CAPÍTULO 08.
- Não! Mister Darcy... Não! Oh, não!
Mark correu pela sala e conseguiu agarrar o filhote pela coleira. Pegou-o no colo e tentou arrancar a caneta que ele encontrara no chão. Porém, o cãozinho entendeu como brincadeira, puxando o objeto com mais força.
- Não, Mister Darcy! Você não pode morder tudo o que vê pela frente!
Desanimado, ele desistiu de apanhar a caneta que ele pegara da mesa de centro.
Quando aquele adorável cãozinho havia se transformado num monstro? O que acontecera com sua habilidade em educar, que tinha dado tão certo com o último cachorro? Colocou-o no chão, com receio de que ele nunca mais a aceitasse depois da repreensão, mas o cãozinho pulou sobre ele com o rabo abanando.
- Assim é melhor.
Mark voltou para a cozinha e olhou sobre o ombro. Bastou que virasse as costas para que o filhote começasse a puxar a cortina.
- Darcy, não!
Ele soltou o tecido, sentou-se e o encarou, abanando o rabo com inocência.
- Bom garoto! Não mexa em nada, ouviu? Estou de olho em você!
Desde quando ter um cachorro dava tanto trabalho? Ele passava os dias com o filhote em constante correria e a palavra que mais dizia era "não".
O telefone tocou e Mark seguiu para a cozinha, parando na porta para vigiar o cãozinho enquanto pegava o receptor.
Era Suzanne Ruth, sócia do mesmo clube que Mark costumava freqüentar tempos atrás. Suzanne era presidente do Círculo Cultural, um grupo de mulheres e de Homens que promoviam coquetéis em diversos pontos culturais da cidade. Aquele era o único elo que Mark mantinha com as atividades do clube de campo do qual fora associado.
- Mark, eu já telefonei três vezes e você não retorna - Suzanne começou, sem cumprimentá-lo. - Fizemos algumas mudanças, e como você perdeu a última reunião, quero atualizá-lo.
Mark pousou a mão na testa. A reunião fora na noite em que Mister Darcy desaparecera. E agora teria de ouvir Suzanne tagarelar sem parar, contando com detalhes tudo o que acontecera no último encontro do grupo. Ouviu pacientemente enquanto Suzanne falava sobre os critérios usados na lista de convidados. Porém, sua atenção estava concentrada no cãozinho, que agora travava uma luta feroz com uma das almofadas do sofá. Como uma criatura tão pequenina podia dar tanto trabalho?
Tinha de sair com ele cinco vezes por dia, para que ele fizesse as necessidades. Além disso, aquele monstrinho destruía tudo o que encontrava pela frente, sem contar com a sujeira deixava pela casa...
- Então, faremos o coquetel do mês na loja de Dylan Mersey. O nome chamou a atenção de Mark, e ele se concentrou no monólogo de Suzanne.
- O que você disse?
- Disse que decidimos fazer a reunião na loja de Dylan Mersey - ela repetiu com um suspiro entediado. - Ele vai fornecer a comida e nós providenciaremos a bebida. Você o conhece?
- Sim. Já nos encontramos algumas vezes - respondeu em tom casual.
- Então, sabe como Dylan é simpático. Achamos que seria interessante realizar o coquetel num espaço descontraído, diferente de bibliotecas e museus, como sempre fazemos. - Suzanne fez uma pausa para respirar, porém, não longa o suficiente para que Mark protestasse.
- As cerâmicas dele são maravilhosas! Ele mesmo confecciona as peças. O estilo desde é muito original, inspirado na arte asteca. Claro, é muito diferente dos adornos luxuosos a que você está acostumado, mas tenho certeza de que vai gostar.
- Bem, eu ainda não tive oportunidade de conhecer o trabalho dele. Mas, Suzanne, você não acha que uma loja de cerâmica foge da proposta cultural do grupo?
- Não é uma loja qualquer, Mark. O que Dylan Mersey faz é arte pura. E arte é cultura, querida.
De súbito, ele percebeu que estivera na loja e não vira nada além de Dylan... ou melhor, dos lábios de Dylan.
- Sara Mersey, a mãe dele, também faz peças maravilhosas - Suzanne continuou. - Há alguns vasos dela expostos na loja. É interessante notar como têm traços mais femininos e delicados, em comparação ao trabalho dele.
- Você parece estar muito bem familiarizada com a loja de Dylan Mersey - Mark observou com certa irritação. Podia imaginar Suzanne bisbilhotando e enchendo Dylan de perguntas.
Ele ia insistir mais uma vez para que mudasse o local do encontro quando viu Mister Darcy passar pela sala com uma almofada na boca. Tapou o bocal do telefone e gritou:
- Mister Darcy! Não!
