- Príncipe, eu sou um simples servo do castelo. Tudo bem, eu sou chefe do estábulo e seu professor no Treino Militar, mas ainda vivo entre os cavalos. Gosto de cuidar deles, de penteá-los, de dar comida... O senhor nunca olharia para mim: o serviçal de balde e escova nas mãos. Perdoe-me por estar reagindo assim, Alteza, mas eu precisava contar ao senhor.
- René, como você pôde pensar isso de mim. Eu jamais olharia para sua posição. Você é o meu amigo, é leal. Eu também gosto muito de você, mas não dá maneira que você poderia esperar. É difícil para mim sentir amor por outro homem como eu. Eu amo o Bernard, mas se não o amasse, certamente amaria você. Você é um homem lindo, de caráter invejável, com um coração enorme. Jamais pense que o que você é deixa você inferior a alguém. Sou um Príncipe não por escolha, mas por nascimento, e garanto-te que minha vida não é nada agradável. Deveres reais, obrigações para com o povo, ter que ser um exemplo e espelho para à Nação. São grandes as minhas responsabilidades. Vivo cercado de víboras esse tempo todo. Muitos prontos para pedirem a minha cabeça quando tiverem chance.
Espontaneamente, surpreendendo René, abracei-o forte e fui retribuído por ele. Ficamos algum tempo abraçados até sermos interrompidos por Johan.
- Alteza Real, perdoe-me, mas os familiares da Princesa Merísia chegaram ao castelo. A Família Real de Palonte também espera sua permissão para ser recebida no castelo.
- Eu irei agora, Johan. Vá na frente e avise que já estou a caminho.
- Vá, Príncipe, o senhor tem o dever de receber os parentes da Princesa.
- René, peço-te segredo sobre o que contei-lhe. Em breve eu volto para terminamos esta conversa.
- Sempre estarei aqui.
- Obrigado.
Dei mais um abraço no René e fui receber os parentes da Merísia.
Mily, Bernard e o Conde Alferno já esperavam-me na Sala do Trono. Sentei-me e ordenei que Johan permitisse a entrada dos visitantes.
- Suas Majestades, o Rei Péricles e a Rainha Mirtes de Palonte. Acompanham-nos Suas Altezas Reais, a Princesa-Herdeira, Helena, e o Príncipe Tito.
Levantei do Trono e dei as boas-vindas a Família Real de Palonte.
- Majestades, Altezas, sejam bem-vindos ao Reino de Austo. Recebo-os em nome dos meus pais, o Rei Gael e a Rainha Tácia, que estão numa visita de Estado ao Reino de Vajor.
- Muito obrigado, Alteza Real. Conheço Suas Majestades, mas nunca tínhamos sido apresentados. Vejo que o Reino está sendo bem cuidado por Vossa Alteza. - falou o Rei Péricles abraçando-me.
- Infelizmente o momento não é o mais agradável e propício para o encontro, mas é um prazer vê-lo. Estou encantada com tamanha beleza de Austo e do castelo.
- São seus olhos, Majestade. A senhora é muito gentil. Bem, o corpo da Merísia seguirá para a Igreja de Austo daqui a pouco. Se vocês quiserem descansar até o velório, Johan mostrará os aposentos de vocês.
- Sim, mas antes precisamos dar os pêsames ao Príncipe Bernard.
Os Reis e os Príncipes aproximaram-se de Bernard e cumprimentaram o meu amor com palavras e abraços. Após isso vieram em minha direção e apresentaram-me a família da Merísia.
- Alteza Real, essa é a família da Princesa. Seu pai e sua mãe, os Condes Tadeu e Lorena, e seus filhos Tayrone e Cíntia.
- Meus pêsames em nome da Coroa. Infelizmente não é o momento para congratulações, mas espero que vocês sintam-se confortáveis em Austo.
- Muito obrigado, Alteza Real. Meu genro sempre falou muito bem sobre o senhor. Lamentamos a morte de nossa filha, mas foi uma fatalidade.
- De fato, afinal minha filha era tão jovem, amava tanto o Bernard. É duro para uma mãe ter que sepultar uma filha. Ainda mais minha primogênita.
- A Merísia era encantadora. Ela fará muita falta para todos nós. Minha irmã, Mily, sempre estava com a Merísia. Ela sempre brincava com minha irmã.
- Sempre gostou de crianças. Lembro que ela sempre me falou que queria ser mãe. - disse Cíntia com sua doce voz.
Abracei os parentes da Merísia que seguiram com o Bernard até os seus aposentos. A Família Real de Palonte seguiu com Johan para os aposentos reservados para ela, exceto a Princesa Helena que pediu para conversar comigo.
