Diogo aproximou-se do primo, e encaixou suas pernas na cintura deste.
Mesmo estranhando, João deixou se envolver pelo abraço quente do primo.
João tentou falar algo, mas foi impedido por Diogo.
- xiiiii. - disse Diogo. - dorme. Vou ficar aqui de vigia. - disse ele.
Vencido pelo cansaço, João afundou o rosto no peitoral do primo... Dessa vez não foi o Mateus, e sim o Diogo.
Enquanto João descansava, Diogo usava uma pequena vara para espetar o fogo. O menino por um momento esqueceu do assalto, enquanto ria da própria traquinagem.
A noite foi passando , e o frio aumentou. O fogo já estava quase acabando, quando Diogo resolveu levantar para apanhar mais galhos.
O menino do interior, cuidadosamente, deitou João sobre o tronco de uma árvore, e saiu mata adentro.
Ao retornar com os gravetos, ajeito-os na fogueira, e voltou para junto de João. Diogo velou o sono de João, e sentiu-se culpado ao ver o primo dormindo naquela situação.
Os primos ficaram ali por um bom tempo. Ao ver o sol dar sinal, Diogo acordou João e chamou este para retornar à caminhada.
- cabeça ta doendo muito. - disse João ainda de olhos fechados.
- eu entendo primo, mas você não acha melhor a gente ir caminhando? A essa hora já deve ter muita gente atrás da gente.
- melhor ainda primo, mas dificilmente alguém vai pensar em nos procurar aqui. - disse João num fio de voz.
Diogo passou a mão pelo pescoço do primo, e espantou-se com a quentura.
- acho que tu ta com febre. - disse ele.
A essa altura, João já suava frio.
- se você não conseguir andar, terei que arrastar você. Mas não podemos continuar aqui contigo nesse estado.
- eu to bem primo. - João quase não reagia. O menino não conseguia sequer levantar.
- vem cá. - disse Diogo erguendo o corpo do primo. - Nossa João, como você pesa cara. - Diogo sorriu ao colocar o corpo do primo nas costas.
- não Diogo. Isso não vai da certo cara. É melhor você procurar uma estrada, e pedir ajuda.
- e deixar você aqui sozinho? Jamais. - disse Diogo. - Já carreguei muito saco de milho nas costas. - disse gabando-se.
O fato é que mesmo tendo um bom porte físico, Diogo não aguentaria carregar o primo por um longo período de tempo. - to bem melhor primo. Já posso ir andando. Foi só frio e fome. - disse João depois de muito tempo sendo carregado pelo primo.
- estamos chegando. - disse Diogo com a respiração falhada.
- como você sabe? Nunca esteve aqui! - disse João.
- não reconhece esse barulho?
- que barulho?
- veículos primo... Ronco de motor... Estamos perto da estrada.
João levantou seu rosto para tentar ouvir melhor.
- que maravilha. - disse o primo da capital.
Diogo acelerou a passada, e depois de cortar uma grande área de mata verde, finalmente pode ver a estrada.
- chegamos. - disse o rapaz sentando no chão.
João sentou ao seu lado. Ambos respiravam com dificuldades.
- vem primo. Vamos tentar conseguir ajuda com alguém. - disse João estendendo o braço ao primo.
Os dois jovens caminharam ate a margem da rodovia e tentaram, inutilmente, parar os carros.
- droga! - exclamou João. - Esses filhos da puta acham que nunca vão precisar de ajuda. - resmungou o menino.
Quando menos esperaram os rapazes foram abordados por uma viatura policial.
- irônico não é? - perguntou Diogo.
- muito. Logo um carro de polícia. - o rapaz sorriu aliviado.
Diogo e João contaram tudo o que havia acontecido. Uma dupla de policiais colheram algumas informações a respeito dos suspeitos, e cederam um celular emprestado a João.
- João? - perguntou dona Carla. - Meu filho... Graças a Deus... Como você ta meu amor? O que aconteceu com você? - A senhora parecia aflita, porém aliviada.
- eu to bem mãe, mas roubaram a caminhonete do papai... Foi tudo muito rápido... - João não fez suspense ao falar sobre a caminhonete pra mãe.
- não se preocupe com caminhonete, eu quero saber como você esta? E o Diogo, cadê?