- Sinto muito, eu não sabia que você tinha companhia - Suzanne comentou em tom malicioso. - Quem é Mister Darcy? Achei que você estava saindo com seu ex-marido...
Irritada com a possibilidade de fornecer material para as fofocas do dia seguinte, ela se desculpou e desligou o telefone.
No dia seguinte, quando chegou à loja, encontrou Glenn parado à porta.
- Olá, meu Príncipe. - Ele sorriu e tomou a mão dele para pousar um beijo. - Estava passando por aqui e decidi vir vê-lo.
Estranhando tanta atenção, ele franziu a testa e retirou a casinha com Mister Darcy do carro.
- Você está sempre na vizinhança, Glenn. Seu escritório fica a dois quarteirões daqui.
Ele sorriu e balançou a cabeça.
- Gostei muito do nosso jantar na sexta-feira. Obrigado por me convidar. E como mencionou um segundo encontro... -
Mark o observou com o canto dos olhos enquanto abria a porta da frente.
- Achei que talvez você pudesse...
O tom rouco e sedutor foi interrompido pela sirene de uma viatura. Ambos se voltaram para ver o carro parar diante deles.
- É Carson? Jesus, ele ainda não se aposentou? - Glenn murmurou baixinho.
A porta do carro se abriu e o oficial saiu. Inclinou a cabeça para Glenn e cumprimentou Mark. Ele sorriu e abriu a porta para que os dois homens entrassem.
- Como está, Carson? - Glenn indagou, com um gesto para que o policial o precedesse na loja.
- Estaria melhor se a cidade fosse segura. Glenn trocou um olhar divertido com Mark. Conhecia o exagerado senso de importância do policial. - A cidade está cheia de vândalos. Acho que é o começo de algo maior.
- O que quer dizer? - Mark colocou a casinha no chão e libertou o filhote, que saiu correndo como se quisesse compensar os momentos de liberdade perdidos. - Não deixe sua bolsa à vista.
O policial apanhou-a do balcão e olhou ao redor, procurando um lugar mais seguro.
- Se você der as costas, não vai encontrá-la quando voltar.
- Do que está falando, Carson? Esta é a cidade mais segura do planeta.
- Era, meu caro Glenn. Era...
Mark percebeu o esforço do ex-marido para não rir, e tratou de ficar o mais sério possível.
- Realmente, esta cidade está ficando muito perigosa - Glenn comentou, com evidente sarcasmo.
- Ouvi dizer que a pintura de um carro do novo estacionamento foi riscada na semana passada. Onde já se viu tamanha violência?
Mark clareou a garganta, numa censura velada ao marido. No fundo, Glenn tinha inveja do porte intimidador do policial, e parecia querer compensar a inferioridade física tentando ridicularizá-lo.
- Não foi só o vandalismo no estacionamento - Carson prosseguiu, alheio à provocação.
- Inúmeros veículos nas ruas foram alvo de vândalos. Foi por isso que vim vê-lo, Mark. Quero que você tome muito cuidado. Tenho certeza de que esses delinquentes estão envolvidos com drogas.
- Mas, Carson, por que alguém envolvido com drogas sairia por aí riscando a pintura dos carros? - Mark perguntou, sinceramente interessado em saber.
- Porque eles procuram objetos de valor dentro dos carros, e quando não encontram, fazem questão de deixar sua marca - o policial explicou sua teoria.
- E eu acho que esses marginais vieram para Fredericksburg por conta de uma carga roubada que vem do Sul. Acho que alguém na cidade está se preparando para recebê-la. - O oficial ergueu uma sobrancelha. - Mark, você se lembra da nossa conversa anterior?
- Está se referindo a... - Ele ergueu o queixo, indicando a loja do outro lado da rua.
- Ele mesmo. Tenho certeza de que está envolvido. Nós o estamos vigiando constantemente.
- De quem vocês estão falando? - Glenn olhou de um para o outro, confuso.
Carson manteve a expressão séria e balançou a cabeça em negativa.
- Essa informação é confidencial.
- Confidencial?! - ele retrucou, irritado por ser excluído. - E como Mark sabe?
- Porque ele tem de saber.
- Se isso diz respeito à meu esposo, eu também tenho de saber! - Glenn determinou com autoridade.
Era ridículo pensar em Glenn brigando com aquele gigante, e Mark teve de reprimir o riso.
- Ex-esposo - foi tudo o que disse. - Pode contar a ele, Carson. Glenn é advogado e sabe manter sigilo.
O oficial hesitou por um momento antes de decidir falar.
- O rapaz do outro lado da rua tem um passado comprometedor, e muitas conexões. Ele está sob vigilância.
