“Após passar as festas de fim de ano com você, naquele ano de 2009, fiquei com tantas saudades que resolvi escrever esse memorial contando minha vida, pois achava que meu ciclo de trepadas estava encerrado. E escrevi com muitas lágrimas e emoção de deixar isso tudo para alguém.... Você estava um mulherão com seus 18 anos, sua ascendência oriental bem marcante. Passamos tanto tempo juntas, você contava sua vida em Tóquio e a vontade de vir morar no Brasil. Você abrilhantou nossa casa e contava piadas em japonês, alegrando a todos. Sua partida para a Terra do Sol Nascente foi determinante para eu montar esse memorial. Era você a quem deixaria meu legado. Foi uma maneira de estar perto de ti. Muita coisa deixei de contar pois levava meses sem escrever algo ou reescrevia várias vezes até me recordar do fato que iria contar.
Ernesto começou a ter sérios problemas de memória. Todos perceberam, inclusive você. Passou a repetir e perguntar várias vezes a mesma coisa. Não era questão apenas de idade. Quando um dia ele perguntou por onde andava Magno, que ele nunca mais havia visto aquele “viadinho” vimos que a coisa era séria. Levamos a um geriatra e não deu outra: Mal de Alzheimer. E severo. Me peguei com dó de Ernesto, meu companheiro de tantos anos que sempre preservei das minhas loucuras e com alguns vacilos jamais deixei que ele suspeitasse de nada. E agora estava lá morrendo psicologicamente. Hoje ele não anda, fala apenas palavras monossilábicas e não reconhece mais ninguém. Ver um homem ativo como ele nessa situação é cruel demais.
Como não havia clima para os meus 80 anos, procurei Luiza que mantinha a mesma loja. Perguntei a ela se ela conhecia alguém do seu convívio que já passara da terceira idade mais ainda estava “na ativa”. Ela indicou alguns nomes e disse que algumas idosas participavam de festas de swing. Ela esquematizou um encontro para minha derradeira aventura sexual, desta vez programada com pessoas que, assim como eu, estavam próximas do lado de lá. Pedi pra que Larissa me levasse a uma sessão de pilates que seria uma aula de cortesia para ver se eu gostava. Mas estava tudo combinado. Não era pilates coisa alguma. Larissa ficou do lado de fora e eu estava preparada para ter meu ultimo ato sexual nesta vida. Eu, Luiza - que só se envolveu por minha causa, pois havia parado há anos dessas “festinhas” – e mais cinco pessoas: Uma mulher de seus quarenta e poucos anos, quatro senhoras entre 70 e 80 anos e um rapaz que não devia ter 25 anos foram os participantes.
Comecei beijando uma mulher de seus setenta e poucos enquanto os outros se pegavam. Uma orgia da terceira idade e mais dois convidados. Logo os sete estavam juntos em um sofá apertado. A mulher de quarenta estava chupando minha buceta com gula. Depois recebi o rapaz enquanto uma estava com a xota em cima de minha boca. Tive o cu chupado pela senhora de mesma idade que eu (mais com aparência bem mais velha) e fui a loucura, pois nesse momento chupava Luiza. Aquela putaria de anciãos rolava naquela sala escura. Meu ultimo ato: rosto colado ao de outras cinco mulheres, todas preparadas para a jorrada de porra do rapaz. E assim com um baile de línguas e cara suja de porra, encerrei minha carreira sexual. Estava tudo consumado.
