Quase três da manhã. Flávio estava dançando como nunca fizera antes em toda sua vida contida. Eu enxergava uma mina de foguetes explodindo em seu peito enquanto o corpo balançava ao som intenso advindo das caixas de som, na melhor boate gay da cidade. Ainda que uma concentração de pessoas tornasse difícil a minha observação, senti os olhos lacrimejar vendo essa cena. A hora da libertação, enfim ele mesmo, embalado no êxtase do som “Don’t Stop Me Now”, sucesso da banda Queen.
- Ele é uma graça. – Berrou Rogério, o responsável pelo milagre.
Horas antes, Flávio havia tido sua última briga com os pais acerca da orientação sexual. A rua toda ouviu os gritos, e, minutos depois, sem rumo ou amparo, ele chamou por mim, na minha casa. Antes de eu poder acolhê-lo, mamãe o fez por mim, dizendo que poderia ficar conosco até poder encontrar um canto próprio. Ela reforçou a admiração que sentia por ele, um moço honesto, esforçado, trabalhador e direito, isso lhe bastava para que o tratasse como um filho.
Marquei uma balada com Rogério aquela noite, e, para sacudir o ânimo de Flávio, convidei-o para juntos desfrutarmos de uma noitada, na certeza de que o pobre nunca havia participado de uma.
- Só tem um problema, acho que não tenho roupa para a ocasião. – Comentou, preocupado.
- Daremos um jeito nisso.
Busquei no guarda-roupa algumas camisas que já não me serviam há algum tempo, uma porção delas seminovas, deixadas de lado devido a algumas gordurinhas localizadas acumuladas em mim.
- Estou “top”, não é mesmo?
- Um gay que se preze não diria essa palavra. Mas sim, está. – Abracei-o. – Teremos uma noite incrível, você vai ver.
Desde o momento em que Flávio entrou no carro de Rogério, não pude deixar de notar certa química entre os dois, e eventuais trocas de olhares. Apesar de diferentes fisicamente, faziam um belo casal e desde então torci para se entrosarem.
-Você deveria investir nele. – Encorajei. – Ele está precisando de boas relações e não vejo melhor pessoa.
Rogério deu alguns passos e chegou em Flávio, os dois se olharam com um interesse em comum. Beijaram-se no mesmo tempo em que eu me retirava, desejando não constrangê-los. Tomei algumas caipirinhas no bar, e isso era tudo. Não nasci para frequentar esses ambientes, tudo parece um tanto temporário, e o que passa rápido me incomoda, sempre fui fã do que é duradouro. Tive amigos que ficavam com dezenas em uma noite só, não os julgo, no entanto me sentiria estranho beijando várias bocas e não estando sentimentalmente ligado a ninguémEu sinto saudade do centro à noite. Quantas e quantas vezes na adolescência eu perambulava por essas ruas, às vezes durante a madrugada com os amigos... – Observou Rogério, dirigindo o carro, enquanto voltávamos, agora com Flávio bêbado ocupando o banco ao lado do motorista. –Tem um lugar que me desperta muitas saudades, talvez possamos ir lá bem agora.
Paramos em uma rua próxima ao Centro de Convivência, um teatro arena famoso por promover atividades culturais, no entanto, nas madrugadas era ocupado por jovens adolescentes festeiros.
- Eu acho que isso é meio perigoso. –Ressaltei.
-Nunca me aconteceu nada quando eu era mais jovem, por que teria medo agora? Vem, só quero ter a oportunidade de ver esse lugar de novo.
- Opa, eu tô dentro, hehehe. – Flávio aceitou.
Quatro arquibancadas rodeavam um “palco” central, um aglomerado de jovens, como esperado, encontravam-se no lado oposto.
- Esse é o lugar que as pessoas usam para praticar esportes? – Perguntou Flávio, abobalhado. –Eu quero correr.
-Está ficando maluco? – Perguntei, segurando-o para impedir que desse um passo.
- O deixe ser o que quiser, não vamos contê-lo. – Interferiu Rogério.
E assim aconteceu. Flávio começou a correr feito um maratonista da São Silvestre, mas seus passos atrapalhados fizeram-no tropeçar e ir ao chão vezes seguidas, no entanto nenhum tombo o fez se machucar pois era como se pressentisse a queda e tentasse a amenizar. Rogério e eu ficamos sentados, rindo das trapalhadas do amigo.
- E Cauã? – Perguntou.
- Faz um mês que não o vejo, não tenho a menor ideia de como ele possa estar. – Respondi.
- Por que não telefona?
- Espero que ele venha até a mim, assim não me sentirei tão culpado. Se ele decidir que nossa história acabou, assim será.
- E você acredita que vocês dois ainda tem um jeito?
- Talvez eu ainda cultive uma minúscula muda de esperança, ninguém pode prever o futuro. Mas não quero falar sobre isso agora, estou tentando não pensar. Mudando de assunto, como anda você? Não tivemos tempo para conversar essa noite.
- Tudo indo. Vou voltar para o Rio de Janeiro na semana que vem, estou com saudade do maior cenário que esse mundo já viu. Estava pensando, talvez eu vire um paparazzo, desses que ficam em Copacabana, plantados atrás de uma árvore, perto de um quiosque ou restaurante grã-fino, perseguindo algum ator global. – Ele responde, sendo engraçado. – Não... não sei se serviria para esse tipo de coisa. Farei o que sempre fiz: cobrir eventos, ensaios, casamentos, formaturas, aniversários. Participar do dia mais feliz na vida das pessoas e aguardar o meu.
-Você é um cara legal, sei que vai encontrar alguém que te valorize muito.
Talvez ele já tivesse encontrado. E esse alguém agora estava deitado na arquibancada, olhando o céu estrelado e pensando Deus sabe lá o quê.
-Ele não conhece o mundo como nós. Foi o bonequinho polido na estante dos pais. – Apontei para Flávio. –E encontrou sua liberdade hoje a noite, por isso age assim. Me divirto imaginando o quanto ele está feliz, é uma sensação boa.
...
Rogério também queria dormir em casa. Preparei alguns colchonetes, edredons, travesseiros reserva, construí uma cama de casal para os dois, propositalmente afastada da minha. Demorei um pouco para adormecer, entretanto fingi que já tinha pegado no sono, simulando uma respiração pesada. Foi então que percebi que Flávio e Rogério estavam transando.
...
Agradeço aos leitores que vierem a dedicar um tempo para realizar a leitura, e gosto de receber críticas de toda natureza (me refiro as construtivas), então, não deixe de comentar o texto, isso é muito importante para mim.
Também disponibilizei o texto no Wattpad, que proporciona uma leitura mais confortável, não deixarei o link pois o site Casa dos Contos Eróticos pode o censurar. Busquem no GOOGLE por "Os Primos (Romance Gay)" e cliquem no primeiro link.
Obrigado a todos!