As cortinas não tinham sido fechadas, dessa forma, a enorme parede de vidro permitia que os primeiros raios do sol invadissem o quarto e banhasse nossos corpos com sua luz dourada e confortável da manhã. Ainda não acostumado com tamanho conforto, alisei os lençóis que abraçavam meu corpo e virei meu rosto com a intenção de olhar Vincenzo. O homem não mais tão estranho permanecia apagado, mas consideravelmente longe de mim. Do meu ângulo, suas costas alvas estavam expostas à luz travessa que invadia o ambiente e a ponta do lençol repousava sobre o final de sua coluna, naquela volta especialmente sensual, cobrindo sua bunda. Havia uma doçura em seu sono, mas eu sabia da possibilidade de não mais encontrar o mesmo homem da noite passada. Ele poderia e deveria ser muitos. Ainda assim, é claro que eu me aproveitaria da situação: arrastei a ponta dos dedos tão suavemente naquela volta que antecipava suas nádegas que ele jamais acordaria com meu toque. Estava quente e era de uma maciez insuportavelmente gostosa.
Levantei como se pisasse em um terreno minado e atravessei o quarto completamente desnudo. Para minha sorte, no armário do banheiro haviam toalhas limpas e um pequeno estoque de produtos, dentre eles uma escova parecia ter sido reservada para mim. Eu já tinha ultrapassado todos os possíveis níveis, usar a tal escova não significaria nada.
Banho tomado, dentes escovados, cabelos penteados, vesti minha roupa e desci para a sala. Eu pretendia sair sem avisos mesmo que isso deixasse no ar o desejo da minha parte de outro possível encontro, mas aquela sala era importante demais para ser ignorada. Às claras, era ainda mais bonita: o proposital contraste da madeira escura e o vidro brilhante, a contemporaneidade das fotografias emolduradas e o rústico dos móveis. Tudo era pensado e suas posições dentro do ambiente mostravam isso. Uma estante guardava livros e peças pequenas em uma das paredes escuras. Algumas fotografias pequenas repousavam ali, felizes. Numa delas, Vincenzo beijava alegremente o rosto de uma mulher mais velha. O queixo bem desenhado e os olhos amarelados quase esverdeados denunciavam que era sua mãe. Em outra foto um senhor estava sentado atrás de uma mesa de vidro, Vincenzo estava em pé atrás da cadeira e emoldurava os ombros do senhor com os dedos grandes e ossudos. Não havia dúvidas que era seu pai. “Filho único” eu comentei para mim mesmo. Passeei pela sala e parei colado ao vidro, admirando a cidade estendida abaixo de mim. Não muito distante dali o mar brilhava em sua eterna dança. Talvez eu passasse na praia. Era um bom dia pra isso.
- Parece um bom dia, não é? – A voz era inesperada e familiar me arrancou dos meus pensamentos.
Eu não respondi e continuei admirando a paisagem até que senti que ele estava muito próximo de mim. Uma de suas mãos tocaram minha cintura e depois desceram pela minha bunda. Eu permaneci calado quando senti ele depositar algo no meu bolso traseiro. Era o pagamento da noite anterior e ocupava espaço demais. Havia mais do que eu esperava ali.
- Fazer isso às claras é mais difícil do que eu imaginava – eu sussurrei para o vidro em tom de confissão.
- Não vá por esse caminho – ele disse se referindo ao meu pensamento e logo me serviu uma pausa necessária. – Você precisa de um motorista?
- Ah, não – eu disse caminhando para longe do seu corpo enquanto colocava uma mecha do meu cabelo molhado atrás da orelha. – Não precisa. Talvez eu vá até a praia. Parece mesmo um bom dia.
Eu finalmente me virei e me deparei com a visão que não seria sacrifício ver todas as manhãs. O cabelo curto de Vincenzo estava bagunçado e isso deixava seu rosto mais divertido e menos duro. Os olhos apertados demonstravam que as horas de sono não foram suficientes. O short muito abaixo da linha da cintura me dava uma visão alongada de sua barriga lisa e madura, coberta por aqueles pelos finos e macios ao toque. Era realmente algo que eu adoraria ver todas as manhãs.
- O mar. Eu deveria vê-lo mais vezes. – Ele também pareceu se confessar.
- Deveria. – Eu concordei e esbocei um sorriso deslocado.
