PARTE A DO EPÍLOGO.
Papai reagiu entre atônito e divertido quando, ao chegar em casa e me encontrar nu como todos os dias, constatou que eu ignorara a porta escancarada do quarto de casal.
- Mas... Tu não foi ver suas roupas...?
- Não, eu não sabia se podia entrar ou não.
- Tu achou mesmo que eu tinha esquecido de fechar? Não viu que antes de sair eu tinha voltado e destrancado?
- Você não falou nada, então eu...
- Não falei porque era uma surpresa pra ti e...
Parou. Ensaiou rir de novo, mas retesou, como se caísse em si.
- Eu... Não; eu não sei, pai. Eu vi aberta, mas não sei, sei lá, pai...
Meu pau, durinho de novo, e à vista.
- Nem pensou em se vestir? Não se vestiu, mesmo comigo ausente?
- Não, pai – eu disse, quase cabisbaixo, quase sem saída, incontrolavelmente envergonhado.
Envolveu-me em seus braços, a boca roçando minha nuca e chegando ao meu ouvido.
- Meu passarinho se acostumou com a gaiola...? – sussurrou.
Seu caralho forçava minha pele nua, ainda em repouso mas mesmo assim maçudo sob o brim da calça que usara todo o dia no trabalho. Fechei o olhos para senti-lo melhor e dei uma cafungada em seu pescoço, para absorver aquele aromazinho de suor que eu tanto amava. Sentia cócegas quando seu bigode roçava minha face, e elas pareciam irradiar feixes de tesão por todo o meu corpo perfumado e preparado para ele. Pelo andar da carruagem, ele não esperaria pelo jantar. Meu cuzinho sabia que dali a pouco levaria mais uma dose para manter-se esgarçado. E foi, claro, o que aconteceu.
A partir daquela noite, ele não mais trancou o quarto e permitiu que eu restabelecesse o closet no quarto de solteiro. Logo na noite seguinte, eu o recebi de short e camiseta, como outrora. Ele correspondeu ao beijinho com que eu costumava recebê-lo na porta e agiu naturalmente, sem nada comentar. Mas, quando entrei na sala de TV, após retirar e lavar a louça, bateu numa de suas coxas, olhando para mim. Era o sinal para que eu me acomodasse entre suas pernas, abertas sobre o sofá, e recostasse em seu braço, deixando-me aninhado. Era comum ele fazer isso, e eu obedecia com gosto.
- Não quis ficar peladinho pro teu pai?
Fiquei surpreso. Disse-me que eu não era mais obrigado a ficar nu, mas também não em me vestir.
- Mas então eu não sei, pai – respondi, um pouco atordoado. – O que é que é para eu fazer? É pra ficar com roupa ou sem roupa?
Que eu ficasse como eu quisesse; que eu é quem teria de decidir, e que não precisava ser sempre igual. Fiz menção de sair do colo e ele percebeu que eu iria me despir, achando que o agradaria. Prendeu-me e mandou que eu continuasse vestido.
- Me deu mesmo saudade de ver tua bundinha empinada e o pau espetadinho desfilando. Mas, quando eu quiser, eu mando; te aviso. Mas, se eu não mandar, você escolhe. Faz surpresinha pro papai.
O que eu preferia mesmo era ficar pelado para ele. Mas passei a aletrnar entre uma coisa e outra, às vezes só de camiseta, às vezes com uma cuequinha um pouco mais cavada, para disfarçar. Na maior parte das vezes, ficava sem nada mesmo. Gostava da sensação de quando ele observava minhas ereções imprevisíveis. Ria malicioso ou debochava ao perceber que, sem se dar conta, havia me despertado com um comentário qualquer, ou mesmo um gesto simples, mas viril – como quando o peguei, já à mesa mas ainda sem banho, cheirar as axilas para confirmar que estava apto a iniciar a refeição.
