dos ombros, elegante e moderno.
Quando saiu da cadeira, Ramona ficou boquiaberta.
— Nossa, amiga, tu tá abalando!
Letícia sorriu, analisando seu reflexo no espelho.
— Curtiu mesmo?
— Eu amei! Esse corte valorizou ainda mais o formato do teu rosto.
Letícia ainda se acostumava com a ideia da mudança, mas não pôde esconder o brilho nos olhos ao falar do que estava por vir.
— Sexta-feira eu gravo o comercial e faço as fotos promocionais!
Ramona deu pulinhos de animação.
— Tu tem noção do que isso significa? Imagina tua cara em cartazes, revistas, na TV?! Mulher, tu vai escangalhar!
— E aposto que as meninas da escola vão morrer de inveja — completou Letícia, com um sorriso travesso. — Principalmente a recalcada da Alicia.
A noite chegou, e eu já estava pronto para dormir quando meu celular vibrou. Uma mensagem de Zedu. Ou melhor, apenas um emoji: uma pomba branca.
Nos últimos tempos, nossa amizade parecia estar num lugar estranho, e eu odiava ficar sem falar com ele. Mas a verdade era que sempre que tentávamos conversar, o "cão de guarda" dele estava por perto, pronto para atrapalhar.
Então, outra mensagem chegou:
Zedu: 🕊 Sabe o que significa essa pomba branca?
Yuri: Paz.
Zedu: Sim. Então, deixa eu entrar na tua casa?
Yuri: Tá na frente?!
Zedu: Sim. Preciso trocar uma ideia contigo.
***
Ai, lasqueira! Como diria minha avó. O que será que o Zedu quer comigo?!
Corri para abrir a porta e lá estava ele, segurando um jogo novo para o Xbox e uma sacola cheia de comida. Ele entrou sem cerimônia, como sempre fazia, e logo estávamos no sofá, jogando, comendo e rindo das nossas próprias derrotas no jogo. Depois de algumas partidas, fomos para o meu quarto ouvir música.
Zedu começou a mexer nos meus CDs e DVDs, examinando cada capa com interesse.
— Teu gosto musical é de respeito.
— Você acha? — sorri, sentando na cama. — Não vejo nada de extraordinário em Oasis, Keane e The Beatles. São apenas bandas inglesas.
— Apenas? — Ele ergueu uma sobrancelha e se sentou ao meu lado. — Ei… quero te pedir desculpa pela forma como venho agindo. Eu tô sendo um fuleiro. Sei que tenho te deixado de escanteio por causa da Alicia.
— Relaxa. Ela é tua namorada, faz sentido que tu passe mais tempo com ela. Além do mais, eu também tô fazendo novas amizades. Não esquento.
Ele balançou a cabeça, parecendo incomodado.
— Vocês são alguns dos poucos amigos que eu tenho. Nem a pau que quero perder isso.
— Eu sei. Mas cada um tem seu próprio grupo, então é justo que eu tenha o meu. O Diogo não é um cara ruim, vocês só não deram a chance de conhecer quem ele realmente é.
Enquanto falava, tomei coragem e segurei a mão do Zedu. Senti ele se sobressaltar por um instante, mas ele não a afastou.
— Saquei… — murmurou.
— Olha, eu te considero meu melhor amigo aqui em Manaus. Gosto da turma, mas contigo é diferente. Sinto que posso ser eu mesmo. E não quero mudar isso.
Zedu apertou minha mão em resposta.
— Eu me sinto da mesma forma.
Eu sorri e me inclinei um pouco para mais perto dele.
— Agora, me conta… — minha voz saiu em um sussurro próximo ao ouvido dele. — Tu não veio aqui só pra dizer que me ama, né? Acho que precisa levar uma surra no Mortal Kombat.
Ele soltou um riso nervoso e me deu um tapa leve na cabeça.
— Besta.
Minha irmã também fez uma nova amiga na escola. Giovanna era uma garota difícil de lidar, mas, no fundo, tinha um bom coração. Para comemorar o sucesso da nossa primeira semana de aula, tia Olívia resolveu nos levar para lanchar.
