PARA ALÉM DO VÉU - Prólogo e Cap. 01

Um conto erótico de Alison T
Categoria: Homossexual
Contém 2400 palavras
Data: 03/01/2018 16:13:17
Última revisão: 03/01/2018 20:24:40

Esclarecimentos sobre a autora (apresentação)

Olá! É um sonho poder passar a fazer parte deste grupo de escritores que oferece a tantas pessoas motivação para viverem a vida de forma mais prazerosa.

Esta é a minha primeira experiência com a escrita, logo, estou super aberta a sugestões, críticas e ao diálogo. Espero melhorar, desejo crescer e, para tanto, conto, desde já, com o auxílio dos queridos leitores.

Todos os contos que pretendo partilhar são reais. São as histórias de vida de grandes amigos, preservadas tão somente identidades.

Sou uma mulher trans de 35 anos e, sobretudo, uma mulher que sente - com a alma e com os seis longos dedos que tenho em cada mão (deixo para a imaginação de vocês quanto aos benefícios de possuir dedos extranumerários mas creiam, há). Sou lésbica, muito bem casada e mãe de uma princesinha que é o sol de um amor infinito.

Quando nasci, meu pai machista, transfóbico, homofóbico, preconceituosíssimo e fundamentalista deu-me um nome neutro: Alison. Não era a sua intenção. Ocorre que ele se chamava Élio e alguém sugeriu que me nomeasse Élisson. Ao ouvir o nome informado, a oficial de cartório grafou conforme lhe pareceu coerente e contribuiu para abençoar-me com um nome unissex.

Com apenas dois anos de vida, fiz um AVC, fui parar no CTI e fiquei entre a vida e a morte. Angustiado e por medo de perder o filho, meu pai fez uma promessa sem medir consequências: se eu sobrevivesse, meu cabelo só seria cortado aos dezoito anos, quando do serviço militar. Antes, poderia apenas aparar as pontas.

Pois bem, provando que Deus curte altas zoeiras, sobrevivi. Sobrevivi, restabeleci-me completamente e fui crescendo com aquele cabelão que acentuava a semelhança física que eu tinha (tenho) com minha avó paterna e a parte da vizinhança que detestava o conservadorismo do meu pai, dizia que era muito bem feito que eu parecesse uma menina e chamava-me Shirley, por ser este o nome da minha avó.

Em regra, pessoas apegadas a tradições esperam que meninas amem a cor rosa, brinquem com bonecas, prefiram atividades delicadas, sejam dóceis, submissas, "femininas" (oi? Ser feminina é de um jeito só?) e sonhem ser princesas. Eu não era nada disso. Corria e pulava enquanto estava de olhos abertos. Andava de bicicleta, jogava bola, pulava muros, aprontava todas. Mas, secreta e dissimuladamente, adorava quando me confundiam com uma garota ou chamavam-me Shirley. Ganhava o dia quando isso acontecia.

Cresci e a confusão só aumentou porque na puberdade, descobri meu desejo por meninas. Que nó nas ideias! Como lidar? Pensava eu que quem gostava de mulher era homem, logo, era uma "contradição" gostar de coisas de mulher, de ser confundido com mulher ou desejar ser mulher. Sem ter com quem me abrir, sofria por ter que aceitar que minha única opção era ser homem. Chorava escondido, na hora de dormir. Crescia com a dor de estar "obrigado" a ser o que não sentia.

Quem quer ser homem? Era o que me perguntava todos os dias, enquanto os anos se passavam. Perguntava porque eu não queria. Ou queria, será? Nos momentos em que alguma menina me atiçava, eu esquecia os conflitos. Comecei a namorar muito cedo, talvez porque tentasse me adequar e me enxergar como homem. Se gostar de mulher era sinônimo de ser homem, não podia ser tão ruim assim, né?

Curiosidade sexual e busca de identidade caminhavam com a mesma pressa, de modo que todas as vezes em que ficava sozinha em casa, experimentava os batons e as lingeries da minha mãe. Sentia-me muito bem, muito mais eu. Mas... e se alguma menina tomasse ciência de que eu gostava daquilo? Que horror, justamente na época em que perdi a virgindade e estava num fogo extremo, se o meu segredo fosse descoberto, nenhuma garota iria me querer!

Graças a Deus eu estava enganada. Meus olhos se abriram no dia em que vi, de relance, duas meninas se atracando bem na porta do banheiro da escola. Atracavam-se no bom sentido, num beijo guloso e gostoso, arriscando-se a uma suspensão exemplar, com direito a registro no livro da capa preta.

