DANIEL
Bennett foi até o carro enquanto eu fazia o check-out na recepção. Dei uma última olhada no saguão ao redor, querendo gravar cada memória da viagem. Quando saí, vi Bennett de pé ao lado do manobrista. Meu coração batia acelerado. Eu ainda estava anestesiado. Eu entendia que ele tinha me dado muitas chances de dizer o que eu queria, mas eu estive muito inseguro sobre a possibilidade de ficarmos juntos. Aparentemente, ele era mais corajoso do que eu.
Estou apaixonando por você.
Meu estômago se revirou deliciosamente.
O sr. Gugliotti avistou Bennett e se aproximou. Eles apertaram as mãos e trocaram amenidades. Eu quis andar até eles e me juntar à conversa como um igual, mas fiquei com medo de não conseguir esconder o que estava acontecendo em meu coração, e de meus sentimentos por Bennett ficarem estampados em meu rosto. O sr. Gugliotti olhou para mim, mas aparentemente não conseguiu me reconhecer fora de contexto. Ele voltou a olhar para Bennett, assentindo para algo que ele disse, e essa falta de reconhecimento me fez hesitar ainda mais. Eu ainda não era alguém para ser notado. Os papéis do check-out, a lista de afazeres de Bennett e sua pasta estavam na minha mão. Eu era apenas alguém na periferia: um estagiário.
Mantendo-me longe, tentei aproveitar os últimos momentos da brisa que vinha do oceano. A voz grave de Bennett chegou aos meus ouvidos através dos poucos metros que nos separavam.
– Parece que você ofereceu algumas boas ideias. Estou contente que o Daniel teve a chance de participar desse exercício.
Assentindo, o sr. Gugliotti disse:
– O Daniel é esperto. Tudo correu bem.
– Tenho certeza que logo vamos poder fazer uma teleconferência para começar o processo de entrega do material.
Exercício? Começar? Não foi isso que eu tinha feito? Eu tinha entregue ao Gugliotti os contratos para ele assinar e enviar de volta pelo correio.
– Bom. Vou pedir para a Annie ligar e marcar as datas. Gostaria de ler os termos com você. Ainda não me senti à vontade para assiná-los.
– É claro.
Meu coração acelerou quando o espiral de pânico e humilhação se espalhou por minhas veias. Era como se a reunião que fiz tivesse sido um mero exercício para mim, e o verdadeiro trabalho aconteceria entre esses dois homens, de volta ao mundo real.
Essa conferência inteira foi apenas uma grande fantasia? Eu me senti ridículo ao lembrar os detalhes que tinha contado para o Bennett, de como estive orgulhoso por ter cuidado desse trabalho enquanto ele estava doente.
– Henry mencionou que o Daniel recebeu uma bolsa da JT Miller. Isso é fantástico. Ele vai continuar na Ryan Media depois que terminar? – perguntou Gugliotti.
– Ainda não sei. Ele é um ótimo garoto. Mas definitivamente precisa amadurecer um pouco. Perdi meu fôlego repentinamente, como se meu ar tivesse sido aspirado todo para fora. Bennett tinha de estar brincando. Eu sabia, sem que Elliott precisasse me dizer (e ele disse, várias vezes), que eu poderia ter o emprego que quisesse quando terminasse meu MBA. Trabalharei na Ryan Media por vários anos, ralando muito para manter o emprego e conseguir meu diploma. Conhecia algumas das contas melhor do que as pessoas que as gerenciavam. Bennett sabia disso.
Gugliotti riu.
– Maduro ou não, eu o contrataria num piscar de olhos. Ele foi muito bem na reunião, Bennett.
– É claro que sim. Quem você acha que o treinou? A reunião com você foi uma ótima oportunidade para dar a ele um pouco de experiência, então agradeço sua ajuda. Com certeza ele vai se dar bem no emprego que tiver. Quando estiver pronto.
Ele não soava como nenhum Bennett Ryan que eu conhecia. Não era o amante que esteve comigo poucos minutos antes, grato e orgulhoso de mim por tomar seu lugar quando foi preciso. E também não era o Cretino Irresistível, elogiando a contragosto. Não era o homem que disse estar apaixonado por mim. Aquele era alguém completamente diferente. Alguém que me chamava de “garoto” e agia como se tivesse feito um favor para mim.
