Ao chegar no hospital Guto sequer esperou maca. Apanhou David nos braços e adentrou correndo na ala de emergência, pedindo que alguém fizesse alguma coisa. Vendo que se tratava de uma tentativa de suicídio, David foi logo atendido. Por sorte os cortes não foram profundos, ele não tinha forças nem para isso.
David passou quase dez dias em coma induzido.
Ao despertar, a seu lado, sentada e com a cabeça debruçada sobre o braço, estava sua mãe exausta, que momento ou outro olhava o filho.
Percebendo que ele abriu de leve os olhos, chamou a enfermeira, que chamou o médico. Este fez perguntas tipo nome dele, dos pais e nascimento. David aos poucos foi entrando em estado de consiência, o que foi suficiente para começar chorar.
- Me deixa morrer.
- Não podemos fazer isso, meu jovem. Você é um cara bonito, cheio de vida, não pode disperdiça-la... - e o médico conversou um pouco com ele.
- Mãe, vou chamar um especialista para conversar com seu filho. Ele está com depressão e pensamento suicida. - disse o médico à mãe. e assim foi feito.
Todos os dias Guto ia ver David pela manhã, na esperança de encontrá-lo bem. Como o jovem acordara a tarde ele não ficara ciente. Quando o celular tocou, ele estava na direção, apenas olhou na tela e era Suely. Seu coração disparou, ele tentou se controlar mas a ansiedade e o pânico tomara conta de si. - Aconteceu o pior. - pensou ele. Não aguentou esperar chegar no final de linha, parou num ponto, retornou rapidamente para Suely que deu a notícia. Guto aliviou-se e uma alegria profunda tomou conta do motorista.
Final de linha Guto conversou com o cobrador para saber se ele não se importaria em não tirarem os 15 ou 20 minutos de descanso, e contou-lhe o motivo. Prontamente o cobrador disse não haver problemas. Assim foram trocando horários com outros micros da linha, encerrando na garagem quase uma hora antes do normal.
Ligou pra Elma avisando e seguiu para o hospital. Pediu para ver o rapaz. Chegando ao quarto, lá estavam Suely, Helen, sua mãe e seu pai.
Virando o rosto para a porta e vendo Guto, escorreram lágrimas na face do David, que abriu um sorriso feliz, e o coração do moreno queria saltar-lhe do peito. E Guto também emocionou-se.
O pai e a mãe do David agradeceram imensamente a Guto.
- Não foi nada. Tenho certeza que vocês fariam o mesmo se fosse eu, e o David principalmente. - e olhou-o com cara de felicidade.
Foi a primeira vez que o pai do rapaz lhe dirigira a palavra desde que alarmou-se o que houve entre seu filho e Guto. Mas tudo estava bem.
- Acho que eles querem conversar um pouco. - disse Suely aos pais do David e puxando Helen.
- Sim, minha filha, vamos.
A sós, Guto aproximou-se de David, alisou seu rosto com a parte oposta da mão direita, carinhosamente, limpou suas lágrimas. - rapaz, você nos deu um grande susto, mas já está de volta conosco. Me perdoe por tê-lo abandonado. Agora sei a importância que tenho na sua vida e o grande amor que você realmente tinha por mim.
Com a voz ainda meio fraca, disse David:
- Não tinha. Ainda tenho. Mas prometo que não vou mais prejudicar sua vida em nenhum sentido. Sei que você tem sua esposa e não há espaço para mim na sua vida. Vou abrir mão de você mas também não quero mais viver.
- Não diga isso. Agora pense somente na sua recuperação.
- Estou muito feliz em finalmente poder ver o homem que amo, mas por favor, vai embora e não volta mais. Já te tenho na cabeça o tempo todo e sua presença aumenta ainda mais o desejo de te ter. É melhor mesmo pra você que a gente não tenha mais contato.
- David, as coisas não são assim.
- Por favor, ao menos, nesse momento, me atende. Vai embora! Você mexe muito comigo. Te ver e saber que não te terei mais, aumenta minha vontade de morrer. - e o rapaz começou chorar desenfreadamente.
- Tudo bem! Não se altere que não te faz bem. Estou indo! Estou indo! Mas prometa que vai ficar bem.
- Certo, meu amor, mas vai embora.
Guto nunca na vida imaginara uma reação daquel por parte do David.
Passando pelos seus pais: - vão ver o David. - disse Guto, com os olhos vermelhos, segurando as lágrimas.
Os pais foram até o quarto e Suely o seguiu.
- Guto, espera. O que houve?
- Ele não quer me ver mais. Disse que já lhe basta me ter nos seus pensamentos, e quando me ve aumenta a vontade de morrer porque sabe que não pode me ter.
- Mas, me diz, como ficará vocês dois?
- Não sei. É uma pergunta que não sei responder. - e foi embora, todo triste.
No quarto a mãe perguntou porque o filho chorava.
- Apenas gratidão, mãe. - ele não falou o motivo real.
