A luz é sutil quando avança suavemente pelas frestas dos nossos olhos. É o contrário de solidão, de medo, de vazio.
O medo de infância menos superado está profundamente relacionado com insegurança.
E esse foi meu primeiro sentimento: insegurança.
O vazio à minha volta foi o primeiro registro que tive.
O segundo, naturalmente, foi à luz fraca e vermelha se aproximando de onde eu estava.
Percebi que o ruído à minha volta era alto. Vozes, carros, o próprio mar e.. aquilo era uma ambulância?
Senti frio. Eu estava molhado. Minha pele estava nua à noite, protegida apenas por um calção de seda fino e encharcado.
Senti também areia, espalhada pela extensão do meu corpo de forma bem irritante.
Inclusive na minha boca. Senti o gosto salgado que tinha ficado do mar.
Tentei respirar e abrir mais os olhos, conforme o barulho aumentava e pessoas se aproximavam de mim. Meu pulmão doeu, meus músculos doeram.
Alguém tocou meu corpo, me sacudindo gentilmente.
Tentei olhar e avisar que estava bem, afinal.
- Ah, bem. – tentei formular e soltar algo, sem perceber que minha voz tinha sumido.
- Ih, pshhh, não fala nada. – a voz era confiante e gentil. – se precisar saber de algo, quero que me responda com um aceno afirmativo ou negativo. Entendido?
Fiz que sim com a cabeça.
- Boa garoto. Vamos te levar pro pronto atendimento.
Respondi - somente acenando a cabeça, que fique de registro - mais algumas perguntas de praxe enquanto ele e seu parceiro me colocavam cuidadosamente numa maca gelada e dura.
- Gabriel!!! – reconheci na hora aquela voz. Minha irmã, Flávia, preocupada e urgente.
Virei o rosto e vi ela vindo. Me permiti um sorrisinho bobo, uma tentativa instintiva e pouco útil de tranquilizá-la.
- Nunca mais faça isso comigo, está bem? - ela chorava um pouco enquanto afagava levemente meu cabelo.
Seu semblante era sério e assustado. Estava com sues pijamas de sempre: moletom verde abacate, camiseta da mulher maravilha, crocs nos pés. Ainda assim estava linda e transferia uma força admirável em seu discurso.
Ao seu lado, reconheci Antônia. O rosto apreensivo, cabelos molhados. Estava enrolada em uma toalha longa e me olhava com culpa.
Queria dizer para elas ficarem bem e não se preocuparem comigo, mas meu devaneio é interrompido pelo bombeiro ao meu lado.
- Moças, não se preocupem. Estávamos esperando um resgate em alto mar.. isso seria muito complicado essa hora. Mas encontramos ele aqui, na areia, já à salvo. – aquele cara sabia como transparecer calma. Gostei dele. – Fiquem tranquilas e cuidem-se vocês. Vamos levar ele rapidamente ao hospital para uma triagem e avaliação. Qual de vocês virá conosco?
- Eu vou, sou família. – se prontificou rapidamente minha irmã.
O barulho da ambulância continuou alto e começou a me irritar seriamente.
Antônica se despediu, extremamente sem jeito com a situação, enquanto eu acenava positivamente para que ela fosse cuidar de si.
Poxa, queria falar para ela parar de grilar comigo. Afinal, poderia muito bem ter sido ela no meu lugar. Poderia estar eu vendo a cena de fora.. poderia ter acontecido de um modo diferente, me peguei pensando.
E nesse pensar, revivi o que lembrava da noite.
Lembrava...
Lembrava do carro amarelo gema-de-ovo e do restaurante japonês. Lembrava do jeito deslumbrante de Antônia e de
correr até a praia.
Lembrava do saquê fazendo efeito, do nosso beijo molhado, da minha ereção contida dentro do calção de tecido fino.
Lembrava dos braços fortes que me resgataram. Lembrava dos lábios grossos tocando e abrindo os meus, soprando seu próprio ar no meu pulmão.
E lembrava de ser carregado pelo meu salvador anônimo até a praia, numa demonstração de nado digna das Olímpiadas. E aí entrava uma questão não resolvida na minha cabeça. Ele tinha uma cauda de peixe? Tipo uma sereia? Nah, não podia acreditar nisso pra valer. Eu estava num momento de delírio.. Quase sem consciência.
Achei mais prudente descartar essa lembrança. Talvez não descartar, por assim dizer: deixar de lado.
O caminho até o hospital foi bem tranquilo. Eu já estava me sentindo bem, na realidade. Consegui agradecer o bombeiro que me atendeu e vi minha irmã corar quando ele deu um leve abraço e beijo no seu rosto.
Passei por algum tipo de avaliação médica e, em menos de uma hora, estava dispensado. Conseguia andar e minha voz saia melhor. De carro até a casa da minha irmã, pude ouvir várias lições e discursos protetores.
- Por que você não tem ideia do que eu teria feito se você estivesse no mar quando chegamos. Eu teria.. sei lá, eu teria entrado sozinha e ido te achar. E você pensou no que eu diria pro papai e pra mamãe? Vamos ter que falar com eles, obviamente.