Os olhos de Glenn percorreram a rua e se detiveram na placa da porta onde se lia "Cerâmica Mersey - Inauguração em breve".
- Aquele homem? Dylan? - perguntou, incrédulo.
- Você o conhece? - Mark arregalou os olhos, igualmente incrédulo.
- Não posso dizer mais nada - Carson declarou. - Estamos de olho nele, e sugiro que vocês façam o mesmo.
- Está bem - ele balbuciou com as faces queimando quando olhou para Glenn.
- De onde você o conhece?
- Nós corremos juntos. Estamos treinando para a maratona de inverno. - Glenn balançou a cabeça de um lado para outro. - Dylan não é nenhum criminoso. É um rapaz pacífico e simpático.
- As aparências enganam - Carson observou.
- Como ele... Como você... - Mark gaguejou, consciente de que sua reação levantava suspeitas.
- Quero dizer, vocês correm juntos há muito tempo?
- Não muito, mas nos encontramos todos os dias. De fato, eu o conheço bem o suficiente para que minha opinião possa ter algum peso. Claro, eu não ousaria dizer a um oficial com a experiência de Carson como conduzir seu trabalho, mas acho que a polícia está vigiando o suspeito errado.
O policial o encarou com seriedade, sem perceber a ironia do comentário.
- Vou relatar aos meus superiores que você gosta dele. Obrigado pela ajuda. - Ele se voltou para Mark ao sair da loja.
- Eu o manterei informado.
Mark suspirou para se acalmar, evitando o olhar de Glenn.
- E então? Sobre o que você e Dylan conversam? - quis saber, aparentando indiferença.
Glenn se aproximou e segurou as mãos dele.
- Por que está tão interessado em saber?
- Oh, por nada! - Ele forçou uma risada. - Onde estará Mister Darcy? - Mark se desvencilhou das mãos possessivas e olhou ao redor. - Onde aquele pestinha terá se metido?
- Não se preocupe, eu o vi entrando no porão - Glenn o tranquilizou, voltando a se aproximar.
- E então? Quando podemos nos ver novamente?
- Em breve - ele prometeu de forma ambivalente. - E agora, tenho de trabalhar.
- Está bem, eu entendi. - Ele o puxou para perto, e Mark recebeu o beijo de despedida sem reagir. - Então, até breve.
Ele acompanhou Glenn com o olhar, mas, em vez de seguir a silhueta do ex-marido, seu olhar procurou a vitrine do outro lado da rua. Sobre o que os dois homens conversariam? Glenn teria mencionado seu nome para Dylan? Ocupado com seus pensamentos, ela não percebeu que Mister Darcy tinha sumido mais uma vez...
Dylan narrando...
Dylan endireitou as costas e girou a cabeça de um lado para outro. Ficara trabalhando no torno durante toda a manhã, confeccionando canecas que faziam parte de um projeto novo enquanto esperava que o timer do forno de cerâmica apitasse. Embora tecnicamente a loja já estivesse aberta, a inauguração oficial seria dali a uma semana, com o coquetel cultural em parceria com as mulheres do clube de campo. Pretendia ter um bom inventário até lá, e teria de repor as peças vendidas durante a semana. Sua mãe também estava trabalhando duro, e planejava mandar um carregamento quando um amigo dela fosse para Fredericksburg, provavelmente nos próximos dias. O problema era que os amigos de Sara Mersey não eram confiáveis. Se as peças não chegassem a tempo, teria de alugar um caminhão e ir buscar, embora preferisse poupar a despesa. O telefone tocou e ele limpou as mãos na toalha que carregava no bolso.
- Cerâmica Mersey - atendeu em tom profissional, curioso. Não poderia ser ninguém que ele conhecia.
- Sabe quem está falando? A inconfundível voz masculina do outro lado da linha fez seu coração perder um compasso.
Pinky. Ele nunca se identificava, para o caso de os telefones estarem grampeados. Além disso, limitava o tempo das ligações a três minutos de duração.
- Sim - Dylan respondeu num sussurro.
- Liguei para saber como você está.
- Estou bem, obrigado.
- Ótimo. Lembra-se do favor sobre o qual conversamos? Aquele que você me deve? Está tudo preparado.
Dylan respirou fundo. No fundo, alimentava a esperança de que Pinky tivesse se esquecido.
- Sim, eu me lembro - respondeu sem esconder a tensão.
- Será em breve. Esteja preparado. Eu não peço muito, Dylan. Quero apenas que receba meu homem e faça a transação. Não haverá problema algum. Entendeu?
- Entendi. - Ele fechou os olhos. Não poderia haver momento pior para retribuir ao favor. Aquele era o começo de sua nova vida.