Eram duas garotas e o tesão estava ali, fluente, potente, patente, tangível a terceiros. Sim, havia mulher que gostava de mulher! Por que não pensei nisso antes? Lésbicas gostavam só de mulher. Para ser amada e desejada por mulher, NÃO era essencial ser homem. Xereca, ooooops... Eureka! Lésbica! É isso que eu quero ser! É isso que eu sou. Lésbica. Sapa, sapatilha, sapatão. Que delícia, me achei! - urrei de alegria, desde a raiz da alma.

Daí em diante, foi o fim da minha vida em família. Aos dezesseis anos, passei a usar minha mesada para comprar anticoncepcional, que escondia e engolia como quem toma felicidade em comprimidos. Apesar de não me tornar a "mulher-estereótipo" que se porta princesisticamente, meu corpo começou a se arredondar. Não esperei ser questionada. Comuniquei aos meus pais que estava adaptando meu corpo ao meu sentimento e fui sumariamente rejeitada, expulsa de casa, enxotada.

Poupo vocês de lerem tudo o que vivi. Não querendo me prostituir, fui explorada em todos os trabalhos que me propus a realizar mas nunca deixei de me entupir de hormônios. O corpo respondeu bem e como nunca fui alta, ganhei ótima passabilidade cis.

Trabalhei em algumas casas como empregada doméstica. RG não vem com sexo, CPF e Título, menos ainda. O CDI, é claro, jamais mostrava (sim, toda "menina", eu me apresentei à Junta de Serviço Militar - imaginem o auê). Documentos exibidos, nenhuma patroa questionou meu nome, Alison. Até gostavam! Soava-lhes francês ou germânico ou qualquer outra coisa chique (risos).

Muitas que não mereceram tal abertura, nunca tomaram conhecimento de que eu era mulher trans. Três patroas souberam. Com uma delas, fui para a cama. Eu era safadhenha e aceitava quem me quisesse: "casada, carente, solteira, feliz, donzela, meretriz, mulheres cabeça e desequilibradas, mulheres confusas, de guerra e de paz".

Estudei trabalhando na casa dos outros. A despeito do ácido descaso da patroa da vez, fiz vestibular e passei. Consegui outro trabalho. Comi o pão que o diabo amassou com o olho do rabo e inclusive, muitas noites, fui dormir com fome para dar conta de tudo o quanto tinha que pagar. Quando despesas e circunstâncias se acalmaram, apaixonei-me por uma filha de ex patroa, o que só se resolveu de um jeito: casando com a mais bela moça que amo de paixão, por quem vivo e dou o melhor de mim.

Casei casando, mesmo, no Cartório, há quase nove anos. Impedimento nenhum, vez que minha certidão de nascimento trazia o sexo masculino. Foi até divertido nos depararmos com um Juiz de Paz escandalizado de que a minha esposa quisesse se casar com "uma travesti".

Antes que perguntem: não, não operei, gente. Não mudei nenhum dos meus documentos. Nem RG, CPF, Título e nem "aquele" que a natureza dá e me deu sem miséria. Após assumir minha identidade feminina, surgiu a disforia com "ele", mas não havia dinheiro para a cirurgia e o jeito foi virar Mestra com M maiúsculo, no tucking. Anos depois, o fato da minha esposa gostar muito "dele" (sim, ela era uma mulher hétero, mas isto já é outra história) e da nossa filha ter nascido pelas vias naturais me fez agradecer pelo que tenho. Já aceitei, sou feliz, não quero mais operar. Entendi que operar não me fará mais ou menos mulher. Sou a mulher que sou, não me esqueço donde vim e me amo assim, satisfeita em não ser mulher cis.

E, afinal, o que tudo isso tem a ver com os contos?

Tem, sim, gente, eu juro!

Pois então (isto é opinião e vivência minha, ok? Talvez não sirva para mais ninguém, mas me serviu muito.), para que me tornasse uma mulher melhor, precisei fazer as pazes com meu lado masculino. Eu acredito que todos nós, em maior ou menor grau, trazemos um pouco do outro e não é renegando este legado que nos afirmaremos como homens ou mulheres. Quer ser um bom homem? Aceite seu lado feminino. Você o tem. Quer ser uma boa mulher? Aceite seu lado masculino. Você o tem. Desenvolver empatia nos aproxima uns dos outros e nos torna melhores, mais evoluídos.

Foi por isto, por empatia com meus amigos homens e a pedido deles que decidi pôr mãos à obra e, sempre em exatos sete capítulos, escrever suas histórias de vida. Algumas, de arrepiar a alma e/ou de partir o fígado, mas sempre lindas, corajosas, inspiradoras e verdadeiras.

