- deixa de falar besteira Gabriel. Me diz logo onde tu ta, e vamos sentar pra conversar.
- não da cara. Eu tô ocupadão agora.
- ocupado com o que? - disse ele do outro lado.
- to seguindo os teus conselhos.
- de que conselhos tu ta falando Gabriel.
- tô te esquecendo cara, tô te esquecendo.
***
Desliguei o telefone, e o guardei no bolso da bermuda.
Voltei à mesa, e agi como se nada tivesse acontecendo, afinal, já passava ta meia noite e o dia estava apenas começando.
Larissa estava tão bêbada que apoiou a cabeça em meu ombro, e caiu no sono.
- apagou. - cochichei para o Lucas.
- Caralho, a mina ta gratinada já. - disse Lucas dando risada.
- ela ta de carro? - perguntei.
- Não. Ela veio de carona, mas eu vou deixar ela em casa.
- pode crer.
- Cara. Muito bom, prova aqui.
Lucas referia-se a um drinque que ele acabará de pegar no bar. Meti a boca no canudo, e suguei daquele líquido azul.
- caralho, bom mesmo. - falei em êxtase.
Mais tarde eu fiquei sabendo que o nome daquele drinque era ''lagoa azul''.
Pagamos a conta e descemos até a praia. Fizemos uma roda e ficamos jogando conversa fora.
- você vai ficar ate o dia raiar? - disse Lucas
- velho, por mim a gente já fica aqui pra próxima noite.
- arri porra mano. kkk. - Lucas riu.
- to falando sério cara. Aqui ta tão bom. Pra que temos que voltar?
- vida segue mano. Temos nossas famílias, faculdade...
- e blá, blá, blá. - falei o interrompendo.
Lucas sorriu.
De tão bêbado que estávamos, acabamos deitando na areia. Alguns já dormiam, mas eu e o Lucas permanecíamos na ativa.
Meu celular vibrou na bermuda, e era outra ligação do Fernando. Eu recusei e guardei o telefone mais uma vez.
Observando a lua, o cansaço começou a bater e meus olhos aos poucos foram fechando. As pessoas falavam comigo, e eu entendia aramaico.
Acordei, e não consegui reconhecer o local onde estava. Passei as mãos em minha volta, e não senti a areia arder em meu corpo. Falando em corpo, senti que estava pelado, e de um salto fiquei em pé. Esfreguei os olhos, e a única coisa que eu via era uma luzinha verde com o número 16.
- isso é um ar condicionado. - eu pensava.
- Lucas.
Falei, mas não tive resposta.
- Lucas.
Eu andava, vagarosamente, com medo de topar em alguma coisa que me machucasse.
- Lucas. - Falei bem mais alto.
Prontamente uma luz apareceu, doendo em minha vista. Sem muito esforço, consegui identificar aquele lugar.
- bom dia Gabriel. - era o Fernando, mas como eu tinha ido parar na casa do seu amigo, novamente?
- Fernando?
- ta melhor?
Fernando estava deitado na cama, mas eu não me lembrava de ter deitado, consciente, ao lado dele.
- Muita dor na cabeça. - respondi confuso.
Fernando levantou-se, apenas de cueca - a mesma cueca da noite anterior - e veio em minha direção.
- que horas são cara? - perguntei.
- já passa das 13 h.
- 13 h!? - exclamei assustado.
Fernando passou a mão em minha cabeça e testa.
- quer comer alguma coisa?
- não. - falei balançando a cabeça - sinto muita dor, muita dor.
- normal. Você bebeu demais.
- como eu vim parar aqui cara? Juro que não lembro de nada. - procurei por algo para vestir.
- eu fui te buscar na praia.
Aquilo estava confuso. Tentava recordar dos últimos acontecimentos, mas minha memória não colaborava.
- como você conseguiu me encontrar?
- você não me deu outra alternativa Gabriel. Tive que ir na casa dos teus pais.
- caralho, meus pais devem estar preocupados.
- vem cá. - Fernando me acompanhou ate a cama.
Eu preciso ir pra casa cara. Preciso ir pro treino.
- shiii - disse ele calando minha boca com seu dedo indicador. - dorme um pouco. Mais tarde eu te deixo em casa.
- mas, eu tenho treino.
- sem condição Gabriel, dorme mais um pouco que eu vou preparar algo pra nós comer.
Não recusei. Afinal meu corpo e mente estavam cansados.
- você sabe cadê minha roupa?
- ta la dentro do banheiro.
- você pode pegar pra mim me trocar? - falei já debaixo do edredom.
-tão molhadas e sujas de areia.
- caralho, e agora?
Fernando levou as mãos a cabeça, e pensou por um instante. Sem nada dizer, o cara foi em direção a um roupeiro, e deu uma olhada nas roupas que tinha dentro.
