Me escolha ou morra
Toda aquela insegurança me pedia apenas uma atitude, que ao fim de nossa viagem ao retornar para Dublin seria posto um ponto final nessa história toda, fácil não seria mas era necessário. Como imaginei assim que chegamos em casa chamei Ângelo para pôr um ponto final em tudo.
- O que tenho pra falar já era de se imaginar, daqui a três dias estou voltando pro Brasil e não quero deixar nada inacabado por aqui.
- Eu já disse que eu vou com você! - disse Ângelo interrompendo o que falava.
- Não torna as coisas mais difíceis para mim , por favor. Eu preciso voltar a minha vida, já aconteceram muitas coisas aqui que não eram planejadas, não faz isso comigo. Vamos continuar como amigos, vamos nos falar sempre mas não dá pra mim. - falava segurando o choro.
Por mais que a vida dele não fosse a desejada, eu tinha um sentimento forte por Ângelo e muitas coisas nele me faria falta, mas eu precisava de distanciar dele. Vendo que não tinha como voltar atrás Ângelo saiu do quarto transtornado, confesso que temi por ele fazer alguma besteira porém também vi que ele precisava de um tempo pra aceitar tudo aquilo. Era mais um dia chuvoso na Ilha Esmeralda, o clima nublado e chuvoso era bem compatível com meus sentimentos e lembranças intensas de tudo que vivi nesse último mês. Seria cômico chamar todo esse turbilhão de situações de férias, tudo que menos tinha tido nesses dias era descanso, a cada dia uma nova emoção ou uma nova situação para superar, pensava em ligar pra Júlia e desabafar mas tinha a total certeza que ela iria me dar um sermão daqueles a minha mãe me dava às vezes. Os sentimentos de Júlia para comigo era como uma mãe daquelas bem super protetoras e que não poupava os esporros. Em meio a tudo isso me lembrei de Sr Tony e de Dona Kyara precisa ir até lá e me despedir deles. Liguei para David que me atendeu com uma estranha empolgação.
- Achei que nunca mais me ligaria, já estava aflito em pensar que você iria embora e não iria mais te ver. - dizia David sem ao menos me deixar falar e atropelando as palavras.
- Calma, eu ainda não fui, falei que vou aí me despedir de seus pais e vou, quero ir amanhã aí. Eles estarão em casa?
- Sim estaremos - respondeu David com certa euforia. - Que horas eu passo aí pra te pegar? - completou David.
- Eu prefiro ir de trem, quero aproveitar mais da paisagem e …
- É você não quer que eu e seu amiguinho nos encontremos - me cortou David.
- Sim exato, melhor evitar problemas. Do qual não sei de onde surgiu, afinal você e a Mary não fizeram nada com ele.
- Eu já o conhecia, por isso acho que o melhor é você se afastar dele. - disse David em um tom sério.
- Por que? O que você sabe ? Como conhecia ele?
- Isso é um assunto para se falar pessoalmente.
O tom de David ao falar disso era muito sério e fechado, não sabia o que poderia ser esse assunto tão sério que não poderia ser falado por telefone, mas respeitei e fui arrumar minhas coisas. Na manhã do dia seguinte após uma volta pelo centro de Dublin segui até à estação de trem para ir para a casa de David, sem dúvidas a viagem por meio ferroviário era mil vezes mais linda que de carro e sem dúvida alguma me arrependeria por ter aceito a carona de David. A viagem durou menos de uma hora, passando por verdes montanhas que após o inverno com os primeiros meses da primavera tomava um verde deslumbrante e com algumas árvores nos presenteando com a beleza de suas primeiras flores e seus perfumes. Da estação até a casa de David era cerca de dez minutos a pé, Meath foge completamente do clima urbano de Dublin, lá é calmo tranquilo e de arquitetura medieval, me sentia como num filme de época. Chegando a entrada da bela casa da Família Hoara não demorou para que a jovial e simpática Dona Kyara me abraçasse como se fosse minha mãe, aquele abraço de que a muito não encontra seu filho, acredito que nunca havia recebido um abraço desses de minha mãe, antes mesmo de chegarmos à entrada Sr Tony despontava na porta com um largo sorriso, todo aquele amor que me envolvia naquela casa era algo mágico e logo não contive algumas lágrimas diante tanto carinho, sem dúvidas havia se criado um laço ali que não era somente de amigos passageiros, mas sim de amigos para longa data. Ao adentrar na aconchegante casa Dona Kyara gritou
- Meu bem ele chegou ! - disse com entusiasmo a simpática mãe de David.
Sempre me sentia bem confuso como a Dona Kyara se referia a mim, quando ela chamou Davi a entonação e a empolgação com que ela disse o “ele” era como se anunciasse alguém muito importante ou muito esperado, isso era engraçado pois essa era a segunda vez que nos encontrávamos e parecia que já nos conhecíamos a cem anos. Enquanto David descia conversamos amenidades na sala de estar, o perfume de David chegou bem antes dele, era um perfume amadeirado com umas nuances florais, nunca havia sentido cheiro algum parecido… Meu olfato só podia estar fazendo uma pegadinha comigo, aquele perfume era o mesmo que eu sentíamos meu sonho, que depois de tantas tempestades e ocorrências eu já havia me esquecido, permanecia estatístico na confortável poltrona de veludo vermelho, eu não tinha dúvida alguma que aquele perfume era o mesmo do meu sonho!
Senti meu coração disparar é uma corrente elétrica percorrer todo o meu corpo, algumas lágrimas percorriam meu rosto de maneira involuntária, fui despertado de minhas memórias pela voz de David que dizia
- Se toda vez que você me ver chorar, vou ter que andar com uma garrafa de água senão você desidrata. - disse com um largo é lindo sorriso.