Pela manhã, eu preferia permanecer pelado quando sua carga de esperma havia vazado, escorrido pelas coxas. Era excitante me sentir molhado e expondo a melação sem disfarce, preparando o café enquanto ele se vestia para sair. Mais de uma vez, ele me surpreendeu, aproveitando a porra para invadir-me com um dedo e beijando meu cangote, até ouvir os gemidos que mostravam que me incendiara novamente. Eu delirava não só pelo efeito que ele era mestre em obter de minha próstata, mas pelo tesão de ele me atacar com o perfume da água de colônia transpassando as roupas que usaria para comandar os outros homens, na obra.
A possibilidade de variação da nudez foi uma alteração em nossa rotina. Pela manhã, ela foi a única: de resto, eu continuava levando a mijada, depois sendo fudido e então punha a mesa enquanto ele se arrumava e depois tomávamos o café juntos. À noite, porém, as mudanças acabaram sendo maiores.
A liberdade para sair sozinho já não me era importante. Eu tinha mesmo acostumado à rotina de passar o dia todo em casa. A rua se tornara um outro mundo ao qual só ele tinha acesso, vestido para enfrentá-la e, ao anoitecer, dela trazer as notícias, as compras, os sentidos e as sensações do que vivera, para que eu pudesse também vivê-las. Eu o recebia lisinho e cheirosinho, preservado por ele desse outro mundo no qual não podia contar com sua proteção.
Mais do que cômodo, era gostoso, doce. A casa, nosso jardim no quintal, não era uma restrição, mas a liberdade de poder viver sem ameaças. Bastava eu atentar para que não ocorresse algum acidente para usufruir da certeza de que nada me amedrontaria ou coagiria. Naquele território, eu estava cuidado, salvaguardado por ele. E à noite, quando o recebia com um beijinho após esperá-lo na cadeira ao lado da porta, sentia sua mão pesada e grossa acariciar a maciez da minha tez; o odor sutil do suor em suas roupas. E a aspereza e a fragrância de seu trabalho me lembravam que o mundo seguro, sereno e feliz no qual podia viver eu devia a ele. Podia desfrutá-lo graças a ele, e apenas a ele.
As roupas, que agora ele permitia que me ficassem à mão, eram uma ameaça, um risco que poderia pôr esse mundo a perder. Após meu banho, depois que ele saía, eu evitava sequer olhar para o quarto de solteiro: permanecia todo o dia sob a nudez que me protegia e me preservava.
Ainda que, em instantes esparsos, mesmo estando sozinho, eu revivesse a vergonha pela exposição sem rodeios de meu sexo, estes lapsos me faziam ver como eu precisava do abrigo daquele homem que, à noite, voltaria a me abraçar e me sodomizar quando quisesse. As roupas que me via obrigado a repor sobre o corpo duas ou três vezes por semana para recebê-lo era um preço que eu pagava sem contrariedade, porque o satisfazia.
Eu não me recusava a vesti-las e ter de sair; não vivia propriamente recluso. Apenas procrastinava as saídas, disfarçava em preguiça o acúmulo de tarefas voluntariamente concentradas em um mínimo de ocasiões nas quais teria de arcar com o peso das vestes que me privariam do mundo que papai fizera para mim. Então, eu saía, comprava mantimentos para vários dias e, simulando não ter pressa, espichava um pouco o trajeto da volta até que, finalmente, pudesse me livrar daquela couraça de tecidos e reconquistar a paz e a liberdade.
[se der, incluir aqui o que ele fazia; mas é importante?]
Essa rotina, porém, durou apenas algumas semanas. Num jantar, ele mandou que eu me matriculasse numa academia de ginástica. Disse que eu estava muito sedentário e iria acabar engordando, ficando flácido.
- E pelo menos três vezes... Não; todos os dias. Tu vai todos os dias.
- Mas eu sou magrelo, pai, eu...
- Magrinho.
- É. Então, eu não tenho tendência a engordar. Eu estou engordando?
- Mateus, tu vai à academia e está resolvido. E toma cuidado para não fazer os exercícios para bunda em turma com muita mulher.
- Como assim?
- Se tu ficar no meio de muita mulher, vai chamar a atenção que está cuidando da bundinha. Podem desconfiar desse cuidado. Da gente, de nós dois.