- estamos bem, na medida do possível. Estamos agora dentro de uma viatura policial, provavelmente vamos ate à delegacia.
- e teu celular?
- roubaram mãe. Roubaram tudo.
- não se preocupe, isso é o de menos, a caminhonete já foi recuperada.
- como assim já foi recuperada? Então vocês já estão sabendo? - perguntou João.
- Da caminhonete sim. Eu estava aflita de tanta preocupação sem saber o que havia acontecido com vocês. Teu pai, teus tios, e teus primos estão todos espalhados pela cidade a procura de vocês.
- liga pra eles mãe. Avisa que ta tudo bem com a gente.
- aviso sim. - disse dona Carla.
- mãe, me diz uma coisa.
- pergunte.
- e os bandidos que roubaram a caminhonete?
- ninguém sabe meu filho. Eles já estavam saindo da cidade, quando capotaram. A polícia acredita que eles fugiram a pé. Eram quantos?
- era um casal. - disse João.
- mas não bata a cabeça com isso agora não. Vou ligar pro seu pai, e pedir pra ele te encontrar.
- ta bom mãe. Diz pro tio que o Diogo ta bem também.
- ta meu amor. Eu aviso sim.
João passou o endereço da delegacia que iriam, e em seguida encerrou a ligação.
- ta todo mundo atrás da gente. É isso mesmo?
- é. Bem que tu falou.
- e os ladrões? Não pegaram?
- nada. A mãe disse que eles fugiram.
- e a caminhonete?
- a mãe disse que eles capotaram.
- sério? Nossa. Puta merda, deve da o maior prejuízo. Mas eu vou pagar todo o conserto.
- relaxa primo. Ninguém ta preocupado com isso não. O importante é que estamos bem.
Diogo confirmou com a cabeça.
- quer ligar pro teu pai? - perguntou João oferecendo o celular.
- não primo. Vou deixar pra explicar tudo pessoalmente.
- você quem sabe. - disse João.
Ao chegar à delegacia, os primos avistaram seus familiares logo na entrada. Abdias correu em direção ao filho.
- ah, seu moleque, como é que você me prega uma peça dessas?
- foi tudo muito rápido pai. - disse João agarrado ao pai.
- eu sei... Eu sei. Hoje em dia ninguém esta mais seguro em lugar nenhum. - Abdias acariciava os cabelos do filho. Já Pedro esporrava Diogo.
- Você é um moleque irresponsável. E agora o que vamos fazer? Me diz. - Pedro sacolejava o filho.
João entendeu que Diogo já havia contado o que havia acontecido ao pai.
- Pedro, isso acontece meu amigo. Os meninos não tiveram culpa de nada. - disse Abdias.
- tu que pensa Abdias. Diogo não vale nada, sempre se metendo em confusão. Amanha mesmo eu vou te colocar num voo, e tu vai voltar pra casa.
- pai, por favor! Faz isso comigo não. - Diogo ficou desesperado ao pensar em retornar pra sua cidade.
- O Diogo não teve culpa não, tio. Eu tava lá, e posso garantir que nós fomos vítimas. - João tentou intervir em favor do primo.
- vocês querem limpar a barra do Diogo, mas esse menino não me passa confiança.
- mas tio, é como to falando pro senhor: O Diogo não teve culpa de nada. - João repetiu.
- ele tem culpa sim João. Conheço esse moleque desde os primeiros meses.
- pai. - disse Mateus entrando na discussão. - vamos primeiro resolver o protocolo de praxe, e em casa vocês se entendem. - aconselhou com sensatez o rapaz.
Pedro respirou fundo, falou alguns palavreados em seu pensamento, mas acabou concordando com o filho.
Chegando em casa, João pediu pra conversar com Pedro.
- Tio, posso falar com o senhor a sós? pediu o primo da cidade.
- fala João. - disse Pedro um tanto rude.
- a sós. - repetiu o rapaz.
Os dois foram ate o escritório de Abdias, e trocaram algumas palavras.
João encostou a porta do escritório e foi logo falando ao tio.
- tio, eu sei que não nos conhecemos bem, mas deu pra perceber que o sr é muito rígido, e isso não é ruim não. Pelo contrário. Mas antes que o senhor seja injusto com o Diogo, eu queria contar minha versão do que aconteceu, aí o senhor decide quais providencias tomar.