- veste isso aqui. - disse ele me jogando um short do exercito.
Fernando saiu do quarto, e eu tentei fechar meus olhos, mas aquela dor não parava nem diminuía. Tentei dormir, no entanto era impossível. Minha cabeça latejava.
Fiquei ali por um tempo, até que caí no sono sem nem perceber.
Acordei com um barulho dentro do quarto. Abri os olhos e vi o Fernando com uma bandeja nas mãos. O cara havia tomado banho recentemente, pois gotículas de água escorriam pelo seu corpo.
- trouxe comida. - disse ele puxando uma cadeira e sentando a meu lado.
- to conseguindo comer não Fernando.
- ainda a cabeça?
- sim.
- você não pode sair bebendo assim a torto e a direito. - Ele não brigava, mas falava como se fosse um pai ou irmão mais velho.
- eu sei cara. Vou dar uma aliviada.
- tenta fazer isso. Pega aqui água.
O cara tava sendo tão simpático, que me deu água na boca.
- quero mais. - falei, assim que o copo secou.
- pego quando você terminar de comer.
- eu não consigo velho. - estava sendo sincero.
- faz um esforço. Eu preparei com tanto capricho cara.
Olhei para a bandeja que Fernando havia trazido, e nela tinha um prato de sopa e um copo com café.
- ta certo. Vou tentar.
Fernando começou a me servir. Com muita paciência, o cara levava a colher de sopa à minha boca. Esse procedimento aconteceu repetidas vezes.
Sem intenção, eu acabei arrotando.
- eita porquinho. - disse ele sorrindo.
Eu esbocei um sorriso tímido.
De pouco em pouco eu consegui tomar todo o liquido que havia no prato. Fernando me deu um gole do café, mas de tão ruim que estava, acabei vomitando no chão do quarto.
Fernando foi ate a cozinha, e voltou com um copo com água e uma pílula.
- tó. Tua cabeça vai melhorar. - disse ele me entregando o medicamento.
O que eu achava mais interessante em tudo aquilo, é que Fernando usava uma cueca surrada. Aquilo era algo pra quem tinha muita intimidade.
Ao término do almoço, Fernando ligou a tv e deitou do meu lado. O cara ajeitou o travesseiro, e o cobertor em meu corpo.
- e o braço? - perguntei.
- ta melhorando. - ele disse.
- que bom cara.
- graças a você.
- eu não fiz nada.
- você já ta disposto a conversar?
- não precisamos conversar velho. Já ta tudo esclarecido.
- mas eu preciso conversar com você. O que eu fiz ontem não foi legal. Eu tava tão preocupado cara. - Fernando falava suave.
- você me magoou pra caralho Fernando. Me ofendeu dizendo que eu estava dando no vestiário.
- eu não disse isso.
- mas deixou subtendido.
- ta, eu confesso. Fiquei nervoso Biel. Você diz que gosta de mim, e depois eu te encontro com maior intimidade com outro cara.
- e o que tem de mal nisso Fernando? Eu to cumprindo o acordo de não comentar com ninguém sobre o que acontece entre a gente. Essa foi a única coisa que tu me pediu.
- eu sei Gabriel. Sei que você ta sendo discreto.
- e tem mais cara, não rolou nada dentro do banheiro. Eu fiz uma massagem naquele cara por que ele tava sentindo dor na coxa. Você viu eu fazendo outra coisa?
- não, não vi.
- então mano. A gente esquentou a cabeça atoa.
- você tem razão, você tem razão Gabriel. Foi besteira minha.
Fernando estava de lado na cama, de forma que ele falava olhando direto em meu rosto.
- vem cá, aquela conversa de que você ta me esquecendo é verdade mesmo?
- uma hora isso vai acontecer cara.
- não foi isso que perguntei Gabriel. Você ta me esquecendo mesmo? Já não me ama mais?
- você acha que uma noite é o suficiente pra esquecer alguém que a gente ama tanto?
Fernando sorriu. Sua expressão era de alívio. Mas o que ele ganhava comigo continuando a gostar dele?
Fernando acariciou meu cabelo, e encostou minha cabeça em seu ombro.
A noitinha Fernando me levou em casa. O cara preferiu não subir, pois na mente dele estaria dando muita pinta. Vai entender!
Logo na entrada, levei um carão daqueles da minha mãe.
- mas eu avisei que ia pra praia. - tentei justificar o injustificável.
- você saiu ontem Gabriel, e olha que horas já são.
- eu não consegui manter contato mãe, mas to vivo, to bem, to inteiro.
- você não é mais uma criança Gabriel. Já é maior de idade, tem que assumir responsabilidade. - disse meu pai entrando na discussão.
- to tentando pai.
- tente mais. A partir de agora você não vai mais poder contar conosco. - disse ele.
