Meu celular vibrou, e eu pedi licença para atender.
Um número estranho. Fui ate o banheiro e atendi a ligação.
***
- oi - falei.
- Oi Gabriel. - disse uma voz do outro lado da linha.
- quem é? - perguntei.
- não reconhece mais a voz do teu macho?
- Fernando?
- e tu tem outro?
Sorri.
- é tu mesmo cara?
- em carne e osso.
- ligação ta ruim. Porra cara, porque só agora tu ligou?
- eu não tive como ligar antes.
- ta na cidade já?
- ainda não.
- To com saudade. - falei com a voz embargada.
- eu também to Gabriel. Tô com muita saudade da tua companhia.
- e quando tu volta?
- em breve, mas ainda não sei o dia.
- e como a gente fica?
- conforme te falei. Me espera que vai valer a pena.
- é o que eu mais to fazendo esses dias.
- continua esperando, quando eu voltar a gente conversa.
- ta bom.
- eu vou ter que desligar agora, tem uma fila enorme querendo usar o telefone. - riu.
- ta certo Fernando, se cuida.
- você também.
***
Desliguei o telefone, e fiquei um tempo olhando minha imagem no espelho do banheiro. Como era bom falar com aquele cara. Como era bom saber que ele estava bem.
Lavei meu rosto e voltei para à mesa.
- tava perdido? - Juliano falava com um sotaque puxando a letra r. Alias, os três falavam da mesma forma.
- minha mãe ao telefone. - menti.
- teu suco ta esquentando, pedi gelo pra você. - disse Juan.
- Valeu Juan.
Juan lembrava muito um venezuelano. Sua pela era branca, em media de 1,75, cavanhaque, cabelo liso e escuro. Ele era um cara bonito.
As horas foram passando e fomos ganhando mais intimidade. Julio Cesar me falou um pouco de sua profissão, vida, filhos e esposa.
- então você passa muitos dias fora de casa. - comentei.
- as vezes, ate meses. Depende do tamanho da obra.
- e tu não acha cansativo?
- acho sim, mas é a profissão que eu escolhi.
- eu vou ter que viajar muito também?
- não necessariamente Gabriel. Tudo vai depender de onde tu vai trabalhar. Eu viajo muito porque a empresa onde eu trabalho tem obras em quase todo país.
- ah sim. Tô ligado.
- assunto chato esse de trabalho! - exclamou Juliano.
- não temos culpa se você não gosta de trabalhar. - disse Julio Cesar.
- e de que assunto você quer falar? - perguntei curioso.
- quero saber pra onde vamos depois daqui? Onde tem mulher nessa cidade? - disse o cara visivelmente bêbado.
- em que sentido? Você fala de sexo?
- bingo. - disse o rapaz.
- não liga pra ele não Gabriel. Quando o Juliano bebe fala muita besteira. - disse Julio.
- tudo bem. - falei sorrindo.
- eu falo serio Gabriel. Onde eu posso conseguir um grelinho fácil aqui?
- eu não sei.
- como não sabe? Você não curte uma carne mijada?
Fiquei um pouco constrangido.
- já deu né!? - disse Julio chamando o garçom.
- fala Gabriel. Não curte meter o peru numa rachadinha? - O cara fazia gestos obscenos com o dedo e a língua.
- Juan leva o Juliano pro carro por favor.
- pode deixar. - disse Juan.
- Me larga. - Juliano fez força para não sair do lugar.
- pois não? - disse, cordialmente, o garçom.
- a conta por favor. - disse Julio Cesar.
- ok.
O garçom se retirou e Julio Cesar juntamente com Juan levaram Juliano até a caminhonete.
- desculpa por isso Gabriel. Meu irmão as vezes tem uns comportamentos infantis. - disse Julio retornando.
- precisa se desculpar não brother. Ele ta meio bebido.
- eu coloquei ele e o Juan em um táxi, e vou te deixar em casa.
Eu apenas confirmei com a cabeça.
Saímos do bar e fomos até a caminhonete. Julio apoiou seu corpo na porta do veículo, e ficou olhando para o mar.
- lindo né!? - falei a seu lado.
