Sorri. Não sabia se ele falava a verdade, muito menos conseguia adivinhar a resposta que ele queria ouvir. Estávamos afastados de todos, no meio da noite. Ele poderia me jogar no mar e em minutos me afogaria. Nesse meio tempo o navio já teria se afastado metros. Seria o meu fim, caso perdesse nesse jogo de palavras.
–Também sinto– Menti– Mas... Você é tão violento– Completei com sinceridade.
Brad sorriu.
–Ótimo. Mais tarde conversamos, quando o jantar estiver acabado. Ele me apontou para escadas na lateral de uma das paredes da popa, subimos e caminhamos pelo convés parcial, um andar acima do convés. Depois de atravessarmos da popa para a proa, batemos numa porta de onde vinha risadas intensas. Ela se abriu e pela primeira vez vi o capitão do navio, um velho com uma cicatriz no rosto acompanhada de um bigode pintado de preto. Seu rosto era cansado e velho, tanto quanto da Dra. Tess Lirian que, mais ao fundo da sala, se levantara de um sofá para ver se era eu na porta.
–Entre, entre– Disse com voz comemorativa, o capitão do navio. Notei que a porta se fechou, com Brad do lado de fora.
Me via numa sala quente, bem iluminada. Havia um par de sofás de um lado e um par de portas na parede extrema. Dra. Tess passou os braços ao redor dos meus ombros e me apresentou para os homens, evidentemente eu era o mais despreparado de todos.
Estavam presentes o capitão, Dra. Tess, Dr. Slomman, um comandante e só. Meu Deus, onde vim parar?
–Doutora Tess nos falou muito bem de você, jovem– Comentou sem expressões ou emoções na voz, o comandante. Ele vestia um uniforme da marinha dos EUA, algo totalmente contraditório ao uniforme de terra dos soldados. O capitão estava vestido com uma roupa similar, os doutores pareciam usar as mesmas roupas de quando saíram das cabines. Junto com o comandante, éramos os mais formalmente vestidos.
–Bom, acho que já podemos ir para a mesa, já que todos estamos presentes– Afirmou o Dr. Slomman com um bater de palmas. Todos caminhamos para a porta dupla extrema, que abriram-se por dois soldados ao aproximarem-se.
O ambiente do outro lado era tão iluminado quanto o anterior, um lustre pequeno pendia no alto, refletindo toda a luz. E no centro, uma elegante mesa de mogno com seis lugares estava disposta para os cinco presentes. Eu fui o último a sentar, ao lado do Dr. Slomman enquanto nas pontas ficavam o capitão e o comandante.
Assim que nos acomodamos, o comandante lançou um olhar para seus soldados que abriram a porta. Sem nenhuma palavra ou outro gesto, os soldados retiraram-se fechando as portas.
Havia saladas e um enorme pernil na mesa. Todos começaram a se servir. Peguei apenas as saladas, já que sou vegetariano. Curiosamente a Dra. Tess também preferiu apenas as saladas.
–Não entendo como existem vegetarianos!– Esbravejou o capitão, rindo no final da frase– Jamais pararia de comer um bom pedaço de carne.
–Oh, deveria rever rapidamente seus pensamentos– Comentou Dr. Slomman, que abria uma garrafa de vinho antigo.
–Tess disse que talvez você ajudaria ela nas pesquisas que está fazendo– Falou alto o comandante, sua voz era firme e autoritária até na mesa de jantar.
–Dr. Slomman e eu precisamos de um ajudante para minhas pesquisas de doutorado– Respondeu a doutora antes mesmo que eu pudesse abrir a boca.
–Sim, o doutorado– Respondeu o comandante, como se lembrasse das conversas enormes que tivera com a doutora mais cedo.