- Vamos até o jardim, Alteza.
- Claro, eu acompanharei-o.
Fomos até o jardim e começamos a andar na trilha que levava até o lago.
- Príncipe Hugo, vejo que Vossa Alteza tem muita experiência e habilidade na condução do Reino, faz tudo parecer fácil.
- Não é nada fácil. O peso de ser o futuro do Reino não traz-me paz. - disse. - Como Vossa Alteza sabe que tenho habilidade? - perguntei, curioso.
- Política internacional é uma das coisas que mais tem sido-me ensinada pelo meu pai. Quando chegamos eu pude conversar com alguns empregados, com alguns cidadãos daqui. Todos são unânimes em elogiar Vossa Alteza.
- Eu dou o meu melhor. Apesar de achar que nunca estarei a altura do meu pai, da minha avó.
- Sempre acharemos isso, Alteza, mas teremos que seguir os nossos próprios caminhos. São as nossas escolhas que determinarão o rumo de nossas Nações. - falou parando de caminhar. - Posso propor uma coisa? - perguntou após uma pequena pausa.
- Claro, proponha.
- Chamemo-nos pelos nomes, sem formalidades e protocolos.
- Mas é evidente que sim. Também não sou dado a tanta formalidade. Para ser sincero, eu acho até monótono.
- Minha opinião é igual, Hugo.
- Helena, você já pensou em abdicar da Coroa? Já sentiu vontade de ser alguém normal? - mostrei um banco para ela no jardim e sentamos.
- Em algum momentos isso aconteceu. Sabe o que mais faz-me pensar assim? As cobranças. Eu não seria a Herdeira do Trono. Nosso Reino não previa a ascensão de uma mulher ao Trono. Quando eu nasci, após um parto muito complicado, minha mãe foi informada de que poderia ser que nunca mais fosse mãe. O meu pai conseguiu mudar o protocolo e alterar a Lei: o primogênito do Soberano, homem ou mulher, teria direito a assumir o Trono e tornar-se o Príncipe-Herdeiro. Na prática, sem essa mudança, meu irmão assumiria o Trono. Minha mãe demorou muito para engravidar.
- Bem, aqui em Austo nós nunca tivemos uma Lei Sálica, mas a Mily também demorou para nascer. Eu nunca seria Rei caso meu irmão estivesse aqui.
- E o que aconteceu com ele?
- Ele foi raptado ainda bebê. Meu pai nunca encontrou-o. Nem sei se ainda está vivo. A mãe dele morreu no parto. Depois de muito tempo minha mãe conquistou o coração do meu pai e casaram-se.
- Que coisa triste. Realmente, se olharmos para os riscos que corremos por ser quem somos, nós não temos vontade de exercer nossa função.
- Você me parece bem jovem, Helena.
- Tenho um ano a mais que você, Hugo. Já sou maior de idade.
- Você ainda não disse-me o motivo de ter chamado-me para conversar.
- Hugo, não leve-me a mal, mas o Bernard contou-me sobre vocês quando estava em Palonte. Eu sei que ele gostava da Merísia, mas ele sempre amou você. Em que circunstância a morte da Merísia aconteceu?
- Eu não sabia que ele havia contado isso para alguém. Obrigado por guardar nosso segredo. Eu vou contar-lhe exatamente o que aconteceu no vinhedo.
Contei tudo para Helena que compreendeu-me e apoiou-me.
- Uma hora ela iria descobrir. Eu sei que você casará com a Princesa de Vajor. Hugo, não sei como você fará para manter o seu casamento, mas não deixe o Bernard sair da sua vida.
- Por isso penso em abrir mão da Coroa. Não posso suportar viver sem o Bernard.
- Eu não iria tão longe, mas você deve pensar com calma. Há um jeito de você tornar o casamento nulo.
- Como? Meus pais foram para Vajor assinar uma procuração.
- Não consume-o. É comum que os casais reais precisem consumar o ato na frente dos Nobres. É simples: você não consuma.
- Isso vai levantar especulações e será um escândalo.
- É isso ou abrir mão do homem que você ama. A Coroa não é o único impedimento. O casamento também o é.
- Não tinha pensado dessa maneira, Helena. Vou pensar nisso. Mas por qual motivo você está me ajudando?
- Eu também já tive um amor impossível: um soldado. Ele precisou lutar em um conflito bélico numa região de Palonte. O Bernard era o responsável pela companhia de homens da qual ele fazia parte. Foi lá que o Bernard ganhou aquela cicatriz. Ele foi salvar o Apolo e feriu-se. Eu conheci o Bernard logo após sua chegada ao Reino. Seu pai tratou do casamento dele diretamente com meu pai. Parece-me que ele desejava isso, e hoje eu entendo o porquê. O Bernard e eu desenvolvemos uma relação de amizade quando ele pegou-me aos beijos com o Apolo. Eu contei-lhe tudo, e ele fez o mesmo. Era lindo ver o brilho nos olhos dele quando falava de você.
