João subira as escadas correndo. O joelho ensanguentado já não doía mais. O rapaz com a pele pálida entrou em seu quarto, e trancou a porta para não ser incomodado nem exporto a perguntas extremas. Já no banheiro, se olhou no espelho e tentou esconder a dor que trazia em seu peito estufado de ar. Tirou a bermuda apressadamente e caiu literalmente em baixo do chuveiro. A água escorria em seu corpo e ia levando todo o sangue de seus machucados. Um pássaro pousou no basculhante do banheiro, e por um pequeno instante, João esquecerá dos problemas que havia tido durante aquela semana.
Terminado o banho, o menino colocou uma roupa qualquer, desligou seu celular e afundou na cama.
- João? João, meu filho, ta tudo bem? - era sua mãe que o chamava na porta.
João ouvia tudo atentamente, mas evitava responder.
- acho que ele ta dormindo. - ele ouviu sua mãe falar com alguém.
- Ta... Então eu volto outra hora. Diz pra ele que o Fabinho esteve aqui. - disse uma voz masculina do lado de fora do quarto.
- Fabinho? Ta bom, eu digo sim.
As vozes foram se distanciando, e João entendeu que a mãe e Fabinho já não estavam mais na porta de seu quarto.
- Fabinho. - disse João com os dentes serrados. - Filho da puta do caralho. - e deixou escorrer uma lágrima.
João fechou os olhos, e depois de muito pensar no quanto amava e odiava o Fabinho, acabou adormecendo.
Já passava das 19 horas de sábado quando João despertou. O quarto escuro o impedia de ver o caminho da porta. O rapaz esticou a mão, e apanhou o celular no criado mudo, voltou a ligar o aparelho e focou o local do interruptor.
O menino de 21 anos havia dormido bastante, mas Fabinho ainda não saíra de sua memória. Andou ate o banheiro, escovou os dentes, lavou o rosto, e depois saiu do quarto. Mal colocou um pé no corredor, e ouvirá um barulho estrondoso vindo do andar debaixo.
- festa aqui em casa? - pensou ele descendo as escadas.
Seus pais estavam reunidos na sala com uma pá de gente conhecida, e mais uma penca de desconhecidas.
Quando dona Carla, mãe de João o viu, logo gritou por ele.
- vem aqui filho. - disse ela acenando.
João, desconfiado, foi ao encontro da mãe.
- o que ta acontecendo mãe? Por que esse monte de gente aqui?
- não ta lembrando que data é amanhã? - perguntou dona Carla.
- amanhã? - perguntou João pensativo.
- é filho.
- não mãe, sinceramente não.
- ta com a cabeça aonde joãozinho? Amanhã é o aniversário de oitenta anos da sua vó.
- puxa vida mãe. Verdade, eu havia me esquecido.
- pois trate de não se esquecer mais, e vá tomar a benção aos seus tios.
Imediatamente, João saiu cumprimentando todos os tios e primos. Alguns bem chegados, outros um pouco mais distantes.
A família estava toda distribuída na imensa sala de dona Carla.
João, após falar com todos os parentes, sentou na mesa da cozinha junto de outros primos.
- e a faculdade primo? - perguntou Yasmim, prima e amiga de infância.
- rapaz prima. Ta lá.
Todos riram.
- reprovei uma disciplina, e até agora não abriu turma ainda pra eu pagar.
- a tia Carla deve ter ficado irada em João? - disse Rafael, outro primo.
- nada, ela num sabe não.
- então não fale nada. Leve pro seu túmulo. - disse Yasmim arrancando risos dos demais.
- esse assunto ta morto e enterrado já. Só vocês estão sabendo.
- do que estamos sabendo? - disse André entrando na cozinha.
- e aí primo vei, como você ta? - disse João levantando da cadeira, e cumprimentando o primo que há tempos não via.
- to belezinha primo, e tu?
- tudo ótimo primo. - João mentiu.
- só os bons reunidos. - disse André cumprimentando os outros primos.
- que horas tu chegou? - perguntou Ananda.
- cheguei já agora a noite. Dei uma passada la na casa da tia Zélia, e não encontrei ninguém. Supus que estavam todos aqui.