As saídas passaram a ser diárias. De vez em quando, ele me chamava para almoçar com ele. A academia tinha um vestiário muito pequeno, pois a maioria dos freqüentadores se banhava em casa mesmo. Ainda assim, nestes dias que tinha de me arrumar lá para seguir ao encontro dele, meu cuidado era redobrado: além da timidez em ficar nu, eu agora me preocupava que pudessem ver minha genitália totalmente lisa – o que, na época, não era tão usual como hoje em alguns rapazes, sendo gays ou não. Limpinho e cheiroso, eu ia ao encontro dele.
Esse cuidado não decorria tanto da reserva em me reconhecerem como homossexual, embora isso também tivesse importância. Era mais causada pela preocupação constante – e crescente – que papai demonstrava com a possibilidade de que nossa vida marital pudesse vir a ser desmascarada.
Aos poucos, aqueles almoços esparsos passaram a ser prorrogados por mais algumas horas, quando ele me fazia acompanhá-lo na compra de algum material, ou mesmo em idas à obra – agora, a reforma de uma casa bem no centro da cidade. Nessas ocasiões, não me proibia de aproximar-me dos peões; não implicava mais com meu entrosamento com eles, embora eu também cuidasse para não exagerar. Eu só me mantinha realmente afastado, após cumprimentá-lo com simpatia, era de Machadinho. Ele nunca deve ter entendido o porquê disso, pois eu fazia com ele o mesmo que fizera com Caio: distanciava-me sem dar qualquer satisfação, sem que ele entendesse qual o motivo – e era um motivo que nem ele nem ninguém jamais poderia saber.
Papai passou a me carregar a tiracolo para todo o canto. Queria ficar junto, e eu gostava. Evidentemente, não era todos os dias, mas com uma frequência notável – bem notável. E foi nesse movimento que nossa rotina à noite teve grandes mudanças. Às vezes, me ligava no meio da tarde avisando que me pegaria de carro, ou que eu fosse encontrá-lo. Ou, então, já em casa, após tomar banho, chegava a dispensar a mesa posta para sairmos.
Eu ía ao lado dele, quase nos assumindo como um casal, ou, talvez, contente feito um cachorrinho – e essa associação não devia ser só minha: era comum ele me chamar dizendo “anda, vou te levar para passear”. E era ele quem decidia quando era a hora do passeio, onde iríamos, quais paradas faríamos no caminho. Eu fazia festa e o seguia.
A cidade não oferecia grandes atrativos para passeios. A vida noturna era pífia – além de poucos bares ou restaurantes, quase tudo fechava por volta das nove da noite. Mas ele inventava coisas para me distrair, para que nos divertíssemos juntos; pretextos para que a gente pudesse nos curtir não só dentro de casa. Passeávamos de carro pelos campos, contemplávamos o por do sol nas plantações, às vezes me levava para ver as nuvens de vagalumes, ou simplesmente me convidava para deitarmos em algum mato baixo e ficarmos olhando o céu, nas noites estreladas – um espetáculo, permitido pela escuridão das plantações. Ficávamos em silêncio, às vezes ele arriscava um beijo. Mas era rápido, mesmo não havendo pessoa alguma num raio de pelo menos um quilômetro e a fraca lanterna que levávamos não fosse capaz de revelar nossas carícias proibidas. Mas também conversávamos – às vezes, besteiras, às vezes declarações de amor disfarçadas pela sacanagem ou por palavras não ditas, às vezes sobre a vida e o que estávamos fazendo com ela.
- Um homem precisa ver o mundo, Mateus, porque é isso que, no fim, ele vai levar – disse uma vez, enquanto as estrelas nos encharcavam. – Precisa ver as coisas; tocar, provar, saborear as coisas que estão no mundo, porque é só isso mesmo que vai restar quando ele encontrar a morte. E ele vai encontrar a morte.
Ele tinha dado fim ao mundo que fizera para mim, protegido em casa. Foi aos poucos, e provavelmente sem que eu percebesse. Quando me dei conta, comentei baixinho, na cama, depois que ele havia me fudido e eu continuava junto a seu peito, que me sentia frágil quando não estava com ele, quando me via sozinho fora de casa. Ele não teve dó:
- Tu pára dessa frescura. Tu batalhou sozinho para conseguir entrar naquela porra de faculdade. Ninguém te ajudou. Tua mãe não entendia disso; eu desfiz o quanto pude de você. E tu foi. Foi pra capital, arranjou teus amigos para ter onde morar. Foi bravo o suficiente para baixar as calças numa pocilga e enfrentar teu tesão; dar a bunda para quem quis porque sabia que etu caminho era esse.
