Gustavo viu o sangue no meu tênis, e fingiu espanto.
- o que? Você acha que eu seria capaz de fazer isso? Não cara, claro que não, eu só quero resolver as coisas.
- então se não foi você...
- Tem mais alguém aqui com a gente. - disse ele.
Olhamos ao nosso redor, mas o estacionamento estava deserto. Naquele bloco só tinha o meu carro, o do Gustavo, e o do Beto.
- o Beto ta no vestiário. - falei correndo.
- quem? - Gustavo veio atrás de mim.
- Beto. - gritei entrando no vestiário.
- Oi Gabriel. - disse ele saindo da cabine.
- já ta indo?
- já sim. O que esse cara ta fazendo aqui? - referia-se ao Gustavo.
- vim falar com o Gabriel. - disse meu primo.
- e tu num já tinha ido Gabriel?
- voltei cara. Vou te esperar.
- ta tudo certo?
- não cara, não ta nada certo.
- o que ta pegando?
- coloca tua roupa cara, no caminho eu te explico.
- beleza. - disse ele.
- e aí. Podemos conversar? - disse Gustavo.
- fala aí.
- particular.
- vou te esperar aqui fora Beto.
- ta ok.
- o que tu quer falar comigo? disse do lado de fora do vestiário.
- acho que já passou da hora de a gente resolver nossos problemas.
- eu não tenho problema nenhum contigo, Gustavo. Nunca tive.
- eu também não tinha com você, até aquele momento.
- ta falando do almoço na casa da tia Valentina?
Gustavo confirmou.
- eu não fazia ideia que você gostava do Danilo, e mesmo se eu soubesse, vocês não tinham nenhuma relação.
- eu fiquei mal vendo aquilo. Ainda gosto dele.
- sei bem como isso dói. - lembrei do Fernando na pizzaria. - Mas não fiz por mal.
- eu acredito em você.
- então porque você deixou as coisas chegarem tão longe? Você espalhou fofocas a meu respeito, jogou lama em mim, e ainda tentou me chantagear...
- eu sei. Fiz tudo isso sim... Mas você também não fez por menos. Aquilo que você, e seus amigos fizeram na fazenda acabou com minha vida.
Senti vergonha e arrependimento quando ouvi aquilo.
- não sei se você percebeu, mas eu desisti da faculdade depois daquele acontecimento. As vezes eu tento sair, mas quando vejo algum conhecido, eu me escondo.
- eu não queria que tivesse essa proporção. Queria apenas te dar uma lição.
- mas foi além.
- eu sinto muito, se eu puder fazer alguma coisa...
- não pode não Gabriel. Não tem nada que possa ser feito.
Respirei fundo.
- não pensa em voltar a estudar?
- sim, mas não aqui. Tô indo pro Rio.
- esqueceu o Danilo?
- não. - disse ele com lágrimas nos olhos. - eu ainda gosto muito dele.
- eu posso ser sincero com você?
- eu prefiro.
- você é bonito primo, de verdade, e tu tem um carisma incrível. Quando tu gostar de alguém, você tem que aceitar o amor, ou a rejeição do outro. - Gustavo confirmou com a cabeça. - O Danilo não gosta de você do jeito que você quer, mas isso não quer dizer que o problema esteja em você. Talvez o perfil do Danilo seja outro, ou talvez ele só tenha sentimento por mulher.
Gustavo sorriu.
- ta rindo né!? - sorri. - Mas é verdade. Acho que o lance do Danilo seja com mulher.
- mas ele já ficou comigo! - disse limpando os olhos molhados.
- namoro?
- não... Só umas transas.
- sexo não é envolvimento cara. Você iria se entregar, e ele no máximo iria te comer. Eu to aprendendo isso da forma mais difícil. Infelizmente é assim que acontece.
- você também ama o Danilo?
- não. - sorri. - o meu problema é outro.
Danilo riu.
- tamos fodidos né!?
- por culpa nossa mesmo. Mas podemos mudar isso.
- eu vou pensar com carinho nessas palavras.
- ta certo, e eu peço desculpas pela brincadeira de mal gosto que fiz com você.
- eu também Gabriel. Desculpa por tudo.
Gustavo me estendeu o braço.
- amigos? - perguntou.
- acho que não. - Falei sorrindo. - Quem sabe o tempo traga de volta no amizade.
Ele confirmou.
- boa sorte Gabriel. - disse ele.
- valeu! Sucesso lá no Rio.
- obrigado. - disse se despedindo.
- Beto? - falei entrando no vestiário.
- to aqui Gabriel. - disse ele deitado em um banco.
- terminou de se arrumar?
- já sim. Tava só esperando tu acabar a conversa com teu primo.
- então bora?
- vamos. Mas porque você voltou? Quer me contar alguma coisa?
Respirei fundo, e expliquei para o Beto a cena do sangue. Ele já sabia o que tinha acontecido no meu prédio, e foi um dos que não levou a historia muito a serio.
- e cade esse sangue?
- ta na entrada do meu carro. - falei enquanto caminhávamos sentido ao estacionamento.