Senti meu rosto queimar de raiva e voltei para o saguão do hotel, sentindo de repente como se não houvesse oxigênio suficiente em nenhum lugar.
Amadurecer? Eu fui bem na reunião? Ele era meu mentor? Em qual universo?
Fiquei encarando os pés das pessoas que passavam na minha frente, entrando e saindo pela porta giratória. Por que eu sentia como se meu estômago tivesse desaparecido, deixando nada além de um buraco cheio de ácido?
Eu trabalhava no mundo dos negócios há tempo suficiente para saber como tudo funciona. As pessoas no topo não chegam lá compartilhando crédito. Eles chegam lá com grandes promessas, grandes afirmações e egos ainda maiores.
“Nos meus primeiros seis meses na Ryan Media, eu consegui uma conta de sessenta milhões de dólares.”
“Eu gerenciei o portfólio de pele da L’Oréal, de cem milhões de dólares.”
“Eu projetei a atual campanha da Nike.”
“Eu transformei uma empresa do interior em uma grande empresa nacional.”
Sempre senti que ele me elogiava contra sua vontade, e por isso eu gostava de provar que ele estava errado, gostava de exceder suas expectativas, quase que para irritá-lo. Mas agora que nós tínhamos admitido que nossos sentimentos se transformaram em algo mais, ele queria reescrever a história. Ele nunca foi um mentor para mim, nunca precisei dele. Bennett não me impulsionou para o sucesso – na verdade, até aquela viagem, ele sempre tinha atravancado meu caminho, agindo como um cretino para tentar me fazer pedir demissão. Eu me apaixonei apesar de tudo isso, e agora ele estava me jogando debaixo de um ônibus apenas para se desculpar por perder uma reunião.
Meu coração se estilhaçou em mil pedaços.
– Daniel?
Levantei a cabeça e encarei sua expressão confusa.
– O carro está pronto. Achei que você ia me encontrar lá fora.
Pisquei, passei a mão no olho como se tivesse caído algo nele, e não como se estivesse prestes a chorar no saguão do hotel..esse prazer eu não daria a ele de jeito nenhum.
– Certo – eu me endireitei, peguei minhas coisas e olhei em seu rosto.
Eu esqueci. De todas as mentiras que eu já contei pra ele, aquela foi a pior, porque ele percebeu. E, pela maneira como suas sobrancelhas se juntaram e ele se aproximou, com olhos ansiosos e tentando entender, ele não fazia ideia de por que eu precisava mentir sobre algo como aquilo.
– Você está bem, lindo?
Pisquei novamente. Eu tinha adorado quando ele me chamou assim a vinte minutos atrás, mas agora parecia errado.
– Apenas cansado.
De novo, ele sabia que eu estava mentindo, mas desta vez não insistiu. Colocou a mão no ombro esquerdo e me conduziu até o carro.
BENNETT
Eu sabia que as pessoas podiam trocar de humor sem aviso. Eu até conhecia algumas que se perdiam em pensamentos imaginando trinta anos no futuro e ficavam irritadas por alguma coisa que supostamente outra pessoa ainda iria fazer. Mas não era isso que parecia estar acontecendo com o Daniel, e ele nunca foi esse tipo de pessoa. Já tinha visto ele com raiva antes. Inferno, já tinha visto ele bravo de todo jeito possível: irritado, irado, raivoso, violento. Mas nunca o vi machucado.
Ele se enterrou em documentos na curta viagem até o aeroporto. Depois pediu licença e se afastou para ligar para seu pai enquanto esperávamos no portão de embarque. No avião, ele adormeceu quase instantaneamente, ignorando minhas insinuações para nos encontrarmos no banheiro do avião para uma sessão de sexo nas alturas. Ele ficou acordado apenas tempo suficiente para recusar o almoço, mesmo não tendo comido nada desde o café da manhã. Quando acordou durante a aterrissagem, ficou encarando a janela em vez de olhar para mim.
– Você vai me dizer qual é o problema?