Eu me assustei com o que ele falava e, ao mesmo tempo, me surpreendi por ele deixar escapar alguma admiração por mim que não fosse o talento para satisfazê-lo.
- Sem contar que cresceu achincalhado pelo teu pai. Não ficou maluco, cheio de tiques e manias, enchendo a cara, fugindo pela cachaça. Taí, homem feito, bonito, cheio de porra nesse cu gostoso porque gosta disso e não tem medo de gostar. Então, tu pára com essa frescuragem, porque se ela te convence, não convence o teu pai.
Ele se preocupava que nos víssemos quase sempre juntos. Achava que poderia levantar suspeitas, mas mesmo assim convivíamos cada vez mais em público. Eu tentava tranquilizá-lo, mostrando que ninguém pensaria isso: ele era um recém-viúvo que aliviava a solidão com a companhia do filho, e eu era um cara de 22 anos que, em vez de fazer amigos e – principalmente – procurar uma namorada, vivia grudado no pai. Podiam me achar problemático, imaturo ou gay, mas jamais que estivesse sendo comido por ele. Mandou que eu pesquisasse mais sobre incesto, na internet. Queria ter noção do perigo real que corríamos.
Suas preocupações se intensificaram depois que tive a infeliz ideia de, rindo, chamar sua atenção para uma distração amorosa. Ele havia permanecido com o braço enlaçando minha cintura em plena praça, enquanto conversava com um amigo que acabara de encontrar. Aquilo – com razão – o sinalizou de que estava perdendo o habitual autocontrole do qual tanto parecia se orgulhar. Mas meu comentário impensado também abriu espaço para a concretização da fantasia mais proibida – e mais perigosa para ambos – que poderíamos ter.
- Pai, continuei entrando em outros sites e é aquilo mesmo que eu tinha visto: não tem crime algum – disse, enquanto ele dirigia de volta para casa. – Incesto não é crime.
- Tem certeza?
- Dúvida nenhuma. Pai com filha, mãe com filho, irmão com irmã, pode tudo.
- Êta putaria boa...
- Só não pode casar.
- Porra, não é crime, mas não pode casar?
- É crime se tiver de menor, se tiver coação, o pai usar do poder dele para forçar a menina, essas coisas que acontecem toda hora. Isso é crime, mas o incesto mesmo não é, não.
- Mas por que é que não pode casar?
- Porque ía dar barafunda. Em caso de herança, por exemplo. O pai morre, e aí? A mulher é irmã ou é esposa? Como é que faz para dividir a herança com o irmão, se ela é ao mesmo esposa dele? Os direitos são diferentes.
- Sei. Bom, então, posso continuar te fudendo sem medo de um polícia aparecer lá em casa.
- É. Só não sei é se o padre não vai aparecer...
Rimos. Partimos para outro assunto. Mas ele logo retornou:
- De qualquer jeito, com pai e filho não ía poder ter casamento mesmo. É homem com homem.
- Não; por isso, não. Já tem união civil. É que nem um casamento; assim, entre homossexuais.
- Os viados podem casar?
- Há um bom tempo.
Ele se calou. Depois, meio que resmungou, como para si mesmo:
- A merda é tu ser meu filho. Ninguém ía aceitar. A gente ía ser escorraçado por todo mundo.
Gelei. Pele pareceu pensar a sério na ideia; ao menos, conjecturá-la. Confirmar seria pisar em ovos. Resolvi brincar.
- Você está me pedindo em casamento? – falei, rindo.
- Não, não preciso te pedir. Tu querisso desde que nasceu.
Era ambíguo. Aquilo queria dizer sim ou não? Ele não demorou a clarear:
- Eu vou casar contigo. Só não sei ainda como fazer.
[o epílogo finaliza na parte B]