- na porta?
- não mano. Ta no chão.
Beto me olhou com uma cara estranha.
- você tem certeza que esse sangue não estava lá, na hora que tu estacionou o carro?
- tenho certeza. Eu pisei no chão, e não senti nada, e agora fiquei com o tênis todo melado.
Chegamos ao estacionamento, e os únicos carros era o meu e o do Beto.
- então? - disse ele parado em frente a porta do meu veículo.
- é aqui. - apontei para o chão.
- aqui não tem nada Gabriel.
- eu juro que tinha sangue aqui. O Gustavo também viu.
- um sangue não some assim de uma hora pra outra. Por mais que seque, as marcas iriam continuar, e aqui ta só o barro.
- alguém veio aqui e limpou. - falei assustado.
- mas quem iria perder tempo limpando sangue?
- não sei, não sei mano. - passei as mãos na cabeça, e baguncei o cabelo tentando entender. - Mas alguém ta tentando me matar, ou me deixar assustado.
- eu não consigo entender quem e porque alguém faria isso.
- você não ta acreditando em mim né!?
Beto me olhou com olhar de suspeita.
- não tem como uma poça de sangue, como você falou, ter sumido assim.
Olhei para Beto, e fiquei chateado na sua falta de confiança.
- olha aqui. - mostrei meu tênis. - se isso não for sangue...
- e não é. Isso aqui é alguma espécie de corante. - disse ele olhando de perto.
- corante? - fiz pausa para compreender. - Você acha que eu coloquei corante no meu tênis? Beleza Beto, eu voltei porque fiquei preocupado com você. Tenho medo que alguém queira fazer mal a meus amigos, mas eu não to ficando doido. Tenho certeza que não tô. - Falei entrando no carro.
- hey Gabriel... Espera cara. - disse ele.
- até amanhã Beto, e cuidado pra tu não deixar pra acreditar em mim da pior forma possível.
Acelerei o carro, e o Beto ficou parado no estacionamento.
Quis chorar. Por que tava dando tudo errado? Por que alguém iria querer fazer isso comigo?
Entrei em contato com minha mãe, e comunicarei que chegaria um pouco mais tarde. Peguei um rota diferente da minha casa, estacionei o carro, e depois sentei no capô. Olhei para o horizonte, e vi uma cidade iluminada, as folhas das árvores caíam com facilidade, o único barulho era o do canto dos grilos.
Eu tentava organizar minhas ideias, tentava entender com aquilo estava acontecendo. Queria ter coragem e grana pra sair da cidade, queria passar um tempo fora, fugir dos problemas, apagar o Fernando definitivamente da minha cabeça. Fechei meus olhos, e pensei em um mundo melhor, em pessoas melhores. Fiquei ali por um bom tempo, até decidir que era hora de ir pra casa.
Estacionei o carro na garagem do prédio, e olhei o movimento, ates de descer. Saí do carro, e senti que alguém me observava. Acionei o elevador, e me afastei, não queria ter nenhuma surpresa.
Aquela noite, eu não vi nenhum louco no elevador, mas de qualquer forma passei a andar mais ligado.
Tomei um banho, e dormi.
No dia seguinte fui ao jogo no carro do Danilo, já que ele iria ficar em casa fazendo um trabalho da faculdade.
Estacionei o carro, coloquei meu uniforme, e fui para o campo. A faculdade compareceu em peso, não esperava que isso fosse acontecer.
- e aí mano. - encontrei-me com o Victor na arquibancada.
- fala viado. Faz um gol pra mim.
- de letra. - sorri.
- aqui querido. - uma mulher chegou, sentou ao lado do Victor e lhe entregou uma garrafinha d'água.
A mesma morena do Fernando, só que agora estava com o Victor.
- que putaria é essa? Os irmãos estão dividindo a mesma mulher? - pensei.
- mano, essa é minha tia Claudia. Tia, esse é meu grande amigo, Gabriel. - disse
- tua tia? - falei incrédulo.
- prazer Gabriel. - disse a mulher me estendendo a mão.
- prazer é meu senhora. - falei.
A moça, gentilmente, sorriu.
- Gabriel? - do campo, Beto gritou por mim.
- oi? - gritei de volta.
- o treinador esta querendo conversar com a gente lá na escritório. - disse ele.
- beleza. - respondi. - To indo lá mano. - falei ao Victor.
- bom jogo. - disse o cara.
- valeu.
Despedi-me de sua tia, e desci.
- tia? O Fernando ta pegando a tia? - Aquilo tava muito confuso em minha cabeça.
O treinador conversou conosco, em seguida rezamos um pai nosso, e fomos para a guerra - como o Beto dizia.
No sistema tático, Beto e eu ficamos no ataque, mas eu sempre recuava para ajudar o meio campo.
O time adversário, era tecnicamente, superior ao nosso, e a faculdade tinha fama de nunca ter vencido um jogo contra eles.
Eu já tinha levado duas faltas, e ainda não havíamos conseguido penetrar o gol dos nossos inimigos. O time visitante fez dois gol's, e aquilo estava me deixando frustrado, e ao mesmo tempo com mais sede pela vitória.
