AMOR DE PESO - 01X20 - AMEAÇAS E DESCOBERTAS

Da série AMOR DE PESO
Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Homossexual
Contém 5147 palavras
Data: 13/10/2016 00:58:50
Última revisão: 04/03/2025 07:02:26

Antes de tudo quero desejar um FELIZ DIA DAS CRIANÇAS para todos os meus leitores. Nossa, escrever essa série está sendo incrível, a cada capítulo mais de 300 pessoas leem, então, já é uma vitória e motivação. Infelizmente, faltam poucos capítulos para o fim da temporada. E, espero continuar contando a história dessas pessoas que aprendi tanto a gostar. E vocês são o principal motivo disso tudo, obrigado.

******

Pai e mãe,

Finalmente, parte da minha vida está voltando ao eixo. O Diogo e eu, de um jeito estranho, continuamos amigos e não deixamos de andar juntos. Já a minha história com o Zedu... bem, isso é um capítulo à parte. A Alicia tomou para si a missão de cuidar dele, ou seja, o Yuri não tem espaço.

***

Minhas mãos tremiam, mas eu não sabia se era por causa do frio ou do peso da conversa que acabara de ter com Diogo. Sempre prezei pela honestidade, e por isso, mesmo sem nunca ter assumido um compromisso sério com ele, senti que precisava ser sincero.

— Eu não quero mais, Diogo. Não é justo com você. Eu preciso ficar sozinho.

Diogo me encarou por alguns segundos antes de soltar uma risada amarga.

— Sozinho? Você acha que eu não sei, Yuri? É o Zedu.

Desviei o olhar, sentindo um aperto no peito. Sim, havia outro. Havia Zedu. Mas não era simples assim.

— Não tem ninguém, Diogo — respondi, tentando soar firme. — Eu só quero focar em mim.

Diogo respirou fundo, os olhos brilhando com algo entre raiva e decepção.

— Seja lá quem for, espero que valha a pena.

***

Ok. Depois de quase morrer em uma floresta e decepcionar alguém que eu gostava muito, decidi fazer uma lista de prioridades. A primeira coisa era fazer uma dieta, afinal, precisava emagrecer para ter mais controle sobre o meu peso. Em segundo lugar, melhorar minhas habilidades de primeiros socorros. Em terceiro, beijar a boca do Zedu que, mesmo com o pé enfaixado, continuava lindo demais.

A gente aproveitava cada minuto a sós para fazer aquilo de que todo jovem gay gosta. A partir daquele momento, passei a perceber alguns detalhes sobre o José Eduardo, como, por exemplo, a respiração ofegante dele entre os beijos ou o gosto de balinha de menta que ele deixava na minha boca.

Durante os beijos, o Zedu gostava de acariciar minhas bochechas; ele adorava quando elas ficavam vermelhas. Confesso que nem todos os nossos encontros eram românticos — a maioria acontecia em alguma sala vazia ou no banheiro —, mas, para mim, era sempre prazeroso.

— Já sumimos por tempo demais. — Falei, quase empurrando o Zedu, mas o segurei ao lembrar do seu pé machucado. — Desculpa.

— Tudo bem. Eu sei que é perigoso. — Zedu concordou antes de se afastar e olhar no espelho.

— Zedu, eu só não quero ser apenas mais uma transa para você.

— E quem disse isso? — Ele perguntou, tocando na minha bochecha direita.

— Ninguém, Zedu, mas olha a nossa situação. Temos que esperar ninguém estar por perto para curtir. — Tentei ponderar meu tom, mas o banheiro fazia muito eco.

— Desculpa... Desculpa ser tão complicado. Eu gosto de você, mas...

— Eu sofri bastante para sair do armário. Não estou te cobrando nada. Só queria ser o seu namorado sem ter medo.

— Podemos esperar até depois do baile de férias? Por favor.

— Tudo bem. Desculpa parecer tão dramático. Mas, quando você provar a sensação de ser livre, tipo... não vai querer outra coisa.

Sim, infelizmente, o Zedu continuava lutando contra sua sexualidade. O medo de uma sociedade homofóbica o fazia enxergar apenas o lado negativo de ser gay. Afinal, o Zedu é um cara padrão, que sempre esteve entre os héteros "topzeiras", então entendo alguns de seus questionamentos.