Ao olhar para a saída ele entendeu que eu estava indo embora. Num salto, passou por mim e abriu a porta, deixando um espaço proporcional ao meu tamanho entre a ela e seu corpo. Eu passei por ele sem olhar seu rosto e senti meu cheiro ainda presente em sua pele. Por fim ele encostou a lateral do corpo no portal e me entregou um daqueles sorrisos confortáveis que eu tinha provocado na noite passada. Eu retribui o sorriso, convencido de que aquilo era equivalente a um obrigado. Era sua maneira de dizer que tinha gostado e é claro que eu poderia estar criando expectativas demais.
Eu segui o corredor e muito próximo do elevador levantei minha mão, ainda de costas, num aceno de despedida. Eu ria e sabia que ele estava rindo.
Para quem era um homem de uma noite só, sair junto com o sol estava completamente fora do roteiro. Mas quem se importaria?
Resolvi ir caminhando até a praia. Era uma manhã bonita e eu exalava disposição. Mesmo com o nítido desconforto da despedida, eu atribui tal disposição ao conforto da noite passada. Não muito distante dali meu telefone tocou e o fácil acesso me permitiu atender no segundo toque:
- Alô?
- Caio... – A voz me entregou uma pausa. – Caio Alvarez?
- Eu. – Minha voz saiu curiosa demais.
- Talvez você precise ajudar um amigo, digamos, um tanto problemático..
- Como é? – Eu o interrompi, incrédulo.
- Alexandre. Ele está aqui na delegacia do centro. Você foi o primeiro nome citado.
“Inferno” eu murmurei para mim mesmo.
- Tá, tá. Estou aí em um segundo – eu continuei antes de desligar o telefone sem avisos.
Não era possível. Alexandre deveria ter se metido em alguma confusão novamente. Tomei o primeiro táxi e em poucos minutos estava na delegacia. Não pedi ao taxista que esperasse. Eu não sabia o que estava rolando ali dentro.
Entrei completamente perdido e tudo ali era esquisito demais. Delegacia se encaixa na categoria de lugares que você nunca quer estar. Alguns policiais atendiam telefones enquanto outros riam de algo na tele de um computador. Curiosamente ninguém me deu atenção. Dei alguns passos na direção de um corredor e só vi que a entrada era proibida quando um dos policias barrou minha passagem.
- O que foi garoto?
Garoto. Eu nunca pareci ter a idade que realmente tinha. Era insuportável ver as pessoas, na maioria das vezes, me tratar como se eu não pudesse falar por mim.
- Me ligaram daqui. Disseram que... Quer dizer, onde eu encontro o Alexandre? – Eu ainda estava completamente perdido.
Ele riu. Seu riso viajou por toda a sala e alertou aos colegas da piada interna que o fizera rir. Todos riram quando me ouviram pronunciar o nome de Alexandre. Quando pareceu satisfazer o seu prazer em debochar de mim, falou ainda mais irônico:
- A moçinha violenta? – E riu novamente. – Cuidado, ele pode te morder. – Ele por fim disse abrindo caminho para mim.
Eu estava irritado. Eu estava completamente irritado. Não somente com ele e todos os outros policiais que se comportavam de forma ridícula, mas com Alexandre que me fazia passar por isso. Caminhei com pressa mesmo sem saber para onde deveria ir. Finalmente me achei, ou me perdi completamente, quando Alexandre gritou e saiu cambaleando de uma das salas. Atrás dele veio um policial, aparentemente mais sério que os outros imbecis que faziam a recepção daquele lugar nojento.
- Filho de uma puta, o que foi dessa vez? – Eu quase gritei impedindo-o que me abraçasse.
- Caio? – O policial falou calmo.
- O que foi isso?
Eu apontei para Alexandre que acabava de encostar na parede do corredor. Sua camisa estava rasgada na altura do peito e parecia absurdamente suja. Estava descalço e parte do seu rosto apresentava uma vermelhidão anormal.
- Nos chamaram numa festa aqui perto. Alguns jovens transtornados brigavam na saída.
Enquanto ele falava eu não conseguia mais olhar para Alexandre. Era como se eu fosse o pai dele ou qualquer outra pessoa responsável de um garoto que não precisava de responsáveis. Vai entender!
O policial continuou:
- Aqui eles relataram um caso de preconceito dentro do local. Na saída todos se desentenderam e rolou uma confusão generalizada.
- Só ele veio para a delegacia? – Minha pergunta saiu em tom de protesto.