Aproveitei o momento de confraternização e pedi permissão para ir à festa do Hélder. Graças a Deus, ela deixou. Não sem antes fazer uma verdadeira sabatina de perguntas, claro, mas no final, consentiu.
Na escola, ainda estava me acostumando com a rotina e os professores. Alguns passaram tarefas pequenas, nada demais. Mas então, a professora de História resolveu inovar com um trabalho em dupla. Bastou ela anunciar a atividade para a sala se transformar em um verdadeiro mercado de escolhas.
— Miga, vou fazer contigo! — Letícia exclamou, agarrando a mão de Ramona.
— Ei, Brutus! — gritou João, um dos idiotas da sala. — E aí, Brutus, é nóis?!
— Beleza! — Brutus respondeu prontamente.
Olhei para Zedu, esperando que ele me chamasse. Mas, antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, Alicia passou o braço ao redor do pescoço dele, selando a escolha de forma possessiva. Suspirei, já prevendo aquele desfecho.
Foi então que senti um toque no meu ombro.
— Quer fazer dupla comigo? — Diogo perguntou.
Sorri e aceitei na hora.
O tema do trabalho? Personalidades brasileiras. Teríamos que pesquisar sobre figuras importantes para a história do Brasil e criar uma apresentação interativa. Durante o intervalo, Diogo e eu nos sentamos no nosso "lugar de sempre" e começamos a debater ideias.
Depois de muito discutir, decidimos falar sobre Chiquinha Gonzaga. Fiquei animado, mas ainda precisávamos definir a melhor forma de apresentar o projeto.
Fui tomar água e, no bebedouro, dei de cara com Zedu, enchendo uma garrafinha rosa que, provavelmente, era da Alicia.
— E esse trabalho? — ele perguntou, me lançando um olhar curioso.
— Nem me fala! — respondi, rindo e tomando um gole de água. — O Di e eu já decidimos o tema… quer dizer, parcialmente.
Ele ergueu as sobrancelhas.
— Di, é? Trabalham rápido… gostei.
Havia algo no tom dele, mas não consegui decifrar se era apenas um comentário casual ou se havia algo a mais por trás das palavras.
***
Sabe duas coisas que definitivamente não combinam? Tia Olívia e tarefas domésticas. Todo mundo sabia que ela não era um exemplo de dona de casa, mas, para ocupar a mente e não pensar tanto em Carlos, minha tia resolveu encarar uma missão quase impossível: capinar o mato que crescia na calçada.
O problema? Ela parecia mais uma guerreira espartana empunhando uma espada, determinada a dizimar seus inimigos—no caso, o mato.
Uma vizinha, que varria sua própria calçada, percebeu a cena e se aproximou, curiosa.
— Tá precisando de ajuda? — perguntou, apoiando-se na vassoura.
— Ah, não, obrigada. — Tia Olívia limpou o suor da testa com as costas da mão. — Tô pegando o jeito.
— Sou nova no bairro. Meu marido é militar e o Exército alugou uma casa pra gente.
— Ah, que legal! Sou Olívia.
— Joyce, prazer.
As duas trocaram um aperto de mão.
— Me mudei faz um mês — continuou minha tia. — Sou do Rio de Janeiro. Consegui uma oportunidade de emprego e vim pro Amazonas.
— Menina, sou do Rio Grande do Sul! Pensa na aventura que foi viajar até Manaus! — Joyce riu. — Quer tomar uns drinks?
Tia Olívia sorriu de imediato.
— Eu ia adorar.
Educação Física. Se existe uma matéria que eu odeio, é essa.
E meu desgosto só aumentava quando o professor resolvia bancar o coach fitness. Parecia que ele amava ver a gente sofrendo enquanto corria em círculos. Felizmente, ele nos deixava seguir no nosso próprio ritmo, e o Diogo me acompanhou o tempo todo.
Zedu, por outro lado, era a estrela da escola. E Brutus? Bom, nem preciso comentar.
Depois de um tempo, o professor olhou para o celular e então ergueu a voz:
— Ei, seus curumins e cunhatãs! Ainda temos um tempinho. Que tal um joguinho de futebol?