***

O George, nosso amigo fotógrafo, decidiu fazer uma exposição com fotos de casais LGBTQIA+. O Diogo, nem preciso falar, ficou animado com toda a situação. Recebemos um convite para trabalhar na produção e também para fazer o cadastro dos casais que participariam do ensaio fotográfico.

É tão bom se sentir incluído dentro de uma comunidade. Pensei que, quando terminei meu lance com o Diogo, minha amizade com George, Jonas e Hélder também chegaria ao fim. Mas, na verdade, tivemos uma conversa bem madura, e recebi ótimos conselhos. Só que precisei omitir algumas coisas, como o meu relacionamento com Zedu.

— Yurizinho, fiquei tão aliviado por saber que você está bem — disse George, enquanto organizava seus equipamentos de fotografia.

— Sim, eu também. Foi complicado, mas ficamos bem — falei, sentando-me ao lado de George.

Eles começaram a brincar, dizendo que eu tinha me perdido com o Zedu. Mal sabiam a verdade... Se soubessem que transei no meio da floresta, em uma situação tão estranha! Olhava para o Diogo e ficava triste, pois ele ainda sentia algo. E eu, como um idiota, resolvi seguir meu coração e continuar sofrendo, mas de uma maneira diferente.

— E você acha que muita gente vai se inscrever? — perguntei, tentando tirar a atenção de mim.

— Infelizmente, poucas pessoas — murmurou George, me fazendo rir, pois quase deixou cair uma lente caríssima. — Cacete!

— Muitos que gostariam de participar não são assumidos, né? Isso é horrível — comentei, lembrando da situação do Zedu.

— Sim. A garotada gay ainda é reprimida. Foi assim na minha época e continua sendo. Sabe de uma coisa, Yuri? Acho que você e o Diogo deveriam fazer o ensaio. Tá, eu sei que vocês nunca vão ter nada, mas tenho certeza de que muitos jovens ficariam inspirados.

— Eu topo! — Diogo falou, nos assustando.

— Nossa, Diogo! Você demorou muito — reclamou George, sentando-se em uma cadeira e limpando o suor da testa.

— O trânsito está horrível. Trouxe o pen drive com as artes da exposição.

***

Em casa, as coisas estavam tranquilas. A titia e o Carlos passaram a sair todos os dias. A Giovanna continuava a mesma, já o Richard havia mudado um pouco. O que a culpa não faz, né? Tentava não pensar no Zedu, então focava na educação dos meus irmãos e na vida amorosa da tia Olivia.

— Yuri, posso trazer um amigo da escola amanhã? — perguntou Richard, sentando-se ao meu lado e me dando um abraço.

— Sem facas, explosivos, animais peçonhentos ou se embrenhar na floresta — adverti, passando a mão nos cabelos de Richard.

— Pode deixar.

— Ah, e amanhã não venho na van. A mãe do meu amigo vai nos trazer — disse Richard.

— Como assim? Eu quero vir de carona também — Giovanna disse, voltando sua atenção para a nossa conversa.

— Não tem vaga. Ela tem quatro filhos — Richard fez uma careta engraçada e tirou Giovanna do sério.

— Aff, vou ter que vir naquela lata de sardinha. Uó. — Ligou o celular e abriu a câmera frontal. — Essa foto mostra a minha indignação.

Mães conseguem sentir a tristeza dos filhos, e, no caso do Zedu, não foi diferente. Durante a sua recuperação, dona Teodora percebeu que algo o incomodava. Além da cicatriz na perna, ele também estava mais avoado que o normal.

Após uma sessão com o fisioterapeuta, Zedu chegou faminto em casa e, de longe, conseguiu sentir um aroma familiar e delicioso. Para tentar alegrar o filho, dona Teodora preparou carne assada, o prato preferido dele. Mesmo com suas dúvidas, a maneira peculiar como ele comia ainda se mantinha firme. Aquilo enchia o coração de Teodora, afinal, ela estava educando Zedu para se tornar um homem de bem e, a cada dia, tinha mais certeza disso.

A mãe de Zedu se preocupava com a recuperação do filho. Ele ficou com uma grande cicatriz na perna, mas até isso era bonito nele. Acho que o Zedu ficou mais charmoso. Dona Teodora era uma mãe muito carinhosa e sempre teve o sonho de ter um filho. Zedu era seu eterno bebê. Seus dois irmãos, José Luiz e Frederico, já estavam na faculdade e, de certa forma, eram independentes dos pais.