- A tia Zélia tava aqui em casa ate inda pouco.
- ainda ta. Acabei de ver ela la na sala. Meu celular descarregou assim que eu desembarquei na rodoviária, e não deu pra ligar pra ninguém.
- tô ligado. Trouxe alguma coisa pra gente? - perguntou Rafael.
- minha presença. - respondeu André.
- essa daí tu enfia no... - disse João.
André riu.
- to com fome primo. O que tem pra comer aqui?
- rapaz primo, eu nem sei o que foi o almoço aqui hoje. - disse João levantando da mesa e indo ate o fogão. - tem lasanha, tu quer?
- lasanha né comida de homem sério não primo. - disse André.
- pois eu quero dois pratos, por favor, to morrendo de fome. - disse Yasmim.
- quer mesmo prima? Se quiser eu esquento. Da pra todo mundo.
- quero sim primo. - disse Yasmim indo ao encontro do primo.
- pede pra tia fazer uns bifes pra gente primo. - disse André.
- faz aqui primo. Pode ficar a vontade. - respondeu o dono da casa.
- primo, tu num entendeu que ele ta com preguiça? - disse Ananda.
- ah é sacana? Vou já arrumar um serviço pra espantar essa tua preguiça. - disse João colocando a lasanha no microondas.
- opa. Preguiça não. Cansaço. - disse André se defendendo.
O celular começava a vibrar no bolso do short. João recusou a chamada do Fabinho e colocou o celular no bolso novamente. O menino sentou à mesa, e enquanto os primos comiam ele sorria para todos, mas pensava em alguém que estava longe. Sentiu um aperto no coração, e pediu licença para ir ao banheiro.
- vai aonde primo? - perguntou Rafael vendo o primo sair da cozinha.
- banheiro primo. - respondeu João.
- mas tem um banheiro aqui na cozinha. - disse Ananda.
- ah é. Tinha esquecido. - disse João sem graça.
João entrou no banheiro da cozinha, e de frente para o espelho, soltou todo o ar que havia prendido. O celular voltou a vibrar, e o rapaz visualizou uma mensagem do Fabinho.
****
Tu ta sendo muito dramático João. Vai dizer que você nunca me traiu?
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João tentou digitar algo, mas optou em ignorar Fabinho.
- Vocês viram o João? - era sua mãe do lado de fora do banheiro.
- ta no banheiro tia. - um dos primos respondeu.
João puxou a descarga do vaso, lavou as mãos e saiu do banheiro.
- senhora mãe? - disse ele já do lado de fora.
- teu pai ta te procurando.
- e onde ele ta?
- la na garagem. Vá la falar com ele.
- ta bom. - disse o rapaz saindo da cozinha.
João encontrou o pai tirando a caminhonete da garagem.
- a mãe disse que o sr queria falar comigo pai.
- queria sim. Preciso que você vá la no aeroporto, comigo, buscar teu tio.
- que tio?
- o Pedro. - disse ele.
- o tio Pedro ta vindo é? Ele nunca vem pro aniversário da vovó.
- esse ano resolveu vir. Tua vó já ta velha, e ele não quer ficar com remorso caso ela venha partir.
- eu ficaria com remorso só em ter esses pensamentos, mas cada um é cada um né!? Vou lá em cima trocar de roupa e já volto.
- não demore. - disse seu pai.
- pode deixar.
João, como prometido, retornou sem muita demora. O menino entrou no banco do carona, e partiu rumo ao aeroporto.
Abdias, pai de João, estacionou o carro e juntos foram recepcionar o parente do interior. De longe, Abdias avistou o cunhado, que vinha carregado de malas.
- Pedro. - gritou Abdias ao ver que o cunhado tomara rumo desconhecido.
- Abdias? - disse ele limpando a vista.
Pedro caminhou ate Abdias e lhe deu um abraço acalorado.
- como é que ta meu cunhado? - disse o tio do interior.
- se melhorar vira festa. - respondeu Abdias.
- e o teu ''Vasquinho''? - brincou Pedro.
- João, cadê minha peixeira João? - Abdias fingiu bravura.
