Na segunda feira eu estava nas nuvens, sorrindo feito bobo lembrando os toques e beijos, mas quem não estaria? Até pouco tempo eu nem achava que alguém fosse gostar de mim, que minhas experiências se resumiriam ao que tive com o João, que eu não fosse atraente. Bendito o dia em que eu entrei naquele escritório que de todas as formas possíveis alterou o curso da minha existência.
Eu estava disperso quando levei um sacode do meu chefe:
- Mark? Presta atenção, guri! Preciso daqueles documentos. Se concentra no seu trabalho e para de bancar o incompetente.
- Ok, doutor. Me desculpe! - e ali estava ele novamente... o Mark resignado e subordinado. Confesso que mereci. De repente meu celular vibrou. Olhei pelo visor e era uma sms do Pedro. Abri.
"Até quando você vai me dar esse gelo? Olha que daqui a pouco ele derrete com o calor do meu sentimento por você". Franzi o cenho. Que brega esse cara. Enfim, era outro sinal de que eu deveria manter meus pés no chão e voltar da longa viagem pelo País das Maravilhas.
A porta foi aberta, mas eu tinha muito trabalho então nem me dignei a olhar quem era. Senti uma presença esmagadora atrás de mim e uma mão no ombro me desconcentrou. Mas olha que estava difícil trabalhar naquele dia ein...
Parei o que estava fazendo e olhei para a pessoa que havia me tocado e lá estava ele. Serio, mas com os olhos mais sorridentes que eu já tinha visto.
- Err tudo bem? - ele corou, coçando a parte de trás da cabeça, forçando um pouco o bíceps, levantando a camisa levemente, deixando expostas aquelas entradinhas pra felicidade, se é que vocês me entendem. Credo! Como eu estava pervertido. Sim, eu pensei isso tudo em pouquíssimo tempo.
- Oi, tudo tranquilo. E com você? - sorri de volta.
- Tudo na paz... - e então se instalou aquele silêncio chato.
- Sabe de uma coisa?! O dia está um pouco abafado. Vou à cozinha pegar água. - sorri levado e me levantei em direção à saída. Eu fui mesmo pegar água e então a porta abriu. Ele me abraçou por trás e eu senti sua animação bem de perto. Passou a barba no meu pescoço e sussurrou safado no meu ouvido:
- Já estou com saudades desse corpo. - claro que eu amei ouvir aquilo e quem não ficaria né?!
Virei o pescoço um pouco de lado e trocamos um selinho, ignorando onde estávamos e toda a probabilidade de sermos pegos. Meu copo encheu e nos recompomos.
- Vou voltar ao trabalho...
- Eieiei, que pressa é essa? Ele se aproximou.
- Mané pressa, menino. Meu chefe ta pegando no meu pé.
- E eu na sua bunda! - e me deu um apertão no bumbum. Corei. Franzi o cenho pra ele e saí antes que aquilo nos levasse a outras coisas.
Foquei bastante no trabalho e quando me dei conta era hora de ir embora, senão me atrasaria para a aula. Como cheguei mais cedo que o Gabriel, logo saí antes dele também, o que nem era tão grande coisa assim. Disse um tchau coletivo me despedindo de todos que estavam no ambiente e fui em direção à saída quando meu celular vibrou. Era uma mensagem dele. “Poxa, mas vai assim sem nem um agradinho?!”. Sorri bobo. Respondi dizendo que tinha aula e não poderia me atrasar. No hall de entrada encontrei a Bárbara que, como sempre, sorriu e foi muito simpática me contando as peripécias que a vida lhe vinha pregando.
Enfim, saímos do elevador, nos despedimos e cada um foi para o seu canto. Na faculdade fui de cara sendo recebido por um Pedro Henrique sério e com cara de poucos amigos. Ele chegou perto de mim, apertou o meu braço e falou baixinho no meu ouvido:
- Você vai me ouvir por bem ou por mal. A escolha é sua!