Quatro dias após David foi transferido para um apartamento. Teria que ficar no hospital por algum tempo para reeducação alimentar, passar por tratamentos e ganhar mais peso.
Com o passar dos dias, toda tentativa de visita do Guto havia sido negada por David, até que ele resolveu dar um tempo para que David não piorasse e ele não acabar se sentindo culpado.
Mais ou menos depois de um mês e meio, uma visita inesperada. Heis que entra no quarto, Elma.
- Como você está? - perguntou ela com um sorriso meio cabisbaixo.
- Estou bem! - respondeu ele com ar de desconfiança e meio envergonhado.
- Posso falar a sós com o David? - perguntou Elma à irmã do David que estava a seu lado. Ela estava na cidade para passar uns dias com seu irmão.
- Pâmela, nos deixe sozinhos, pode ser?
- Certo. - respondeu-lhe. - mas não permita que ele se altere, por favor. - pediu ela a Elma.
- Não se preocupe! Vim em paz.
- Me perdoe, mais uma vez, por tudo que causei a vocês! - pediu David.
- Não é hora de falar sobre isso. Mas você está perdoado. Tudo está de volta no seu devido lugar. Ao menos estava, porque o Guto de alguns dias pra cá...
- O que houve com ele?
Chorando lentamente, Elma começou: - Olha David, está sendo muito difícil pra mim fazer isso, mas meu amor pelo meu marido é superior a qualquer coisa e a qualquer orgulho. Ele não é mais o mesmo. Só anda triste, calado, pensativo, brinca sem vontade com nossa filha, não sai mais com os amigos, e quando sai volta logo, todos estão preocupados. Guto anda num mundo que não consigo mais ter acesso, e eu não aguento mais ver meu marido assim. Eu não sei o que você fez com ele.
- Olha Elma...
- Por favor, me deixa continuar para não ficar mais difícil para mim.
Desculpou-se David.
- Você entrou nas nossas vidas de um jeito perturbador mas a sua saída também está nos afetando, inclusive a você. Eu sei que você não quer mais vê-lo, ele me contou. Também me disse que não queria mais nada com você para não me magoar, mas sinto que não é o que ele quer, e sei que também não é o que você quer. Por favor, não deixa meu marido nesse estado. Eu o amo muito, mas para ver ele feliz eu faço qualquer coisa, inclusive abrir mão dele para vocês dois ficarem juntos, e vou embora.
David ficou horrorizado com aquilo.
- Não, Elma, não quero ser feliz passando mais por cima da felicidade de ninguém. Vocês tinham uma história, eram uma família antes de eu me colocar de penetra. Eu não aceito isso.
- Sinto muito pelo que você está passando mas nesse momento não estou preocupada com sua felicidade, sim com a felicidade o Guto. Eu quero te ver bem, mas ele eu quero ver melhor, porque o amo muito. Aceita sua visita, se acertem. Eu pego minha filha, e vou embora. Olha, preciso ir porque deixei minha filha com a vizinha, mas pense nisso, por favor. - e pegou sua mão apertando-a forte.
- Eu não posso fazer isso. - pensou.
Quando sua irmã entrou, pediu-lhe que ligasse para Guto para ir vê-lo. Depois de ligar, ela disse-lhe que Guto iria na manha seguinte, já que à noite não era permitido visitas, apenas acompanhante.
Dia seguinte, cedo, chegou Guto ao hospital. Teria de esperar até às 8.
Ao entrar no quarto, sua irmã o deixou a sós com David. Apesar de sua dicisão, o coração do rapaz saltava de alegria ao ver o seu amor. Mas se conteve. E ele falou que Elma esteve a visitá-lo no dia anterior, o que foi conversado, e o pedido dela.
- Eu não sabia disso. Ela não me disse nada.
- Tem que uma mulher amar muito um homem para ter uma atitude dessa. - disse David. - Eu não sei o que você tem que ela e eu ficamos dois perdidos de amor por você. Mas eu não quero mais ser uma pedra no caminho de vocês. Quero que vocês continuem sendo felizes e não atravessarei mais suas vidas. Deixo que você me visite quando quiser, mas quando sair daqui, voltarei a estudar e um dia ir embora. Tenho medo que não consiga mais deixar de te amar.
- Eu não quero que você deixe de me amar. - disse Guto, pegando sua mão. - mas também me vejo perdido, sem saber o que fazer. Não quero mais magoar minha mulher e também não gostaria de perder você. Estou totalmente perdido.
Os dois conversaram por algum tempo. Ao ir embora, deu-lhe um beijo na testa: - volta logo pra casa, e, por mim, pela sua família, por Helen e Suely, se cuida, se alimenta bem e não desista da vida. Você é muito importante para nós. - as lágrimas escorreram dos olhos do rapaz.
- Certo. Farei isso. - prometeu dando um sorrisinho feliz, olhando Guto com olhar apaixonado.
Voltando para casa, Guto chamou Elma para conversar. A filha estava na escola.