- Não, os outros já foram liberados. Não registramos nada, apenas pedimos que ligassem para que alguém o resgatasse. – Ele quase deu uma risadinha. – Ele está tonto ainda. Consegue levá-lo?
- Não me acusem de agressão se eu arrastar ele daqui. – Eu disse me virando para Alexandre, entregando-lhe uma expressão desagradada. Ele apertou os lábios como uma criança flagrada em um ato impróprio.
Ao sair do prédio que abrigava a delegacia foi impossível fugir dos vários comentários em forma de cochicho que se formaram ali. Eles faziam isso na clara intenção de provocar. Milagrosamente consegui manter Alexandre calado, mas ele sabia o quão sortudo tinha sido essa manhã. Ele se controlaria. A sorte pareceu gostar do garoto. Outro táxi passava e ao parar eu joguei Alexandre dentro do automóvel, despreocupado com o impacto de seu corpo contra o assento. Dei o endereço do apartamento dele e em segundos estávamos em movimento.
- Cadê seu documento? – Eu o olhei de lado ainda mantendo minha expressão desagradada.
- Bolso. – Ele murmurou.
- Seu tênis?
- Na bunda de um daqueles héteros desgraçados – ele disse sorrindo de canto, satisfeito.
- É sério isso? – Eu estava olhando para ele, incrédulo.
- Um grupinho de machões não gostou de me ver beijando um menino lá.
- E você foi tirar satisfações. – Eu completei sua frase.
- Não. Eu fui mostrar que sou tão macho quanto eles.
O motorista nos olhava pelo retrovisor sem esboçar reação alguma. Alexandre continuou com sua voz enrolada:
- Eu tenho certeza que quebrei o nariz de um infeliz qualquer.
E inesperadamente o motorista riu. “Segunda ocorrência começando agora” eu pensei antes de respirar fundo. Eu já estava pronto para colocar meu braço no caminho impedindo qualquer reação de Alexandre quando o motorista disse com a entonação de um pai parabenizando o filho pelo vestibular conquistado:
- Garoto esperto!
Alexandre gargalhou. Havia uma quantidade mínima de sangue já seco no canto direito dos lábios. Sua risada era divertida e gloriosa. Ele era o ganhador desse duelo. Havia conquistado espaço e aparentemente alguns machucados. Constatei isso quando em meio às risadas ele levou a mão ao peito e depois ao queixo. Eu quase ri do quão inconsequente ele parecia naquele momento. Guardei o riso para mim mesmo.
No seu prédio subimos as escadas com dificuldade e suspirei aliviado quando vi que ele não tinha perdido as chaves. Entrei e imediatamente ordenei que ele tirasse a camisa.
- Isso virou lixo, seu cretino. – Eu joguei a peça em um canto qualquer.
- Ai! – ele reclamou ao abaixar o braço direito antes de continuar: - Deixei aí, é o prêmio do dia.
- Não vou falar nada. – Eu inspirei fundo. – A calça!
Posicionado atrás dele, dei a volta em sua cintura com meus braços e desabotoei sua calça. Desci o zíper e então fiz a peça cair até seus tornozelos, ele deu um passo à frente e ficou apenas de cueca. Ao erguer meu olhar notei que seu ombro direito estava muito mais vermelho que seu queixo e sem dúvida logo um roxo surgiria ali. Novamente inspirei com força e passei meus dedos na região:
- Dói muito?
- Aposto que o nariz quebrado do babaca vai doer mais.
Não deixei que ele me visse rindo e o empurrei com cuidado para o banheiro. Ao se posicionar embaixo do chuveiro ainda desligado ele me chamou como se já estivesse completamente sóbrio, mas eu sei que não estava. Apontei para meu cabelo ainda úmido, mostrando que eu já tinha tomado banho.
- Não importa, vem aqui!
E eu fui, é claro. No caminho tirei meu tênis, a camiseta e a calça. Estávamos apenas de cueca quando eu liguei o chuveiro, deixando a água cair primeiro sobre o corpo avermelhado de Alexandre. Ele virou de costas para mim sabendo o que eu faria. Me juntei ao banho, deixei que meu corpo fosse completamente molhado e então toquei a pele dele outra vez. Primeiro escorreguei meus dedos por seus ombros e depois a região machucava.