Eu não me assustei, nem temi o pior. Assenti com a cabeça e ao invés de ir para a aula fomos até uma praça no interior do campus. Pelo horário, a praça estava vazia porque maior parte das pessoas estavam em aula, logo não teríamos problemas de privacidade.
- Tudo bem, Pedro Henrique, pode falar!
- Caralho, já te falei pra não me chamar assim. Que merda! – revirei os olhos. – Ta todo saidinho depois que começou a dar para aquele playboy. – essa me pegou desprevenido e não disfarcei minha cara de espanto. – Você acha que eu sou idiota, Mark? Sei que ele ta de dando um trato. – fiquei emputecido.
- Pedro Henrique – fui enfático ao dizer seu nome – não sei que intimidade é essa que você que tem comigo depois daquela sua ceninha na praia, porque, sinceramente, se eu estou dando para ele o problema definitivamente não é seu.
- O problema é meu sim, porra! Você é meu e esse cu também. – disse me interrompendo.
- Eu não vou ficar no meio dessa disputa de egos entre vocês. Gabriel e eu nem temos nada sério! – mordi a língua ao lembrar que essa informação poderia ser usada contra mim mais tarde. Ele sorriu vitorioso.
- Ah, não tem?! Hum, bom saber. Agora chega dessa conversa fiada que eu quero ter um papo serio contigo. Olha, eu já te pedi desculpas, você disse que as coisas não mudariam, mas não é isso que estou percebendo. Você anda frio, distante e não responde minhas sms.
- Pedro, eu sei que quebrei essa promessa e você tem todo o direito de cobrá-la, ou não. – ele fez menção de dizer alguma coisa, mas eu pedi, com um gesto, que ele esperasse eu terminar de falar. – Só que você precisa me dar um espaço pra digerir isso tudo. Eu te disse que gostava de você lá atrás, você me rejeitou, isso me magoou, eu superei e aí de repente você aparece dizendo que gosta de mim. Poxa, se coloca no meu lugar e tenta sentir o que eu senti.
Ele abaixou a cabeça em sinal de rendição ao que disse.
- Tudo bem, Mark, você tem razão. Agora uma coisa eu vou te dizer e quero que você guarde bem essas palavras: ele ainda vai foder com seu coração e quando isso acontecer eu estarei pronto pra te consolar. Só que por enquanto to tirando o meu time de campo!
Aquilo fez uma estranha carga de energia atravessar todo o meu corpo. Isso não era bom.
- Tudo bem, Pedro! – dei a conversa por encerrada e voltamos pra sala de aula que, como esperado, não rendeu nada. Eu não conseguia me concentrar.
A semana passou normal, com Gabriel e eu dando umas escapulidas até o depósito ou banheiro, o volume de trabalho diminuindo aos poucos e o Pedro parou mesmo de me assediar. Fiquei pensativo sobre tudo isso, até que na sexta-feira algo que mexeu comigo aconteceu. Gabriel foi para o estágio de manhã naquele dia, então eu não o vi. O dia transcorreu e já era de ir embora. Arrumei minhas coisas e quando estava indo em direção à porta ouço alguém me chamar.
- Mark, espera, eu também estou saindo e quero falar contigo.
- Ei Barbs, espero sim. – era a Bárbara. Ela me disse que eu já era um amigo e que poderia chama-la desse jeito. Ela terminou de fazer o que estava fazendo, nos cumprimentamos e eu já acionei o botão do elevador.
- Então, o que você vai fazer amanhã? – perguntou animada.
- Nada, provavelmente ficar de babá com meu irmão. – sorri sem graça.
- Credo! Pois você vai na minha festa de aniversário. – me entregou um convite simples, mas muito bem feito. – Faço questão da sua ida e pode levar mais uma pessoa com você. – sorri mais animado.