Desde 2011 que eu parei de malhar, pois abusei muito pra idade que eu tinha e passei a ter problemas na coluna. Ela entrevou e os médicos proibiram de continuar os exercícios de academia. Meus joelhos também estavam arrombados, as vezes saia com uma bengalinha caso eles me traíssem no meio da rua. A situação de Ernesto só se agravava e eu de repente envelheci dez anos em dois. Me vi entediada e só pensava em você. Quando você retornou para morar aqui em 2013, me senti revigorada. Você é especial. Diferente da Larissa. Ela só aparece aqui pra falar “oi, vó” e “oi, vô” e fica o tempo todo naquele note-não-sei-o-quê conversando com as amigas. Veste roupas curtíssimas e fica tirando fotos em frente ao espelho. Se comporta como uma adolescente. Só vive em festas. É show de fulano de tal, é festa aqui, festa ali, Vaquejada de Serrinha, Feriadão em Morro de São Paulo... Só pensa nisso aquela nojentinha! E posta tudo naquele instalan, instafran, sei lá! Silmara me mostrou aquele Face-não-sei-das-quantas dela repleto de fotos dela nessas festas da vida, com um monte de patricinhas interesseiras ao redor. Silmara me ensinou a usar esses celulares novos de câmara. Aliás, se houvesse esses aparelhos no meu tempo eu estaria fudida! Foi você mesma quem me contou que recebe muitos vídeos naquele não-sei-o que- zap que mostra mulheres tendo seus momentos íntimos espalhados por aí, acabando com a vida delas. Odiaria saber que ao invés de me dar prazer um babaca estaria mais preocupado em filmar a performance dele me comendo e sair mostrando por aí para os amigos como um bom imbecil. Pois bem, quando a Silmara me mostrou algumas funções do celular dela, eu deixava o celular gravando no quarto para registrar conversas entre seu pai e João Pedro ou mesmo de Adriana conversando com a irmã no telefone. Descobri que me poupavam de várias situações que estava se passando na família. Fiquei sabendo que Larissa além de ser uma metida a besta, era vacilona. Ela abortou depois de ter engravidado de um namorado dela. Ele vinha pegar ela aqui com uma moto enorme e barulhenta. Fiquei sabendo também que ela se irritava com Silmara e chamava ela de “mongol”. Isso me deu muita raiva. Você passeava muito mais com Silmara do que ela, a irmã! Você acordava com seu bom humor e chamava eu e seu avô pra passear. Você até ajuda a cuidadora do Ernesto a trocar a fralda geriátrica. Há um mês você me levou pra passear no Parque da Cidade e conversamos muito! E sei que você está feliz. E você transmite essa felicidade a mim!A grande surpresa, no entanto, foi quando João Pedro uma vez conversando com seu pai, perguntou "e a Lucinha?Ela não tem nos procurado. Porvavelmente nos procurará quando meu pai bater as botas". Foi então que descobri, a essa altura, que você tem uma tia desconhecida!Ernesto teve uma filha fora do casamento, muito provavelmente naquele periodo em que eu estsava no Rio.Não fiquei sentida ao saber disso, mas surpresa de não ter percebido nada esses anos todos. E depois de eu ter feito tanta loucura,Ernesto soube bem fazer a loucura dele. Sem eu saber de nada, somente os meninos.
Parece que meus momentos nesse planeta estão chegando ao fim. Passei a sentir no ano passado fortes dores no peito. Levada ao médico, foi detectada uma angina, uma herança de família que, pela saúde que sempre tive, achei que estaria livre. Neste momento, meu coração está fraco. Eu posso partir a qualquer momento. Não passo a você meu bastão, mas sei muito bem porque você está aqui no Brasil a dois anos: Seu pai disse que era pra estar perto de mim, pois você estava muito preocupada comigo. Sei disso, mas sei também que você largou seu namorado japonês e está se relacionando com um percussionista do Olodum com quem você ficou no carnaval de 2010. E sei também que se envolveu com um turista espanhol quando vc esteve no Havaí com seu namorado, que como japonês convicto e honrado, lhe perdoou.”
Saori ficou surpresa de sua avó saber o que se passava na sua vida. Ela então lembrou que teve um rápido affair com o professor de capoeira de Silmara e passou uma noite de carnaval beijando uma mulher que conheceu atrás do trio elétrico de Daniela Mercury. Até que ela compreendeu o porque de sua avó ter deixado esse diário secreto em sua posse: ela era exatamente igualzinha a avó no envolvimento afetivo e erótico com outras pessoas.