Todos riram.
- e esse garotão como ta? - Pedro puxou João para um abraço e quase quebrou os ossos do menino com tanta brutalidade.
- eu to bem tio, graças a Deus, e o senhor? - disse João com o rosto sufocado pelo peitoral do tio.
- tamos levando. Vai tomar a benção do tio de vocês não? - Pedro falava com dois rapazes que o acompanhava.
- bença tio. - responderam em uníssono.
- Deus os abençoe. - respondeu Abdias cumprimentando os sobrinhos.
- fala com o primo de vocês. - ordenou Pedro.
- Oi primo. - disse um.
- e aí primo. - disse o outro.
- e aí. Beleza?
- tudo bão, e ocê? - perguntaram.
João pensava tanto no Fabinho, que não deu muita atenção aos primos parados ali na sua frente.
Após ajudar a embarcar toda a bagagem do tio, e primos, João entrou no carro do pai e voltaram pra casa.
Durante o percurso, Pedro atualizava o cunhado Abdias de tudo o que acontecerá na cidadezinha do interior. Pedro havia ficado viúvo recentemente e Abdias prestava solidariedade ao cunhado.
João, pelo retrovisor, pela primeira vez reparava nos primos que nunca havia visto antes. Dois irmãos totalmente diferentes e ao mesmo tempo iguais. Iguais fisicamente, mas diferentes na personalidade.
Abdias estacionou o carro, e João ajudou a retirar as malas.
- gosta de milho primo? - um dos primos tocara no ombro de João.
- gosto. Gosto sim primo. - João foi sincero.
- que bom primo. Trouxemos milho, mandioca, cana, banana. Acho que cê vai gostar.
João ficou impressionado com a simplicidade daquele cara.
- eu gosto de tudo isso. - disse João levantando um saco de rafia carregado de alimentos.
- pode deixar que eu levo primo. Esse daí ta pesado.
- não, pode deixar que eu levo. - disse João colocando o saco no ombro.
No primeiro caminhar, João sentiu uma fisgada no joelho, onde havia machucado naquela manhã.
O menino gritou em silencio.
- ow, ow, ow. - disse o primo, retirando o saco de cima do ombro de João.
João sentou na escadaria da entrada de sua casa, e mordeu a mão, tentando diminuir a dor.
- machucou? - perguntou o primo sentando ao seu lado.
O sangue melava a calça de João.
- ta sangrando. Deixa eu ver isso. - O primo tentou tocar no joelho, mas João se esquivou.
- machuquei hoje num acidente de carro. Vou la em cima fazer um curativo.
- quer ajuda? - disse o primo prestativo.
- precisa não. - respondeu João.
- ta certo, qualquer coisa eu vou ta por aqui. - disse o rapaz.
- ta bom primo. Obrigado! - disse João entrando em casa.
O rapaz foi à cozinha, mas os primos que haviam ficado jantando, já não estavam mais ali. A família havia se dispersado, e ele entendeu que eles já haviam ido para casa de outros parentes, que não eram poucos, e alguns para hotéis.
João subiu as escadas sem fazer muito barulho, e chegando ao quarto, tratou logo de lavar o machucado que agora parecia ter agravado. O jovem passou água sobre o joelho, e sentiu uma dor fina. João suportou aquilo sem gritar, enfaixou o joelho e colocou uma calça de moletom para que a mãe não visse e quisesse saber a origem daquela ferida.
Ao sair do banheiro, João deu de cara com a mãe e os dois primos.
- meu filho, o Mateus e o Diogo vão dormir aqui essa noite ta bom? no quarto de hospedes a cama é de solteiro e fica ruim pra eles, que são dois.
- se não tiver problema pra ti primo. - disse Mateus, o primo que estava com João momentos antes.
- tem problema não. Podem ficar à vontade. - disse João.
- aqui têm cobertores e almofadas. - disse dona Carla abrindo o roupeiro de João.
- ta bom tia. Obrigado - disse Mateus; Diogo era um pouco mais calado.
- João, meu filho, você sabe aonde ta o controle do ar?
- acho que ta dentro da gaveta do criado mudo. - respondeu o único filho de dona Carla.
