O cara me virou as costas, e abriu a porta para que Olavo entrasse.
- e aí. - disse Olavo um tanto alterado. - Posso acabar com ele?
- aqui não. Leva ele la pra garagem.
- eu vou embora. Falei apanhando minha mochila do chão.
- não vai a lugar nenhum. - disse Olavo chutando minha mochila com todo o material.
- tu vai embora sim, mas num vai ser pra casa não. - disse Junior me encarando.
- tu ta sendo injusto comigo cara. Eu ajudei vocês dois pra caralho, e to sendo recompensando dessa forma.
- sem choro. - disse Olavo tentando me agarrar.
- me solta. - gritei empurrando-o pra longe.
- Pode deixar que com ele eu me viro, Olavo. Vai descendo e ver se a barra ta limpa. - disse, Junior.
Olavo deu um sorriso debochado e saiu do quarto.
- você ta sendo foda, velho. Eu passei a tarde aqui tentando fazer a porra desse trabalho e agora você vai querer ajudar esse mano a me bater?
- shiii. - disse ele tapando minha boca com sua mão. - eu não vou te bater, nem to contra você, mas o Olavo tem que pensar que sim.
- não entendi.
- eu não posso ficar contra ele. Entende? Ele é meu amigo cara, e você não é...
- e não to fazendo questão de ser, cara. Quem me procurou foi você... Quem me trouxe aqui foi você. Eu to metido nesse rolo todo por culpa sua. - falei o encarando.
- eu vou tirar você dessa, mas eu preciso que você confie em mim.
- como eu posso confiar em você?
- não sei, mas você vai ter que aprender.
- e aí cara. A área ta toda limpa. - disse Olavo aparecendo na porta de supetão.
- beleza! Já to descendo com ele. - disse Junior.
Olavo foi na frente e Junior me convenceu a ir com eles.
- prometo que nada vai te acontecer. - disse Junior enquanto caminhávamos pelo imenso corredor.
Eu evitei falar com Junior. Tava tão chateado com ele, que ignora-lo, naquele momento, seria a melhor solução.
- Olavo? - Junior gritou ao descer as escadas.
- fala? - disse Olavo parado na porta da sala principal.
- vai por fora, que eu vou descer pela porão e abro a garagem pra tu entrar.
- belezinha! hen, cadê aquele teu soco inglês?
- meu soco inglês? - Junior ficou desconcertado com a pergunta do amigo.
- é po!
- não sei!
- como não sabe? - insistiu Otávio.
- não sei, velho! Acho que perdi.
- perdeu por onde? Posso dar uma procurada?
- não, cara. Esquece isso, e agiliza que meus pais podem chegar a qualquer momento.
Estávamos parados ali na sala da casa de Junior. Os dois amigos discutiam a forma que iriam me agredir. Nunca tinha imaginado que um dia passaria por aquela situação. Ainda pensei em correr, mas pra onde?
Após encerrada à discussão entre os dois, Olavo saiu pela porta principal e Junior me conduziu ate a garagem pela passagem do porão.
- vai mesmo seguir com isso mano? Tu acha que eu vou apanhar calado?
- já pedi pra você confiar em mim. Fica tranquilo!
- não da. Só vou ficar tranquilo quando eu tiver na minha casa, e longe de vocês dois.
Nessas horas é difícil a gente pensar positivo. Infelizmente, existe muita gente má nesse mundo. Por fora eu não transparecia tanto, mas por dentro eu estava todo borrado com medo de morrer.
Junior me fez entrar na garagem, e veio logo em seguida. O ambiente estava escuro, com pouquíssimas frestas de luz.
- vem cá. - Junior cochichou em meu ouvido e me puxou para um lugar afastado.
O acompanhei pelo caminho escuro. Como os demais cômodos da casa, a garagem também era exageradamente grande.
- entra aqui. - disse ele abrindo a porta de um carro.
- pra onde vamos? - perguntei.
- só entra aí, porra. Deixa de fazer tanta pergunta.
- eu não vou entrar não. - falei oferecendo resistencia.