— A comida não vai fugir do seu prato — repreendeu Teodora, servindo-se de um pouco de carne.

— Está muito bom, obrigado — afirmou Zedu, limpando a boca suja de caldo.

— Esse é o meu filho — pensou Teodora, observando Zedu devorar dois pedaços de carne em menos de um minuto. Ela não aguentou e sorriu para ele.

— O que foi?

— Você está diferente, Zedu.

— Diferente?

— Você está mais leve, feliz. Acho que tomou a decisão certa ao terminar com a Alicia.

— É quase como se a gente não tivesse rompido. Ela está sempre no meu pé — reclamou Zedu, tomando um copo de suco e respirando fundo.

— Te sinto diferente desde quando você ficou perdido na floresta — comentou Teodora, antes de cortar a carne delicadamente e comer.

— Mãe, eu... — Zedu tentava encontrar as palavras certas, mas seu coração não se conectava ao cérebro.

— O que foi?!

— Eu...

— Boa tarde, família! — gritou Fred, o irmão mais velho de Zedu, entrando de forma abrupta.

Sim, uma oportunidade perdida. Zedu sentia medo. Medo de ser rejeitado pelos pais e irmãos. Medo de perder o aconchego do lar. Medo de enfrentar o desconhecido. Afinal, o ser humano está sempre com medo, mesmo em situações simples. Aquele poderia ser o momento ideal para sair do armário, porém, ele recuou. E não, eu não o culpo por isso.

***

Enquanto alguns evitavam conversas sérias, outros mergulhavam de cabeça em novos horizontes. Minha amiga Letícia, a cada dia, envolvia-se mais no universo do seu namorado, Arthur. O rolê da vez foi um protesto contra o uso de animais em testes farmacêuticos.

Pessoas com os rostos pintados, bandeiras de várias entidades e dezenas de cartazes compunham o cenário. "Diga não aos testes em animais", "Animais não são máquinas", "Salvem os animais" e "Animais são anjos" eram algumas das frases que ela leu enquanto se dirigia ao palco.

O casal encontrou Bernardo, o melhor amigo de Arthur, que usava uma camiseta com a frase: "Os testes realizados em animais são a verdadeira prova da ignorância humana". Aquilo acendeu algo dentro de Letícia. Por um momento, ela pensou que tudo aquilo era um circo, mas, ao ver as estatísticas e imagens, ficou reflexiva e decidiu ajudar.

Enquanto Bernardo explicava o plano para Letícia, Arthur sorria, sentindo-se feliz por tê-la ao seu lado. Ele nunca pensou que encontraria o verdadeiro amor, mas lá estava ela. Arthur adorava tudo em Letícia: seu sorriso, seus cabelos, a cor dos seus olhos e o espírito indomável que existia dentro dela.

O grupo montou a manifestação em frente a uma empresa que havia sido exposta na internet por realizar testes em ratos, coelhos e gatos. Arthur levou a câmera para registrar o protesto, ainda mais porque sua namorada participaria. Letícia e outras meninas tiraram as roupas, ficando apenas com peças íntimas, enquanto um rapaz jogava tinta vermelha nelas.

— É isso que acontece com os animais! Eles são torturados todos os dias por muitas empresas. Será que não têm direito à liberdade?! Quantos animais morrem com esses testes cruéis? E se isso fosse feito com humanos?! — Bernardo gritava ao microfone, chamando a atenção de muitas pessoas que passavam pelo local.

Mudar o mundo com uma apresentação era impossível, mas, dentro de Letícia, algo mudou, e ela adorou fazer parte daquilo, principalmente pela mensagem que queriam transmitir. A polícia apareceu no protesto, porém não fez nada, afinal, a manifestação era pacífica.

Em determinado momento da performance, Letícia bateu a cabeça com força no chão, mas não parou de atuar. Ela se entregou de corpo e alma para ajudar os animais indefesos. A equipe de Bernardo conseguiu arrecadar mais de duas mil assinaturas de pessoas que passavam pela rua. A sensação de dever cumprido fez os jovens manifestantes respirarem aliviados.

