-Eu disse que vocês iam voltar! -Disse a avó dele quando nos viu entrar pela porta da frente de mãos dadas. - Você me deve minha grana da aposta! -
Ele foi até ela, tirou cinqüenta reais da bolsa e à entregou.
-Toma… - Disse ele revirando os olhos.
-Merci. - Disse ela pegando o dinheiro e colocando no sutiã.
-Vocês fizeram uma aposta? Sério? - Disse me jogando em uma das poltronas.
-Claro, ele estava todo irritadinho pela casa: “Eu NUNCA vou voltar com o Caio! NUNCA!” - Ela imita ele muito bem. - Então eu disse: “Então eu aposto cinquentinha que não vai demorar um mês pra vocês voltarem!” e como você pode ver, ganhei essa porra! -Disse ela rindo, pegando o dinheiro do sutiã e balançando.
Ele foi até a cozinha e voltou com a boca toda suja de danoninho, pior que criança.
-Tô com fome! - Disse eu depois dele se sentar em meu colo.
-Você sempre está.
-Vou ver o que tem pra comer! -Disse indo pra cozinha.
Eu estava praticamente enfiado dentro da geladeira procurando algo pra comer, quando do nada sinto ele me sarrar por trás.
-Toma safado! - Disse ele rindo. - Tá tentando entrar dentro da geladeira?
-Tô. - Disse eu comendo um pedaço de bolo que achei nela.
-Meu Deus! - Disse ele assustado me assistindo comer o bolo.
-Qual foi?
- Esse é o bolo da minha mãe, ela está de dieta, tá guardando esse bolo há dois dias, contando as horas pra comer! Tá fu-di-do! -Disse ele rindo.
-Eu faço outra pra ela, suave… - Disse dando os ombros e voltando a comer o bolo.
-Só que ela não fez, ela comprou! E pediu tudo extra, cobertura, calda, recheio…
-E tá uma delícia mesmo, prova só! - Disse oferecendo à ele.
-No, thanks. Não quero que ela fareje o cheiro do bolo em mim! - Disse ele pegando um pacote de Doritos no armário e comendo.
-Ihh, alguém está comendo o bolo da bruxa! - Disse a avó dele vindo acender seu cigarro no fogão. - Algum dos dois delinquentes pegou meu isqueiro?
-Claro que não. - Respondi com a boca cheia de bolo.
-Guarda as facas, porque de hoje esse menino não passa! Quando a sua mãe ver que ele comeu o bolo dela, acabou. Vai ficar viúvo! Sinto muito… - Disse ela passando a mão no rosto dele.
-Ela não vai matar ele, espero que não… - Disse ele.
O pai dele entrou na cozinha e arregalou os olhos quando me viu comendo bolo.
-Vocês avisaram à ele? - Perguntou meu sogro.
-Avisamos, mas ele não ligou! - Disse o Ricardo.
-Uó. - Disse sua avó.
Terminei de comer o bolo e ficamos todos na cozinha, ouvindo uma história da avó dele sobre sua viagem pra Tailândia.
Minha sogra entrou na cozinha e todos ficamos em silêncio. Meu sogro e a avó do Ricardo saíram de fininho da cozinha.
Ela foi até a geladeira, ficou uns minutos procurando algo, depois de muito procurar, ela se vira com uma.expressão de raiva absoluta.
-Cadê o bolo que eu deixei escondido aqui na geladeira? - Perguntou ela batendo a porta da geladeira.
-Ricardo comeu! - Disse eu desesperado apontando pra ele.
-VOCÊ O QUE?! - Questionou ela o encarando. Eu saí correndo da cozinha, subi as escadas e me escondi debaixo da cama dele.
Algumas semanas depois eu comecei a notar que a Kendra e o Ricardo não estavam se falando, eu não queria falar sobre isso com nenhum dos dois lados pra não me meter nessa treta que era entre eles, mas mesmo assim me partia o coração ver os dois daquela forma, eles são melhores amigos e se amam muito, estão sempre lá um pelo outro, partilhando coisas que nem eu sei sobre. Eu podia ver a tristeza e o arrependimento nos olhos dos dois, e sempre que um era mencionado perto do outro, ficava aquele silêncio constragedor, sabe?
