Eu continuava a vagar sem rumo, com medo, fome, sujo e maltrapilho com as roupas que saí de casa, ou melhor, fui expulso dela...
Papai não tinha escutado de primeira pois tinha falado muito baixo, a coragem que eu tinha acumulado até ali parecia ter se transformado em fumaça! Juntei o que tinha sobrado dela e disse em um tom audível:
-Eu sou gay!
Levantei a cabeça para olhar no fundo dos seus olhos logo após ter dito mas fui surpreendido por um tapa que me tirou da cadeira e me deixou atordoado no chão.
-VOCÊ É O QUÊ MOLEQUE?! -Sua voz foi o trovão que me acordou.
-Eu... eu... -Estava tremendo e as lágrimas já rolavam pelo meu rosto.
-Eu não vou aturar vagabundagem debaixo do meu teto, tá me ouvindo FDP! -Seu rosto estava medonho em uma mistura de nojo e ódio. Eu sentia medo.
Sabia que seria difícil de ele aceitar de primeira, mas tinha fé no pai amigável e amoroso que ele sempre foi pra mim, desde que mamãe se foi eram apenas nós dois contando um com outro. O que aconteceu depois é previsível, ele me bateu coisa que nunca tinha feito antes, mas senti que ele se continha, talvez no fundo ainda pudesse ver o seu filho precioso, foi o que pude ver quando olhei nos seus olhos pela última vez, estes que estavam marejados. Logo depois me mandou embora com a roupa do corpo e disse que nunca mais queria me ver. Os vizinhos cochichavam enquanto eu passava na calçada, alguns riam e pude ouvir ofensas também.
Não tinha parentes em qualquer outro lugar. Estava sozinho. Apenas um guri de 17 anos vagando e chorando pelas ruas foi a minha imagem por 2 semanas. Não tinha coragem de voltar e na minha cabeça de adolescente não tinha ninguém pra pedir ajuda e estava vivendo o próprio inferno. Tinha vergonha demais pra pedir nas ruas e estabelecimentos por alguma comida e dinheiro e quando realmente a coisa apertava eu não tinha outra saída a não ser pedir. Algumas pessoas me enxotavam como um cachorro, não as culpo, o meu reflexo nas vitrines era lamentável. Ainda assim pude encontrar bons samaritanos.
Eu não fazia idéia de que bairro estava mas sabia que já tinha saído do meu a um bom tempo. Eu queria mesmo era me perder de mim mesmo. Uma senhora a quem pedi um copo de água em sua venda se enfezou comigo.
-Esses mendigos. Tsc, tsc. -Me olhava de cima abaixo.
Me deu a água e tratou de me expulsar antes que eu pedisse por comida, antes me disse que o padeiro na esquina mais a frente dava os pães dormidos aos mendigos que passavam por lá. Eu queria dizer à senhora que eu não era um mendigo mas isso era quase certo então deixei ela me chamar assim. Fui até a tal padaria, acho que era umas 9 da manhã pois vi um bom movimento. Era uma pequena padaria de bairro, tinha algumas mesas na calçada e eu podia sentir aquele cheiro de pão quentinho de longe. A minha aparência não era a das melhores e eu tinha noção de que podia espantar os clientes do meu futuro benfeitor se fosse lá naquele momento pedir os pãezinhos dormidos, por isso esperei o movimento diminuir o que pra minha barriga foi um longo tempo.
Quando o entra e sai acabou eu me levantei do meio fio em que estava sentado e me aproximei timidamente da porta da padaria, o cheiro de pão quentinho ainda estava lá. Fui meio escorado na parede até a porta e pus minha cabeça pra ver lá dentro, não tinha ninguém à vista. Entrei.
-Olá! -Minha voz estava rouca.
Um homem bem alto apareceu de uma porta dos fundos. Aparentava ter uns 40 anos e tinha cabelos grisalhos. Tinha um bigode farto e bem escuro. Sobrancelhas grossas e olhos grandes, pretos e marcantes. Estava com uma bata branca um pouco suja e trazia um pano no ombro. Sua feição era séria e meio carrancuda. Era bonito. Ele me deu uma olhada de cima a baixo e simplesmente deu meia volta. Achei que eu não era um mendigo a altura de seus pães dormidos e também dei meia volta indo embora. Será que aquela senhora me daria mais um copo de água?
Eu senti algo no meu ombro, olhei e era um pano. Quando olhei pra trás vi o padeiro me oferecendo uma vassoura. Entendi. Eu teria que pagar pelos meus preciosos pães dormidos de alguma forma. Eu fiquei mais do que feliz em pagar. Ficar pedindo por aí sem dar nada em troca me dava vergonha demais e o padeiro não se importou de eu estar mais sujo do que seu chão e me deixou fazer algo em troca de comida. Justo.
Imediatamente comecei a varrer o chão da pequena padaria com todas as forças que me sobravam e com um pequeno sorriso. Logo depois, fui limpar as mesas de fora e o balcão e as prateleiras. O padeiro me observava a todo instante sério e carrancudo, devia estar com medo de eu roubar algo. Quando terminei olhei pra ele esperando mais alguma ordem.
-Coloque as mesas e cadeiras pra dentro! -Sua voz era grossa e vibrante.
Eu coloquei as 4 mesas e suas cadeiras em pilhas e pus para dentro da padaria. O padeiro saiu de trás do balcão e passou por mim, ele era realmente alto e parecia ser forte. Ele então fechou a porta na chave e fechou as janelas.
-Venha. -Ele entrou de novo para a cozinha e eu o segui.
Lá dentro tinha um dois fornos de assar pão e uma mesa suja de trigo e outras coisas que não tive tempo de prestar atenção pois ele se entrou em outra porta e tive que segui-lo. Passamos por um corredor com duas portas ao longo do seu caminho, no final dele havia outra cozinha normal.
-Sente-se. -Suas palavras sempre soavam como ordens de um general ou sei lá o quê.
Ele me apontou uma mesa e então puxei uma cadeira e sentei com as mãos pra baixo e um pouco nervoso. Ele foi até a geladeira e pegou queijo, presunto e suco. Pegou uma cesta de cima da geladeira cheia de pães que pareciam novos e colocou tudo na minha frente. Eu fiquei maravilhado.
-Eu… posso comer os pães dormidos senhor!
-Não tem mais pão dormido, coma esses! Algum problema? -Parecia que ele estava me dando uma bronca mas não estava.
-Nã… não!
-Então sirva-se! -Ele então foi pro corredor e entrou numa das portas me deixando ali sozinho.
Eu acordei com o ronco do meu estômago e imediatamente comecei a me servir com tudo que eu podia. A sensação de ter merecido aquilo pelo meu pequeno trabalho era muito boa, eu comi com muita satisfação. O padeiro então voltou com uma toalha no ombro e a colocou no encosto de outra cadeira.
-Quando terminar vá até aquela porta e tome um banho. -Falou me apontando a primeira porta.
-Não precisa! Isso já é demais! Muito obrigado pelos café da manhã, eu já estou indo!
Cont.?