Depois da manifestação, eles seguiram para a sede do PA (Parceiros dos Animais), que ficava próxima à casa de Letícia. No meio do caminho, minha amiga sentiu um gosto doce na boca. Segundo Arthur, a tinta usada na apresentação era feita com produtos naturais, o que explicava a sensação agridoce.

— Amor, onde posso me lavar? — perguntou Letícia ao entrar na sede do PA.

— Tem um banheiro no fundo. — disse Arthur, pegando a mochila e entregando-a à namorada. — Tem uma toalha dentro, você pode usar.

Sim, o dia de Letícia foi maravilhoso. Apesar de ter batido a cabeça no chão e ficado com uma forte enxaqueca, ela ficou feliz em ajudar uma causa importante. No banheiro, abriu a mochila e encontrou um frasco de remédio de Arthur. Pensando ser um analgésico, tomou duas pílulas sem água. Coragem, né?

Enquanto isso, Arthur usava o notebook para checar as imagens que fez durante o protesto. Ele reassistiu à apresentação da namorada umas sete vezes e, em cada uma delas, encontrava um novo motivo para amá-la.

— Muleque, o bagulho ficou louco mesmo. Parabéns. — Bernardo agradeceu ao amigo, que ficou surpreso e sorriu. — Dando um looping infinito na sua gatinha?

— Ela é linda, né?

— Eita! — exclamou Bernardo, levantando as mãos. — Mulher de parceiro meu é homem.

A felicidade, infelizmente, vem para poucos. Zedu continuava confuso e, por algum motivo, eu não conseguia ajudá-lo. A única pessoa que sabia sobre nós era a tia Olívia. Ela sempre me apoiou, mas eu ainda não queria contar sobre o avanço no nosso relacionamento.

Quando estávamos a sós, conseguia ver um lado iluminado do José Eduardo: o cara romântico, que gostava de colecionar clichês, como, por exemplo, me presentear com rosas, criar playlists de músicas românticas, segurar minha mão em lugares vazios e sussurrar palavras carinhosas no meu ouvido.

Sim, a cada dia, eu sonhava com o momento em que seríamos livres para viver a nossa verdade. Afinal, não estávamos fazendo nada de errado. Éramos dois jovens apaixonados, e ponto. Por que é tão difícil ser gay no Brasil? Por que não somos educados desde pequenos a respeitar a orientação sexual dos outros? Que droga.

Nosso "rolo" já durava dias; entretanto, ainda não tinha acontecido o encontro oficial. Então, decidimos aproveitar um feriadão para finalmente marcar esse momento. Optamos pela escolha mais segura: o combo "jantar + cinema". Para ser justo, ele pagou o restaurante, e eu fiquei responsável pelos ingressos.

"O que usar no primeiro encontro?", escrevi no Google enquanto pensava no melhor look para vestir. Levantei e fui até o meu guarda-roupa. Muitas peças pretas e estampas engraçadas... Então, lembrei de uma mala que trouxe do Rio de Janeiro e ainda não havia desfazido.

— A minha salvação! — gritei sozinho no quarto, correndo para abrir a mala.

Cuecas. Meias. E, graças a Deus, blusas sociais que combinavam com a ocasião. Precisei lavar todas, pois estavam com um cheiro estranho. Nunca usei tanto amaciante na minha vida, sério. Acabei com metade de um frasco de um litro. Queria causar a melhor impressão, afinal, não conseguia evitar uma leve comparação com Alicia.

Durante anos, Zedu teve apenas a ex-namorada como referência para um encontro. Como competir com isso? Tentei não surtar, mas uma voz dentro de mim dizia para desistir. Será que valia a pena investir em uma relação com Zedu? Lembrei de uma pessoa que poderia me ajudar. Peguei o notebook e abri o Skype.

Yuri:

— Preciso da sua ajuda. Você está só?

Hélder:

— Claro, meu ursinho albino!

Fiz uma chamada de vídeo com Hélder. No início, fiquei com muita vergonha; nunca tive um amigo para conversar sobre encontros. Ainda bem que ele soube contornar a situação. Hélder é um homem de quase 40 anos, que adora vestir roupas espalhafatosas e se tornou uma espécie de referência para mim.

— Então, eu vou ter um encontro, mas não é com o Diogo. Estou conhecendo uma pessoa, só que ainda é cedo para dizer onde isso vai dar. Hoje temos um encontro, e eu não sei como agir — contei para Hélder, sem medo de deixar tudo bem explicado.