Eles nem se olhavam nos olhos quando se encontravam.
Em uma noite eu acordei no meio da madrugada, olhei pro lado e não vi o Ricardo ao meu lado, procurei ele pelo quarto, pelo resto da casa e não o encontrei. Pelo vidro da porta que leva até o jardim dos fundos da sua casa, eu vi ele sentado perto da piscina, olhando o próprio reflexo e acompanhado do seu cachorro. Abri a porta de correr e fui até ele, a brisa gelada da noite me fez arrepiar, quando me aproximei percebi que ele estava chorando.
Me sentei ao seu lado e o abracei, ele afundou o rosto em meu peito e continuou chorando, eu tentava acalmá-lo com um cafuné.
Ele me olhou com aqueles olhos brilhando.
-Obrigado, amor. - Disse ele.
-Acho que você deve ligar pra ela. - Disse eu.
-Você tem razão. - Disse ele dando um pequeno sorriso.
Subimos de volta pro quarto e ele pegou o telefone.
-Mas está tão tarde… Foda-se! - Disse ele clicando no botão de chamada. - Amiga. Desculpa, eu não devia ter agido daquela forma com você… Sim...Me desculpa? Ahh! Eu também te amo amiga, você é uma das melhores coisas que já aconteceu na minha vida! Eu estava com problemas internos, ainda estou na verdade, que eu não consigo resolver… Eu não devia ter descontado tudo aquilo em você. Eu sei… Você está certa! Te amo, piranha! Ok, amanhã nós conversamos melhor, temos que dormir. Beijo, tchau.
Ele desligou, se jogou na cama com um enorme sorriso no rosto
Virou de lado e se cobriu. Me deu um selinho e fechou os olhos.
No dia seguinte, nós mal chegamos a academia e a Kendra já puxou o Ricardo e foram conversar num canto, vi eles darem um abraço apertado e fui em direção ao tatame da sala que eu daria aula.
-Ei, Kendra e eu vamos dar uma festa lá em casa! -Disse Ricardo entrando na sala sendo seguido pela Kendra.
-Vai ser o rolê que todos do Rio de Janeiro vão querer ir! Temos que pedir a sua avó pra agilizar as bebidas, ela tem bons contatos! - Disse Kendra.
-Verdade…
-Ahh legal! - Disse eu enquanto olhava o plano de aula.
-Ahh vamos embora, o Caio é um morto! - Disse Kendra revirando os olhos e saindo da sala.
-Tchau, desanimado! -Disse Ricardo me mandando um beijo e indo em direção à porta.
-Traz essa bunda até aqui que eu vou ficar animado rapidinho! -Disse eu segurando meu pau por cima da calça.
-Você poder ter ela quando quiser… - Disse ele dando aquele sorriso safado.
-Porque você não fecha a porta… e… apaga as luzes, sei lá… - Eu caminhava lentamente até ele.
-Volte ao trabalho, garoto! - Disse ele rindo e indo em direção à porta! - Podemos continuar essa conversa mais tarde, ok?
-Ok… - Disse eu piscando o olho pra ele.
Na hora do almoço eles conversavam animadamente sobre os preparativos da tal festa.
-Eu vou chamar aquele meu amigo DJ, o Nick, ele é o dj mais quente da cidade! Em todos os sentidos… -Disse o Ricardo sorrindo e se abanando.
- Piranha! - Disse Kendra rindo.
-Qual foi Ricardo? - Disse eu alterando o tom de voz, acho até que falei alto.
Ele riu e abraçou meu braço.
-Tô zoando amor, você é o homem mais quente que eu já vi, tanto que namoro contigo.
-Acho bom! - Disse eu sério.
-Só não é mais quente que o Frank Ocean… - Sussurrou ele e depois colocou uma colherada de iogurte na boca.
Quando chegamos em casa já encontramos sua avó animada pra organizar a festa ao seu estilo selvagem.
