Como chegara à cidade com tempo de sobra, Hunter foi até o aeroporto
com a intenção de pegar seu editor. Quase sem olhar em volta, caminhou na
direção do mesmo balcão onde Gabriel estivera dez minutos antes.
- O voo 471 está no horário?
- Sim, senhor, chegou faz uns dez minutos.
- Por acaso um homem desembarcou? - Hunter deu uma olhada
novamente no saguão, já quase deserto.
- Vinte e poucos anos, bonito...
- Sim, senhor - interrompeu o atendente -, ele acabou de ir ao toalete.
Aquela bagagem ali é dele.
- Obrigado.
-- Satisfeito, Hunter caminhou na direção da bem empilhada bagagem de
Gabriel. Ele não acreditava em viagens leves, reparou ele, examinando a mochila, a
pequena mala Pullman e a pasta. Mas que Homem acreditava nisso? Sua filha.
Sarah não levara duas malas para a curta estada de três dias com a irmã em
Phoenix? Era estranho que sua filhinha já fosse quase uma mulher. Talvez não
fosse tão estranho assim, refletiu Hunter. Esses homem de hoje em dia já nascem
quase inteiramente mulheres, ao passo que os homens heterossexuais, levam
anos para sair da infância
- quando saem. Talvez fosse por causa disso que ele
confiava muito mais nos homens.
Gabriel o viu quando voltou para o saguão. Estava de costas para ele, de tal
forma que teve a impressão de estar vendo apenas um homem alto, esguio e de
cabelos pretos descuidadamente encaracolados até a gola da camiseta.
Bem na
hora, pensou ele com satisfação e o abordou.
- Sou Gabriel Radcliffe.
Quando ele se virou, ele enrijeceu, o sorriso impessoal congelando-lhe o
rosto. No instante inicial, não pôde definir por qual motivo. Ele era atraente -
talvez atraente demais. O rosto era estreito, mas não tinha um ar acadêmico,
tinha as feições duras, mas não rudes. Era, em excesso, uma combinação dos
dois, muito mais do que uma característica ou outra. Tinha o nariz reto e
aristocrático, ao passo que a boca era esculpida como a de um poeta. Seus
cabelos eram escuros, cheios e rebeldes, como se tivesse dirigido em altíssima
velocidade por horas a fio contra o vento. Mas não foi nada disso que a fez perder
a voz. Foram seus olhos
Ele jamais vira olhos tão escuros quanto aqueles, tão incisivos, tão...
perturbadores. Era como se olhassem através dele. Não, não através, corrigiu de
pronto Gabriel, dentro dele. Em dez segundos, eles olharam dentro dela e viram
tudo.
Ele viu um formidável rosto, branco como o leite, com olhos melancólicos
escancarados pela surpresa. Viu uma boca suave e masculina, com uma leve cor.
Viu nervosismo. Viu um queixo obstinado e cabelos cor de cobre que deveriam
parecer seda ao toque dos dedos. O que viu foi um homem equilibrado por fora e
tenso por dentro, que tinha um aroma das noites de primavera e parecia modelo
de capa da Vogue.
Se não fosse a tensão interior, talvez a tivesse dispensado,
mas o que ficava por baixo da superfície das pessoas sempre o intrigou.
Olhou para a organizada bagagem de modo tão veloz que seus olhos deram
a impressão de que jamais abandonariam os dele.
- Pois não?
- Bem, eu... - Forçado a engolir as palavras, ele baixou o tom de voz.
O
que bastou para enfurecê-lo. Não começaria a gaguejar por causa de um
motorista de hotel.
- Se você veio me apanhar - disse Gabriel, bruscamente -,
vai precisar levar minha bagagem.
Ele ergueu as sobrancelhas, mas não disse nada. O erro dele era simples e
óbvio. Uma única frase da parte dele corrigiria tudo. Mas o erro era Gabriel, não
dele. Hunter sempre acreditou mais nos impulsos do que nas explicações.....