- Ouça, você sabe que quero ajudar, sabe que me lembro, mas... Como dizer? Como conseguir a simpatia de alguém como Pinky?
- Fale, homem! Meu tempo é limitado.
- Estou tentando me manter limpo. - Dylan decidiu ser assertivo. - Sei que lhe devo. Acredite, não me esqueci, mas não posso fazer nada que traga à tona tudo o que trabalhei para apagar nos últimos cinco anos.
Um silêncio pesado parou entre eles.
- Está dizendo que não fará o favor? Vai me desapontar?
Dylan engoliu em seco. Por um segundo, refletiu que seria melhor morrer a ter de se submeter àquela tortura.
- Não. Claro que não! Você sabe que eu jamais faria isso.
- Era o que eu esperava ouvir. - Pinky baixou o tom de voz, ainda mais persuasivo. - Eu presumo que você não se esqueceu de onde veio e de quem são seus amigos. Talvez não se importe comigo, nem mesmo com sua mãe, e ache que pode esquecer sua antiga vida, mas você me deve, parceiro. Espero não ter de encontrar outra forma de receber.
- Eu não me esqueci de nada - Dylan gemeu, resignado.
- Ótimo. Eu manterei contato.
Dylan ficou alguns segundos com o telefone colado ao ouvido depois que Pinky desligou.
Com um suspiro conformado, colocou o receptor no aparelho e se debruçou no balcão da loja. Precisava apenas de ter cuidado e encobrir muito bem suas pegadas. Depois que tivesse pagado a dívida com o ex-parceiro, estaria livre para investir todas as energias no esperado recomeço da sua vida. Ele passou a mão pela nuca e abaixou a cabeça. Não queria mais viver daquela forma.
Queria caminhar de cabeça erguida, sem ter de olhar por cima do ombro o tempo todo. Por alguma razão, pensou em Penélope, e o remorso o sufocou. Um segundo depois, foi surpreendido pelo movimento no topo da escada do porão. Uma descarga de adrenalina cursou pelas suas veias até que ele reconhecesse a bola de pelos correndo em sua direção. Desolado, ele soube que a antiga paranóia havia voltado. O inesperado retorno de Pinky em sua vida despertara a insuportável sensação de que estava sendo perseguido, onde quer que estivesse. Apesar disso, sorriu quando viu Mister Darcy parado diante dele, com a cauda abanando.
- Seja bem-vindo, Bonsai - murmurou, abaixando-se para afagar as orelhas do cãozinho.
Meia hora mais tarde, a campainha tocou. Dylan interrompeu o trabalho no torno de cerâmica e limpou a argila das mãos. Como já previa, encontrou Mark na loja.
Quando se deparara com Mister Dylan, naquela manhã, ele pensara em devolver o cachorro, mas estava tão perturbado com a conversa com Pinky que decidira esperar, sabendo que ele apareceria mais cedo ou mais tarde... De preferência, mais tarde, até que recobrasse o equilíbrio. Ele mantinha os braços cruzados, olhando ao redor da loja. Era óbvio que estava pouco confortável, certamente pelo que acontecera na última vez em que estivera lá.
- Achei que poderia ser você - ele anunciou, carregando o cãozinho para perto do balcão.
- Não entendo como ele saiu! - Mark se desculpou, constrangido. - Eu coloquei uma divisória na porta do porão. Não havia como ele sair pela porta da frente, duvido que tenha fugido pelos fundos e contornado o quarteirão.
- Não sei o que dizer. Talvez ele seja um fantasma. Mark encarou Mister Darcy, como se quisesse ler a resposta daquele mistério nos olhos dele.
- Você não sabe mesmo como ele entra aqui? - insistiu, intrigado.
- Não. - Dylan enfiou as mãos nos bolsos. Não estava com espírito para conversar, e interpretou o tom preocupado como suspeita. - Você sabe?
- É claro que não. Jamais deixaria acontecer se soubesse. Fiz tudo o que pude para mantê-lo na minha loja, exceto amarrá-lo à minha perna. E é isso que vou fazer de agora em diante.
- Acho que vai funcionar. Mas eu vou sentir saudade desse rapazinho.
O cachorrinho abanou o rabo, como se soubesse que falavam dele.
- Bem, se você sentir saudade, basta atravessar a rua para vê-lo. - Mark franziu o cenho.
- Será que é por isso que ele sempre vem para cá? Será que ele percebe que você é solitário?
- Você acha que esse cãozinho é tão perceptivo assim? - Dylan retrucou com azedume.
- Talvez eu seja perceptivo. E queria que você soubesse... Ah... Se você tiver algum tipo de problema, ou precisar de ajuda... Ele estreitou os olhos.