- ai, ai, ai. - disse ele estressado. - Entra logo nesse carro, cara. Eu não vou te matar.
- eu não vou entrar, Junior. Deixa eu ir pra casa, cara. - Supliquei.
- eu vou te deixar em casa. - disse ele.
Olavo batia na porta da garagem querendo entrar.
- já vai! - Junior gritou.
- eu quero ir pra casa.
- Eduardo! - disse ele pausadamente. - Tu ta parecendo uma menininha chorona. Entra logo no caralho desse carro, que minha paciência já chegou ao fim.
- promete que vai me tirar daqui?
- te dou minha palavra. - disse ele.
Eu não tinha muitas alternativas, então tive que arriscar e acabei entrando no carro. Junior trancou a porta do veículo por fora, e vi ele se distanciando de mim.
Tentei, com os olhos, seguir seus passos, mas o ''breu'' não ajudava muito. Ouvi o barulho de um portão eletrônico sendo aberto e deduzi ser a porta da garagem.
Olavo entrou com gosto de gás, e Junior o arrastou para fora. Os dois fugiram da minha vista, e eu fiquei ansioso pra saber o que estava acontecendo. Não demorou muito tempo e Junior retornou sem o Olavo. O riquinho entrou no carro e foi logo dando partida. Aquele silencio estava me sufocando.
- cadê ele? - perguntei.
- O Olavo? - disse ele saindo com o carro da garagem.
- é.
- já foi.
- hã? Como assim já foi? Isso é serio?
- juro.
- pra onde ele foi?
- não sei. Deve ter ido pra casa esfriar a cabeça.
Junior falava com tanta naturalidade como se nada tivesse acontecendo.
- ele não pode ter ido. - falei.
- ta sentindo falta? Quer que eu chame ele de volta?
- tu entendeu o que eu quis dizer. Ele estava decidido a me espancar, o que fez ele mudar de ideia assim tão rápido?
- meu pai!
- teu pai? - Junior era confuso em suas colocações.
- Sim! Eu disse pra ele que meu pai estava chegando e que teríamos que adiar tua surra. - Ele falava sorrindo.
- isso não tem graça, cara.
- eu sei, mas tu quer o que? Que eu chore? - Naquele momento já havíamos pegado a estrada.
- que tu tenha respeito, pô! Tu me colocou nisso e agora tem que tirar.
- e tu acha que eu to fazendo o que?
- adiando minha surra. Foi o que tu acabou de falar.
- cara, tu é muito difícil. No final vai da tudo certo. Custa tanto assim confiar em mim?
- Não consigo confiar em você cara, você não é ser humano. Tu é a imagem do capeta.
- você me acha mesmo isso?
- você faz questão de ser assim, pô. Por que você não falou pro Olavo que eu não tinha culpa de nada, e acabou logo com isso?
- eu não podia! - disse ele concentrado na estrada. - O Olavo não pode saber que estou do teu lado.
- e você ta do meu lado?
- sim! Pode ate não parecer, mas eu sou um cara justo. Nunca permitiria que um mal acontecesse, podendo evitar.
- um pouco contraditório, cara. Tu ta me chantageando, me obrigando a formar dupla de trabalho contigo, e ainda vem falar de justiça?
- eu não queria fazer isso. Você ta de prova que eu cheguei de uma forma suave, mas como você não cooperou eu tive que usar de outros meios.
- e se eu tivesse colaborado? E se eu tivesse te ajudado numa boa?
- tudo seria diferente, e tu ainda seria recompensado.
- mesmo contra minha vontade, eu acabei te ajudando cara, e pra que tu tinha que falar pra esse otário do Olavo me explorar também?
- mas eu não falei, ele que descobriu.
- ah! Conta outra pô.
- Juro, Eduardo. Eu não falei nada.
- e como ele descobriu?
- sei la. Agora eu sou culpado de tudo mesmo? Ah! Va tomar no cu caralho. To aqui te ajudando numa boa. Tu é muito mal agradecido.
- vai tomar no cu você, po, e para o carro que eu quero descer.
- descer aqui? Só pode ta de brincadeira né!?