— Olha, viado, não vou mentir. Fiquei triste por você rejeitar o Diogo, mas também sei que é complicado lidar com o coração — disse Hélder de forma teatral, fingindo um choro digno de um Framboesa de Ouro.

— Hélder, é sério. Estou assustado. Sei que você conhece o Diogo há muito tempo e, tipo, sou um agregado entre vocês. Não tenho mais ninguém para conversar. E não me permito machucar o Diogo falando sobre isso — falei, me aproximando da câmera, o que fez Hélder rir do meu desespero.

— Ei, calma. Sim, conheço o Diogo há um tempo, mas você tem um lugar no meu coração, Yuri. Tá, vamos lá. Esse garoto com quem você vai sair é gay? Porque você sabe que muitos caras, principalmente os casados, gostam de objetificar o corpo gordo — senti uma tristeza na voz de Hélder.

— Ele é gay, está no armário, mas deixou a namorada para ficar comigo. E quando eu digo deixou, deixou mesmo.

— Ótimo. Então, não tenha medo. Seja você. Qual é, Yuri? Você é um menino inteligente, sensível e — sei que é clichê — tem um sorriso muito bonito. Não é difícil imaginar os motivos que levaram esse rapaz a se apaixonar por você.

Ok. Não era algo tão difícil. Conversei bastante com Hélder, e quase esqueci os motivos que me deixaram nervoso. Queria muito levá-lo como amigo para o resto da minha vida, pois, além de conselhos, eu também ganhava um show de stand-up comedy.

Era uma sexta-feira, às 19h, quando eu, Yuri, encontrei o Zedu para o nosso primeiro encontro. Escolhi uma opção segura: camiseta 3/4 estampada com flores pretas, calça preta e um sapatênis — quase um "hétero topzeira". O Zedu, por outro lado, estava deslumbrante. Vestia uma camisa jeans azul de mangas curtas sobre uma camiseta preta, calça jeans skinny e coturnos pretos.

Havia algo no Zedu, um mistério que eu não conseguia decifrar. De repente, ainda na entrada do shopping, ele pediu para que eu fechasse os olhos e, quando os abri, segurava um urso de pelúcia. Nunca o vi tão vermelho, e com certeza eu também estava. Nossos olhares se encontravam constantemente, e os sorrisos vinham fáceis.

Engraçado... conhecíamos-nos havia meses e nunca tivemos dificuldade para conversar, mas, naquele momento, as palavras simplesmente sumiram. Meu coração acelerou quando o Zedu se aproximou. De perto, pude notar detalhes que antes me escapavam: os cabelos penteados para trás e o cheiro inconfundível do Biografia.

— Você... você... está lindo — ele disse, ruborizado, soltando um riso abafado.

— Você também — respondi, sem saber exatamente o que fazer em seguida.

— O filme começa às 19h30. Vamos?

O caminho até o cinema foi, no mínimo, curioso. Seguimos em silêncio, e na minha cabeça o Zedu não estava gostando do encontro. Eu tentava iniciar uma conversa, mas sempre havia uma distração — como a senhora que pediu ajuda para chamar um Uber ou o preço exorbitante de um PS4.

Ainda bem que chegamos a tempo de comprar os ingressos. O filme escolhido? "A Festa do Sangue 5 - Tripas Voadoras". Nada como um terror para esquentar o clima. Tão nervoso estava que errei a senha do cartão duas vezes, arrancando um riso da atendente.

Na fila da pipoca, o Zedu pegou o celular e começou a digitar mensagens. Definitivamente, o encontro não estava saindo como eu imaginava. Eu precisava fazer algo para que essa não se tornasse uma lembrança negativa do seu primeiro encontro com um homem.

— Está quente hoje — soltei, tentando chamar sua atenção enquanto seguíamos para a sala.

— Oi? — ele perguntou, guardando o celular no bolso da camiseta.

— Zedu, eu estou nervoso, ok? Eu não quero que esse encontro vire uma catástrofe, ok? Você deve ser o rei dos encontros, ok? — Nunca usei tantos "ok's" na vida.

Ele riu e segurou meu rosto.

— Yuri, você fica muito fofo nervoso.

— Estou falando sério, Zedu.