- ta me expulsando de casa?
- to dizendo que você terá que arrumar um emprego pra continuar curtindo suas mordomias.
- como eu vou arrumar um emprego, se eu estou fazendo faculdade?
- agora arquitetura virou faculdade?
- o senhor não cansa de jogar isso na minha cara né!? Eu vou me formar, e é da minha faculdade que eu vou sobreviver.
- boa sorte, mas não quero que depois venha chorar no meu colo.
Já tinha ouvido o suficiente, então decidi ir para o meu quarto.
- reunião familiar? - disse Danilo trocando de roupa.
- meu pai é foda mano. Ainda não conseguiu digerir bem a minha escolha por arquitetura. - falava enquanto tirava a roupa do amigo do Fernando do corpo.
- acho um bom curso, e ao contrário do que ele pensa, creio que é rentável sim.
- fora que é o que eu gosto mano. - coloquei um short e deitei na cama.
O tempo que conversamos, foi o suficiente para Danilo colocar sua roupa.
- vai sair? - perguntei.
- vou dar uma volta com uma pessoa que eu conheci ontem. - Danilo abotoava a camisa.
- mulher? - perguntei curioso.
- é. Por que?
- nada ué. Só vocês dois?
- isso. - disse Danilo calçando a bota.
Ele estava o tipico peão de fazenda: Calça jeans surrada e com alguns rasgões, botina de cawboy, e camisa quadriculada manga longa.
- to bonito? - disse ele de frente para o espelho.
- posso dar minha opinião primo?
- claro uai.
Fui até o Danilo e dobrei as mangas de sua camisa, deixando elas de forma três quartos.
- o que achou? - perguntei.
- to bonitinho. - disse ele sorrindo de frente para o espelho.
Danilo cheirava muito. Sei lá, mas de repente me deu vontade de agarrar aquele cara. Não era nada carnal, apenas carência mesmo.
- vou lá primo. Vai ficar em casa? - ele perguntou na porta.
- vou mermo. Vou dormi mais cedo hoje.
- eu vou aproveitar a noite né!? Amanha é sábado mesmo e não tem facu. Seguraaa peão. - disse ele passando e trancando a porta.
Eu sorri. Deitado, olhando para o teto, eu fazia uma análise da minha vida atual.
Meu celular tocou e era o Lucas querendo marcar pra gente começar a fazer o projeto que o professor havia cobrado.
- pra quando é essa projeto? - perguntei
- próxima sexta.
- ta em cima hen!? - Temos uma semana só.
- pois é. Temos que começar o quanto antes.
- esse projeto é sobre o que mesmo? Tu já viu?
- eu peguei uma apostila que o professor deixou na xerox, e dei umas lidas. Temos que fazer uma maquete
- sobre o que?
- uma obra residencial.
- desenhar a planta?
- e fazer a maquete.
- tu sabe fazer isso?
- tenho nem ideia de como se faz.
Nós rimos ao telefone.
- o foda é que to sem grana pra gastar nisso cara. Meu pai acabou de me dizer que eu tenho que procurar um emprego se ainda quiser andar com dinheiro na minha carteira.
- que fase hen meu amigo?
- pois é cara. Ta foda.
- e tu vai fazer o que?
- vou ver se tem algum emprego a noite, é o único horário que tenho disponível.
- e tu tem experiencia em alguma coisa?
- só em beber cachaça.
- degustador então mano. - Lucas sorriu.
- pois é. - falei rindo.
- cara, meu pai tem uma loja de construção, se você quiser eu posso dar um queixo nele pra você começar a trampar la.
- mas qual seria o horário mano?
- manhã ou tarde.
- aí é foda cara. Esses horários eu to na faculdade. Além do treino que é durante a tarde, tem também algumas disciplinas que são por tempo integral.
- você teria que trancar algumas disciplinas.
- eu iria me atrasar muito.
- eu vou falar com meu pai, aí você decide se topa o emprego ou não. Beleza?
- beleza mano. Enquanto você fala, eu dou uma olhada na nossa grade, e ver qual seria a melhor solução pra minha vida.
***
O sábado passou, e no domingo eu comecei a fazer o trabalho na casa do Lucas. Meu pai estava levando a serio o lance de eu começar a trabalhar, pois desde aquela última conversa ele não liberava, nem permitia que minha mãe liberasse dinheiro para minhas necessidades.
Na segunda, no colégio, eu sentei para conversar com o Lucas.
- falou com teu pai?
- falei.
- e aí?
- ele te aceitaria trabalhando um só período, mas não poderia te pagar o mesmo tanto que os outros funcionários.
- é justo cara, eu iria trabalhar menos tempo.
- e você pensou se vai trancar alguma disciplina?
- sim cara, eu vou trancar algumas e vou sair do time de futebol.