- to falando sério. Para o carro!
- eu não vou te deixar aqui. Não sou esse carrasco que você ta me desenhando.
- e se alguém me ver dentro do teu carro, não vai pegar mal pra ti?
Junior ficou calado.
- responde. - falei.
- nós não podemos ser amigos em público, Eduardo. Mas podemos manter contato.
- ah po! Agora ficou claro. Tipo amigos de ficar trocando mensagens né!? - fingi concordar com ele.
- isso! - disse em exstasse.
Junior não percebeu, mas naquele momento me fez chorar.
- Entendi. - falei olhando para a estrada. - tem como tu me deixar aqui pelo centro mesmo? - pedi.
- por que aqui pelo centro? Não quer que eu te deixe em casa?
- eu combinei de ir la pra casa do Pádua.
- eu te deixo la.
- não precisa. Eu ainda vou passar em um supermercado pra comprar uma caixinha de cerveja. - menti. Nem dinheiro eu tinha.
- tudo bem, Eduardo, eu não vou insistir. Onde você quer que eu pare?
- pode ser ali perto do terminal de ônibus?
- claro! Você quem manda.
Dois minutinhos foi o suficiente para o Junior estacionar o carro na esquina do terminal de ônibus.
- espera! - disse ele antes de eu descer do carro. - como vai ficar o nosso trabalho?
- ta salvo no teu pc. Só falta fazer uma capa e acrescentar as referencias. Da uma olhada no histórico que todos os sites que eu usei estão la.
- certo. Qual teu nome completo pra eu colocar na capa?
- faz o seguinte, coloca só o teu. Eu vou fazer um pra mim.
- Isso não é necessário velho. Tu ta sendo muito criança.
- tu tem razão, mas a criança aqui prefere fazer sozinho.
- você quem sabe. - disse ele. - me passa o teu número.
- pra que?
- como pra que? Pra gente se comunicar.
- não! Nosso contato já acabou.
- como assim? Ainda falta muito pro final do ano. E nossa parceia como fica?
- não tem parceria, e se você quiser, pode falar tudo pra direção da escola. - falei abrindo a porta do carro.
- hey! Não me tenta não. - disse Junior me segurando pelo braço.
- Isso é uma ameaça? Vai em frente pô. - falei.
- Eduardo! Pensa um pouco. Eu não tenho nenhuma intenção de te prejudicar, só to pedindo tua ajuda com alguns trabalhos que tenho dificuldade. Você nunca precisou de alguém não?
- quase todo dia, cara. Preciso de carona pra escola, preciso de dinheiro emprestado pro lanche, preciso de alguém que tenha computador e impressora pra eu imprimir meus trabalhos. Mas eu não sou baixo igual você. Eu sei agradecer.
- eu também sei agradecer, você que não soube aproveitar.
- ta falando da grana que tu me ofereceu?
- ou qualquer outra coisa que você precisar. Eu tenho impressora, tenho computador, tenho carro pra te dar carona... Você só precisa me ajudar.
- e guardar nosso segredo?
- pelo menos ate o final do ensino médio. - disse ele respirando fundo. - Por favor!
Neguei com a cabeça, e me soltei dos seus braços.
Junior começou a buzinar para que eu voltasse, mas ergui minha cabeça e não mais olhei para trás.
Cheguei ao terminal, peguei o ônibus e fui para o '' happy hour '' na casa do Pádua. Lá chegando, pedi logo para tomar um banho e trocar de roupa. Pádua me arrumou uma camisa, e uma bermuda limpa. Tomei um banho e depois deitei em sua cama. Na sala tinha bastante gente, algumas da escola e outros amigos e parentes do Pádua.
- bora la comer alguma coisa. - meu amigo me chamou com uma latinha de cerveja na mão.
- eu posso dormir um pouco aqui? - pedi.
- pode amigo, mas tu vai perder o melhor da festa. - disse ele parado na lateral da cama.
- vai ser rápido. Só umas meia horinha para poder descansar.
- ta bom. Se precisar de alguma coisa você me chama.
- chamo sim. Pode deixar.