–Apenas não entendo porque soldados estão acompanhando o cruzeiro– Comentei, rapidamente os quatro pares de olhos estavam me fitando. Tess foi a primeira a quebrar o silêncio da minha pergunta indelicada com o som das garfadas pegando as saladas– Os outros TITANS ao redor do globo também contam com soldados?– Completei a pergunta olhando de soslaio para a janela que mostrava o horizonte, onde o TITAN VI navegava lado a lado conosco, iluminando as águas turvas do mar com suas luzes.
–Terroristas, jovem– Comentou o comandante, olhando-me firme– Supostamente há uma remota possibilidade de uma célula terrorista nesse mesmo navio. Os outros doze TITANS também estão com soldados, mas em números muito menores. O governo brasileiro concordou que a segurança de seus cidadãos é fundamental.
–Claro, todos sabemos que nada sairá dessa sala, causando pânico em todos os passageiros– Completou o capitão do navio, quase em sincronia com o comandante. A frase era diretamente direcionada para mim.
–Com certeza– Concordei com um sorriso. Tess parava de comer para me observar. Ela era a mais analítica do grupo, sabia o que passava pela minha mente.
Comecei a comer enquanto escutava os debates científicos entre Dra. Tess e Dr. Slomman e os comentários sobre o navio entre o comandante e o capitão. Já tínhamos acabado o jantar e dois soldados limpavam as mesas quando o timoneiro entrou apressado, segurando uma carta nas mãos.
Entregou-a diretamente ao capitão, que passou os olhos rapidamente antes de entregar para o comandante.
–Há quantos minutos chegou?
–Dez minutos atrás– Respondeu o timoneiro– Veio em código Morse, criptografada.
O comandante e o capitão levantaram.
–Desculpem, Senhores e Senhoras. Infelizmente houve um pequeno problema. Todos serão guiados até suas cabines.
Já estávamos todos na porta quando a voz do comandante soou novamente.
–Dr. Tess, espere. Precisaremos conversar um pouco.
Olhei nervoso para o Dr. Slomman que cantarolava uma música dos Beatles sem nenhuma preocupação estampada no rosto. Como se observasse minha expressão pelo canto dos olhos, ele sussurrou...
–Não se preocupe, garoto. Provavelmente já estamos chegando no porto do Estado de São Paulo.
Meneei com a cabeça. Na sala de espera três soldados aguardavam pelos convidados, entre eles estava Aaron. O cheiro forte de alguma colônia amadeirada resplandecia o ambiente.
–Poucos soldados podem ficar andando nas áreas públicas– Continuou a sussurrar o Dr. Slomman– Por isso se acostume a ver os mesmos rostos.
Sorri. Não seria ruim ficarmos os dias que faltariam para chegarmos no Caribe ficando perto de Aaron. O único problema parecia Brad, mas sua inteligência parecia ser pequena demais para eu não conseguir enganar.
–Brandon, leve Dr. Slomman– Ordenou o comandante atrás de mim– Caleb, acompanhe Christian e Aaron, espere pela Dra. Stess.
–Senhor– Retrucou Aaron, o comandante que já se virara para dentro da sala de jantar voltara a olhar para Aaron com um olhar de desaprovação– Permissão para trocar ordem com Caleb. O co-comandante me solicitou com urgência no quinto andar.
O comandante apertou os lábios, mas não ameaçaria seu soldado em frente aos convidados. Com leve aceno de cabeça concordou, antes de entrar rápido na sala de jantar e fechar as portas. Dr. Slomman já havia saído guiado com o soldado Brandon e Caleb olhava desconfiado para Aaron.
Não queria prejudicar a reputação dele mostrando intimidade. Afinal, o que falariam ao saber que ele era amigo do adolescente visivelmente homossexual? Caminhei para fora, imediatamente fui tomado pelo ar fresco. Descemos as escadas mais próximas e caminhamos pela proa.
–Deveríamos ir para a cabine– Comentou Aaron enquanto eu me aproximava da ponta da proa, onde Rose e Jack haviam sentido o vento no filme Titanic. A brisa batia gelada em mim, mas o terno me impedia de sentir. Subitamente com calor, tirei o terno e desabotoei o primeiro botão da camiseta.