- Onde está o Apolo?
- Ele morreu. O Bernard conseguiu trazê-lo ao castelo com vida, mas os ferimentos foram muitos. Infelizmente ele não resistiu. Eu vi o meu mundo desabar. Talvez se eu tivesse contado sobre nós aos meus pais, o Apolo ainda estivesse aqui. Eu não sei como os meus pais reagiriam. Por isso eu te aconselho, Hugo, não perde a chance de ser feliz. O destino sorriu-te outra vez.
Eu e Helena abraçamo-nos e seguimos para o castelo.
- O passeio foi maravilhoso, Hugo. Espero que possamos ser bons amigos.
- Claro, Helena, você já é mais que isso.
Antes da Princesa Helena seguir para os seus aposentos, Karin vem ao nosso encontro com a Mily.
- Alteza Real, ela não quer mais dormir.
- O que houve, minha Princesinha? - peguei a Mily no colo.
- Eu sonhei com a Merísia. Ela dizia-me que gostava muito de mim, mas precisava ir embora.
Olhei para Karin e para Helena e vi que elas também tinham sido pegas de surpresa.
- Meu amor, a Merísia foi fazer uma viagem. Infelizmente ela não pode evitar, mas ela agora é uma estrela no céu para iluminar você.
- Ela morreu, irmão?
- Sim, Mily. Fisicamente ela não vai estar mais conosco, mas ela estará sempre nos nossos corações.
- Ela sempre penteava meus cabelos, brincava de bonecas comigo. Ela não podia ter feito isso comigo. - falou cruzando os braços e fazendo um bico.
- Ela não escolheu isso, Mily. Um dia você vai entender tudo. Eu estou com você, tudo bem? Nós iremos brincar muito, e a Merísia vai brilhar muito no céu iluminando-nos.
Beijei a Mily e convenci-a a ir com a Karin brincar. Prometi passar mais tempo com ela.
- Eu achei muito bonito o jeito como você contou para ela.
- Confesso que me doeu falar dela para a Mily. Sinto-me culpado pelo que aconteceu.
- Hugo, foi um acidente. Qualquer um poderia tê-lo sofrido. O que importa agora é que ela não vai conviver com a dor da traição. Sei que posso parecer fria, mas considero que foi necessário. Vou dizer novamente: o destino sorriu-te outra vez.
Eu e Helena abraçamo-nos mais uma vez e ela retirou-se. Quando estava indo falar com o Bernard, Johan interrompeu-me.
- Alteza Real - curvou-se -, fomos informados pela Marinha Real que Suas Majestades já estão retornando.
- Obrigado, Johan. Irei conversar com o Bernard e depois irei descansar um pouco. Já sabe o que fazer caso não seja nada grave e urgente.
- Sim, Alteza Real. Com sua licença. - curvou-se e saiu.
Nos aposentos do Bernard...
- Meus pais estão retornando, meu amor. O Reino está em luto por causa da morte da Merísia. Não sei o que fazer quando tiver que recebê-los. O povo não vai aceitar uma festa num momento tão difícil.
- Meu Príncipe, você sempre consegue contornar todas as situações. Acharemos uma solução. Isso é o de menos agora.
- Como foi com seus sogros e seus cunhados?
- Eles tentaram entender melhor o que houve. Eu contei como tudo aconteceu novamente, mas omitindo o fato dela ter flagrado-nos aos beijos. Estou triste, mas já tive oportunidade de conversar com a Princesa Helena e ela falou-me o mesmo que disse para você. Inclusive contou-me sobre a conversa que vocês tiveram. Meu Príncipe, por favor, você não pode abrir mão da Coroa por mim.
- Meu amor, e o que farei então?
- Sairemos dessa juntos, apaixonados e mais fortes.
Bernard beijou-me. Enquanto estávamos aos beijos, a porta do quarto foi aberta por alguém.
- Perdão...
- Você?! - falei.
Continua...
Os Reis estão voltando com a esposa do Hugo. Alguém surpreende os dois aos beijos. Muita coisa ainda vai acontecer nesse castelo. É só o começo.
Mais um capítulo para vocês. Estive ausente, mas não esqueço nunca de escrever. Estou fazendo aos poucos enquanto viajo de férias. Volto logo. Prometo. Muito obrigado por estarem acompanhando. Beijinhos.
Valter, seus comentários sempre são maravilhosos e sensatos.