Pádua voltou para a civilização, e eu afundei a cabeça no travesseiro pensando no Junior. Lembrei das atitudes legais que ele tinha tido comigo naquele dia. Ele me deixou literalmente a vontade em sua casa, pena que era só por puro interesse.
Procurei pelo meu celular pra ligar pra minha mãe, e dei por fé de que eu havia esquecido tudo na casa do Junior, estava com tanto medo que deixei minha mochila, tênis, celular e ate minha calça.
- aff! Caralho. - resmunguei em voz baixa.
O cansaço foi tanto que acabei caindo no sono. Acordei pelos movimentos da cama, abri meus olhos lentamente e vi a Ana do meu lado. A menina estava deitada acariciando meu rosto, encostei no corpo da minha amiga e lhe dei um abraço apertado. Ela retribuiu de imediato fazendo cafuné na minha cabeça.
- ta tudo bem? - ela soprou em meu ouvido.
- ta. - falei.
- certeza? - ela insistiu.
- sim.
- O Pádua disse que tu não quis comer.
- eu tava cansado. Que hora é agora?
- dez.
- caralho! - falei no susto. - tudo isso?
- ahan. - ela sorriu.
- agora deu fome. - falei.
- tão assando uma carne la atrás. Quer que eu pegue pra ti?
- não amiga. Eu já vou me levantar e como la. Como ficou a cota? - falei levantando da cama.
- nós dividimos tudo em partes iguais. - disse Ana se espreguiçando.
- e ficou quanto pra cada?
- cinquenta. - disse ela me arremessando uma almofada. - Eu já paguei a tua parte.
- você é demais Ana. Um dia ainda irei pagar tudo o que tu já gastou comigo.
- com juros e correções, por favor. - disse ela sorrindo enquanto levantava da cama.
- com certeza! - sorri.
Ana, e eu deixamos o quarto do Pádua e fomos procurar algo para comer. Encontrei-me com Pádua na sala, e o bicho já tava morgado querendo me apresentar a um amigo dele.
- rapaz amigo, eu num to no clima pra conhecer ninguém não.
- tu vai gostar. - disse ele.
- o problema é ele que não vai gostar. - falei sorrindo. - E além do mais eu to com uma fome do caralho.
- então faz o seguinte: Come, bebe um pouquinho e depois tu vem pra eu te apresentar ele. - Meu amigo tava bastante calibrado. Cerveja numa mão, cigarro na outra, e um soluço que o deixava engraçado.
Concordei com o Pádua apenas para ele não insistir mais. Se eu continuasse dizendo que não iria conhecer o amigo dele, ele não iria me deixar em paz.
- pega leve com essa birita, cara. - Falei segurando seus ombros com as duas mãos.
- pode deixar. To maneirando. - disse ele piscando pra mim.
Pádua era um cara extremamente bonito: Olhos negros, cabelos igualmente ou mais negros que os olhos. Lisos... bem lisos cobrindo seus olhos. Sua pele era branca com poucos pelos, ele deveria ter em média 1,75, e uns 70kg. Meu amigo tinha um sorriso marcante e contagiava qualquer um que tivesse ao seu lado.
Sorri pra ele e acompanhei Ana ate a área onde estavam assando a carne.
- tem até um ''cadim'' de gente né aqui!? - falei de mãos dadas com a Ana.
- tu já viu o Pádua fazer festa pra pouca gente, amigo?
- nunca! - sorri.
Fizemos nossos pratos, e sentamos em uma mesa no fundo do quintal afastado dos demais. O som estava ambiente. Aquele horário era proibido ouvir musica em volume muito alto.
Sentei ao lado da Ana, apoiei meu prato na mesa plástica, e dei uma garfada na carne. Começou a tocar uma música do Hugo pena, e de imediato voltei a lembrar do Junior.
- que porra ta acontecendo comigo? - pensei.
♫♫♫
Meu ponto de equilíbrio,
o meu comando é você,
é tudo que eu preciso,
a força que me faz viver,
então devolva de uma vez o que levou de mim.
Meu ponto de equílibrio
o meu comando é você,
é tudo que eu preciso,
a força que me faz viver,
amor perfeito tem começo, meio e não tem fim.
