- Diego, calma! Amigo... calma! Olha, escute! – Um amigo do Diego tentou acalmar a fera.
- Não! Eu vou matar essa vagabunda, traidora, piranha...
- Diegô... ei! Daqui a pouco chega o SAMU juntamente com a polícia. É melhor a gente te levar daqui, viado, e agora. – Disse o amigo. Os outros amigos ficaram tentando acalmá-lo e convencer a fugir.
- Não me importo de ir preso. Eu quero matar ela.
Um amigo do Diego chegou com o amante de carro, meteram Diego dentro e saíram de disparada em sentido contrário à cidade. Desligaram o celular do Diego. Seguiram pra cidade seguinte.
Na outra cidade pegaram um táxi e levaram Diego pra casa de um casal de amigos que moram na vida da antiga cidade onde o Diego morava [o gay e o órfão]. Como lá não havia remédios, deram chá de folhas de maracujá, suco do maracujá e chá de camomila. Isso não resolve nada, é puro mito; só passando o tempo Diego acalmou-se mais e a ficha caiu.
Diego recolheu-se no sofá, colocou os pés em cima, abraçou as pernas, colocou a cara entre elas e pôs-se a chorar de decepção, lembrando da sacanagem que o “namorado” e a amiga fizeram. Sentou amigo do lado, do outro, ajoelhou-se outro na frente, pra consolá-lo.
- Ô meu deus, o que a gente faz? – Perguntou um deles.
- É melhor a gente tentar falar com a mãe para conseguir medicamentos e roupa pra ele ficar aqui por alguns dias.
- Roupa ele pode usar de algum de nós que tem o mesmo corpo, mas remédios serão necessários. – Disse o outro.
- Diego, me diz o telefone da sua mãe, amigo, pra gente falar com ela e pedir remédios e roupa pra esconder você aqui por algum tempo.
Diego resistiu um pouco mas ele tinha consciência que precisaria dos medicamentos, não muito pelos surtos, mas pelas “visões” perturbadoras e aterrorizantes que ele tinha.
Diego deu o número e o amigo ligou:
- Dona Silvia, eu gostaria de pegar uns remédios e uma roupa pra Diego porque...
Ela nem deixou completar e começou falar alguma coisa. O amigo do Diego falou:
- A ligação está cortando, deixa eu procurar sinal. – E ele foi para o lado de fora. Diego sabia que era algum problema, mas ele não teve reação, de tão cabisbaixo que estava.
Quando entrou, o amigo falou:
- A mãe do Diego está vindo. Ela já sabe de tudo o que aconteceu.
Diego surtou com o amigo:
- Você também é traíra. Por que disse pra minha mãe onde estou? Todos vocês devem ser traidores.
O amigo respondeu:
- Diego, não me ofenda desse jeito. De alguma forma sua mãe nos localizou. Não tive como negar.
- Preciso ir embora. Preciso fugir.
Os amigos o agarraram.
- Amigo... calma...! Nessas horas, a melhor ajuda é da mãe.
Aos poucos, acalmaram Diego.
Já ia dar 9 da noite quando ligaram para o celular do amigo do Diego. E ele saiu pra encontrar a mãe no local em que ela disse que estava.
Entraram o amigo, ela e Beto. Diego correu e abraçou a mãe, chorando:
- Mãe... mãe... a senhora tinha toda razão. Eu não deveria me misturar com ele, eu não devia nem ser gay. Não quero ter sentimentos nunca mais, por ninguém.
- Meu amor, calma! A mamãe está aqui. – Disse ela acariciando o cabelo do Diego. – Olha, aconteça o que acontecer, a mamãe vai estar sempre do seu lado, te protegendo, buscando sempre o que é melhor pra você, tá?
- Ei! Olha pra mim. – Pediu o Beto. – Isso não aconteceu porque você é gay. Traição, safadeza e desrespeito, acontece em qualquer tipo de relacionamento.
Diego percebeu a mãe disfarçadamente metendo a mão no bolso do blazer.
- Você não vai me dar injeção. – Gritou Diego, abriu a porta e foi pego pelas costas, pelo Beto, levando-o de volta pra dentro. Foi chamada atenção do povo que estava no bar, inclusive lá estava o careca que havia tido um rápido relacionamento com o Diego, e ele ficou alerta com o movimento.
Diego gritava e esperneava e Beto não estava conseguindo segurar seus braços e pernas.
- Ajudem aqui, por favor. – Pediu a mãe do Diego.
O amigo Wesley [o órfão] o segurou pelas pernas e outro amigo, os braços. A mãe espetou Diego.
- Pronto, meu amor. É só pra você se acalmar e ficar bem. – Disse sua mãe.
Beto o soltou e Diego saiu correndo porta afora. Os curiosos estavam de guarda. Diego imbecil, sabe que, quanto maior a pressão sanguínea, mais rápido o efeito do medicamento.