Ele não disse nada durante uma eternidade e meu coração começou a acelerar. Tentei pensar em todos os momentos em que eu poderia ter estragado tudo. Sexo com o Daniel na cama. Mais sexo com o Daniel. Daniel gozando. Ele teve vários orgasmos, para ser honesto. Então achei que não era esse o problema. Eu tinha acordado, tomado banho, basicamente confessado meu amor. Saguão do hotel, Gugliotti, aeroporto. Parei. A conversa com Gugliotti tinha me deixado um pouco mal. Eu não sabia por que tinha agido como um idiota possessivo, mas não podia negar que o Daniel causava isso em mim. Ele foi espetacular na reunião, como eu sabia que seria, mas eu nunca deixaria ele dar um passo para trás na carreira, indo trabalhar com um cara como o Gugliotti depois que terminasse o MBA. Ele e aquele idiota do seu assistente o Sam iriam ficar o dia todo olhando para sua bunda!.
– Eu ouvi o que você disse – sua voz soou tão quieta que eu demorei um pouco para entender que ele tinha falado algo, e demorei mais ainda para processar o que ele tinha dito. Meu estômago se revirou.
– O que eu disse quando?
Ele sorriu, virando o rosto para finalmente olhar para mim. E, que droga. Ele estava chorando.
– Para o Gugliotti.
– Eu pareci possessivo. Desculpe.
– Você pareceu possessivo... – ele murmurou, virando de novo para a janela. – Você me menosprezou... você me fez parecer ingênuo! Você agiu como se a reunião fosse apenas um exercício de treinamento. Eu me sinto ridículo pela maneira como descrevi a reunião para você ontem, pensando que tinha sido algo importante.
Coloquei a mão em seu braço, rindo um pouco.
– Caras como o Gugliotti possuem egos frágeis. Ele precisa sentir que os executivos estão escutando o que ele diz. Você fez tudo que precisávamos. Mas ele acha que precisa receber o contrato oficial das minhas mãos.
– Mas isso é um absurdo. E você perpetuou isso, me usando como um peão.
Eu pisquei, confuso. Eu fiz exatamente o que ele falou. Mas é assim que se joga o jogo, não é?
– Você é meu estagiário.
Uma risada ríspida escapou de seus lábios e ele se virou novamente para mim.
– Certo. Pois esse tempo todo você sempre se importou com o progresso da minha carreira.
– É claro que sim.
– E como você sabe que eu preciso amadurecer? Até ontem, você mal tinha olhado para meu trabalho.
– Isso não é nem um pouco verdade – balancei a cabeça, começando a ficar um pouco irritado. – Eu sei disso porque observo tudo que você faz. Não quero colocar pressão demais pedindo para você fazer mais do pode agora, e por isso estou mantendo o controle da conta do Gugliotti. Mas você fez um ótimo trabalho lá, e fiquei muito orgulhoso de você.
Ele fechou os olhos e deitou a cabeça no encosto do assento.
– Você me chamou de “garoto”.
– Chamei? – tentei lembrar da conversa e percebi que ele estava certo. – Acho que eu não queria que ele olhasse para você como um homem de negócios supergostoso que ele poderia contratar e depois tentar levar para a cama.
– Deus, Bennett. Você é tão idiota! Talvez ele quisesse me contratar porque eu trabalho bem!
– Eu peço desculpas. Estou agindo como um namorado possessivo.
– Essa coisa de namorado possessivo não é novidade pra mim. O problema é que você está agindo como se tivesse feito um favor para mim. Você está sendo condescendente. Acho que agora não é o melhor momento para entrarmos em mais dessa interação típica estagiário-chefe.
– Eu já disse que acho que você fez um trabalho incrível na reunião.
Ele me encarou e seu rosto começou a ficar vermelho.
– Você nunca teria dito isso antes. Você teria dito “Bom. Agora volte ao trabalho”. E só. E com o Gugliotti você agiu como se eu fosse seu protegido. Antes, você teria fingido que nem me conhecia.
– A gente precisa mesmo discutir por que eu era um idiota antes? Você também não era exatamente o garoto mais agradável do mundo. E por que lembrar disso agora?
– Eu não estou falando sobre como você era um idiota antes. Estou falando sobre como você está agindo agora. Você está tentando compensar. É exatamente por isso que não se deve transar com o seu chefe. Você era um bom chefe antes... deixava eu fazer as minhas coisas e você fazia as suas. Agora você se transformou no mentor sensível que me chama de “garoto” depois de eu salvar a sua pele? Inacreditável.