- demais. Ta muito apressado? - me olhou.
- não.
- bora descer la na praia?
- demoro.
Atravessamos a rua, tiramos nossos sapatos, e pisamos na areia. Julio entrou na água, e eu o aguardei do lado de fora.
- você olha minhas coisas? - disse ele apenas de sunga.
- fica tranquilo.
Julio Cesar foi correndo até o mar.
Sua pele branca com poucos pelos, barriga lisinha com um leve caminho de cabelos até chegar ao seu membro.
Sentei na areia e fiquei olhando Julio se divertindo na água.
- ta gelada? - perguntei assim que ele veio ao meu encontro.
- ta ótima. - disse sacudindo o cabelo.
- deu ate pra tirar um pouco de álcool do sangue.
Julio sorriu.
- com certeza.
Após colocar sua roupa, voltamos ao carro.
- pode deixar que eu dirijo. - falei sorrindo.
- você quem manda.
Julio entrou no banco do carona, e não demorou muito para que ele caísse no sono.
- hey. - falei tocando em seu corpo.
- hã? que? - disse um pouco desnorteado.
- você tem que me ensinar onde é tua casa que eu não sei.
- vamos pra sua casa, e de lá eu sigo ate a minha.
- não cara, pode deixar que eu te deixo em casa, e depois pego um táxi, é mais seguro.
- tem certeza? - disse ele.
- tenho, só me diz onde eu te deixo.
Julio me passou o endereço, e eu deixei ele na porta de casa. Os três engenheiros haviam alugado uma casa em um bairro nobre, não foi difícil pra encontrar.
- acorda cumpade. Chegamos. - toquei mais uma vez em seu corpo.
Julio olhou pelo vidro da janela e sorriu. Já era de madrugada e a rua estava deserta.
Meu cliente passou a mão na carteira e me deu uma nota de cem reais.
- não cara. - falei recusando. - me diverti muito essa noite. Não vou te cobrar nada não.
- aceita ao menos para o táxi.
Olhei para o dinheiro na mão do Julio.
- ta bom. - falei.
Saímos do carro e rapidamente liguei para uma rádio táxi.
- ainda acho que deveria te deixar em casa.
- esquenta não cara. Essa hora é ate perigoso ter blitz.
- eu sou ligeiro pra blitz. - disse ele sorrindo.
Encostamos na caminhonete e ficamos aguardando o meu táxi chegar.
- essa semana eu vou lá na loja comprar um material. - disse cruzando os braços.
- eu só tô la a tarde. Caso tu vá pela manhã, procura pelo Rômulo.
- Rômulo?
- isso. Rômulo é o vendedor que ta me treinando.
- treinando pra que?
- pra ser vendedor.
- entendi. Não te atrapalha na faculdade?
- o que? O serviço?
- isso.
- um pouco cara. As vezes eu to atolado de trabalhos da facu, mas vou empurrando.
- sei como é isso. Antes de eu formar em engenharia, eu já fazia estagio. - disse entre risos. - Vida social não existia.
- mais ou menos isso. - sorri. - Acho que é meu táxi.
Estendi a mão e o táxi parou.
- vou nessa cara.
- ta certo. Valeu pela noite Gabriel.
- igualmente mano. Até outro dia.
Julio me cumprimentou, e em seguida entrei no táxi.
No domingo, acordei lá pelas 12 horas. Após tomar café, visualizei várias chamadas perdidas, e mensagens.
***
- ta rolando um churrasco aqui em casa manin, chega junto. - dizia a mensagem do Lucas.
- bora lá pro Lucas? - dizia uma mensagem do Victor.
- tu passou a noite virado? A tia disse que tu chegou junto com o sol. - mensagem do Danilo.
- chegou bem? - Julio Cesar.
- cheguei sim cara. - respondi.
- mais uma vez desculpa pelo meu irmão. Tenho certeza que quando ele acordar, nem irá lembrar das grosserias.
- esquenta com isso não.
- não sei se eu vou não mano. Tô com uma dor de cabeça do cão. - respondi ao Victor.
A mesma mensagem enviei ao Danilo.