Quem quer ser homem? Hoje, a pergunta da minha pré-adolescência está respondida: muita gente quer e não importa minimamente sua sexualidade ou com qual genital nasceu. Por este motivo, principio com o relato de um homem trans. Vejam-no através de diversos olhares e perspectivas. Sintam-no. É real. É a dor e a delícia que compõem a vida de uma pessoa tão de carne, osso e sangue quanto você e eu.

Vez que já me apresentei, encontro vocês nos comentários, no próximo capítulo e no coração.

Beijos de luz.

Alison.

PARA ALÉM DO VÉU - Prólogo e Capítulo 01 de 07

Prólogo

* Em algum dia de dois mil, ano do desaparecimento *

-Mulher... Veja isto, mulher!

-Virgem Santíssima!!!! É o véu da Talita! Quem achou? Onde? Quando?

-Na Igreja, no dia fatal. Quem achou foi a vagabundinha da filha de seu Miranda, que devia estar esperando o meu ódio diminuir, para fazer a devolução. Antes essa gente nunca tivesse se lembrado de mudar para cá. Que vergonha!

-Mas... Na Igreja? Tem certeza? A Talita saiu para buscar duas garrafas de refrigerante. Ninguém encontrou a sacola, nem as garrafas, nem nada. Por que logo o véu? Por que ela foi à Igreja?

-Aí está o que não sei! Nunca pensei que ia mandar a nossa filha buscar os refrigerantes para o almoço de domingo e, por isso, nunca mais a veria! Você sabe, mulher. Tudo o que eu proibi à Talita foi para o bem dela. Queria a nossa filha bem casada com um homem sério, que cuidasse dela, a sustentasse e protegesse. Mas agora, ninguém viu nada e a polícia não acha nenhuma pista, tampouco se esforça! Uma menina ainda menor, sem nenhum documento e nenhum centavo! Será que está morta? Ter uma filha desaparecida é mil vezes mais angustiante que morta!

-Marido... Só acho que ela não foi raptada nem morta, acho que fugiu porque quis... porque seguiu seu coração... porque estava farta da vida que lhe foi imposta. Vivíamos dentro da Igreja, ensinamos à Talita que Deus não se agrada de mentiras e exigíamos que ela vivesse uma. Nossa filha partiu porque nunca foi mulher. Tivemos um filho e não soubemos lidar com o diferente. Amor ao próximo, amor ao próximo e tome mais uma dose espiritual de amor ao próximo aditivado com paz multiplicada! Pois o próximo era o filho que nunca aceitamos, marido! Que amor é esse?

-O QUE VOCÊ DISSE????? E O ERRADO AINDA SOU EU? Que desaforo é esse? REPETE! Anda! Repete, se for capaz, mulher! REPETE!!!!!

-Pois repito, sim! Não finja que não sabia ou nunca viu a verdade. A Talita sempre se sentiu atraída por mulheres sem jamais desejar ser uma. Nossa filha é filho, é um homem que gosta de mulher. Sempre foi. Sempre será. A menos que também se descubra bissexual.

PLAFT!

-Esse tapa foi na minha cara ou, na verdade, foi na sua, marido?

...

Capítulo 1

* Ao fim do ano 2017 *

Relatos há que de tão leves, nos levam. Levitamos. Não é o caso deste, portanto, inicio pela parte menos espinhosa: descrever-me.

Sou José Mário. 34 anos, porém, constam 32 na certidão de nascimento. Solteiro mas compromissado, amando amar. Tenho 81kg de músculo em 1,80m, a despeito dos lamentáveis hábitos alimentares que incluem beber copos e copos de refrigerante, ao acordar. Sou moreno e a cada dia, estou mais bronzeado. Sou sério e de pouca conversa mas amigo e sincero sincerão, dos que falam na lata. Cabelos pretos, ao estilo militar. Olhos pretos. Barba bem cuidada. Réu preso no regime semiaberto. Zoeira, claro, não possuo nenhuma anotação criminal e/ou de lei. Sou um autônomo multitarefa, mas tenham como certo que o galerão do semiaberto tem muito mais liberdade de ir e vir que alguém que deseja empreender - vivo preso. Sou um workaholic, do que, inclusive, não me orgulho nem um pouco. Reconheço que poderia ter cultivado comportamentos bem menos pervertidos que trabalhar à exaustão. Já fumei. Já "comi" cigarro. Hoje, não mais. Quando posso, bebo com pressão. Gosto de bebidas com elevado teor alcoólico, jamais atentando para o sabor que têm. Não importa. O que importa é que o líquido mágico desça rasgando e suba ao cérebro como um foguete. O ser humano ama se entorpecer até ficar doidão e eu não sou diferente. Sem medos e sem arrependimentos.

Somente agora, após quase dezoito anos de afastamento, voltarei à cidade, onde, pela última vez, vi Talita.