– Daniel...
– Eu posso lidar com você sendo um grande estúpido, Bennett. Estou acostumado, até espero isso. É assim que nós funcionamos. Porque debaixo de todas as caras feias e batidas de porta, eu sabia que você me respeitava. Mas a maneira como você agiu hoje... coloca uma nova barreira que antes não existia – ele balançou a cabeça e voltou a olhar pela janela.
– Acho que você está exagerando.
– Talvez – ele disse, inclinando-se para pegar o celular no bolso. – Mas trabalhei muito duro para chegar onde cheguei... será que estou arriscando tudo isso agora?
– Podemos ter as duas coisas, Dan. Por mais alguns meses, podemos trabalhar juntos e ficar juntos. Isso que está acontecendo hoje? Isso faz parte do amadurecimento de uma relação.
– Não estou tão certo disso – ele disse, piscando e olhando para o nada. – Estou só tentando fazer a coisa certa, Bennett. Nunca questionei meu próprio valor antes, mesmo quando pensei que você podia estar questionando. E então, eu achei que você tinha enxergado quem eu realmente sou, mas depois que você me menosprezou daquele jeito... – ele levantou a cabeça, mostrando a dor em seu olhar. – Acho que não quero começar a questionar a mim mesmo agora. Depois de trabalhar tão duro assim.
O avião aterrissou com um forte solavanco, mas que não me abalou tanto quanto as palavras que ele disse. Eu já liderei discussões com os chefes de alguns dos maiores departamentos de finanças do mundo. Já tinha encarado executivos que pensavam que poderiam passar facilmente por cima de mim. Eu poderia discutir com aquele homem até o fim dos dias e me sentir mais homem a cada palavra. Mas naquele momento eu não conseguia encontrar uma única palavra para dizer.
Dizer que eu não consegui dormir naquela noite seria um eufemismo. Eu não consegui nem deitar direito. Cada superfície plana parecia ter a marca do Dan, isso sem nunca ele ter entrado na minha casa. Só o fato de termos conversado sobre isso – e eu ter planejado trazê-lo ali em nossa primeira noite após a viagem – me fazia sentir sua presença em todo lugar.
Eu liguei para ele, mas não obtive resposta. Certo, eram três da manhã quando liguei, mas eu sabia que ele também não estava dormindo. Seu silêncio era agravado porque eu sabia que ele sentia o mesmo que eu. Eu sabia que ele estava nisso tão profundamente quanto eu. Mas ele devia pensar o contrário. Parecia faltar uma eternidade para o amanhã chegar.
Cheguei ao trabalho às seis horas, com intenção de entrar antes que ele chegasse. Peguei café para nós dois e atualizei minha agenda para poupá-lo desse trabalho. Enviei o contrato para Gugliotti por fax, dizendo que a versão que ele viu em San Diego era a final, e que o que o Daniel tinha apresentado estava valendo. Dei a ele dois dias para retornar as assinaturas.
E então, esperei.
Às oito horas, meu pai entrou no escritório, com Henry acompanhando-o logo atrás. Era comum ver meu pai de cara fechada, mas raramente era por minha causa. E Henry nunca parecia irritado. Mas desta vez os dois pareciam querer me matar.
– O que você fez? – meu pai jogou uma folha de papel na minha mesa.
Meu sangue parecia ter se transformado em gelo.
– O que é isso?
– É a carta de demissão do Daniel. Ele entregou para o Samuel hoje de manhã.
Passou-se um minuto inteiro antes que eu conseguisse falar. Nesse tempo, o único som veio do meu irmão, dizendo:
– Ben, cara. O que aconteceu?
– Eu estraguei tudo – eu disse, pressionando meus olhos com as mãos.
O rosto do meu pai voltou ao normal e ele se sentou – na mesma cadeira em que, nem um mês antes, o Daniel se punhetou, enquanto eu tentava manter a compostura ao telefone. Deus, como deixei a situação chegar a isso?
– Diga o que aconteceu – a voz do meu pai se tornou muito baixa: uma calmaria antes da tempestade. Afrouxei minha gravata, pois sentia que estava sufocando com o peso do meu próprio peito. O Daniel, o meu Daniel me deixou.