— Eu também. Sim, você é meu primeiro encontro com um homem. Confesso que estou nervoso. Mas não sou o rei dos encontros — riu de novo. — Estava no celular porque a mulher do restaurante mandou mensagem para confirmar a reserva. Eu estou adorando o encontro, juro. Eu gosto de qualquer coisa com você. — Ele sorriu e pegou o meu refrigerante. — Deixa eu te ajudar com isso.

Escolhemos os últimos assentos porque, segundo Zedu, a acústica era melhor e a experiência do filme seria mais intensa. Ele levantou a divisória entre as cadeiras, criando o espaço perfeito para nós. Assim que as luzes se apagaram, percebemos que a sessão estava vazia. Momento de pegação.

Pela primeira vez, beijei um homem no cinema, e foi ótimo. Entre gritos de dor e desespero na tela, explorei cada parte do corpo do Zedu. Tivemos que nos segurar, afinal, ser preso não era um bom plano para um primeiro encontro.

— Melhor a gente se segurar — sussurrei, voltando a olhar para a tela no exato momento em que uma moça peituda era serrada ao meio.

— Caramba, a produção desse filme caprichou.

Do nada, os créditos subiram. Olhei para o Zedu, incrédulo. Passamos uma hora e meia nos beijando! As luzes se acenderam, e minha visão foi ofuscada. Não consegui segurar o riso ao ver o cabelo do Zedu todo bagunçado. Seguimos para o banheiro para ajeitar o visual — ainda faltava a segunda parte do encontro.

Pegamos um Uber para o restaurante. No caminho, Zedu fez carinho na minha mão. Eu não sabia que encontros podiam ser tão bons, ainda mais ao lado de alguém tão especial. No rádio, começou a tocar "Don't Look Back in Anger" do Oasis. Zedu me olhou e sorriu, um sorriso tão lindo que poderia iluminar toda a cidade.

***

"And so Sally can wait

She knows it's too late

As we're walking on by

Her soul slides away

But don't look back in anger

I heard you say"

***

Preciso contar uma coisa: o Zedu é o rei das expressões faciais. Ele é fácil de decifrar. Quando seus olhos encontravam os meus, eu via uma ternura que me deixava emotivo. Eu poderia morar para sempre dentro daquele carro, mas, como disse, o restaurante não ficava longe.

A primeira coisa que vi ao chegar foi o Teatro Amazonas. O restaurante ficava em um prédio ao lado do teatro mais famoso do estado. Subimos uma pequena escada, e a decoração me chamou a atenção: tudo tão aconchegante. Uma funcionária nos recebeu, e precisei segurar o riso quando o Zedu falou seu nome verdadeiro.

A atendente conferiu a reserva e nos deixou entrar. O ambiente era encantador. Não entendo muito de música clássica, mas percebi diversas referências a Édith Piaf, que dava nome ao restaurante. Além disso, o prédio ainda preservava sua história, o que me deixou ainda mais fascinado.

Percebi outros casais gays; inclusive, um deles estava comemorando 10 anos de casamento. O Zedu acertou em cheio na escolha. Acho que ele pensou nesse restaurante desde o início. Ele pagou pelo rodízio de massas, ou seja, aproveitei cada minuto.

Conversamos bastante durante o jantar. Sempre aprendia algo novo sobre o Zedu, como, por exemplo, sua paixonite pelo professor de biologia ou sua breve passagem por um grupo de hip-hop. Contei mais sobre os meus pais e minha avó diabólica. Eram momentos como esses que nos uniam como casal.

— Estou cheio. — Zedu soltou, encostando-se na cadeira.

— Obrigado, Zedu. Sei que o encontro nem acabou, mas obrigado. — Agradeci, tentando não deixar a situação estranha.

— Tudo bem, bebê. — Ele se assustou com o "bebê" e coçou a cabeça.

Eu era o bebê do Zedu. Eu. Puta merda. Se uma pessoa pudesse entrar em combustão por felicidade, eu já teria explodido. A garçonete chegou para levar os pratos sujos e cochichou algo no ouvido de Zedu, que respondeu com um "ok" utilizando a mão direita. Ela trouxe uma bandeja coberta com uma cloche (espécie de tampa oval).