- Como você sabe, acabo de voltar do hospital, a pedido do David. Ele me contou tudo e me falou sobre seu pedido.
- Amor, eu não gosto de te ver assim. Você acha que não sinto falta de você mesmo quando estás dentro de casa? Você não é mais presente, não é mais alegre, comunicativo, não vive seus amigos, o pensamento está em outro planeta. Quero meu Guto de antes.
- Eu só estou perdido, sem saber o que fazer.
- Já me decidi. volto pra casa dos meus pais e deixo o caminho livre pra vocês. Eu apenas quero te bem, feliz como antes.
- Eu não posso abrir mão de você. Você e minha filha são minha vida. Eu te amo demais pra deixar você ir embora de minha vida.
- Mas também morre de amores por esse rapaz. Eu vejo isso. E o jeito que ele ficou, tudo que aconteceu, prova que com certeza também morre de amores por você.
Baixando o rosto: - Não sei o que aconteceu comigo. - indagou Guto. - Mas ele com certeza vai aceitar minha amizade, ao menos, e será suficiente.
- Não! Eu sei que não será suficiente. Esse rapaz também sofreu muito por você. Olha o estado que ele ficou. E quando te colocou na cadeia, moveu o universo pra desfazer tudo, e conseguiu, enquanto eu não fiz nada. Eu te amo muito, mas ele também é louco por você.
- E eu sou louco por vocês dois. - Guto soltou sem pensar duas vezes.
Alisando carinhosamente o rosto de Guto, Elma disse: - está vendo que é melhor admitir as coisas do que retrair? Volta pra ele. Vou sofrer mas vou entender.
- Não aceito isso. Quero ele mas também não abro mão de você.
- Façamos assim... continuamos juntos e você continua com o David.
Guto espantou-se com tal ideia.
- Agora não teria mais problemas. Eu fico feliz com meu marido a meu lado, David fica feliz com o seu amor, e você fica feliz com as duas pessoas que te ama e que você ama. Eu só precisaría de um tempo para me acostumar. E é melhor assim do que continuarmos juntos e um dia você querer David de volta e ficarem escondidos por ai. Vamos ser adultos.
- Amanda, eu não sei se isso me parece correto.
- Antes que não era correto. Me desculpa dizer isso. E como estou propondo, ficaríamos todos cientes um do outro.
Guto pegou sua esposa pelo queixo, deu-lhe um beijo na boca. - Você é uma mulher incrível. Está vendo um dos motivos que não posso te perder?
- Você que é um marido incrível. Não sei realmente se conseguiria ficar sem você. Mas vai almoçar para ir trabalhar. Daqui a pouco você se atrasa. - disse Elma, acariciando seu rosto e retribuindo-lhe o beijo.
Todo feliz, Guto foi para o banho. Daquele dia em diante, tornou-se mais alegre.
A conversa entre Elma e Guto, eu não presenciei, mas desse modo ele relatou para David.
No dia posterior, Guto voltou ao hospital. Lá estava sua mãe, sua irmã, Helen e Suely conversando, rindo. A alegria do jovem ficou ainda melhor ao vê-lo entrar.
- Bom dia! Como ele está hoje?
- Se recuperando a cada dia. O pesaram e já ganhou algum peso. Se continuar assim em breve irá pra casa. - respondeu a mãe.
- Eu posso falar com ele um minuto a sós?
Então o deixaram com o jovem.
- O que foi? - perguntou David percebendo o semblante de alegria do Guto.
Guto pegou seu queixo e de-lhe um beijo na boca. - agora também tenho você.
Continua...
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*Amigos comentadores, pela reação que os amigos e vizinhos tiveram em relação ao David na época da prisão do Guto, eu já imaginava que quem lesse a história teria a mesma reação. Mas eu tenho certeza que, apesar de suas revoltas, vocês não são assim, não têm maldade no coração. David sofreu muito com a vizinhança, com piadas, com isolação (coisa que não achei preciso mencionar nos contos), mas no momento preciso, todos estavam lá por ele. Tenho certeza que vocês teriam a mesma reação se fossem o Guto ou algum dos vizinhos.
*Túlio_Goulart, pela primeira vez você foi menos irônico, apesar das palavras duras no começo. Mas que bom que você exprime o que sente. Obrigado pelo comentário!
*Atonx14, obrigado pelo comentário! Na hora do desespero, quem tem ou consegue transporte, ninguém vai esperar ambulância. O Guto só estava preocupado em não deixá-lo morrer. Tenho certeza que você também faria o mesmo.
*Zé_Carlos, obrigado pelo comentário!
*VALTERSÓ, obrigado mais uma vez! Como sempre, detalhista - rss. Entendo sua revolta contra o David. Ele apenas escolheu o caminho errado achando que era o certo.
*Martines, obrigado pelo comentário! O Guto poderia até sentir-se culpado, se o David morresse, se bem que, na minha opinião, ele não deveria tê-lo abandonado. A história não continuou com David esquecendo-o - rss.
Beijos a todos!