– Estamos juntos. Ou estávamos.
Henry gritou “Eu sabia!” e meu pai gritou “Você o quê?”.
– Mas não antes de San Diego – eu disse, tentando acalmá-los. – Antes de San Diego nós estávamos apenas...
– Transando? – completou Henry, recebendo um olhar duro do meu pai.
– Sim. Estávamos apenas...
Uma pontada de dor parecia perfurar meu peito. Sua expressão quando eu me inclinava para beijá-lo. A maneira como eu tomava seu lábio entre os dentes. Sua risada em minha boca.
– E, como vocês dois sabem, eu era um idiota. Mas ele retribuía na mesma moeda – eu disse. – E, em San Diego, aquilo se transformou em algo mais. Merda – estiquei o braço para pegar a carta, mas desisti. – Ele pediu mesmo demissão?
Meu pai assentiu, com uma expressão totalmente enigmática no rosto. Esse era seu superpoder: quanto mais emocional estivesse, menos emoções ele mostrava.
– É por causa disso que temos nossa política de fraternização, Ben – ele disse, atenuando a voz ao pronunciar meu nome. – Achei que você era mais esperto do que isso.
– Eu sei – esfreguei as mãos em meu rosto, fiz um gesto para Henry se sentar e então contei todos os detalhes de quando tive aquela intoxicação alimentar, da reunião com Gugliotti e de como o Daniel cuidou muito bem de tudo. Deixei claro que tínhamos basicamente decidido ficar juntos, antes de encontrar Gugliotti na frente do hotel.
– Você é um filho da puta tão estúpido – disse meu irmão quando terminei de falar. Eu só pude concordar. Após um duro sermão e a promessa de que discutiríamos novamente todas as formas de como eu estraguei tudo, meu pai voltou ao seu escritório, para pedir que ele trabalhasse com ele até o fim do estágio. Se o Daniel decidisse continuar na empresa após o estágio, ele poderia facilmente se tornar um dos membros mais importantes de nossa equipe de marketing. Mas a preocupação do meu pai não era apenas com a Ryan Media. Acontece que, se o Daniel fosse embora, ele teria menos de três meses para encontrar um novo estágio, aprender o trabalho e preparar um novo projeto para apresentar à banca examinadora. Por causa da influência da banca na faculdade de administração, a avaliação da empresa seria determinante para o Daniel se graduar com honras e receber uma carta de recomendação do CEO da JT Miller.
Isso poderia alavancar ou destruir o começo de sua carreira.
Henry e eu ficamos sentados em completo silêncio. Ele me encarava e eu olhava para a janela. Quase podia sentir o quanto ele queria dar um chute no meu traseiro. Meu pai voltou ao meu escritório, pegou a carta de demissão e a dobrou três vezes. Eu ainda não tinha sido capaz de ler. Era uma carta digitada e, pela primeira vez desde que conheci o Daniel, eu queria ver aquela caligrafia ridícula dele ao invés de uma folha impressa e impessoal com fonte Times New Roman.
– Eu disse que esta empresa o valoriza muito, que esta família o ama e que nós queremos que ele fique – meu pai parou e seus olhos caíram sobre mim. – Ele disse que isso era mais uma razão para querer se tornar independente.
Chicago se tornou um universo alternativo, no qual Billy Sianis nunca amaldiçoara os Cubs, a Oprah nunca existira e o Daniel Bennitiz não trabalhava mais para a Ryan Media. Ele se demitiu. Ele se afastou de um dos maiores projetos da Ryan Media. Ele se afastou de mim.
Tirei os arquivos da Papadakis de sua gaveta. O contrato fora preparado pelo departamento legal enquanto estávamos em San Diego, só era preciso assinar. O Daniel poderia passar os dois últimos meses de seu MBA aperfeiçoando sua apresentação para a banca examinadora. Em vez disso, ele começaria tudo de novo em outra empresa.
Como ele podia ter aguentado tudo que eu fiz antes, mas desistir agora? Era mesmo tão importante eu o tratar como um igual a Gugliotti? Ele sacrificaria tudo entre nós por causa disso?