♫♫♫
Dei mais um corte na carne, e lembrei das mãos do Junior segurando as minhas me ensinando a comer da forma correta.
###
não é assim que se corta um bife. - disse ele parando por trás de mim.
Junior estava sem camisa, usando apenas uma bermuda jeans rasgada.
- me ''daqui'' tua mão. - O abdômen do Junior roçava em meu braço.
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Não era pra eu tá pensando nele, mas cada movimento dele estava tão vivo em minha mente, que aquilo era mais forte que eu.
- ta bom. - disse Ana limpando a boca em um lenço de papel. - fala pra mim o que ta acontecendo.
- que? Não ta acontecendo nada. - falei.
- ai Dudu. Tu é muito verdadeiro amigo. Olha tua cara de bobo. Alguma coisa ta acontecendo. Tu ta tão estranho.
- eu sou estranho. - falei rindo.
- não é não. - rebateu, Ana. - Não quer se abrir? - disse me fitando.
- não! - falei em um fio de voz.
Uma lágrima escorreu e Ana usou seu dedo para seca-la.
- fala. Eu prometo que vou ficar quietinha.
- ta acontecendo algo meio estranho, Ana. - não aguentei guardar aquilo só pra mim.
- estranho como?
Ninguém ali comia mais. Aquela mesa tinha virado um confessionário.
- eu não sei explicar.
- você ta apaixonado? - Ana foi direta. - é isso não é?
- hã? Não! - falei sem convicção.
- ta apaixonado pela pessoa errada né!? Acha que não ta, mas não consegue tirar a pessoa da cabeça. Né isso!? E o pior, é que nunca vai ser correspondido por que a pessoa é hétero e nem sabe da tua existência. Acertei? - Ana me encarava com olhar de piedade.
Como ela sabia tanto assim de mim, se nem eu mesmo sei?
Eu não falei nada, apenas afundei minha cabeça no ombro da Ana, e deixei ela cuidar de mim.
- eu também já passei por isso. - disse ela me fazendo cafuné enquanto minhas lágrimas molhavam sua camiseta branca. - Mas tudo na vida é passageiro. Nós somos adolescentes e fazemos tudo exageradamente: Amamos exageradamente, brigamos exageradamente, magoamos e somos magoados exageradamente. A gente tem o hábito de achar que tudo é o fim, mas é apenas o começo. Amar e sofrer decepções faz parte dessa fase que vivemos, amigo. Tu vai superar assim como superei. Quer beber alguma coisa? - perguntou.
- quero. - falei levantando a cabeça e enxugando as lágrimas.
- caralho! - minha amiga gargalhou. - cachaça cura tudo né!? Espera um pouco que vou la pegar uma bebidas pra nós.
- ta! - Fale sorrindo.
Assim que Ana saiu, chegou Pádua acompanhando de outro cara. Reconheci meu amigo pelo andar já que só dava pra ver sua sombra. Aos poucos a lua foi ajudando a ver suas fisionomias.
- te achei safado. - Pádua já estava com outra bebida, e outro cigarro.
- tava me procurando?
- tu sumiu, e eu vim atrás de tu. - Pádua estava cambaleando. - Esse cara que queria que tu conhecesse. - Pádua disse aquilo, e eu fiquei completamente envergonhado. Era como se eu tivesse numa seca braba pedindo para que ele me apresentasse todos os seus amigos pra ver se algum daria match.
- tudo bom? - disse o cara tirando as mãos do bolso e me cumprimentando. Que sorriso era aquele?
- tranquilo, e você? - perguntei.
- to bem. Graças a Deus. - disse o homem sorrindo.
- vocês vão se comer ou vão ficar costurando? - soltou, Pádua.
- porra, velho. Que vergonha cara! - falei.
O rapaz sorriu mais ainda.
- ta afim? - perguntou o cara.
- não brow. To afim de dar uns pegas hoje não. - falei sorrindo.
- Que bom! - disse ele. - se você tivesse afim, eu iria ficar assustado.