Diego já estava sentindo falta das pernas, e foi pego por Wesley.
- Parceiro, não fica com raiva do seu “mano” aqui. Eu não sabia o que fazer. – Pediu ele.
- Tudo bem! Eu entendo. – Respondeu Diego.
Beto o segurou e ele já estava todo mole.
- Amigão, quando você acordar, não me odeie por ter te segurado. É o melhor pra você. – Disse Beto.
- Beto, eles vão me matar. Não deixe, por favor.
- Ninguém vai te matar, amigão. Pra isso eu estou aqui, e sua mãe também.
Beto levantou Diego e levou-o nos braços. Diego ainda teve tempo de ouvir o órfão dizer: - “Cara, estou me arrepiando todo”; e Beto responder: - “Imagine a primeira vez que vi ele surtar. Mas já me acostumei”. - Olhando o mundo de cabeça pra baixo, Diego viu tudo virando apenas vulto, e adormeceu.
Diego acordou na cama de um centro de reclusão, sentindo-se fraco, com amarras improvisadas nas as mãos e nos pés. Olhou para um lado e para o outro e contou 5 pessoas no mesmo quarto; estavam dormindo e também com os pés e mãos amarrados. E começou chamar por socorro.
Entrou uma enfermeira dócil.
- Você está bem?
- Com fome e com sede. Que dia é hoje e que horas são?
- Quarta-feira e já vai dar 7 da noite.
- Isso é um centro de reclusão?
- Olha, acalme-se! Imagine que é um local criado pra te ajudar. Só um minuto que vou chamar o médico.
O médico chegou, muito educado e amigável. Conferiu Diego por completo, só faltou conferir o cu.
- Olha, a enfermeira vai te dar algo pra comer e não vou deixar te dar medicamentos porque tem alguém que disse que quer falar com você assim que você acordasse. E acho bom também ficar um pouco em si, chega de medicamentos por hoje, que tal? – Disse o médico dando um leve riso e uma piscada pra Diego.
- Fique calmo e qualquer coisa chame. Vou mandar trazerem comida e água. – Disse a enfermeira.
Quase uma hora depois chega a mãe, Beto e o delegado que eles conhecem, e ficaram ao lado da cama.
Diego olhou os 3 com ar de desprezo. A mãe deu um beijo na testa do Diego, ele fechou a cara e virou para o outro lado.
- E aí, amigão, podemos conversar?
- Não.
- Olha, colabore comigo, que sou seu parceirão, pra que tudo se acerte e fique bem. Que tal!
- Não tenho nada pra falar.
- Vamos fazer assim, vou pedir que sua mãe e o Alberto saia um pouco e voltem depois. Assim ficamos mais à vontade.
E o delegado pediu que saíssem.
- Agora, que tal compartilhar toda história comigo, a começar pelo que te levou a “tentar” matar o rapaz com uma cacetada na cabeça! Eu soube que vocês tinham um relacionamento e que você o flagrou fazendo sexo com sua amiga. Também sei que o rapaz que você atingiu com a faca, foi por acidente, você queria mesmo era furar sua amiga. Mas quero ouvir da sua boca, do começo ao fim.
- Jackson não morreu?
- Não. Teve um problema cerebral mas acordou ontem, só está sem coordenação motora, mas o médico disse que é provisório. Só não fala bem, está falando pouco e embolado. Talvez não poderá falar direito por um longo tempo. Reconhece todo mundo e se lembra de tudo. Isso é um bom sinal! O outro rapaz passou por um processo cirúrgico, mas já está em casa. Agora me conta tudo.
- O Sr. já sabe o motivo. Fui traído e não gostei. Não tem muito o que contar. Eu apenas quis me vingar.
- Existem caminhos a seguir, existe mais de uma opção para cobrar algo sem atingir a vida social e física das pessoas. Você poderia simplesmente abandonar o rapaz e a sua amiga, não tentar matá-los. – E baixinho no ouvido do Diego, ele disse: - ou então ter se vingado ficando com alguém.
Diego olhou para o delegado, ele piscou e riu. Diego deu um leve riso.
- Agora siiiiim! – Disse sorridente, o delegado. E continuou: - Que tal me contar tudo, agora. Hein! Hein! – Ele fez cócegas em Diego. Diego ficou se contorcendo e rindo por causa das cócegas.
- Tá bom! Eu conto, eu conto! Mas para!
- Bom garoto! Assim que gosto. Agora pode começar.
- Certo, mas não precisa fingir que está só escrevendo, eu já sei que o senhor grava as conversas. Eu lembro da vez do problema com o Beto, que o senhor gravou tudo.
O delegado olhou pra Diego.