- Eita. É, vamos tentar contar de um modo que eles não surtem muito. – papai era cardíaco e não seria uma boa ideia jogar aquela notícia de qualquer modo.
- Ah. Eu estou tão aliviada que você está bem.
- Eu só preciso dormir – a última palavra saiu engasgada.
Flávia me deixou no quartinho de hóspedes enquanto eu ia ao banho me livrar daquela areia toda.
Nu, no banho. Deixei a água quente correr a superfície das minhas costas e aliviar minhas tensões.
Meu cabelo claro era esmagado com a pressão da água.
Por alguns instantes, lembrei do beijo de Antônia.
Suave, doce, molhado, zeloso. Lembrei da mordidinha no final.
E associei com o meu segundo “beijo” da noite: a respiração boca a boca que salvou minha vida.
Os lábios grossos em contato dos meus. Os braços fortes me salvando e me tirando do alto mar. Seus cachos molhados tocando minha pele...
Olhei pra baixo e eu tinha ganhado uma senhora ereção com essa lembrança.
Toquei a extensão de meu membro, massageei com sabão e água, lavando-me e dando prazer.
De olhinhos fechados, quem eu via me massageando era meu salvador desconhecido. Sua mão grande deveria cobrir mais da metade do meu membro rígido. Sua outra mão na minha cintura podia me puxar pra perto com firmeza, enquanto deslizaria suavemente sobre minhas nádegas muito alvas.
- Não morra afogado no chuveiro, maninho! Tudo bem aí dentro? – interrompeu minha irmã. Se fosse outra pessoa eu poderia jurar que era alguma piada de mal gosto, mas era algum tipo de preocupação excessiva.
- Tudo! – suspirei e desliguei a água.
Fui dormir, ainda nu, com minha ereção alta e a cabeça longe.
O dia seguinte foi a segunda parte da inquisição. Minha irmã ansiava por respostas e eu queria compartilhar com alguém o que tinha visto.
- Mana, um cara me resgatou ontem. No mar.
- Mano, do que você tá falando?
- Era.. lembra aquele cara que eu te disse que vi me olhando no trapiche, aquele primeiro dia em Noronha? Bem, tenho certeza que era ele.
- Você tem certeza disso? Não entendo mano, por que não contou nada antes?
- Foi tudo meio confuso.. acredita.. acredita que eu fiquei tentando entender até aonde foi alucinação ou não? Sei lá, tô com a cabeça longe demais.
- Se alimente bem, repouse e relaxe. Vou passar o dia fora e quero você em casa de repouso, entendido?
- Sim, sargento! – brinquei, já rindo da situação.
Quem diria que nos meus vinte e tantos anos ouviria isso de minha irmã?
Sozinho em casa, liguei o notebook e fiquei me distraindo o restante do dia.
Todo mundo que eu conhecia da ilha me mandou alguma mensagem positiva.
Antônia ligou, meio acuada, distante. Falei com ela por um tempo até sentir que ela estava mais tranquila. Acho que ela ficou meio indecisa se deveria me chamar pra sair novamente ou não, no que eu retribui mentalmente. Não achava justo marcarmos algo enquanto eu estivesse tão encucado com meu salvador de ontem. E também, por outro lado, tinha medo de que significasse que estávamos começando algo sério. Flávia me disse que ela era bem de boa com ficar e não se apegar, o que eu apreciei bastante.
Senti minha barriga roncar e, enquanto abria a geladeira, dei pela falta de iogurte.
- Opa, parece que tenho uma desculpa pra sair de casa. – falei comigo mesmo, incorporando meu espírito de moleque travesso que vai deixar de cumprir o que a irmã mandou.
No breve caminho até o mercado, ouço o barulho das ondar do mar batendo contra algumas rochas ali perto. Sou hipnotizado pelo som e desvio meu rumo para a praia.
Ali perto de onde Flávia mora a praia não é muito propicia para banho ou para pesca. São uma série de rochas que ocupam a extensão da praia e deixam uma pequena parte de areia para uso humano. As pedras são extensas e numerosas.
Quando está para nascer ou morrer o sol, já vi gente por ali, distribuída nessas pedras. Assistindo o espetáculo.
O barulho continuava forte e marcante.
Parecia que estava falando comigo, de alguma maneira.
Segui caminhando e pulando algumas pedras.
Deixei meu cansaço da noite passada de lado e escalei uma grande e cinzenta rocha.
Mais alguns passos largos e estava de frente para o violento encontro das ondas e das rochas.
Tomo cuidado de ficar mais distante, duas ou três pedras longe de onde o mar respinga.
E fico olhando para o nada. Excitado por algo que não estava lá. Erotizado por alguém que não veio.
Era sério isso? Eu tinha realmente ido até ali, numa esperança boba e infantil de que meu salvador simplesmente estivesse me esperando? O que mais eu esperava? Um buquê de flores e uma xícara de chá?
Sigo soltando vários desaforos mentais para mim mesmo, até ser interrompido por um olhar penetrante.
O olhar dele.
Ali estava meu salvador da noite passada.
Emergiu das águas, da espuma do mar.