O grito de felicidade dos garotos ecoou pela quadra. O que me surpreendeu foi ver o Diogo empolgado.
— Zedu e Brutus, vocês são os capitães. Escolham seus times! — ordenou o professor.
Para minha surpresa, Brutus me escolheu primeiro. Não sei se foi por amizade ou por pena, mas caminhei até o lado dele no campo. A partir daí, eles passaram a escolher quem realmente jogava bem.
Diogo foi um dos últimos a sobrar e acabou ficando no time do Zedu.
Ótimo. Até as meninas entraram no jogo, e Alicia não gostou nem um pouco de cair no time do Brutus. No final, ficamos em um 14 contra 15, um verdadeiro caos em quadra.
Apesar de amigos, Zedu e Brutus levavam a partida a sério. Parecia que nem se conheciam.
Outra que me impressionou foi Letícia. Ela jogava tão bem quanto os meninos.
O primeiro gol foi do Diogo. Contra o nosso time.
Fiquei esperando a reação do Zedu e, para minha surpresa, ele foi cumprimentá-lo.
O futebol realmente une as pessoas.
Ramona e eu corríamos de um lado para o outro, fingindo que jogávamos.
— Migs, fica comigo! A Letícia já sabe se virar! Vamos só fingir que estamos tentando pegar a bola. — Ramona se escondeu atrás de mim.
— Que horror! Não nasci pra jogar bola. — reclamei.
Foi então que João resolveu abrir a boca.
— Sabe por quê? Porque tu é a bola! — Ele riu, apontando para mim.
A quadra ficou em silêncio.
— Repete. — Diogo se virou para ele, empurrando-o. — Repete se tu for homem.
Antes que a situação saísse do controle, segurei o braço do Diogo.
— Calma. Foi só uma piada idiota.
O professor, que não era bobo, soprou o apito.
— Que bagunça é essa?! Eu quero todo mundo jogando!
Ninguém gostou da piada do João. O clima ficou pesado, mas pelo menos a confusão foi evitada.
Olhei para Diogo e percebi que ele realmente estava se mostrando um grande amigo.
Mas minha atenção logo se desviou para Zedu.
Ele era muito lindo jogando.
A forma como a camisa colada no corpo destacava seus músculos, o cabelo bagunçado pelo suor…
Sacudi a cabeça, tentando me concentrar no jogo.
Zedu e Brutus disputavam a bola com força, até que Zedu conseguiu se livrar dele e chutou com toda a força na direção do gol.
Seria um golaço, se não fosse um problema: eu.
Ramona e eu passávamos bem em frente à trave no exato momento do chute.
O tempo pareceu desacelerar.
Vi a bola vindo com tudo e empurrei Ramona para o lado.
Recebi a bolada no rosto.
O impacto fez um eco dentro da minha cabeça. Caí sentado no chão, meio zonzo, sem entender bem o que tinha acontecido.
Diogo foi o primeiro a correr até mim.
— Deixa eu ver. — Ele segurou meu rosto e arregalou os olhos. — Tá saindo sangue do teu nariz.
Antes que eu pudesse reagir, ouvi outra voz.
— Yuri! — Zedu correu na minha direção, visivelmente preocupado. — Tu tá bem?!
Diogo, sem nem pensar duas vezes, empurrou Zedu, derrubando-o no chão.
— Sai daqui, babaca! — Ele rosnou. — Tu já fez estrago o suficiente!
— Diogo, leva o Yuri pra enfermaria. — O professor ordenou, com uma expressão séria. Ele então se virou para Zedu e balançou a cabeça. — Sacanagem, cara. Logo você!
Zedu ainda estava em choque. Sabia que tinha chutado forte demais. Na verdade, o alvo dele era Diogo.
— Foi sem querer… — murmurou, parecendo arrependido.
Antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, Alicia apareceu e puxou ele pelo braço.
— Vem, bebê. — Ela lançou um olhar debochado para mim. — A culpa nem foi tua, Zedu. A orca que ficou no caminho.
Os olhos de Zedu brilharam com raiva.
— Cala a boca, Alicia.
Ele saiu da quadra sem olhar para trás, deixando Alicia sozinha, com cara de tacho.