- se você quiser a gente pode ir conversar com ele, hoje, quando terminar a aula.
- pode ser cara.
Victor chegou e sentou a nosso lado.
- particular? - disse ele.
- não mano. Tamo conversando sobre emprego.
- emprego pra quem?
- pra mim.
- você vai trabalhar? - disse meu amigo um pouco espantado.
- vou conversar com o pai do Lucas pra ver se rola.
- e porque isso agora?
- longa historia mano, depois eu te explico. Alguém vai almoçar la no R.U?
- eu vou. - disse Lucas.
- vou acompanhar vocês, e tu me explica essa historia de trabalho pô. - disse Victor.
Após a refeição, encontrei com Danilo no estacionamento, e ele fez questão de ir comigo ate a empresa do pai do Lucas.
- e a menina que tava saindo contigo? Ta rolando nada não? - perguntei já dentro do carro.
- a menina é mo fresquinha primo. Gente fina, mas muito cheia de marra.
- e você nunca gosta assim não ué?
- assim como? Fresca?
- cheia de marra. Difícil de domar.
Danilo riu.
- ela é impossível ser domada. - disse rindo.
Chegando à loja de construção, Lucas me levou ate o escritório do seu pai, e Danilo ficou me aguardando no estacionamento.
Conversa vai, conversa vem, e o pai do Lucas topou fazer uma experiencia comigo no turno da tarde. Lucas também participou da conversa, e deu muita corda para que o pai dele me contrata-se.
- vamos comemorar hoje? - disse Lucas enquanto descíamos as escadas da empresa.
- com que dinheiro? - sorri.
- ainda tem umas caixinhas lá em casa.
- não sei cara.
- bora lá mano.
- amanhã tem aula mano, e a tarde eu começo a trabalhar aqui. Vamos deixar pro final de semana.
- pode ser sexta então depois do teu expediente. Tu já pega carona com meu pai.
- fechado.
Danilo também se animou com o emprego, e me pediu pra acompanhar ele até o shopping, pois queria comprar uma camiseta nova.
Assim que cheguei em casa já fui logo contando as boas novas.
- helow família. - disse chegando à mesa.
- que animação é essa? - perguntou o meu avô.
- a partir de agora sou um homem empregado vô.
- o quê? - meu pai engasgou com a comida.
- consegui um emprego pai. Num foi isso que o senhor mandou eu fazer?
- mas rápido assim? - questionou minha mãe.
- então você vai sair da faculdade? - perguntou meu pai.
- não pai. Eu não vou desistir do meu curso. Vou tentar conciliar. - falei pegando um prato de comida e me servindo junto com Danilo.
- duvido que consiga. - gabou-se meu pai.
- isso é verdade Danilo? - perguntou minha mãe.
- e num é que é tia. - disse Danilo.
Agora restava saber se eu iria dar conta.
Após o jantar, Danilo e eu tomamos um banho, sentamos na sacada, e fomos tomar um teres acompanhado de um modão.
Danilo tocava uns sertanejos bem antigos, do tempo que eramos crianças.
Sentamos lado à lado, e não conversamos. Apenas cantávamos enquanto tomávamos nosso tereré.
- cansaço bateu primo, acho que eu vou pegar o caminho do berço. - falei bocejando.
- beleza. Vai indo lá que eu vou recolher as coisas.
- ta.
Não me ofereci pra ajudar o Danilo pois o cansaço era demais mesmo.
Chegando no quarto, fiquei só de cueca, e deitei na minha parte da cama. De repente meu celular começou a tocar.
***
- Oi. - Falei com a voz preguiçosa.
- Gabriel?
- ele.
- é o Beto cara. Tranquilo?
- tranquilo Beto, o que você manda?
- é que tu não apareceu no treino hoje. Aconteceu alguma coisa contigo?
- não cara. Ta tudo bem?
- amanhã o treino vai ser mais puxado. O professor ta querendo marcar um amistoso contra o clube dos...
- Beto. - O interrompi.
- fala.
- eu não vou mais poder treinar.
- como não Gabriel? Eu já ti pedi desculpas cara, já resolvemos tudo entre a gente...
- eu sei pô, eu te desculpei, mas é que não vai dar mais pra eu continuar no time.
- não faz isso comigo cara, eu tenho que admitir, você é um dos melhores ali no time, é titular absoluto. Diz que tu ta só tirando com minha cara pra descontar o que eu fiz contigo.
Continua...
Marcos, eu já fui em Uberlândia duas vezes, mas fiquei na zona rural. A última vez que estive na cidade, assisti a um jogo de vólei de um time local. Quando falei em sotaque caipira, não me referi a toda população, mas as pessoas que eu conheci, que tinham um sotaque assim. E por sinal é meu sotaque preferido.
Abraço.