- Garoto esperto você. – Ele colocou o gravador ao lado do Diego. Diego contou tudo, sem mentir [se bem que é um defeito que Diego praticamente não tem].
Terminando de contar, Diego pediu:
- Delegado, deixa eu ver o Jackson.
- Cara, admiro sua coragem: o autor da tentativa de um crime pedir ao próprio delegado pra visitar a vítima. Não seria pra concluir o que você começou?
- Ao contrário. Quero pedir perdão pra ele.
O delegado ficou meio comovido.
- Olha, deixe-me contar uma pequena história.
Diego ouviu atentamente:
- Sabe, havia um garoto que se chamava Diego [Diego riu] e tinha um temperamento agressivo. Seu pai deu-lhe um saco com pregos e uma tábua, e pediu que cada vez que ele perdesse a calma, deveria pregar um prego nela. No primeiro dia o garoto pregou 15 pregos. Nos dias seguintes ele foi aprendendo a controlar o temperamento e foi reduzindo o número de pregos. O garoto descobriu que era mais fácil ficar calmo do que pregar aqueles pregos. Finalmente, um dia ele aprendeu controlar o nervoso e tornou-se um ótimo rapaz, calmo e tranquilo. O pai percebeu sua mudança e pediu que cada dia de calma, o garoto retirasse um prego da tábua. Quando enfim ele removeu todos os pregos, o pai pegou a tábua, mostrou a ele e disse: “você fez muito bem, meu filho, mas veja só os buracos que ficaram. Essa tábua nunca mais será a mesma. Quando você fala ou faz algo com raiva, você deixa cicatrizes que jamais serão removidas. Não importa quantas vezes você peça desculpas, a ferida continuará lá”.
Diego olhou para o delegado:
- Quer dizer que não vai adiantar eu pedir perdão ao Jackson.
- Não! Vai adiantar sim. O quero dizer é que ele nunca mais esquecerá isso. E também quero dizer que você não faça outros “Jacksons” por aí.
- Então, outros “Jacksons” podem fazer outros “Diegos”?
- Também não, garoto cheio de argumentos, a mesma história vale para os dois. – Disse o delegado balançando seu cabelo [o povo adora sacudir o cabelo do Diego – eh hein!] – Amigão, você não tem permissão pra sair daqui. Espero que você me entenda.
Diego ficou sério e virou o rosto para o outro lado.
- Sei. Estou preso nessa “casa da colina”.
- Casa da colina? Esse centro não está localizado em cima de uma colina.
- É um filme de terror, onde prendiam malucos num manicômio. Então os pacientes mataram os funcionários mas todos acabaram morrendo e virou um hospital mal assombrado.
- Olha, amigão, vira o rosto pra mim.
Diego não virou.
- Isso não é um manicômio. Você não é um maluco. Mas achei interessante. Que tal falarmos sobre filmes? Que tal você me contar um pouco sobre seu gosto por filmes?
Diego ficou calado, com o resto virado para o outro lado.
- Olha, eu não estou fazendo isso porque sou um bicho papão. Eu sou um homem da lei e tenho obrigação de fazê-la ser cumprida. Eu não escolhi te mandar pra cá, suas ações que me fizeram fazer isso.
- Eu pensava que o senhor era meu amigo. Por favor, me deixa sozinho.
- Olha, eu vou, mas preciso voltar pra conversarmos mais, quando você estiver mais calmo. Certo?
Diego ficou calado. O delegado foi saindo.
- Vai me deixar ir mesmo? Não prefere que adiantemos logo uma conversa franca, como bons amigos?
Diego permaneceu calado.
O delegado encostou-se novamente na cama onde estava o Diego.
- Olha, hoje também é minha folga. Quando sua mãe me ligou, eu estava com minha família. Outro delegado quem estava em serviço. Deixei meu lar, minha família, pra tomar seu caso para mim. Se eu tivesse deixado você nas mãos do outro, com certeza ele não ia ser legal com você. Agora vou deixar você sozinho pra refletir se quero te ajudar ou não, mas de um jeito justo. E quero te ajudar a ser um rapaz íntegro. Reflita também sobre sua mãe. Se ela não quisesse seu bem, ela teria deixado você a mercê de qualquer competência da justiça. Até o Alberto, a quem você prejudicou tanto, quer te ver bem, e sendo um rapaz do bem. Só quero que entendas que não posso ir de contra a justiça. Pense nisso.
Diego o ouviu abrindo a porta.
- Ah, e eu dei ordens que não te dessem injeções, apenas seus medicamentos comuns. Mas faça por merecer. Seja comportado, assim você ajudará a você mesmo.
- Não importa mais! As injeções continuarão mesmo eu não fazendo nada. E foi culpa sua, porque mandou o meu médico ampliar minhas medicações.
Diego sentiu que ele ficou um pouco parado, observando-o, e ouviu a porta se fechar.