- Nossa! Muito obrigado mesmo. – era raro alguém me convidar para essas coisas e eu senti que podia confiar nela. Sim, foi meio patético todo agradecimento, mas eu era assim mesmo. Pra quebrar o gelo, fomos conversando amenidades.
- E então, quem mais daqui vai? – ela foi me falando uma lista com alguns nomes conhecidos e eu parei quando ela falou o nome dele.
- [...] o Gabriel, ahh é, vocês trabalham juntos né?!
- Sim, o chefe dele é outro mas a gente desenvolve praticamente as mesmas atividades.
- Tendi... ele é uma delícia né?! – sorri envergonhado. – Uma pena que namora. – estanquei assustado. De repente o chão se abriu sobre meus pés, assim como a sensação que eu tive na casa dele.
- E-ele namora?
- Sim , menino! Minha amiga a namorada dele, mas nossa! Nem combinam. Enfim, to indo nessa cuidar de alguns preparativos. Te espero lá amanhã ein?! – sorri sem vontade e a vi ir embora.
Andei em direção à Orla, que nem ficava tão próxima assim, mas eu precisava sentir a brisa do mar no meu rosto, precisava processar aquilo tudo. Eu não conseguia acreditar naquilo que meus ouvidos escutaram e por outro lado não fazia sentido nenhum ela me contar tão despretensiosa assim só pra me fazer mal, afinal ela nem sabia de nada.
Fui caminhando, escutando música, querendo chorar, absorto pelas minhas ideias, e de repente cheguei ao calçadão. Me sentei ali vendo aquelas pessoas de corpos bonitos, sorrisos bem cuidados, vida perfeita, passando para lá e para cá em seus patins/ bicicletas/ skates, só correndo ou só conversando. Me sentia o patinho feio perto daquela gente, porque minha origem humilde não se encaixava naquele meio.
Não sei porque, mas institivamente me lembrei dele. Ele pertencia àquela tribo, eu não. Pensava nisso mais como uma justificativa fajuta para me dar a desculpa perfeita para o que ele fez, afinal nunca daríamos certo como casal mesmo, e nem tinha essa promessa. De toda forma, ele brincou comigo, me fez sentir especial de todas as maneiras possíveis, e agora eu me sentia como nada. Minha cabeça começou a doer com todas as lembranças e no plano de fundo sempre tocando a fala da Bárbara “pena que tem namorada”. Lembrei também do Pedro dizendo que Gabriel partiria meu coração, mas que ele me consolaria.
Era do que eu precisava naquele momento, de consolo. Mas eu não tinha com quem me abrir, porque o Pedro não era mais imparcial e eu tinha pedido espaço a ele. Não podia contar aos meus pais, porque eu não era assumido, não podia contar a outro amigo, porque eu não confiava em mais ninguém. Mais uma vez, eu estava sozinho com toda essa barra. Eu não iria chorar. Talvez ela estivesse enganada. Isso! Só podia ser um engano.
Saí dali em direção ao ponto de ônibus, tentando afastar todas aquelas informações da minha cabeça. Eu iria à festa da Bárbara no dia seguinte, me divertiria e nada daquilo seria real.
Cheguei em casa, dormi, brinquei com meu irmão no dia seguinte, assisti desenhos com eles, me doei inteiramente, porque ainda não queria acordar para o que estava acontecendo ao meu redor. O dia se arrastava e eu não via logo a hora de poder ir ao evento da Bárbara, que estava marcado para 17hs, mas como eu morava longe chegaria um pouco depois.
Me arrumei e até que fiquei bonito. Não gostava de atrair atenção dos outros para mim, ainda mais se tratando de uma festa de aniversário. Não, eu não me achava especial, mas meu bumbum avantajado já tinha me rendido alguns comentários em outras oportunidades. Enfim, tomei o ônibus em direção à parte nobre da cidade, onde seria o evento.