Os olhos de David eram de uma beleza sobrenatural, ele sempre me olhava nos olhos de forma como se eu estivesse com ele eu poderia enfrentar o mundo!
- Sou fã né, só de pensar que vou embora já me aperta o coração. - disse tentando disfarçar.
Ambos nos olhávamos como se um olhar estivesse acorrentado no outro, nossa respiração estava em um ritmo sincronizado, arrisco até dizer que nossos corações batiam no mesmo pulsar. Posso dizer sem nenhum medo que naquele momento eu e David éramos um só ser divididos em dois corpos. Permanecemos ali até que em um breve momento de razão me lembrei que os pais de David estavam ali presenciando toda a cena, ao olhar para os dois me surpreendi com os sorrisos radiantes que eles carregavam. Com as bochechas ardendo e acredito eu bem vermelhas me distanciei de David, a minha maior vontade naquele momento era sair correndo de tanta vergonha. Já era por volta das três da tarde, Dona Kyara nos convidou para irmos à cozinha tomar um chá e provar dos biscoitos que ela havia feito. Sr Tony era de fato um senhor muito agradável e me cativava cada vez mais, uma hora ou outra sempre nos pegamos conversando em italiano e dando altas risadas. Ao fim da tarde a hora mais difícil do dia, hora de me despedir desses amigos que sem dúvidas levaria para toda a vida. O choro foi inevitável, me senti como se me despedisse de parte da minha família, ganhei de Dona Kyara uma medalha de St. Patrick padroeiro da Irlanda. David insistia em me levar até em casa e depois no aeroporto mas não queria estender ainda mais aquelas despedidas. No portão após seus pais entrarem David me deu um abraço longo e caloroso, um abraço como se quisesse fundir nossos corpos, novamente não contive o choro é ao olhar o rosto de David também vi algumas lágrimas.
- Sempre que olhar para ele lembra de mim, volta o mais rápido possível. - disse pegando a medalha de St Patrick que já estava pendurada em meu pescoço.
David ainda insistiu em me levar ao menos até a estação mas recusei não me sentiria bem em vê-lo ficando para trás. Segui para a estação fazendo o mesmo caminho da vinda, com os olhos ainda ardendo da despedida, por alguns minutos tive a sensação de ter alguém me seguindo mas olhava para trás e não via ninguém, acreditei ser David que vinha mesmo ao meu contragosto e segui, as ruas tranquilas da cidade em momento algum transparência algum risco iminente de violência, então resolvi esquecer a sensação de estar sendo seguido e caminhei para a estação de trem, para minha surpresa foi atingido por um forte golpe na cabeça o que me fez perder os sentidos por alguns instantes, senti colocarem uma espécie de capuz recobrindo a minha cabeça o que evitava ver quem era, mas pela movimentação e vozes eu estava em um carro com ao menos mais três pessoas. Senti algo escorrer da minha nuca pelo meu pescoço, não consigo entender o que estava acontecendo, porém o que escorria sem dúvidas era sangue, mais uma vez perdi os sentidos.
Quando acordei sentia muita dor, não sabia onde estava, era um quarto fechado com pouca luz é muito cheiro de mofo. Minha visão estava embaçada e sentia que estava com roupas secas e aparentava ser limpas, tentei me mexer mas minhas mãos, pernas e boca estavam amarradas, comecei a grunhir que era o máximo que conseguia fazer com a boca amordaçada senti um imenso desespero tomar conta de mim e um choro convulsivo se iniciar. Toda uma viagem planejada minuto a minuto terminando daquele jeito não pode ser real.
Não tinha noção de horas ou dias, não sabia quanto tempo havia se passado. Não tinha como me mexer ou gritar por ajuda, chorar e respirar tendo apenas o nariz livre para dar vazão me levou a me afogar literalmente em meu próprio choro em alguns momentos. Por mais que eu tentasse manter a calma era impossível, não sabia porque aquilo estava acontecendo, quem estava envolvido ou o que queriam de mim, a angústia de não saber a quanto tempo estava ali ou onde eu estava era ainda mais desesperador. Passando o olho pelo quarto eu não conseguia reconhecer nada, meu estômago dava sinais de fome e a boca seca dava os indícios de sede. Vi um clarão toma conta do quarto escuro e um rapaz entrar pela sala, ele era moreno, altura mediana com o corpo esquio. Estava sem camisa que deixava à mostra uma tatuagem no ombro, nesse momento reconheci o rapaz era Ângelo.
- Como as coisas podia ser diferentes, você foi logo se apaixonou pelo branquelo sobrinho do delegado. Eu abri a minha vida para você e você me apunhala pelas costas se apaixonando pelo sobrinho do cara que mais quer ferrar a minha vida aqui. Eu te amo e é assim que você me retribui? - Ângelo deferia as palavras como facas, como se cada palavra se transforma-se em um punhal afiado e carregado de veneno.
Os olhos de Ângelo transbordavam de ódio, não tinha mais a doçura do menino que eu cheguei a gostar nos primeiros dias, agora tudo que eu encheriam nele era um psicopata disposto a tudo.
- O que você estava fazendo lá com eles? Além de trair meu amor também ia me entregar? Eu não acredito que você seria tão burro? - continuou Ângelo com um olhar assustador.
Tentava falar mais com a boca amordaçada não conseguia soltar mais que sons inteligíveis, tentava convencer Ângelo com o meu olhar mas ele estava irreconhecível. Após dizer tudo que tinha e sentia Ângelo me trancou novamente naquele quarto escuro e fétido, não conseguia pensar em mais nada lógico estava amarrado dos pés à cabeça só chorava.
Continua...
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