— Obrigado. — Disse Zedu, aparentando estar nervoso. — Yuri, eu sei que estou te dando pouco. A minha cabeça continua temerosa, mas uma coisa que não estou é confuso sobre os meus sentimentos. Eu te vejo com o Diogo e tenho ciúmes. Desculpa, não consigo evitar. E também não estou no direito de te exigir nada. Quero que você tenha paciência, assim como estou tendo. — Ele levantou a cloche.

Era uma sobremesa. Juro que não esperava por aquela declaração. "Quer namorar comigo?" estava escrito com chocolate no prato. Nem liguei para o doce. Desculpa, Petit Gâteau, você que lute, pois acabei de ser pedido em namoro pelo garoto dos meus sonhos.

— Yuri. — Zedu me tirou do transe.

— Oi?

— Hum. — Ele disse, apontando com os olhos para o prato.

— Aceito. Aceito. — Falei, evitando as lágrimas, enquanto Zedu saía da sua cadeira, sentava-se ao meu lado e me beijava.

— Eu te amo, Yuri.

Queria saber que empurrão de coragem foi esse que o Zedu levou. Ele me beijou na frente de todos. Tá, tudo bem que eram estranhos e, provavelmente, nunca mais nos veríamos, mas adorei cada momento desse encontro. Não sei se a minha história com José Eduardo vai ser para sempre. Porém, próximos namorados, vocês vão ter que se superar.

***

O feriado passou e, com ele, um dos momentos mais especiais dos meus 16 anos. Na escola, precisávamos manter uma certa distância, mas sempre encontrávamos uma brecha para declarações fofas. O Diogo começou a desconfiar, mas estava focado em conseguir os documentos necessários para Portugal.

Enquanto isso, Brutus foi confrontado por João e Lucas. Eles o viram conversando comigo e resolveram tirar a história a limpo. Aparentemente, a situação deixava meus colegas desconfortáveis. Com uma paciência fora do normal, Brutus chamou os dois para a sala de computação.

Meio contra a vontade, João e Lucas seguiram Brutus. A princípio, ficaram sem entender o motivo. Então, Brutus deu play no sistema de vídeos, e uma cena de João e Lucas se beijando apareceu. Vi tudo de longe, no fundo da sala, e confesso que fiquei com pena deles.

Envergonhado, Lucas implorou para Brutus desligar o vídeo. João, por outro lado, partiu para cima do meu amigo, tomou o controle e desligou o aparelho. Ele soltou os cachorros, gritou e esbravejou.

— Vai usar de violência?! — questionei, surpreendendo os dois.

— Seu gordo! — João gritou, avançando sobre mim, mas foi impedido por Brutus.

— Brutus, cara. Isso não é nada. Foi uma brincadeira minha e do Lucas. — João tentou apelar.

— João, desde sempre você me jogou contra o Yuri. E vocês dois, que tanto pregam ódio...

— O que vocês vão fazer com isso? — quis saber Lucas, chorando.

— Escuta aqui. A gente não quer fazer nada contra vocês, mas as brincadeiras com o Yuri precisam parar. Eu sou amigo dele, e nada vai mudar isso. Então, sem planos e pegadinhas. — disse Brutus, pegando no meu ombro.

— Besteira. Posso processar vocês. — João tentou nos intimidar.

— Será? Porque, para processar, você vai ter que mostrar o vídeo para muitas pessoas. — Brutus fez uma expressão que me deu arrepios, lembrando aqueles vilões de novela mexicana. — O vídeo está em um lugar seguro, mas, se eu ficar com raiva, bem... não respondo por mim.

— Chega. — Intervi, segurando Brutus. — Eles entenderam. Vamos. — Quase arranquei Brutus da sala.

Ódio. Após o susto passar, João chorou e sentiu apenas ódio. Com pena do amigo, Lucas tentou se aproximar, mas levou um tapa e foi responsabilizado pela situação. Afinal, na cabeça de João, Lucas era um oferecido e servia apenas para transar. Por outro lado, Lucas não conseguia entender a raiva do colega.

— Me perdoa, João. Você é meu único amigo e...

— Cala a boca. — João desferiu outro tapa em Lucas, que caiu no chão chorando. — A gente precisa pensar em uma forma de acabar com o Yuri. Eu vou acabar com esse gordo. — ameaçou João, chorando.