- Estou sendo acusado de alguma coisa?
- Oh, não! - Ele forçou um sorriso. - Se você quiser visitá-lo de vez em quando, não há problema. Você não tem de... quero dizer, ele não tem de fugir para cá. Sei como é difícil começar um negócio novo. Pode ser muito solitário. Então, se você...
Dylan se aproximou, e ele esqueceu o que ia dizer.
- Você acha que estou roubando seu cachorro? Ele estava tão indignado que a pergunta soou como afirmação.
- Talvez seja por você querer companhia. Veja bem, não estou julgando. Só não quero confusão. Diga-me como...
Dylan entregou o cachorro para ele tão abruptamente que Mark receou que caísse. Deu-lhe as costas e seguiu para o ateliê.
- Eu não vou roubar seu cachorro, Mark - rosnou por entre os dentes. - Por que diabos eu faria isso, especialmente quando você sabe onde encontrá-lo? De onde tirou essa ideia?
De repente, uma luz se acendeu na mente de Dylan.
- Ah... Entendi! - Ele sorriu com sarcasmo e voltou a se aproximar. A cena toda se descortinou diante dele. Os policiais haviam voltado para contar o que tinham descoberto sobre ele. Descobriram que havia um mau elemento na loja em frente à dela, e mal puderam esperar para contar. Agora, Penélope sabia que ele era um criminoso.
- Eu não sabia que você era tão esnobe - acusou, sustentando o sorriso cínico. - É difícil acreditar que um homem nascido num bairro pobre possa ser uma pessoa decente? Você acha que eu sou ladrão, quando é você quem não consegue manter seu próprio cachorro preso? Claro! É mais cômodo culpar o rapaz sem dinheiro! Homens como eu têm o hábito de roubar, não é?
Ele sabia que a explosão de fúria se devia apenas parcialmente a Mark. O problema real era seu próprio passado.
A ideia de que sua antiga vida pudesse voltar representava mais do que podia suportar. Entre o pedido de Pinky e a crença de Penélope de que ele era ladrão, Dylan percebeu que não tinha como escapar de quem ele era. Não havia como recomeçar a vida.
- Dylan, pare com isso! - Mark pôs a mão no braço dele.
- Eu só queria... Ele o afastou com um repelão e o encarou, silenciando-a com a expressão severa.
Mark, porém, não se deixou intimidar.
- Eu só achei que você gostava dele. Talvez quisesse um pouco de companhia... Mas não importa. Eu estava errado.
- Tem razão. Você estava errado. É muita ousadia vir até aqui para me acusar. Tenho certeza de que, se eu fizer um movimento em falso, você vai chamar a polícia. É impressionante que venha até aqui para me acusar!
Dylan riu com sarcasmo. A expressão serena de Mark o irritou ainda mais.
- Você fez isso por causa do beijo, não é? Está envergonhado por ter me beijado, agora que sabe do meu passado. Está constrangida por ter se rebaixado a ponto de beijar um criminoso.
Mark o encarou com expressão de desafio.
- Não é verdade!
- Como fui idiota por não ter percebido! - Dylan murmurou em voz baixa. - Talvez você esteja com medo do que eu venha a fazer. Então, precisa de um pretexto para chamar a polícia cada vez que eu atravessar a rua.
Ao proferir as últimas palavras, Dylan segurou-o pelos ombros e o puxou para perto.
Mark pousou as mãos no peito dele, mas não o empurrou. Dylan não queria assustá-lo. No entanto, sua atitude só servia para que os piores medos dele aflorassem. Mark não merecia aquilo. Mas, se ele estava a ponto de se queimar, fosse pela lei ou por aquele homem, preferia que fosse da forma mais agradável.
Num impulso, enlaçou Mark pela cintura e segurou-o de encontro ao peito.
- Se veio aqui procurar problemas, Mark, você encontrou - murmurou de encontro aos lábios dele.
Mark nunca se sentira tão atraído por alguém em toda a sua vida!
Seu corpo todo derreteu de encontro ao dele. Ele não teve pudor, nem fingiu que aquele beijo era parte do seu plano de arrancar a verdade de Dylan e fazê-lo confessar que encorajara o filhote a ir até lá. Na verdade, arrependia-se por não ter falado nada em defesa dele da mesma forma como Glenn fizera.
Ao pensar nisso, ocorreu a Mark que ele também pretendia descobrir o quanto ele havia revelado ao ex-marido. Teria mencionado que se beijaram?
Era óbvio que não, ou então Glenn estaria furioso.
Mesmo separados, era ciumento e possessivo a ponto de esquecer que não havia mais nada entre eles. Não sabia nada sobre Dylan Mersey, nem o que se passara entre ele e Glenn, tampouco se estava envolvido com o desaparecimento de Mister Dylan.