- como é que eu consigo ser amigo de vocês dois? Vocês são tão chatinhos! - disse Pádua fazendo careta.
Nós rimos.
- tem certeza que não querem ir pro quarto? - perguntou, Pádua.
- estamos tranquilo aqui. - disse o homem.
- ta né!? Mas se mudarem de ideia... - Pádua fez mimica de boquete com a boca.
Eu ri.
- pode deixar. - falei.
Meu amigo retornou pelo mesmo caminho que veio.
- uma graça esse cara né!? - disse o homem sentando no lugar que antes era ocupado pela Ana.
- gente fina mesmo.
- ele nem nos apresentou. - disse sorrindo. - Me chamo Miguel. - disse mais uma vez me cumprimentando.
- Eduardo. Satisfação!
- de onde vocês se conhecem?
- la do colégio.
- terceiro né!?
- isso. - falei.
- legal! O que você faz fora o colégio?
- minha vida não é muito agitada não. Geralmente, depois do colégio, eu faço as coisas la em casa e tal, e quando não to nem no colégio, nem em casa eu curto ir pra praia. É de graça.
Miguel sorriu.
- verdade. Afinal as melhores coisas da vida são de graça né mesmo!?
- nunca tinha pensado nisso, cara. Mas você tem razão. Ainda bem que ainda temos essas coisas que não paga-se nada pra ser feliz.
- verdade. Eu posso saber tua idade, Eduardo?
- sim, sim. Tenho dezessete, e tu?
- putz! Novinho demais. Eu tenho vinte e oito já. - disse ele sorrindo com aqueles dentes brancos.
- uai! Tu também é novo cara.
- não mais que você. - brincou.
Sorri.
- de onde tu conhece o Pádua? - perguntei.
- sou gerente da conta dele la no banco.
- ah! Bacana. E o que tu faz da vida, fora o trabalho?
- eu também ando muito na praia.
- serio?
- sim. Eu pratico surf.
- profissional?
- não! Só por diversão mesmo. É desestressante.
- parece ser maneiro mesmo.
- você surfa quando vai na praia?
- não, fera. Eu não tenho prancha. Mas eu nado muito bem. - falei sorrindo.
- a gente pode combinar. O que tu acha?
- se não for te atrapalhar.
- atrapalha em nada. Podemos combinar em um domingo desses.
- pode ser.
- quer anotar meu número?
- eu to sem celular aqui óh. - falei.
- então me passa o teu. - disse ele.
Eu não estava colocando muita fé que o Miguel fosse me ligar. Não era questão de se rebaixar, mas porra: Um moreno de olhos cor de mel, cabelo raspado, corpo bronzeado repleto de tatuagens com músculos bem definidos, vinte e oito anos e gerente de banco? No minino ele deveria ter vários pretendentes interessantes.
O que ele iria querer com um moleque de dezessete anos, branquelo, cabelos louros, olhos azuis, 1,75, 74k... e pra completar estudante do ensino médio?
Não passava pela minha cabeça que aquela amizade pudesse vingar, mas de qualquer modo passei meu contato pra ele.
Miguel era um cara bastante extrovertido. Conversamos bastante ate a hora de eu ir embora com a Ana.
- e aí? Vai rolar? - disse Ana estacionando o carro na frente da minha house.
- o que? Tu ta sabendo já?
- Pádua me contou tudo, e ele ainda me proibiu de atrapalhar. - disse ela sorrindo.
- Porra! O Pádua é phoda, mas dessa vez ele mandou bem. O Miguel é muito gente fina.
- hummm! E essas borboletas voando ao redor da tua cabeça? - disse Ana sorrindo.
- Sai daí. - sorri.
- Dou maior apoio viu!? - disse Ana fazendo sinal de positivo. - Eu aprovei o Miguel. - disse ela.
Despedi-me de Ana e tive que acordar minha mãe pra abrir a porta da casa. Minha chave tinha ficado dentro da mochila.
Minha mãe me deu uma bronca do tamanho da lua, mas eu tava tão feliz que nem senti. Tomei um banho e depois tentei dormir. Naquele dia acordei depois das doze. Até eu estranhei, já que não era comum eu dormir tanto.