Seus olhos estavam como sempre. Gigantes, ferozes.
Seu peitoral era um espetáculo que eu gostava de lembrar. Duas montanhas coberta por mamilos rijos escuros e uma leve camada de pelos negros. Acabava exatamente aonde começava seu abdômen tanquinho. Céus, eu poderia lavar todas as minhas roupas naquele corpo.
O que me surpreendeu, ou talvez tenha somente aliviado as dúvidas da minha sanidade, foi sua cauda. Era realmente uma cauda. Eu conseguia vê-la por dentro do mar, terminando numa linda barbatana que balançava livre aos meus olhos. Era o último toque de liberdade marinha que lhe casava perfeitamente bem.
- Qual é o seu nome?
Nenhuma resposta. Apenas me contemplava, completamente estático.
Bufei indignado. Queria pedir-lhe tantas coisas, queria falar-lhe tanto, saber o que era, de onde veio, agradecer por ontem, tocar seu corpo escultural, implorar um novo contato com seus lábios carnudos...
De nada adiantava se nem a mais óbvia pergunta ele responderia.
Seus olhos eram tão engraçados... me despiam com curiosidade.
Era como se me visse nu.
Esse pensamento me deixou duro. Minto: esse pensamento me deixou meia bomba. O que me deixou completamente duro foi o conjunto. Sua aparência, sua presença, sua virilidade.
Mais duro do que ontem no banho, mais duro do que fiquei com o beijo de Antônia. Fiquei duro e rígido como não ficava há muito tempo.
Ele notou imediatamente e permitiu um sorriso pela metade. Os olhos carregavam alguma malícia diferente da que eu conhecia: tudo nele emanava muita experiência e autocontrole.
Aceitei a barreira que nos dividia.
Embriagado pelo ritmo erótico, massageei meu volume sobre o calção.
Sentia-me devorado. Sua cauda movia-se constantemente, mantendo-o parado apesar do avanço das ondas. Seu dorso, em contraste, mantinha-se ereto e parado.
Ao som das ondas estourando, perdi toda a contenção que tinha carregado até ali.
Meu desejo era claro e sua feição dizia-me que era correspondido.
Tirei a camiseta branca e lisa. Levei meu indicador ao meu mamilo e rodeei com vontade e destreza, enquanto era assistido avidamente.
Os calções eu joguei para o alto, para cima de algumas pedras atrás de mim.
Meu membro saltou com vigor e estalou contra a pele do meu ventre.
Senti minha sexualidade livre. Meu desejo sedento pelo homem peixe. Acariciei minhas bolas, apertei minhas coxas cobertas de pelos clarinhos e revoltados.
Ele olhava para mim e mordia o canto da sua boca. Tocava seu próprio corpo. Apertava seu peitoral negro.
Eu apertei meus mamilos com ímpeto maior. Queria poder provar seu gosto salgado, gosto do mar.
Olhei para baixo e vi meu próprio líquido pré-gozo brilhado sobre a cabeça do meu pênis.
Ciente de que era assistido e desejado, segurei minha extensão rígida com firmeza e, com a outra mão, acariciei o pequeno buraquinho pelo qual aquele líquido viscoso escapava.
Puxei com a ponta dos dedos uma pequena amostra e lentamente, enfiei meu dedo na boca.
Aproveitei e sorvi aquele sabor já conhecido, dessa vez imaginando outro: o sabor da boca do homem peixe.
Ouvi uma voz grossa e profunda que de certa forma me fazia associar com o barulho do mar gemer sofridamente.
Agora eu estava certo: ele queria estar com o meu corpo tanto quanto eu queria o dele.
Aproveitei essa vantagem imaginária e continuei meu show.
Continuava explorando a superfície do meu corpo claro. Massageava meu pênis com a mão esquerda, eu era destro e queria resistir o máximo antes de estourar em gozo.
A mão esquerda massageava minha coxa e se arrastava sofridamente por todo o meu corpo, tocando meu abdômen, meus mamilos, meu próprio pescoço, afagando meu cabelo.
Imaginava que o toque era seu mesmo.
Seu corpo não estava mais em repouso. O mar todo se agitava diante de seu entusiasmo em me assistir. Suas mãos imitavam meus movimentos: ele queria aprender minha dança sensual, me acompanhar. Ele queria poder acreditar que o toque que ele sentia era meu.
Comecei a sentir os respingos d’água me atingindo.
Cuspi sobre meu membro e aumentei minha massagem erótica.
O barulho do mar era mais alto. Sentia a natureza e a praia ressoando aquele momento de prazer compartilhado.
A força do meu toque era equivalente à sua, a força do meu prazer era equivalente à sua.
E num momento uma onda subiu e lavou todas as pedras, no mesmo momento em que meu homem peixe favorito soltava um urro poderoso e marcante.
Não aguentei e explodi em êxtase, espalhando meu sêmen pelas pedras à minha frente.
Fraquejei, tapei minha visão, respirei fundo e apreciei o prazer liberado.
Ao abrir os olhos, vejo seu corpo ainda de pé em minha frente, satisfeito e relaxado.
- Você pode me chamar de Araí.