–Apenas quero desacelerar meu coração, foi muito sufocante o jantar.
–Não esperava que estivessem presentes o alto escalão do navio?– Murmurou com um divertimento na voz, Aaron– Trabalhara com Dra. Tess mesmo?
–Sim– Respondi altivo– Durante o jantar combinamos que auxiliaria ela.
–Acho surpreendente. Meus superiores tinham insistido para ela escolher um auxiliar, inclusive sugeriram diversos graduandos de Harvard e Cambridge. Ela recusara veemente.
–Então finalmente sou o sortudo da vez?
–Pelo emprego não remunerado? Sim.
Desejei me atrever a perguntar se também era sortudo em ter o homem que queria. Até imaginara diversas respostas que daria. Mas nada saíra da minha boca.
–Acho melhor voltarmos para minha cabine. Não quero criar problemas entre você e seus superiores.
Ele concordou com a cabeça. Aproximávamos das portas de entradas internas quando a buzina ensurdecedora do navio eclodiu de algum lugar um pouco mais ao alto. Olhei para o horizonte, subitamente assustado. Para minha tranquilidade, já estávamos há poucos metros do porto.
Um grupo de soldados começaram a sair apressados do interior do navio, junto deles vinham funcionários do navio. Um grito alto vindo da proa anunciava a abertura da escotilha de carga.
Entramos no interior do navio, alguns passageiros espiavam o porto sem saírem do salão de entrada. Descíamos as escadas até o terceiro andar quando a voz do capitão saiu pelos alto-falantes que, até então, eu não tinha notado a existência.
–Senhoras e Senhores, pedimos que continuem seus jantares e, depois, retirem-se para suas cabines. A proa precisa estar livre para os carregamentos de alimentos e equipamentos, portanto, contamos com suas colaborações para não haver incidentes e retardamento do prosseguimento da viagem para as águas nordestinas em três dias.
Os corredores estavam vazios, os outros passageiros estavam ocupados no salão de jantar ou em suas cabines. Aaron e eu seguimos em silêncio pelo corredor, ambos absortos em seus próprios pensamentos. Eu, especialmente, estava preocupado em encontrar com Brad mais uma vez.
–C27– Falei enquanto parávamos em frente a minha cabine. Acho que Aaron ainda não sabia qual era meu número– Obrigado por me acompanhar até aqui.
–Não foi ruim. É bom ter um amigo novo em meio aos rostos já conhecidos dos meus colegas.
Me virei para entrar na cabine, mas com a porta entreaberta eu me voltei uma última vez para Aaron. Meu jogo com Brad ainda não tinha acabado e Aaron era meu coringa.
–Por favor, sei que é pedir demais... Mas poderia manter fora dos ouvidos de Brad nosso encontro dessa noite? Ele me assusta, é tão... Maníaco.
–Maníaco?– Aaron assumiu um ar de preocupação– Ele te causou algum mal...
Mordi meus lábios, isso incitaria que eu não queria responder. Aaron perceberia que morder os lábios era um tique-nervoso e que pensar em Brad me deixava assim. Dei um sorriso torto e entrei na cabine. Quando fechei a porta, já não via Aaron.
Minutos depois alguém bateu na minha porta, eu já tinha tirado minha roupa e estava de cueca. Vesti rapidamente um pijama e abri. No corredor estava Brad, com um sorriso safado na cara e com o pau duro para fora da calça, apontando na minha direção.
Qualquer pessoa que resolvesse passar por ali, veria a safadeza pública. Espichei o pescoço para o lado de fora da cabine e olhei para os dois lados do corredor, antes de puxar o soldado para dentro do meu quarto pelo pau ereto.
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Hey, obrigado pelos comentários do último capítulo. Tudo são tramas, não acreditem em ninguém. Vcs já suspeitam do que está rolando nesse navio? Não há sinceridade, cada um tem uma grande mentira.
Espero que tenham gostado da leitura, até amanhã.
Com amor, B.