- deixa de moleza velho, tô passando aí. - disse ele em seguida.
Em pouco tempo, meu amigo e meu primo bateram no meu apartamento.
- vai de pijama? - disse Victor ao me ver de short esportivo.
- eu não vou mano.
- por que não?
- cansaço.
- lá descansa. - disse Danilo.
- não rola. - sentei no sofá.
Danilo olhou para Victor, e os dois riram. Tentei correr, mas foi tarde demais. Meu amigo, e meu primo, jogaram-me no carro e me levaram, quase pelado, à casa do Lucas.
- dois viados. - resmunguei.
- o choro é livre. - disse Victor ao volante.
- deveria ao menos ter deixado eu colocar uma camiseta.
- ta ótimo desse jeito. - disse Danilo.
- de quem é esse carro? - perguntei sentado no banco traseiro.
- papai aqui. - disse Victor.
- ganhou foi viado?
- o pai e a mãe me deram. Tinham prometido se eu entrasse na federal.
- por que meus pais não me fazem uma promessa dessa?
Rimos.
A casa do Lucas tava bem movimentada.
Logo na entrada, avistei alguns conhecidos da faculdade. Depois de cumprimentar alguns, sentei na mesma mesma que o Lucas.
- pensei que não fosse vim. - disse me cumprimentando.
- e não ia mesmo!Tem algum remédio aí pra dor? - sentei.
- cabeça?
- é.
- vou lá dentro ver. Quer beber alguma coisa?
- água.
Lucas riu.
- não to te reconhecendo. - disse antes de entrar na casa.
- ta tudo certo cara? É só a dor na cabeça mesmo? - perguntou Danilo.
- é mano.
- ressaca? - questionou Victor.
- não, nem bebi.
- então o que pode ser? Não quer ir ao hospital? - disse o meu amigo.
- quero não. Deve ser cansaço.
- goma. - disse Danilo. - Isso é pretexto pra voltar pra casa.
- teu cu. - sorri.
Beto chegou acompanhado do Kadu.
- e aí fuleiros. - disse Beto nos cumprimentando.
Kadu não sentou junto de nós, e foi assim durante toda a tarde.
- fala sacana. - toquei em sua mão.
- só os putos reunidos. - disse o capitão do time.
- aqui. - disse Lucas com um copo de água e uma pílula nas mãos.
- valeu. - engoli o remédio com a ajuda da água.
- que tu tem? - Beto me olhou.
- um pouco de dor na cabeça.
- não ta bebendo?
Neguei com a cabeça.
- pena. - disse Beto sorrindo.
Algumas vezes, tentei falar com o Kadu, mas o cara - claramente - me evitava. Antes de voltar para casa, o cerquei próximo ao banheiro da piscina.
- e aí mano.
- e aí. - disse um pouco sem graça.
- ta tudo certo entra a gente? - perguntei.
- tranquilo. - disse ele desviando o olhar.
- então por que tu não ta falando comigo direito?
- impressão tua.
- não é impressão minha velho. Tu ta falando com todos, menos comigo. O que ta pegando?
- não ta pegando nada.
Kadu parecia confuso.
- beleza velho. Eu não vou insistir. - falei virando as costas.
- hey Gabriel, espera. - disse o cara me segurando.
Olhei para Kadu, e esperei que ele falasse algo.
- eu to meio envergonhado depois daquela jogada fora que dei lá no meu ap.
Eu ri.
- pô velho. Vergonha de que?
- do toco que você me deu.
- toco nenhum mano, é só que eu to...
- ficando com outra pessoa? - completou Kadu.
- mais ou menos. - foi minha vez de ficar envergonhado.
- já desconfiava, mas não achei que fosse sério.
- nem eu sei se é mano, mas quero fazer minha parte.
- de boa Gabriel.
- agora tu pode sentar lá com a gente?
Kadu sorriu.
- vou pegar uma cerveja, e daqui a pouco eu chego lá.
Os caras se revezavam na churrasqueira. Eu só fui polpado porque realmente não estava muito bem.
- o professor marcou um amistoso pra daqui duas semanas Gabriel. - disse Beto.