Pedro passou a mão na nuca e fez sinal para que João continuasse.
- eu me ofereci pra levar o Diogo pra conhecer a cidade. Foi eu quem tirou a caminhonete do pai do estacionamento. O Diogo não teve nada a ver com isso. Eu parei o carro pra gente comer alguma coisa na beira da estrada, e fomos abordados por dois elementos. Aconteceu tio, não tivemos culpa de nada.
- João, Meu filho, eu fico feliz em ver que você ta defendendo seu primo. Isso é bonito da sua parte. Mas eu conheço o Diogo, e sei que tem dedo dele nessa historia.
- como o senhor pode pensar assim, tio? Nós fomos vítimas, e o Diogo ta se culpando até agora por tudo o que aconteceu.
- e a caminhonete tombada? Como é que fica? Ele vai ter que se responsabilizar.
- eu me responsabilizo, tio. Quanto a isso não precisa se preocupar não. Da uma colher de chá pro cara. - João suplicou.
- nós sabemos o que aconteceu la, João. Sabemos que o Diogo foi diretamente responsável por tudo o que aconteceu. Ele já me falou tudo.
João não tinha mais argumentos para usar com o tio.
- certo, tio. - João deu-se por vencido. - Mas perdoa ele. A essa hora poderíamos estar mortos dentro de uma mata na saída da cidade. Mas, estamos aqui. Da uma chance pra ele, tio. - João fez mais uma tentativa.
Pedro respirou fundo.
- vou pensar. - disse em seguida.
- já é um começo - respondeu João.
Pedro se comprometeu a não brigar com Diogo naquele momento, e ambos retornaram à sala.
Diogo, ao lado de Mateus, chorava muito.
- então pai? - perguntou o menino.
- depois conversamos. - disse o homem. - meus planos é te mandar de volta amanhã mesmo. Se eu mudar de ideia, agradeça ao seu primo. - disse Pedro em seguida chamando Abdias para uma conversa particular.
- acho que ele vai deixar você ficar primo. - disse João sentando ao lado de Diogo no sofá.
- tomara primo. Se o pai me mandar de volta, juro que vou embora e esqueço que ele existe.
- vai precisar não, primo. - João sorriu. - vai da tudo certo. - disse o menino.
Em seguida, dona Carla que estava na cozinha convidou os meninos para um café especial.
- bora lá? - João chamou os primos, levantando em seguida.
Mal terminaram de tomar café, e o telefone da sala tocou. João atendeu, e tratava-se de uma ligação do Alex.
****
- mano? - disse Alex do outro lado da linha.
- fala mano!
- que alivio ouvir tua voz cara. To te ligando faz um tempão, e teu celular só da desligado.
- fui assaltado mano. - disse João.
- eu to sabendo. Reconheci a caminhonete do teu pai no jornal.
- pois é.
- mas como você ta? Te fizeram algum mal?
- Só levaram meus pertences mesmo. Tirando isso, estou bem. - Respondeu João.
- graças a Deus. E os caras já foram pegos?
- ainda não, mas isso é coisa de tempo.
- é sim. O melhor é saber que você esta bem.
- to sim mano. Obrigado pela preocupação.
- você é como um irmão que sempre cuidou de mim. Quero muito o teu bem mano.
- é reciproco cara. Agora vou ter que desligar. Vou tomar um banho e tentar dormir um pouco.
- beleza! Depois temos que conversar sobre o arraial la da faculdade. Já sabe que ficamos na barraca das bebidas né!?
- to sabendo. - respondeu, João.
- tivemos uma reunião pra decidir tudo. Depois que tu tiver descansado, eu te deixo a par das coisas.
- beleza mano. A gente senta pra conversar.
- ta ótimo. Melhoras ta!? Qualquer coisa me liga.
- pode deixar. Falou! - disse João desligando o telefone.
*****
João colocou o telefone no gancho, e recostou sua cabeça no encosto do sofá. O menino olhou para o lado e notou que estava sozinho na sala. O único barulho de pessoas vinha da cozinha. João levantou-se e caminhou ate o quarto. Após um banho demorado, fechou as cortinas, desligou a lampada central e deitou.