Carla abriu a gavetinha, e entregou o controle do ar ao Mateus
- veja a temperatura mais adequada ao gosto de vocês. - disse Carla.
- certo, tia! - disse Mateus.
Carla deu um beijo de despedida nos sobrinhos e saiu do quarto. João a acompanhou.
- e o joelho primo? - perguntou Mateus antes que João sumisse de sua vista.
- ta melhor primo. Foi só um arranhão. - respondeu João.
- se você quiser,o Diogo faz um chá que é tiro e queda. Você passa no joelho e ele fica novo outra vez. né não Diogão!?
- é sim mano. Lá na cidade ninguém passa mais de um dia machucado não, você quer que eu faça?
João sorriu com a inocência dos primos.
- eu quero sim, mas hoje não. Mas amanhã eu quero experimentar desse chá.
Os primos concordaram. João se despediu e saiu do quarto. Enquanto caminhava para o quarto de hospedes, seu celular voltou a vibrar.
****
- Fabinho cara, esquece o que aconteceu velho, vai viver tua vida. - disse João.
- to aqui na frente da tua casa. Vem aqui pra gente conversar. - disse Fabinho.
- ta tarde, e eu to cansado. Outro dia a gente conversa.
- eu não vou sair daqui João. Se você não vier, eu vou tocar a campainha.
Contrariado, João acabou cedendo.
*****
- para de agir como criança João, vamos logo resolver esse mal entendido. - disse Fabinho ao ver João passar pelo portão.
- mal entendido? Isso num foi nenhum mal entendido não Fabinho, eu vi cara. Não foi ninguém que me falou não.
- tudo bem. Eu errei, e to assumindo, mas você não pode passar uma borracha?
- esquecer eu ate posso. Te perdoar também. Agora voltar a ficar com você, não.
- então você não esqueceu.
- esquecer é uma coisa. Continuar no erro é outra.
- então tu acha que foi um erro ficar comigo? Tu vai jogar dois anos fora por causa de uma chupada besta?
- esse é o problema Fabinho: Pra você, trair é algo bobo. Mais cedo ou mais tarde tu vai fazer novamente.
- não vou não João. Eu juro que não. Por favor, me perdoa.
- já te perdoei, mas reatar eu não quero não.
- isso não é perdão. Você ta falando só da boca pra fora.
- claro que não Fabinho. Te perdoo de coração. Mas tu é muito ''galinhão'' cara. Até mesmo pra você seria melhor ficar sozinho. Você vai poder curtir bem mais.
- eu não quero curtir sozinho. Quero curtir ao teu lado. - disse Fabinho.
Fabinho era alto, tipo 1,85, branco, cabelo escuro e liso caindo sobre a visão. Olhos negros e profundos. Seu rosto era alvo e sem pelos.
- nosso tempo já passou mano. Vamos voltar a ser só amigos.
- caralho de amigo, João. Deixa de drama pô. O cara só chupou meu pau, a gente não casou não. - disse Fabinho prensando João contra o muro de sua casa.
- se afasta Fabinho. Pra conversar não precisa chegar tão perto não.
- sabe qual teu problema? - disse Fabinho ainda praticamente em cima do João. - você quer dar uma de certinho. Aposto como você já me traiu várias vezes, e agora ta querendo dar uma de vítima. Sei que tu adora sentar numa rola grossa, e esse teu teatrinho de santo num cola pra cima de mim não. Tu tem é sorte em me ter ao teu lado.
- Ele já disse pra você se afastar dele. - disse Mateus aparecendo do nada.
O primo do interior, com uma mão só, jogou Fabinho para longe. O cara abarcou-se na própria caminhonete, e caiu no chão. Não satisfeito, Mateus desferiu-lhe um murro, e tentou lhe aplicar um mata leão.
- solta ele Mateus, tu ta matando ele. - gritou João.
Continua...
Galera, o ultimo episódio do '' Hétero proibido '' postarei ainda hoje ate o fim da noite. Enfim estou mais tranquilo no mestrado, e resolvi postar esse novo conto pra ver se rola.
Abraço a todos.