Contudo, em vez de se preocupar com tudo isso, ele correspondeu ao beijo com uma paixão avassaladora. Sabia que não podia se aproximar daquele homem. Ao mesmo tempo, queria se perder naquele abraço e ser transportada para outro mundo.
O beijo se aprofundou, consumindo-a, e as mãos de Mark passaram a agir como se tivessem vida própria. Ele puxou a camiseta de dentro do cós da calça e pousou as palmas na pele quente.
Seu corpo todo respondeu ao contato sensual como se fosse uma fina corda de um instrumento afinado na mesma sintonia.
Dylan o puxou de encontro à ereção massiva, e ele se apoiou contra a velha caixa registradora.
A gaveta se abriu quando Mark apoiou-se para não perder o equilíbrio. Mãos exigentes se moviam pelas suas costas enquanto os beijos atingiram um novo nível de exploração. Mark passou as pernas pelo quadril estreito e sentiu a rigidez sob a calça jeans.
Moveu os quadris, roçando o membro rígido. Dylan deslizou as mãos da cintura para o busto benfeito, moldando os mamilos pequenos com as palmas das mãos. Mark reclinou a cabeça com um gemido gutural quando os dedos dele se insinuaram sob sua blusa, procurando os mamilos intumescidos. Ansiava por ser tocado,
por despir Dylan e sentir o calor da pele nua. Os lábios cálidos e úmidos percorreram-lhe o pescoço, enviando ondas de prazer por todos os feixes nervosos. De súbito, percebeu que havia anoitecido, e as luzes da rua estavam acesas.
Qualquer um que passasse pela calçada poderia vê-los através da vitrine.
- Dylan... Ele se lembrou de respirar, e inalou o cheiro do xampu se confundindo com o aroma másculo que emanava da pele bronzeada. Passou a mãos pelos cabelos sedosos e os puxou com delicadeza, forçando Dylan a fitá-lo. Ele o encarou com expressão confusa.
Mark anteviu o brilho da frustração, como se ele esperasse ser rejeitado.
- Apague a luz... Ele quase riu do alívio no rosto de Dylan. Acompanhou o brilho que irradiava dos olhos sensuais até que a escuridão recaiu sobre eles.
Ouviu Mister Darcy na sala dos fundos, arranhando o chão como fazia quando perseguia algum inseto. Quando seus olhos se ajustaram à escuridão, deparou com o rosto de Dylan.
Nenhum dos dois disse nada, e Mark soube que ele estava esperando que tomasse uma decisão. Estendeu o braço e tocou-lhe a gola da camiseta. Com gentileza, puxou-o para perto dele.
Dylan não opôs resistência, embora não retomasse o que haviam iniciado. Permaneceu imóvel enquanto Mark acariciava seu peito e subia as mãos para o pescoço. Os dedos encontraram a maciez dos cabelos, até tatearem o queixo angular, áspero pela barba por fazer.
Ele respondeu gentilmente, encontrando os lábios receptivos.
As mãos subiram pelos braços delgados até encontrarem os cabelos, ao mesmo tempo que o beijo se aprofundava com volúpia. Dylan só interrompeu o contato para suspendê-lo e fazer com que se deitasse sobre o balcão. Despiu a camiseta, voltando a procurar os lábios úmidos como se não pudesse respirar longe deles. Com sofreguidão, suspendeu a blusa dee pelos ombros, sequioso por sugar os mamilos rígidos. Porém, refreando a própria urgência, acariciou as curvas suaves, admirando o busto benfeito como se pudesse devorá-lo com os olhos.
Com torturante lentidão, abriu o zíper da calça de Mark e deslizou-a pelas pernas longas, repetindo o mesmo gesto com a cueca. Então afastou-se para admirar o perfeito pênis que escondia a fonte do prazer. A pele alva se arrepiou quando ele correu as costas das mãos pelas pernas até encontrar a maciez úmida da masculinidade, pronto para ele.
Num gesto ousado, Mark entreabriu as pernas, oferecendo-se sem reservas.
Resistindo ao impulso de penetrá-lo, Dylan tomou-a pelos tornozelos e posicionou-os sobre os ombros.
Quando Mark sentiu a calidez da língua experiente em sua intimidade, não conteve um gemido abafado. Com movimentos ritmados, ele explorou seus recantos mais secretos. Mark o agarrou pelos cabelos quando ele encontrou o ponto mais sensível de seu corpo, e Dylan o acariciou até que um gozo explosivo o fizesse gritar.
Com o pênis ainda pulsando de prazer, ele sentiu o membro rígido penetrá-lo com uma investida profunda, e arqueou a coluna para facilitar o contato. Mark sentiu uma vertigem quando seu ânus se contraiu num espasmo que o levou ao céu.