Cheguei 1h depois do horário marcado no convite e percebi que já estava bem movimentada. A cada passo que eu dava em direção ao salão de festas o frio na espinha aumentava, porque eu estava prestes a desbravar o desconhecido (era o que eu me dizia). Na verdade a quem eu queria enganar?! Não queria mesmo era entrar e constatar que a Bárbara havia me contado a verdade sobre o Gabriel e que ele havia sido tão sórdido comigo. Entrei, cumprimentei algumas pessoas, abracei Bárbara e a felicitei por sua data, entreguei o presente que comprei para ela, um par de brincos singelos, tenho certeza, perto de tantas outras coisas que havia ganhado. Ela abriu o pequeno embrulho e me agradeceu muito feliz. Disse que havia amado e já os colocou ali mesmo, porque de acordo com ela era a peça que faltava para o look dela ficar completo. Se eu acreditei?! Não, mas fiquei feliz com a demonstração de respeito ao que eu havia lhe comprado.
Depois desse papo continuei andando pelo ambiente, quando sinto alguém me abraçar pelas costas, fazendo meu coração palpitar. E se fosse ele?
- Não sabia que você curtia esse tipo de ambiente. – sussurrou em meu ouvido. Então eu acordei. Olhei para trás e sorri da forma mais cordial que eu pude.
- Ei Pedro, nem eu, mas a Bárbara me convidou e eu estava mesmo precisando sair. – ele sorriu de volta, sentou-se em silêncio ao meu lado e eu me senti na obrigação de quebrar o gelo. Poxa, ele era meu amigo antes de tudo. – Mas e então, você conhece a Barbs?
- Barbs? Íntimo assim é? – corei sorrindo.
- Vai me dizer que ela é uma das tuas peguetes, Pedro Henrique! – disse indiferente.
- Só se isso for te deixar com ciúmes! – retrucou vitorioso percebendo o meu desconforto. – Mas não. Bárbara é uma grande amiga dos tempos de escola técnica.
Pedro ficou me contando altas histórias da época deles de escola e eu me peguei sorrindo bobo com todo aquele leque de acontecimentos. Me peguei pensando, também, que era por aquele Pedro que estava ali comigo que eu havia me apaixonada em outro momento.
- Ah, então você fez um novo amigo?! Cuidado com ele, Mark, Pedro não é flor que se cheire.
- Quem dera ele fosse apenas um amigo, Bar... te apresento o cara de quem eu lhe falei. – disse apontando pra mim.
- OMG! OMG! OMG! MAAAAAAAAAAAARK EU NÃO ACREDITO... – eu olhava curioso... não sabia se toda aquela excitação era boa ou ruim, até que ela soltou - ... QUE FOI VOCÊ QUEM CONSEGUIU BALANÇAR O CORAÇÃO DESSE HORROROSO! – e me abraçou.
- Ei, o horroroso ta aqui ainda, po. Sim, foi ele, maninha, mas ele não quer saber de mim. – agora os dois olhavam em minha direção, como se esperando alguma fala minha.
- Pedro, não é bem assim. Você contou pra ela que eu fui apaixonado por você? Contou o que você me disse naquela época? Contou o que fez na praia? – ele abaixou a cabeça. Bárbara olhava para ele como se querendo explicações e até deu um beliscão.
- Aiaiai vocês ein... depois, sr Pedro Henrique, nós vamos conversar. E você, meu amor, – me olhava com delicadeza – se conhece tão bem o Pedro, sabe que nada dessas coisas ele fez por mal, apesar de concordar com você e seus receios. Mas pensa bem, a vida é muito curta pra gente não se amar. – dizendo isso, Barbs me abraçou. – Bom, agora vou deixar vocês a sós, porque meu segundo casal favorito depois de vocês – eu abaixei a cabeça corado, Pedro sorria vitorioso – acabou de chegar.
Quando olhei para trás qual não foi minha surpresa. Era ele. Gabriel e a tal namorada.