-Pega leve, querida… Seus amigos são loucos demais pra estarem numa festa com pessoas normais! - Disse Ricardo.
-Seus amiguinhos “aborrecentes” é que são muito caretas pra andar com o meu pessoal! - Disse ela mexendo em seu celular. - Mas eu vou chamar meus amigos SIM! - Disse ela batendo o pé.
-Você pode chamar, vó! Só peça pra eles se comportarem! - Disse Ricardo revirando os olhos. - Alguns deles são estrangeiros, é difícil se comunicar com eles quando eles falam outra língua.
-Eu já viajei por todo o mundo, conheci muita gente! Na sua idade já tinha mais carimbos no meu passaporte que a Glória Maria tem no dela! - Disse ela dando um sorriso vitorioso.
-Mande eles se comportarem! E a senhora se comporte também… - Disse ele.
-Não fode. - Disse ela indo fumar na varanda. - Eu prometo que todos nós vamos nos comportar!
-Eu vou confiar em ti dessa vez… - Disse ele.
-Valeu nenê! - Disse ela dando um beijo em sua bochecha. - Mas agora eu preciso ir me arrumar, vai ter uma festa hoje e lá eu vou reencontrar uns amigos que eu conheci no festival de Woodstock! Prevejo que vou ficar mucho loca! - Ela foi subindo as escadas dançando. - Ahh! Avise ao seu pai pra chamar alguém que possa desentupir a pia do meu banheiro, odeio ter que usar o mesmo banheiro que o resto de vocês… PORCOS! - Gritou ela quando chegou ao último degrau da escada, e depois entrou no corredor do segundo andar.
-Ela ficou tanto tempo longe, viajando por aí, que eu quase me esqueci o quanto ela pode dar “dor de cabeça” quando esta por perto! - Disse o Ricardo esfregando os olhos.
-Eu queria que minha avó fosse assim, minha avó é tão tradicional, ela ainda torce o nariz por eu ser gay…
-A minha foi ao contrário, ela foi a primeira pessoa que eu contei sobre minha sexualidade. No mesmo dia ela me obrigou a me arrumar e me arrastou pra uma boate LGBTQ+... Foi uma das melhores noites da minha vida. Até sermos expulsos por ela arremeçar uma garrafa de cerveja no DJ por não ter tocado a música que ela pediu. - Disse ele segurando o riso.
-Que loucura!
-Sim, naquela noite ela me obrigou a beijar um menino. Eu estava tímido e ele era LINDO demais, aquela pele brilhante cor de chocolate, e aquele sorriso lindo! Ahh… - Disse ele sorrindo e olhando pro nada. - Minha avó foi crucial pra eu ganhar autoconfiança, sou grato à ela eternamente por isso.
-Por ter te convencido a beijar o garoto? - Perguntei sentindo uma ponta de ciúmes.
-Também… - Disse ele rindo e se sentando em meu colo. - Mas só teve um beijo que me fez apaixonar. Sabe qual foi? - Perguntou ele beijando meu pescoço, senti um arrepio percorrer todo o meu corpo.
-Qual? - Eu olhava no fundo dos seus olhos.
-Esse! - Disse ele pegando seu cachorro no colo e o deixando lamber seu nariz.
-Ahh, você jura? - Perguntei eu rindo e o apertando em meus braços.
No dia seguinte pela manhã eu já estava cheio de energia, mas como sempre eu acordei antes do Ricardo. Então decidi ir fazer o café e outras coisas, cheguei na cozinha e todos os outros já estavam acordados.
-Bom dia meu lindo. - Disse minha sogra me dando um beijo na bochecha. Me sentei com eles à mesa e me servi do café da manhã.
-Já contei do sonho que eu tive? - Perguntou Vó Tasha. - Sonhei que eu tinha um leão, e mandava ele comer as pessoas. Adorei o sonho!
- Eu amo vocês. - Disse eu olhando aquela família que eu ganhei meio que por “acidente”. Acabei falando sem querer, talvez um pouco alto demais, mas era algo que eu precisava dizer e naquele momento saiu tão espontaneamente que eu nem percebi que tinha dito aquilo.