- to pronto. - falei tomando um copo de suco.
- pronto faltando treinos Gabriel? Tu tem que ter mais compromisso velho.
- penso igual Beto, mas eu não tenho muito tempo pra treinar, e tu aceitou minhas condições.
- eu sei mano, mas a gente tem que ter ao menos uns dois treinos por semana pra poder ensaiar algumas jogadas.
- vamos combinar cara. Essa semana eu vou fazer o possível pra não falhar.
- faz essa forcinha. - disse Beto me dando leves tapinhas no ombro.
Lucas que havia ido ao interior de sua casa, retornou trazendo um violão.
- a galera ta querendo ouvir teu som Danilão. - disse Lucas lhe passando a viola.
Meu primo sorriu.
- vamos deixar pra próxima. A cachaça me deixou soluçando.
Rimos.
- vai lá mostrar teus dotes pô. - dei força.
- eu toco e vocês cantam então. - disse meu primo sorrindo.
Danilo começou a dedilhar, e em pouco tempo nossa mesa já estava tomada. O cara fazia bem aquilo que ele mais amava na vida.
A galera acompanhava com a voz, e quase não ouvíamos o soluço do Danilo.
A tarde foi agradável, mas ela findou com o cair da noite. Voltamos para nossos lares, pois no dia seguinte haveria aula.
A semana passou voando. Tantos compromissos, que era ate meio difícil honrar com todos. Minha aproximação com Júlio Cesar aumentou muito. Nossas conversas via whatsapp passaram a ser diariamente.
Era sexta, e eu tinha marcado de levar o engenheiro ao quiosque do Pedrão, lugar mais badalado da praia. Após o banho, vesti uma bermuda tactel florida, calcei uma sandália de dedo, coloquei uma regata no ombro esquerdo, e desci para encontrar o cara.
Assim que saí de casa, a porta do elevador estava aberta.
- segura aí brother. - gritei.
- ta seguro. - disse o novo morador do prédio.
- e aí. - falei entrando no elevador.
- vai dar uma volta? - disse o negro tentação.
- pois é, e tu?
- estou indo caminhar la na beira da praia. - disse ele.
- coincidência cara, também estou indo pra lá.
- então nos vemos lá. - disse o cara.
- na hora.
- eu ainda não sei teu nome. - disse ele.
- é Gabriel, velho, e o teu?
- Manoel.
O elevador abriu na portaria, e eu saí.
- até mais Manoel.
- até mais Gabriel.
Manoel desceu para, provavelmente, apanhar seu carro no estacionamento.
- nossos nomes rimam. - falei para mim mesmo, e sorri.
Imaginei o Manoel somente de sunga todo melado da areia da praia, passei a língua nos lábios e fiquei com vontade de voltar em casa e tocar uma punheta em homenagem aquele cara.
Avistei a caminhonete do Julio, e atravessei a rua indo até ele.
- e aí Julio.
- fala Gabriel. Tudo bem fera? - Julio me cumprimentou.
- tranquilo cara, graças a Deus.
- qual surpresa tu tem pra mim hoje?
- to pensando em levar você lá naquele quiosque que falei. Só que lá é só sertanejo.
- tem problema não, eu curto de tudo.
- uai, então bora. Tamu perdendo tempo aqui. - falei sorrindo.
Julio destravou as portas, e quando íamos entrando no veículo, alguém me chamou.
- Gabriel.
Julio e eu olhamos para o outro lado da rua ao mesmo tempo.
Fernando estava parado em frente ao meu prédio. Calça jeans surrada, camiseta branca, mochila camuflada nas costas e o sorriso mais lindo do mundo.
- você conhece? - disse Júlio escorado na porta do carro.
- ele voltou. - falei pra mim mesmo.
Não podia demonstrar, mas meu coração estava perto de saltar pra fora do peito. Tanto tempo longe do Fernando não foi o suficiente para eu esquece-lo.
♫♫♫
Pode ir embora
Que eu vou ficar te esperando
Enquanto isso eu vou te desejando
Amor e paz
Seja feliz bem mais
Só vê se toma juízo e se cuida.
♫♫♫
Continua...