- acordou agora né bebo safado!? - disse minha mãe na cozinha temperando uma carne.
- bom dia, mãe. - falei dando um beijo em sua testa.
- bom dia. Deveria eu te dar uma surra né!?
- por quais motivos? - perguntei sentando à mesa.
- Por tu ter sumido o dia todo. Acha pouco?
- mas eu expliquei que ia fazer um trabalho.
- a madrugada toda? Tu lembra que horas tu chegou aqui?
- eu estendi um pouco. Ia ligar pra avisar, mas esqueci meu celular na casa de um colega da escola.
- por que não ligou do celular de alguma amigo?
- se eu contar o motivo, a senhora não vai acreditar.
- pois conte assim mesmo.
- eu não sei o número da senhora decorado.
- que filho atencioso. - disse ela.
Eu ri.
- vai fazer um fogo pra gente assar uma carne.
- vou sim. Cadê os meninos?
- foram la no mercadinho comprar um abacaxi pra eu fazer uma sobremesa.
- hummm. Ta certo então. - Falei dando um agarrão em minha mãe e saindo pra fazer o fogo pro churrasco.
Não vi, nem tive noticias dos meus amigos naquele final de semana. Cheguei a pensar na possibilidade do Junior aparecer na minha casa com os meus pertences, mas aquilo seria muito para o ego dele.
Na segunda cheguei cedo à escola, e o primeiro rosto que vi foi o do Olavo. Infiltrei-me no meio da multidão e consegui passar despercebido.
Havia passado o domingo pensando e resolvi que iria abrir o jogo com o diretor do colégio. Entrei na diretoria para assumir que eu tinha pulado o muro do colégio, e ouvir qual seria minha sentença. Encontrei com a secretária que me informou que ele iria chegar atrasado.
- mas me diz qual é tua turma que eu agendo aqui, e assim que ele chegar eu mando te chamar.
- então ta. Meu nome é Eduardo rachid e eu sou do terceiro B''.
- ta anotado, Eduardo. Assim que ele chegar e puder te receber, eu peço pra alguém ir la te chamar. - disse a morena.
- beleza! Obrigado!
Saí da diretoria tomando o maior cuidado para não topar com o Olavo. Fiquei na quadra esperando o sinal tocar, e só então fui pra sala de aula. Entrei praticamente junto com o professor, fui ate o final da sala e la estava minha mochila na cadeira que eu sentava sempre. Procurei pelo Junior, mas não o encontrei ali. Cumprimentei meus amigos, sentei e comecei a escrever a matéria.
Não levou muito tempo para Junior aparecer na porta da sala pedindo pra entrar.
- entre. - disse o professor de matemática.
Só então lembrei que tinha pedido pro Junior não colocar meu nome no trabalho, e tampouco eu tinha usado o domingo para fazer um trabalho em meu nome. Resumindo, eu tava fodido.
Não deu muito tempo para eu ficar lamentando, uma assistente de aluno bateu na porta, e pediu licença ao professor.
- pois não? - disse ele por baixo dos óculos.
- o Eduardo é dessa sala? - perguntou uma senhora baixinha.
- é sim. - disse o professor.
Pádua e Ana logo me cutucaram curiosos pra saber o que tava acontecendo.
- o diretor quer falar com ele. - disse a mulher.
Todo mundo começou a cochichar.
- se fodeu. - alguém gritou do outro lado da sala.
- hey! Que palavreado é esse na minha aula? - disse o professor repreendendo o aluno. - Acompanhe a moça, Eduardo. - pediu o professor.
- sim, professor. - falei.
- amigo, o que ele ta querendo falar contigo? - perguntou a Ana.
- daqui a pouco tu vai saber amiga. - Coloquei minha mochila nas costas e sai sem esperança de voltar àquela sala.
todos ficaram me olhando.
Cheguei na diretoria e a secretária logo me mandou entrar.
- ele ta te esperando. - disse ela.
- ta. - falei com o cu trancado.
Entrei naquela sala sentindo cheiro de álcool e perfume de rosas.
