Os Verões Roubados de Nós
Capítulo 29
Narrado por Enzo
Não consigo respirar, meu peito dói e não quero abrir meus olhos. Covarde.
— Enzo... – uma voz ao longe me chama.
— Toma... Trouxe a água. – Suzana? – Enzo... Por favor...
— Acho melhor chamar um médico. – Fernando?
Abro meus olhos lentamente e três rostos familiares aparecem.
— Graças a Deus! – Roberto sorri – Você está bem?
“Não! Não estou!” meu cérebro grita.
— Gabe... – sussurro.
— Calma, querido. – é Suzana – Estou tentando falar com ele...
Eu a olho com medo, pois ela para de falar abruptamente.
— Chama de novo... Por favor! – imploro e as lágrimas caem.
— Calma, Enzo! – Fernando senta-se ao meu lado.
— Suzana... Ligue para o Francisco, por favor! – Roberto pede.
Não consigo raciocinar e a dor em meu peito só aumenta.
— Aconteceu... – sussurro como se estivesse em transe – Gabe... Meu Deus, não!
— É Francisco na linha, Roberto! – meu chefe vai até ele e percebo seu tom de voz ficando baixo.
— Ok. Farei isso. Até. – ele encerra a ligação.
— Suzana... – ele olha sério – Chama o Miguel... Por Favor.
Ela faz que sim e sai para chama-lo.
— Fernando... – o chamo – Liga de novo para ele, por favor... Manda mensagem, qualquer coisa... Por favor...
— Calma, Enzo... – a voz dele é suave – Deve estar fora de área, mas vou continuar tentando.
Cerca de 30 minutos depois vejo uma versão masculina de Suzana entrar e Roberto ir ao encontro dele. Então, esse é Miguel? A beleza dele é... Exótica.
Estou sentado no sofá e o observo conversar com Roberto e ele me olha sério. Após alguns sussurros ele se aproxima.
— Oi, você deve ser o Enzo. – e sorri – Eu sou o Miguel. Tudo bem?
— Não... Eu quero falar com meu namorado. – começo a tremer e minha voz embarga.
— Fica calmo, ok? – ele diz e se afasta. Percebo uma valise em sua mão.
— EU NÃO QUERO FICAR CALMO! – grito num acesso de raiva – DÁ O MEU CELULAR!
Tento me levantar, mas Fernando me segura. E o filho da puta consegue fácil porque é alto e mais forte.
— SOLTA, FERNANDO!
— NÃO! VOCÊ ESTÁ NERVOSO DEMAIS! – ele grita de volta – TENTA SE ACALMAR...
—EU. NÃO. QUERO. ME. ACALMAR! – grito pausadamente cada palavra.
Estou furioso e não percebo Miguel se aproximar.
— Desculpa, Enzo...
Sinto uma picada em meu braço. Meu corpo amolece e caio novamente no sofá
— O que... – a escuridão chega novamente.
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Abro meus olhos e percebo que estou em meu antigo quarto. Estou sonhando? Tento forçar meu corpo a se levantar, mas a tontura não permite. Respiro até me acalmar por completo.
Primeira pergunta? Como eu vim parar no meu quarto? Vasculho a minha memória e a última coisa que me lembro é de Fernando me segurando e Miguel aplicando algo em mim. É isso.
Um vazio toma conta de mim e começo a chorar.
— Gabe... – sussurro. Algo aconteceu.
Conto minhas respirações e tento me levantar novamente. Agora sim. Caminho até o banheiro para fazer xixi.
“Nossa, estou horrível!” penso ao me olhar no espelho. Lavo meu rosto e me olho de novo. Está tudo bem. Vai ficar tudo bem. Saio e olhos as horas. São 20:45h e o Gabe já deve ter chegado. É isso! Eu tive um momento histérico ‘a la Enzo’, mas agora está tudo bem.
— Você é histérico, Enzo! – sorrio debilmente para o espelho – Está tudo bem. Gabe já deve ter deixado um milhão de mensagens ou ligado ou melhor ainda deve estar lá embaixo com meus pais. – suspiro – Então, vamos embora!
Saio do quarto determinado a ir para casa e desço as escadas apressadamente.
—MÃE! - berro seu nome e vou a cozinha e nada – MAMA!
Volto pelo corredor e ela vem ao meu encontro. Seu rosto está banhado pelas lágrimas.
— O que foi, mama? – pergunto abraçando-a – Eu vou para casa, ok? Acho que o Gabe já...
Minha frase morre ao ver meu tio aparecer. Ele está sério e seus olhos vermelhos.
— Oi, tio. Boa noite. – o cumprimento – Dia ruim?