Durante uma semana inteira aquela moça saiu do seu trabalho na loja de tecidos e foi à Igreja, para rezar. Em frente ao altar, usando seu véu branco, chorava. Derramava-se num caudaloso pranto. Em prece fervente, seus lábios se moviam, sem, contudo, emitir som.

Naquela cidade pequena, de tudo se falava, de tudo se cogitava, mesmo quando no âmbito da fé alheia. Com a moça, não foi diferente. Possível fosse, dezenas de mãos arregaçariam seu coração de par em par. Puxariam sua língua para fora. Esquadrinhariam seus lábios. Examinariam dentro dos seus olhos. E só a deixariam depois de não apenas vazia de intimidade, mas dissecada. De pé, porém, viva, não mais.

Por quem pedia? Por que? Para que? Pedia perdão? Buscava se apegar a Deus? Vivia um conflito? Depois de ganhar a "fama de sapatão", fora desprezada ou desrespeitada por algum rapaz? "Ah, decerto que sim porque além dos comentários, bonita, nunca foi, né? Tem a voz da Maria Alcina, o rosto desproporcional, a altura de um bambu, nem pode usar um salto, tem corpo de tripa seca, ombros largos, peitos do tamanho de um ovo frito, é "reta", sem cintura e sem quadris. Se não fosse o cabelo, nada, ali, se salvava. Se cortar, acabou. É feia como Deus é bom."- Diziam as más (péssimas) línguas.

Mas... por que, mesmo?

Ninguém sabia.

Ninguém? Alto lá! Eu sabia!

Aquela moça...

Aquela moça era eu.

(Dor. Lágrimas...)

Rezava para ter coragem de fugir para, enfim, me encontrar. E fugi.

(Restauração. Sorrisos...)

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Comentários

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Coroa, seu comentário me emocionou. Desde criança sofri preconceito. Primeiro porque nasci com seis dedos em cada mão. Depois porque após o AVC, ninguém acreditava que eu me tornaria uma pessoa capaz de cuidar da vida e cresci ouvindo que além de esquisito(a), provavelmente era doido(a). Depois, foi por causa do meu cabelo. A sociedade é doida, Coroa. Quando eu era criança, chamavam-me de MENININHA. Cresci, tornei-me mulher e em situações pontuais, chamam-me de que? De HOMEM. Só rindo, né? A sociedade é do contra, só pode. A certidão de nascimento da minha filha diz que sou seu pai. Minha princesinha tem 3 anos, é totalmente inocente. E está indo para a escola, onde espero que não ouça que sou seu pai, afinal de contas, ela tem duas mães. Tudo, na vida, tem a hora certa e aos três anos nunca é a hora certa de saber que uma de suas mães é trans. Não é tão simples quanto parece. Não tomo banho com a minha filha e tomo todos os cuidados para que não fique ciente das diferenças fisiológicas. Na hora certa, ela saberá. Não é fácil ser trans, é foda. Mas ser homem seria impossível. Nunca consegui. Sobre o conto, a profundidade vem do fato de ser verdadeiro, José Mário é um grande amigo meu. A minha terapia para aceitar meu lado masculino tem sido escrever as histórias dos meus amigos, todos homens. Comecei por José Mário porque ele foi quem teve a percepção de que eu precisava disso, de aceitar que nenhuma mulher precisa zerar seu lado masculino para ser mulher. Eu precisava desse contato com um mundo vasto que mora dentro de mim. Obrigada pelas palavras gentis e amáveis, obrigada por tudo.

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Tenho lido alguns contos homo. Quase todos narram seus relacionamentos. Este, porém, Alison foi o mais profundo entre todos que vi. Acho que a maioria de nós, em especial os da minha faixa etária, foram criados numa sociedade moralista e preconceituosa. Para mudar a cabeça leva muito tempo. Sempre fica aquela maldita indagação ¨O que é que eles vão pensar?¨. O prólogo permitiu saber um pouco de você. Confesso que gostei. No fundo, todos nós somos (ainda que não admitamos) sexualmente um pouco de tudo. Este primeiro capítulo foi muito bom. Terminou com ótimo gancho o retorno da Talita como José Mario. Agradeço teus comentários nos meus. Beijos.

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Gente! Mas é muito cavalheiro esse moço, né? Cadê as críticas, Alec W.? Beijos, obrigada!

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Estreou com estilo, Alison, mereceu meus aplausos! Achei interessante a sua iniciativa de revelar-se ao leitor sem a necessidade de prequestionamento. Há tempos não passava por aqui e seu texto foi uma surpresa agradável. Sigo analisando as probabilidades quanto à evolução do seu conto. Aquele abração!

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