- bom dia, diretor. - falei.
- dia. - disse ele assinando alguns papéis. - sente. - apontou para uma cadeira na frente de sua mesa.
Eu começava a me arrepender de ter tomado aquela decisão, mas agora não poderia voltar atrás.
- só um minuto que já falo com você. - disse ele.
- sem problemas, diretor. - respondi.
Minhas mãos estavam sem cor. Meu coração batia rápido demais.
- prontinho. - disse ele guardando aquele monte de papel em uma gaveta, e finalmente me olhando nos olhos. - pode falar.
- é... Diretor.
- sim. Prossiga.
- semana passada eu acabei perdendo a hora. Não foi por preguiça nem nada, mas acabei indo dormir muito tarde fazendo um trabalho de aula, e esqueci de colocar o celular pra despertar.
- certo! - dizia ele me encarando.
- assim que me levantei e vi a hora eu vim pra aula voado, peguei ate um táxi pra ver se conseguia chegar a tempo.
- e conseguiu? - ele perguntou.
- não, diretor. Não consegui.
- entendi. E daí você ta querendo justificar a sua falta?
- não senhor.
- e então?
- o porteiro não me deixou entrar, e eu fiquei com medo de pegar falta e resolvi...
- resolveu o que? Diga!
- resolvi pular o muro la por trás da escola.
- você fez o que?
- eu não tinha intenção. Nunca fiz nada parecido, diretor. Se o senhor pegar minha ficha verá que eu sou um aluno muito bom, e só tiro notas altas.
- uma coisa não justifica a outra. - disse ele ajeitando os óculos no rosto. - é lastimável sua atitude. Eu digo mais, é imperdoável.
- eu não vou fazer outra vez, diretor. Eu juro que não.
- muito bom que você tenha aprendido a lição, e mesmo sabendo que você é um ótimo aluno, eu terei que lhe punir.
- eu já esperava por isso, diretor. Eu faço qualquer coisa. Aceito qualquer punição.
- pular o muro do colégio tanto para adentrar ou para sair do colégio é algo muito grave. Você é bolsista integral não é?
- sou sim.
- eu sinto muito, Eduardo, mas terei que suspender sua bolsa.
- minha bolsa não, diretor. Por favor.
- eu lamento, mas não tenho outra alternativa.
- mas se o senhor suspender minha bolsa, o que acontece comigo?
- você terá que deixar o colégio.
- mas isso é injusto, diretor! Eu ganhei essa bolsa na legalidade. Fiz a prova no inicio do ano e passei. A bolsa é minha de direito.
- nem tudo na vida é justo meu rapaz.
- mas eu não posso ficar sem essa bolsa, diretor.
- tivesse pensado nisso antes.
- não tem como me dar outra chance?
- infelizmente não.
Uma gritaria começou a vim da parte de fora da diretoria.
- que diabos esta acontecendo? - perguntou o diretor.
Nesse momento alguém socou a porta, e não era nada menos que o Junior.
- diretor, esse moleque praticamente passou por cima de mim. - disse a secretária tentando impedir a entrada do Junior.
- moleque não, eu pedi pra entrar na educação e a senhora foi grosseira comigo. - disse ele apontando para ela.
- eu apenas falei que você não podia entrar agora, que o diretor estava ocupado.
- o que tu ta aprontando dessa vez, Alexandre? - perguntou o diretor sem sair de sua poltrona.
- eu preciso conversar com o senhor.
- vai recebe-lo diretor? - perguntou a mulher.
- sim Alice. Pode deixar! - disse o diretor.
- sim senhor. - disse a mulher saindo e trancando a porta.
- o que foi dessa vez? - perguntou o diretor.
- eu pulei o muro junto com esse moleque aí!
- que? - o diretor se espantou.
- é isso aí, diretor. A ideia foi toda minha e ele só pegou ar. Qual será nossa punição? O sr vai expulsar nós dois?
O diretor ficou sem reação, e eu nem preciso falar como fiquei né!?
Continua...
Dinho49, eu não sei o que é whatpad, brow. Pode me explicar?