- Nós também te amamos, garoto branco. - Disse Vó Tasha passando a mão macia em meu rosto e apertando minha bochecha.
-Eu acho que eu nunca disse isso, mas obrigado por terem me recebido de braços abertos nessa família, vocês são incríveis e eu me sinto muito melhor aqui do que com a minha própria família. Vocês são a família que eu escolhi, ou que me escolheu, sei lá… Só sei que eu amo vocês, e sou grato demais. - Disse eu com um sorriso de orelha á orelha.
-Ahh, esse garoto vai me fazer chorar! - Disse minha sogra abanando os olhos. Ela me apertou em seus braços e beijou minha cabeça. - Você caiu de paraquedas nessa família, e tornou a vida de todos nós melhor, obrigado por fazer tão bem pro nosso Ricardo e por ser como um filho carinhoso e doce pra mim. - Disse ela ainda me apertando em seus braços.
-Eu te conheço desde que você era um pré adolescente magrelo e desajeitado, entrou lá na academia de lutas procurando um lugar pra se encaixar, e hoje você é um dos melhores professores que temos, além de ser como um filho pra mim, nós passamos por muita coisa juntos, Caio. E hoje eu sou o cara mais orgulhoso do mundo quando eu vejo o que você se tornou, e o que você ainda vai se tornar. - Disse meu sogro. Que também é meu chefe, meu professor de luta e meu 2° pai.
-Eu quero é uma dose de alguma coisa… - Disse Vó Tasha indo em direção ao armário de bebidas.
Eu subi as escadas pulando e fui acordar o Ricardo.
Entrei no quarto e ele estava todo arreganhado na cama, subi em cima dele e comecei a beijar seu rosto inteiro.
-SAI CARALHO! - Gritou ele.
-Acorda monstro! -Disse eu dando um selinho nele.
Ele ficava parado e tentava dormir, eu sentado em cima dele o apertava em meus braços e cantava pra ele, que não estava gostando muito.
-EU VOU TE DAR UM TIRO! - Gritou ele.
Ele tentava me acertar uns socos, mas eu desviava.
-Olha a violência, mozão. - Disse eu rindo dele.
-ME DEIXA DORMIR! PORRA! - Gritou ele me mordendo.
- Ahh! Não me morde! Vou ficar com tesão! - Disse eu. - E você não vai querer fazer nada em relação a isso por ter acabado de acordar, te conheço…
-E você ainda nem escovou os dentes, Caio. Não tem nem como eu ficar com tesão com esse teu bafão! - Disse ele rindo, eu o ataquei com cosquinhas até ele quase ficar sem ar, ele odeia cosquinhas.
Depois de perturbar ele até o ponto dele querer me matar, eu saí correndo do quarto e fui me refugiar no quintal, onde a Vó Tasha tomava seu banho de sol perto da piscina.
-Você tem sorte… - Disse ela olhando pras pequenas ondas que se formavam na piscina enquanto ela batia o pé na água.
-Porquê?
-Porque aquele garotinho ali, te ama de verdade. - Disse ela apontando pra janela do quarto do Ricardo.
-Eu sei… - Disse sorrindo como um bobo.
-Ele te ama, dá pra ver nos olhos dele. Ele rodaria o mundo ao seu lado, e eu rodei o mundo procurando alguém que nunca encontrei… - Disse ela dando um leve sorriso.
-Ainda pode encontrar. - Disse eu dando um abraço de lado nela.
-Não meu filho, eu já não sou mais uma garotinha, já não me sobra muito tempo também… Por isso quero passar meus últimos anos vivendo ao máximo, quero deixar uma lembrança feliz pra todos.
-Você sempre vai ser uma lembrança feliz, mas não fala bobagem… Você ainda tem muitas eras pela frente. - Disse olhando pro céu.
-Espero que sim, criança.
-Você podia me contar sua história, né? Você viveu muita coisa! - Disse eu a encarando.
-Quem sabe um dia… - Disse ela.
Continua...
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