Com um gemido, suspeitei que o motivo para eu fazer essas perguntas era também o motivo para ele me deixar. Pensei que seria possível manter nossa relação e nossas carreiras, mas isso era porque eu já tinha provado o meu valor. Acontece que ele ainda era o estagiário. Tudo que ele queria era a minha garantia de que sua carreira não sofreria por causa de nossa imprudência. Mas fiz exatamente o contrário.
Fiquei surpreso, o escritório não estava pegando fogo com a história do que eu tinha feito, mas parecia que apenas meu pai e Henry sabiam. O Daniel sempre guardou nosso segredo. Eu me perguntei se o Sam sabia e se ele ainda falava com o meu Daniel.
Logo tive uma resposta. Alguns dias após Chicago mudar, a Sam entrou na minha sala sem bater na porta.
– Essa situação é completamente idiota.
Levantei os olhos, baixei o contrato que estava lendo e encarei seu rosto tempo o bastante para ele estremecer. Então eu disse:
– Quero lembrar a você que essa situação não é da sua conta.
– Como amigo dele, é sim.
– Como funcionário da Ryan Media, e como funcionário do Henry, não, não é.
Ele me encarou por um momento e então assentiu.
– Eu sei. Eu nunca contaria a ninguém, se é isso que você está dizendo.
– É claro que é isso que estou dizendo. Mas também estou falando sobre seu comportamento. Não quero ver você invadindo minha sala sem bater.
Ele pareceu arrependido, mas não se abalou com meu olhar severo. Comecei a entender por que ele e o Daniel eram tão amigos: os dois tinham temperamento forte e eram ferozmente leais.
– Entendido.
– Posso perguntar por que você está aqui? Você falou com ele?
– Sim.
Esperei. Eu não queria pressioná-lo para se tornar meu confidente, mas Deus, eu queria apertar aquele pescoço para arrancar cada detalhe que ele sabia.
– Ele recebeu uma oferta de emprego na Studio Marketing.
Soltei um suspiro tenso. Era uma empresa decente, mesmo que pequena. Uma empresa que estava crescendo e que tinha alguns bons executivos juniores, mas verdadeiros filhos da puta no topo.
– Com quem ela está trabalhando?
– Um cara chamado Julian.
Fechei os olhos para esconder minha reação. Troy Julian fazia parte do nosso conselho: era um egocêntrico com fama de ir atrás de garotos jovens. O Daniel sabia disso. No que então ele estava pensando? Pense, seu idiota.
Ele provavelmente estava pensando que Julian teria os recursos para lhe dar um projeto substancial, que ele poderia apresentar em três meses.
– Qual é o projeto dele?
O Sam andou até a porta e a fechou.
– Comida de cachorro da Sanders.
Dei um soco na mesa. A fúria tomou conta da minha mente e fechei os olhos para me controlar e não descontar no assistente do meu irmão.
– Essa é uma conta muito pequena.
– Ele é só um estudante de MBA, sr. Ryan. É claro que é uma conta pequena. Apenas alguém muito apaixonado deixaria ele trabalhar num contrato milionário de dez anos – sem olhar de volta para mim, ele se virou e foi embora.
O Daniel não atendia o celular ou o telefone de casa, nem respondia qualquer e- mail meu. Ele não me ligou, não passou no escritório e nem deu nenhuma indicação de que queria falar comigo. Mas, quando seu peito dói tanto que você nem consegue dormir, você acaba fazendo coisas como procurar o endereço do seu estagiário, dirigir até lá às cinco da manhã de um sábado e esperar ele sair.
E, quando ele não apareceu após quase um dia inteiro, eu convenci o porteiro do prédio dizendo que era seu primo e que estava preocupado com sua saúde. Ele me acompanhou até o apartamento e ficou atrás de mim enquanto eu batia na porta.
Meu coração estava quase saindo pela boca. Ouvi alguém se mexendo lá dentro, se aproximando da porta. Eu podia praticamente sentir seu corpo a centímetros do meu, separados apenas pela madeira. Pude ver uma sombra se movendo através do olho mágico. E então, o silêncio.
– Dan.
Ele não abriu a porta. Mas também não se afastou.
– Lindo, por favor, abra a porta. Preciso conversar com você.