- Beto, temos que mudar a estratégia cara. - falei no intervalo do jogo.
- o que tu indica? - disse ele jogando água na cabeça.
- vamos descer um volante pra zaga, e a gente desce pra cobrir o meio. O que tu acha?
- pode ser interessante, mas iriamos ficar fracos ofensivamente.
- nós dois damos conta mano.
Beto me olhou.
- confio em você, e confio mais ainda em nós dois juntos. - disse ele dando um soco em meu biceps.
Voltamos para o segundo tempo com a necessidade da vitória. O time visitante pressionou, mas não conseguiu penetrar a nossa rede. Beto e eu fizemos uma ótima partida, e garantimos o empate no último minuto da prorrogação. Não vou dizer que fiquei satisfeito, mas o empate soa melhor que a derrota.
Encontrei, novamente, Victor e sua tia - ainda - nas arquibancadas.
- esse meu amigo joga demais. - falou tirando onda.
- só ainda não fui descoberto. - sorri.
- vai ser meu amigo. Assim que um olheiro bater o olho em você, ninguém mais te segura.
- Deus te ouça meu amigo.
- vai ouvir. - disse ele. - Vamos almoçar amanhã lá em casa?
- alguma coisa em especial?
- minha tia ta voltando pra São Paulo, e minha mãe vai fazer um almoço de despedida.
- a senhora ta indo embora? - perguntei.
- sim. Meu marido esta indo fazer doutorado em Portugal, e eu vou acompanha-lo.
- a senhora é casada?
- por que a pergunta mano? Quer casar com minha tia? - disse Victor fazendo graça.
Até sua tia riu.
- sou casada sim. - disse simpática.
Eu sorri, sei nem porque, mas sorri.
- beleza. Eu vou sim.
- vou te esperar hen!?
Meu amigo me deu um abraço de parceiro.
Despedi-me do Victor, e ainda topei com o Lucas, a Larisse e o Kadu.
- Vamos estender a noite? - disse Lucas.
- só se for na minha cama. - sorri. - to morto velho. Vou tomar um banho, bater a broca e dormir.
- ta muito molé mano. - disse Kadu. - você já foi mais guerreiro.
- é néh!? Deixa só você começar a trabalhar que eu quero ver onde vai ficar o seu espírito guerreiro. - sorri.
- vamos lá Gabriel. Hoje é sábado. - disse Larisse.
- ate você Larissinha? Vou ti dar um conselho: Não deixa esses marmanjos te levarem pro mal caminho.
Larisse sorriu.
- vou tentar Gabriel. - disse ela.
- é mais fácil ela nos levar pro mal caminho. - disse Lucas.
Eu ri.
- vocês tão indo pra onde?
- fazenda do Kadu.
- Aras. Meu pai disse que agora é aras. - disse Kadu sorrindo.
- agora coloquei fé.
- então vamos pô. - chamou Lucas.
- vou falar com o Danilo, se ele topar eu vou.
- beleza. Pede pra ele levar o violão.
- peço sim.
Despedi-me dos meus amigos, e fui para o vestiário.
A maior parte do time já havia ido embora.
- já tomou banho Beto? - falei assim que o vi trocando de roupa.
- já sim. - disse ele.
- você espera eu tomar banho rapidão?
- ainda ta com medo por causa do que supostamente aconteceu ontem?
- supostamente nada mano. Aconteceu. - falei um pouco chateado.
- tudo bem Gabriel. Eu espero você tomar banho. - Beto não quis discutir.
- obrigado.
Tirei minha roupa, e entrei na cabine. Quando saí do banho, apenas o Beto estava ali mexendo no celular.
- to orgulhoso da gente cara. - disse ele, enquanto caminhávamos para o estacionamento.
- acho que nos jogos universitário podemos ir mais longe. - falei.
- com certeza, mas gostei da entrega. Em pensar que por motivos pessoais, quase te deixei fora do time.
- ta admitindo que precisa de mim? - sorri.
- já admiti há muito tempo. - ele deu um tapa em minha nuca.
- até segunda Beto. - falei chegando em frente ao carro.
- vamos tomar umas lá na casa do treinador. Ele convidou. - disse Beto em frente ao seu carro.
- hoje não mano. Vamos deixar para uma próxima.
- qualé Gabriel, estamos merecendo.
- não to muito legal pra beber não, no próximo jogo, eu vou com vocês.
- vou cobrar.
- vou aguardar o convite.
Beto entrou no carro e deu partida, buzinando em despedida.
Entrei no carro, joguei a mochila no banco do carona, coloquei e cinto, e quando liguei o veículo, alguém me assustou batendo na porta.
Abaixei o vidro com o coração a mil.
- Fernando? - fale espantado.
- podemos conversar, Gabriel?
Olhei para o volante, e em seguida para o Fernando.
- não cara. Nós não temos nada pra conversar.
- mas eu preciso conversar com você. Desce do carro, por favor.
Continua...