Alguém bateu na porta.
- ta aberta. - disse João.
- da licença primo? - era Diogo.
- entra primo. - respondeu, João.
- tava dormindo? Te acordei? - disse Diogo sentando em um sofá ao lado da cama de João.
- Nada! Ia deitar agora. Aconteceu alguma coisa?
- nada de novo primo. O pai saiu com o tio Abdias. Acho que eles foram resolver a situação da caminhonete. - disse Diogo.
- a caminhonete tem seguro, primo. O que o seguro não cobrir, eu dou um jeito com minhas economias. Relaxa!
- você vai fazer dividas por minha culpa, cara. - Diogo continuava se culpando.
- velho... Na moral. Vou dar uma surra em tu com pica de boi, se tu não deixar de frescura. Não sei pra que tanto drama por causa de uma caminhonete. A coisa mais importante pra mim, é a minha vida, e pra ti? - perguntou João.
- uai. Pra mim também primo. Minha vida é o que tenho de mais importante.
- então primo. Esquece isso cara. A vida segue. - João sorriu.
- só você pra me acalmar, primo. Você falando assim, faz as coisas parecerem mais fáceis.
- e são primo. Tu e o tio que estão transformando tudo em tempestade. Você pode reparar que o pai nem ta esquentando.
- percebi primo. Meu medo é o meu pai fazer a cabeça dele.
- vai conseguir não, primo. Meu pai é muito tranquilo.
- eu não sei nem como agradecer. - disse Diogo levantando do sofá e sentando na cama ao lado do primo.
- precisa agradecer não pô. Somos uma família.
- é! Você não sabe como ta sendo bacana conhecer essa parte da família. Vocês todos são demais. Você, o tio Abdias, a tia Carla... Todo mundo aqui é gente fina.
- valeu primo. Ta sendo bom também conhecer vocês.
- se você precisar de mim pra qualquer coisa, sabe que pode contar né!? - disse Diogo aproximando-se ainda mais do primo.
- sei sim cara. Pode contar comigo também.
Por um instante, os dois primos ficaram sem palavras. Seus rostos estavam próximos demais. João sentia um pouco de vergonha, e tentava lembrar de algum assunto para poder voltar a conversar com o primo. Diogo não se intimidou e continuou a encarar o primo. O primo do interior pouco a pouco foi chegando mais perto do acadêmico de direito.
- Diogo? - Mateus entrou no quarto com tudo. - desculpa! - disse ele.
- fala mano? - disse Diogo afastando de João;
João ficou todo desconfiado com o quase flagra do primo.
- queria falar com ''ocê'', mas acho que tão ocupados né!?
- não primo. - disse João. - O Diogo veio só avisar que o pai, e o tio Pedro saíram pra ver como ta a caminhonete.
- certo!
Mateus fingiu que acreditou no papo do primo.
- quer conversar comigo irmão? - perguntou, Diogo.
- só se der. - disse o gentil Mateus.
- da sim, e mais uma vez valeu por tudo primo. - disse Diogo despedindo-se de João.
- vou te esperar la no outro quarto. - disse Mateus sentindo-se um intruso entre João e Diogo.
- beleza. - respondeu, Diogo.
Mateus saiu do quarto, e Diogo encostou a porta.
- depois a gente termina essa conversa, pode ser? - perguntou, Diogo fitando o primo.
- pode sim. - respondeu, João.
- beleza. Depois eu volto, primo.
João confirmou com a cabeça.
Diogo saiu do quarto, e João pensou no que havia acabado de acontecer. O menino estava confuso em relação a personalidade dos dois irmãos. João agora ficara curioso.
- se o Mateus não tivesse entrando aqui, o que teria acontecido? - pensava o menino. - e que conversa o Diogo quer continuar comigo? Não ficou nada pendente.
A cabeça de João estava dando nó. O menino, cansado, acabou dormindo pensando no primo.
Algum tempo depois, João foi despertado por pisadas dentro do seu quarto. O menino abriu os olhos e viu Mateus sentado no sofá ao lado da cama.
- acho que a gente tem que conversar né!? - disse Mateus com educação. - Mas pode voltar a dormir, que eu to sem pressa.
Continua...