Após o que pareceu uma hora, ele disse:
– Não posso, Bennett.
Encostei minha testa na porta e pousei as duas mãos na madeira. Ter superpoderes seria útil ali. Mãos de fogo, sublimação, ou até mesmo a habilidade de encontrar a coisa certa para dizer. Mas agora, isso parecia impossível.
– Desculpe.
Silêncio.
– Dan... Deus. Eu já entendi, certo? Brigue comigo por ser um tipo novo de idiota. Diga para eu ir me foder. Quebre minha cara. Faça isso do jeito que quiser... só não desapareça.
Silêncio. Ele ainda estava ali. Eu podia sentir.
– Sinto sua falta. Merda, eu sinto muito a sua falta. Sinto demais.
– Bennett, só... agora não, certo? Não posso fazer isso agora.
Ele estava chorando? Eu odiava não saber.
– Ei, amigo – o porteiro definitivamente soava como se aquele fosse o último lugar em que ele queria estar, e dava para perceber que estava irritado por eu ter mentido. – Não era por isso que você queria subir. Ele parece bem. Vamos embora.
Fui para casa e comecei a beber uísque. Por duas semanas, fiquei jogando sinuca em um boteco e ignorei minha família. Disse que estava doente e só saí da cama ocasionalmente para pegar uma tigela de cereal, encher meu copo ou usar o banheiro, onde olhava para meu reflexo e mostrava o dedo do meio para mim mesmo. Eu estava na pior e, como nunca experimentei nada assim antes, não fazia ideia de como sair dessa. Minha mãe apareceu com algumas compras de supermercado e as deixou na minha porta. Meu pai enviou mensagens diárias com atualizações do trabalho.
A Mina trouxe mais uísque.
Finalmente, Henry apareceu com a única cópia das chaves da minha casa, derramou um balde de água fria na minha cabeça e então me deu um pouco de comida chinesa. Acabei comendo quando ele ameaçou colar fotos do Daniel nas paredes da minha casa se eu não saísse logo dessa e voltasse ao trabalho. Durante as semanas seguintes, o Sam começou a suspeitar que eu estava ficando maluco e que precisava de uma atualização semanal. Ele manteve tudo em nível profissional, contando como o Daniel estava se saindo no novo emprego com Julian. Seu projeto caminhava bem. O pessoal da Sanders o adorava. Ele mostrou a campanha para os executivos e recebeu o aval deles. Nada disso me surpreendeu. O Daniel era de longe melhor do que qualquer pessoa que trabalhava para eles.
Ocasionalmente, Sam deixava escapar algo a mais. “Ele voltou a frequentar a academia”, “Ele parece melhor”,“Ele cortou o cabelo um pouco mais curto e ficou muito bonito”, “Saímos com o pessoal no sábado à noite. Acho que ele se divertiu, mas foi embora cedo”.
Porque estava com alguém?, eu me perguntei. Então, afastei esse pensamento. Eu não poderia nem imaginar sair com outra pessoa. O que tivemos foi algo muito forte, e eu tinha quase certeza que ele também não estava saindo com mais ninguém.
As atualizações nunca eram suficientes. Por que o Sam não tirava umas fotos escondida com o telefone? Eu tinha esperança de esbarrar no Dan em uma loja ou na rua. Entrei na Armani algumas vezes. Mas não o vi durante dois meses.
Um mês passa voando quando você está se apaixonando pelo homem com quem está transando. Dois meses se tornam uma eternidade quando o homem que você ama te deixa para trás.
Então, quando o dia da apresentação do Daniel se aproximou e o Sam disse que ele estava preparado e lidando com o Julian com mãos de ferro, mas que ao mesmo tempo parecia “triste e menos como ele mesmo”, eu finalmente tomei coragem.
Sentei à minha mesa, abri o PowerPoint e o arquivo da Papadakis. Ao meu lado, o telefone tocou. Considerei não atender, pois queria me concentrar apenas naquilo.
Mas era um número desconhecido, e uma grande parte do meu cérebro queria pensar que poderia ser o meu Daniel.
– Aqui é o Bennett Ryan.
A risada de uma mulher ecoou do outro lado da linha.
– Lindo, você é mesmo um Cretino Irresistível.