Seu corpo todo estremeceu, enquanto acompanhava o ritmo que Dylan impunha, numa dança primitiva e sensual. No momento seguinte, sentiu-o se retesar e inundá-lo com seu prazer. Embalados pelo ritmo da respiração arfante, os dois ficaram em silêncio até que ele se afastou e passou as mãos pelos cabelos.
- Mark, eu sinto muito! - desculpou-se, procurando pelas roupas espalhadas pelo chão. A reação o confundiu.
- Pelo quê? - perguntou, sem conseguir se mover. O rosto dele na penumbra revelava os ângulos marcantes e o brilho profundo dos olhos. O olhar parecia percorrer seu corpo, observando as marcas que ele próprio havia deixado. Dylan vestiu-se com gestos rápidos e Mark se sentou, ainda mais confuso por ele se recusar a fitá-lo.
- Dylan... Por que você se desculpou?
- Eu não planejei que isso acontecesse. - Finalmente ele o encarou, mas apenas o tempo suficiente para entregar-lhe a roupa.
- Talvez você fique melhor com seu ex-marido.
Ele se vestiu em silêncio. Queria explicar que não se importava com o passado dele, mas havia algo no comportamento de Dylan que o impediu. Afinal, estava sugerindo que ele ficasse com Glenn sem perguntar o que havia entre eles.
Podia sentir desejo de Dylan como uma mão invisível em suas costas, impedindo-o de chegar à porta.
- Ele é meu ex-marido - foi tudo que conseguiu dizer antes de sair. Explicaria mais tarde, disse para si. Voltaria a procurar Dylan depois que o humor dele tivesse voltado ao normal, quando pudesse olhar naqueles olhos novamente e dizer que não havia nada entre ela e Glenn.
Diria a ele que... Mark suspirou. Seria capaz de dizer o que realmente queria? Assumiria o relacionamento com um ex-detento que se tornara um artista? O mais curioso era que ele não parecia ser do tipo que costumava ter sexo casual.
Parecia ser um homem que se arrependera do que havia feito. A pergunta era, por quê?
- O que há com você? Será que pode ir um pouco mais devagar? - As palavras escaparam com a respiração pesada de Glenn enquanto subiam a colina.
- Cristo, está tentando se matar, ou me matar? Com a adrenalina correndo em suas veias,
Dylan olhou para os pés e tentou se focalizar. Nada o faria parar. E tudo por causa de Mark.
- Quero forçar o ritmo para exercitar os músculos - respondeu com a respiração entrecortada.
- Não pratico exercício há alguns dias. Vamos correr mais dez quilômetros.
- Quero um pouco do que você está tomando, parceiro. Nunca o vi com tanta disposição.
Dylan reprimiu a risada. De uma coisa estava certo: forçaria seu corpo e sua mente a esquecer Mark de uma vez por todas. Era por isso que precisava correr, e se manteria correndo até que conseguisse se afastar o bastante das lembranças da noite anterior.
Mark narrando...
***
Mark bateu na porta dos fundos da clínica veterinária e espiou pela janela. Avistou o auxiliar de Megan limpando as gaiolas, mas não havia sinal da amiga.
Abriu a porta e entrou.
- Olá, Grant. Onde está Megan? - No consultório. - O rapaz apontou para a sala da frente. Ele assentiu e foi até lá.
- Posso entrar? - perguntou, abrindo a porta.
- Oh, é você, Mark? - Megan desviou a atenção da tela do computador. - É claro que pode. Ainda bem que não é Grant com outro problema no canil. Temos mais cachorros do que vagas.
- Isso é sinal de que a clínica está indo bem.
- É verdade. Eu não tenho do que reclamar. E você? O que está fazendo aqui? Lucy ficou na loja?
- Sim, graças a Deus. - Mark sentou-se diante da mesa e suspirou. - Tem dias que eu gostaria de ter um trabalho onde não precisasse ver outro ser humano. Certas pessoas têm prazer em nos aborrecer.
Ele balançou a cabeça e fixou o olhar para as marcas de tinta no polegar, resultado da tentativa frustrada de tirar uma caneta da boca de Mister Darcy.
- O que houve? Há alguma coisa errada? - Megan perguntou, preocupada. - Você parece tenso. E não é comum deixar a loja nessa hora do dia, embora devesse fazer isso mais vezes.
- É que eu... - Ele suspirou e abaixou os olhos.
- Não deveria incomodá-lo com isso. Você já é muito ocupada.
- Não seja tolo. Eu estava precisando de uma pausa.
Megan sorriu e a encarou, esperando que falasse.