- Cobre. Cobre um espaço seu, mostre posicionamento e existência. – Eu falava baixo esperando que ele entendesse. –Mas entenda que são tempos difíceis para agir assim.
- Eles começaram – ele se defendeu.
- Eu sei da capacidade deles de nos tirarem do sério, mas é para o seu bem. Há uma violência em você que me assusta. Não lembra da última vez?
Ele virou de frente para mim e realmente parecia mais sóbrio, mais Alexandre. Eu encostei minhas mãos em seu peitoral e alisei a pele molhada.
- A vez em que eu estraguei a cara daquele imbecil abusador? Ele não queria sexo, Caio. – Ele continuou falando baixo como se me contasse outro segredo.
Ele se referia à um caso que ocorreu logo nos primeiros dias de programa. Um homem com todas as características de um psicopata o levou para um motel e tentou abusar dele das formas mais sujas possíveis. Alexandre disse que conseguiu se livrar das mãos imundas do homem e usou uma pequena escultura de madeira para golpeá-lo no rosto. 8 vezes seguidas. Alexandre respondeu em liberdade.
Eu continuei falando enquanto acariciava seu queixo, olhando a vermelhidão presente ali:
- Eu sei. Esquece aquilo. Você era novo. Não sabia no que estava se metendo.
- Mas que ele aprendeu uma lição, aprendeu.
Outro risinho satisfeito surgiu em seu rosto e aproveitei para limpar o resquício de sangue que havia ali. Como se possuísse todo o carinho do mundo, ele tomou uma mecha dos meus cabelos em sua mão e a colocou atrás da minha orelha, tirando do meu rosto.
- Se você não tivesse saído – ele disse sério.
- A festa estava um saco... – eu disse pausadamente. – O telefone tocou e eu não preciso dizer quem era.
- Ah, e posso imaginar que vocês transaram incansavelmente até pegarem no sono...
- Quieto – eu disse virando seu rosto para o outro lado. – Eu fiz o que deveria ser feito. Dormi porque estava tarde e aliás, em que momento começamos a dar satisfações um ao outro?
Ele sorria e me forçava a sorrir. Ele se desvencilhou de minhas mãos e encostou seus lábios molhados e carnudos nos meus. Os chupou numa leveza absurda e disse mais leve ainda:
- Você prometeu que cuidaria de mim. Você não estava lá.
- Eu estou cuidando agora. Amigos servem para isso – eu repeti a mesma frase que disse na viagem, mas dessa vez seguida de um beijo calmo e forçadamente molhado.
Eu ri quando ele grudou nossas corpos e suas mãos ousadas escorregaram para dentro da minha cueca, tocando o comecinho da minha bunda gelada.
- Pare!
- Ah, não. Você vai se fazer de cuidadoso. “Você precisa repousar” – ele me imitou caricatamente.
- E não precisa?
- Você sabe do que eu preciso.
- Sei e vou ignorar essa necessidade. Anda, termina aí! – Eu disse ao desgrudar dele.
- Cretino! – Ele gritou enquanto eu me afastava aos risos.
Eu já estava seco e vestia uma das minhas cuecas que tinha ali quando ele apareceu no quarto completamente nu. Sorrindo bati na cama ao meu lado, mandando-o deitar comigo. Ele me obedeceu e se jogou no colchão como se não existisse nenhum machucado em seu corpo. Felizmente nenhum dos vermelhidões era algo sério. De bruços, corri minhas mãos por suas costas e a deixei parada no final de sua coluna e comecinho da bunda quase rosada. Deitei e repousei uma de minhas coxas sobre a coxa dele.
- Você está parecendo aqueles gatos que brigam na rua e voltam para casa dominantes – eu disse me divertindo.
- Você gosta, né?
-Não. Não gosto mesmo.
- Você não gosta de mim, então? – Sua voz saiu quase infantil, cheia de drama e manha.
- Não mesmo. Vê se dorme, cretino!
Ele suspirou em meu rosto e virou totalmente o corpo, exibindo suas costas lindas. Provocativamente forçou sua bunda em minha cueca. O abracei, fazendo ele sentir ainda mais meu volume desacordado e aninhei seu corpo no meu.
A verdade é que eu gostava. Gostava até demais de Alexandre. Gostava de como ele me provocava e até gostava dos seus atos de loucura, que era completamente imprevisíveis. Eu gostava e isso, hora ou outra, seria problema para nós dois. As coisas sempre podem ficar confusas.