Sim. Minha vida está em uma crescente linha reta. Brutus conseguiu me surpreender ao bolar um plano tão brilhante que dava medo. Após o nosso momento "Soraya Montenegro" (vilã de Maria do Bairro), segui para a biblioteca e encontrei Diogo, que fazia uma pesquisa para o nosso trabalho de Biologia.

Ele estava todo feliz, pois faríamos o ensaio juntos. George já havia preparado todas as locações, e a nossa seria no estúdio. Zedu mandou uma mensagem super fofa, na verdade, uma foto do prato de Petit Gâteau que devoramos na sexta. Entendia a parte do segredo, mas não deixava de ser difícil.

Letícia se sentiu zonza e achou que era por causa da dor de cabeça. No fim de semana, pegou algumas pílulas de Arthur e guardou na mochila por precaução. Durante o intervalo, tomou o remédio na esperança de aliviar o enjoo.

Engraçado como um amigo consegue sentir quando não estamos 100%. Ramona entrou na sala e encontrou Letícia debruçada sobre a carteira. Para animá-la, mostrou algumas fotos da manifestação que viralizaram nas redes sociais.

— Amiga, foi... T.U.D.O. Acho que vou participar de mais apresentações. — revelou Letícia, dando gritinhos de alegria.

— Nossa, que animação. Não sabia que salvar o mundo era tão legal.

— Fazer parte de algo tão bonito... Ramona, você precisa participar comigo. Eles são tão legais. O Arthur é um anjo enviado pelo nosso Senhor Jesus Cristo. Espero que a gente fique junto por muitos e muitos anos. — Letícia falou tão rápido que quase não respirou.

— Você parece um pouco agitada hoje. Não quer ir à enfermaria?

— Estou ótima. E me conta, o Brutus já te pediu para ir ao baile?

— Não. Ele tá demorando demais. Estava pensando em pedir e...

— Acho super legal. Eu, por exemplo, vou pedir ao Arthur. Amiga, vivemos no século XXI. As mulheres precisam se livrar dessas amarras que a sociedade patriarcal nos impõe. Podemos votar, dirigir, conseguir trabalhos maravilhosos, então qual o problema de chamar o crush do ensino médio para o baile da escola?

— Letícia, amiga. Respira. — pediu Ramona, estranhando a atitude dela. — Mas, no fundo, você meio que tem razão.

No quarto tempo, não tivemos aula. A professora adoeceu, e ficamos com um período livre. Decidi ir a uma sala vazia para terminar o projeto de Biologia. A pesquisa de Diogo foi suficiente, então o liberei para arrumar sua documentação.

Enquanto tentava analisar os efeitos de agentes químicos sobre material hereditário, senti uma mão tocando meu ombro. Zedu sorriu e conseguiu dissipar minha irritação. Fechei a porta e não pude evitar dar alguns beijos nele. Me arrependi quando as coisas ficaram mais quentes, pois a farda não nos deixava esconder qualquer evidência de diversão masculina.

— José Eduardo, para. — pedi, sabendo que aquilo não era verdade. Eu queria mais e mais.

— Calma. Não posso vir beijar meu namorado? — disse ele, beijando meu pescoço.

— Tá bom. Já beijou. Agora vaza.

— Ai! — ele gritou, pegando no coração de um jeito dramático. — Que rude.

Era para ser a semana mais feliz da minha vida, mas o destino gosta de pregar peças e testar nossa resistência.

Atrás do balcão, João e Lucas ouviam toda a conversa. Eles até tentaram pegar o celular para gravar, mas não conseguiram.

Aquilo só aumentou a raiva de João. No fundo, ele era apaixonado por Zedu e não gostava da minha amizade com ele. Durante um bom tempo, João tentou fazer parte da turma, mas, assim como Vando, acabou não encontrando seu espaço.

Na sala de aula, João estava possesso. Lucas percebeu que a fisionomia do amigo estava diferente, quase fora de si.

— Calma. Podemos usar isso contra ele — cochichou Lucas no ouvido do amigo.

— Ele vai me pagar. Eu vou destruir esse gordo! — declarou João, tomado pela raiva.

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CLARO QUE POR TRÁS DE TANTO ÓDIO TEM UM AMOR, UM TESÃO ESCONDIDO. NÃO PODERIA SER OUTRA COISA. MAS VC TROCOU VÁRIAS VEZES OS NOMES NO CAPÍTULO DE HJ.

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