- Acho que cometi o maior erro da minha vida - ele finalmente desabafou, à beira das lágrimas.
- Por quê? O que você fez?
- Na verdade, não foi um erro - Mark continuou com a voz se elevando uma oitava acima da habitual.
- Foi inevitável. Na hora, parecia ser a coisa mais certa que já fiz. Mais foi insensato e impulsivo. Eu jamais teria planejado. - Mark balançou a cabeça com veemência. - Como fui estúpido! Eu sempre quis tanto ter um Homem que quisese um filho! Depois do meu divórcio, estou tentando construir meu futuro com a firme convicção de que jamais serei Pai. Tudo que tenho pensado é em retomar a relação com Glenn, e para que nosso casamento dê certo, decidi me conformar com o que ele quer. Então, isso aconteceu, e... se...
- Espere um pouco, Mar! - Megan interrompeu a torrente de palavras. - Comece do princípio. Você dormiu com Glenn? Achei que planejasse ir mais devagar. Não estou julgando, porque todas nós sabemos que...
- Não foi com Glenn - Mark murmurou num fio de voz. - Foi com Dylan.
Por um segundo, Megan demonstrou não registrar o nome. Então arregalou os olhos, boquiaberta.
- Dylan Mersey? Você dormiu com... - Ela abriu ainda mais os olhos quando Mark assentiu lentamente.
- Eu nem sabia que vocês dois se conheciam! Claro, a loja dele é do outro lado da rua, mas... Há quanto tempo estão se vendo? Como eu não fiquei sabendo de nada?
- Nós não estamos namorando. Na verdade, estávamos brigando por causa de Mister Darcy, que vive aparecendo na loja dele. Ele chama o filhote de Bonsai, o que me irrita muito, e ele adora me irritar e me atormentar. Acho que faz isso para me provocar. Mas um dia, ele me beijou... ou fui eu que o beijei, não tenho certeza... - Mark fez um gesto vago com a mão. - Bem, nós dois nos beijávamos, e ontem...
- Ontem você dormiu com ele - Megan completou.
- Eu não tinha planejado nada! Fui procurar Mister Darcy e... aconteceu. Foi a experiência mais incrível que já tive. Acho que estou apaixonado...
Megan aparentou estar momentaneamente congelada.
- Você está chocada, não é? - observou Mark. - Admito que também estou. - Riu com nervosismo.
- Não. Quero dizer, sim... Tenho tantas perguntas que não sei por onde começar... Em primeiro lugar, você estava bêbado?
- Graças a Deus, não.
- Bem, - A preocupação era evidente no rosto de Megan. - Mark, é claro que você sabe, mas vou dizer mesmo assim: sexo não é amor. Na verdade, há quem diga que duas pessoas que não têm a menor chance de se relacionarem são as que têm o melhor sexo. É uma forma de ficar desinibida.
- Não foi assim, Megan. Foi... diferente. Especial.
- Mark, eu não acho que Dylan seja o seu tipo. Quero dizer, ele é um homem bom, mas...
- Mas, o quê? - Mark insistiu, preocupado. - Você sabe de alguma coisa que não quer me contar?
- É claro que não! - O rosto de Megan traduzia a mais pura inocência. - Você já sabe que ele cumpriu pena. Portanto, não é segredo que ele tem um lado obscuro.
- Eu também, assim como todos nós.
- Mark, você é maravilhoso, inteligente, gentil... mas Dylan parece ser um homem endurecido pela vida. É impossível saber o que ele está pensando. Ele parece ter construído uma barreira que ninguém pode ultrapassar.
O olhar de Mark recaiu sobre as mãos. Megan estava certa. Tudo o que ela dizia confirmava sua própria opinião acerca de Dylan. Mas ele também percebia a tristeza e o desamparo nos olhos dele, e uma vulnerabilidade que ninguém mais podia ver.
- Sei o que você quer dizer. No entanto... - Mark fez uma pausa, lembrando-se da forma como ele o fitara na noite anterior, antes de apagar as luzes. - A noite passada foi incrível. Nunca me senti tão conectado a alguém. Estávamos tão próximos que parecíamos um só, e não apenas fisicamente.
Megan ficou em silêncio por alguns instantes.
- Por que você nunca escolhe o caminho mais fácil?
- É irresistível - Mark comentou, e ambos suspiraram.
- Se foi tão maravilhoso, por que está preocupado?
Uma onda de calor subiu ao rosto de Mark, e ele desviou os olhos.
- Porque, depois que fizemos amor, ele voltou a se isolar por trás daquela muralha em que se esconde.
E era exatamente naquele ponto que sua impressão sobre a vulnerabilidade de Dylan se tornava frágil...
continua...