“Você teve uma discussão com Larissa, pois ela disse que você largou uma vida no Japão para ficar com um ‘macaco’ aqui em Salvador. E que ela contou a sua mãe sobre isso, fazendo com que você revelasse sua real situação por aqui. Você deveria ter enfiado a mão naquela vaca! Deveria ter arrebentado a cara dela! Apoio sua coragem em ter deixado uma vida tranquila lá para viver o que queria aqui. Sei que você fez isso porque você desafia! Você tem brio! Sinto em seus olhos. Por isso, dedico a você essa minha vida escrita. Você é a descendente que mais carrega o meu DNA em sua bucetinha. Não baixe a cabeça para homem nenhum. Termino dizendo que nada mais fiz que satisfazer o meu corpo, sem, no entanto, me orgulhar disso. Vivi muitas emoções. Tive muita sorte nessa minha trajetória. E tive o dom de puder esconder tudo o que passei. E tentei dar a todos com quem convivi, seus momentos de alegria e felicidade. Estou me preparando para partir…. E finalizar: EU TE AMO, SAORI! VOCÊ FOI A PESSOA MAIS ESPECIAL EM MINHA VIDA! TE AMO, MINHA NETA QUERIDA, MEU AMOR! ”
E assim terminou aquele diário com a data final de agosto de 2015. Saori chorava muito. Seu pranto inundava as páginas daquele caderno. Chorava que soluçava. Depois passou a questionar sobre a veracidade daquela história incrível de sua avó. Ela praticamente viveu para o sexo sem ninguém saber! Como isso foi possível? Impossível! Achou que boa parte era fantasia não realizada pela avó. E percebeu que todo aquele memorial contendo a vida sexual de dona Maroca, mostrava que ela era uma mulher culta e estava antenada ao tempo que viveu. Todas as suas peripécias eram entrelaçadas com acontecimentos importantes da história do país, memórias marcantes do sentimento e da cultura nacional e da vida social, urbana e cultural de Salvador.
No fim do caderno, havia um envelope. Quando abriu, havia cinco fotos. A primeira datava de 1967 e mostrava ela ao lado de um moreno alto na frente de um táxi e escrito “Eu e Afrânio”. A outra era de 1976 e nela havia Dona Maroca, e mais uma moça e um homem. Ao virar a foto estava escrito “eu, Carolina, e Lauro”. Era a ex-namorada de João Pedro e o professor que ela se envolveu na escola. Depois havia outra. Era Maroca, Magno e Vilton abraçados ao pé do Cristo Redentor e a data “junho de 1983”. Depois, uma foto com Luiza na piscina, com data de 1999. E por fim, ela com dois jovens e no verso “no aniversário de Larissa com Bruninho e Karina, setembro de 2009”. Só então o coração dela parecia arrombar o peito. As fotos confirmavam que as pessoas existiram. Mas se tudo havia ocorrido ou se era fruto da imaginação daquela mulher, quem vai saber? Até pensou em investigar e procurar Luiza, mas não havia referências sobre seu comércio. Mas Saori sabia que muita coisa aquela mulher aprontou. Quem sabe um pouco. Quem sabe, tudo. Por fim, preferiu respeitar a memória da avó e em uma noite de São João ela jogou o caderno e as fotos em uma fogueira junina. Em um dia de festa, ela despediu-se do material deixado por dona Maroca, que virava cinzas ao som de uma sanfona que tocava a música " Qui nem jilo", de Luiz Gonzaga , em um local próximo.
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Quinze anos depois, Saori Yamashika Lima era eleita prefeita de Salvador. Em seu discurso, louvou sua dedicação às causas feministas, aos direitos das minorias, à sua trajetória politica de lutas, e à sua avó, dona Maroca, que segundo ela “foi a pessoa mais formidável que conheci, pois não existe ser humano que seja maior referência para qualquer indivíduo do que nossas avós”.
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