— Filho... – minha mãe chama.
— Ai, gente... Não vai me dizer que vocês brigaram? – dou uma risada – Olha mãezinha, eu vou para casa porque o Gabe não sa...
— Filho! – ela me corta com firmeza – Não...
— Não o quê? – estou em negação – Eu vou para casa.
— Enzo! – ela fala firme – Ele não está lá... Filho, ele não vai...
Olho e meu pai, meus irmãos e meu tio choram. Afasto minha mãe.
— Enzo... – meu tio chama – Houve um acidente... O carro do Gabe... – sua voz está embargada – Capotou...
— Ok. Em que hospital ele está? – pergunto sério – Podemos ir agora? Transferi-lo para cá?
— Filho... – minha mãe soluça – Ele não sobreviveu, meu amor.
Olho mais uma vez para todos, respiro fundo e saio em direção do meu quarto.
— Enzo, filho... Aonde você vai? – minha mãe pergunta aflita.
— Vou para o meu quarto. – digo e subo.
Entro em meu quarto, tranco a porta e vou escorregando por ela. Lágrimas grossas rolam por meu rosto e uma dor toma conta do meu peito.
É um pesadelo, só pode. Eu vou acordar em nossa cama e ele vai estar lá para me abraçar e dizer que vai ficar tudo bem.
— Por quê? – pergunto e penso rápido – Preciso ir para casa...
Levanto-me e quando vou abrir a porta, paro. Eles não irão deixar. Olho para meu quarto pensando rápido. A janela. Abro-a com todo cuidado e olho para baixo. Há treliças com plantas e isso vai facilitar a descida.
— É agora ou nunca! – saio rápido e tento ser o mais silencioso possível.
Chego ao chão rapidamente e corro abaixado pela lateral da casa. Para minha sorte, o portão está aberto, sinal que meus pais esperam alguém. Corro pelas ruas calmas do bairro até chegar à avenida. Verifico meu bolso e tiro uma nota de $20,00 que guardei. Não há táxis então o jeito é ir de ônibus.
Cerca de 40 minutos depois chego ao prédio e vou direto par nosso apartamento.
Uma vez aqui dentro, a realidade chega e ela é dolorosa. Eu não sei o que pensar. Não consigo acreditar. Não dá. Fico parado no meio da sala e lágrimas silenciosas rolam pelo meu rosto. Caminho até a poltrona e me sento cruzando o braço em torno dos joelhos e fico olhando para a porta esperando ele chegar. E eu espero... Por uma, duas... Enfim... Mas ele não chega.
Dói. Como uma navalha afiada cortando sua pele. Resolvo ir para o quarto. Está escuro e frio. A camiseta que ele usa para dormir está sobre a cama. Eu a pego e sinto seu cheiro.
— Amor... – eu me deito em seu travesseiro e coloco sua camiseta sobre seu rosto – Volta pra mim...
E o choro sentido e alto toma conta de mim. A campainha toca. Não vou atender. Fecho os olhos e adormeço vencido
pelo cansaço de chorar e sentido seu cheiro.
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Narrado por Tati
O tempo parece ter parado no momento em que meu pai apareceu na escola e pediu para me chamarem. Assim que me avisaram, um arrepio percorreu meu corpo. Ele nunca veio aqui.
Quando vou me aproximando da diretoria vejo seu semblante pesado e olhos vermelhos. Algo aconteceu.
— Pai? – eu o chamo.
Ele conversa com a diretora e duas funcionárias sendo que uma delas segura um copo d’água.
— Tati... – meu pai tem a voz embargada – Aconteceu uma coisa...
— O quê? – estou tentando manter a calma.
— Seu irmão... – ele chora – Sofreu um acidente...
— Ai, meu Deus! – levo minha a testa – Em que hospital ele está?
Meu pai não fala, apenas chora.
— Pai, que hospital? – pergunto lentamente.
Ele apenas nega com a cabeça.
— O carro em que ele estava... – seu choro é contido – Capotou... E... Pegou fogo...
Eu caio. Minha respiração está ofegante.
— Tatiana! – Letícia, a diretora e meu pai me levantam e dele vem um abraço forte e emocionado.
— Onde ele está? – pergunto desesperada – Meu Deus, o Enzo?! Pai...
Caio num pranto sentido. Ouço Letícia pedir a uma das auxiliares para pegar meu material e parto com meu pai. Meu celular toca. Diego.
— Oi, minha linda... – ele me cumprimenta.
— Di... Diego... – meu choro não me deixa falar.
— Tati! – seu tom agora é outro – Amor, o que foi?! Onde você está?
Não consigo falar, apenas choro. Meu pai pega meu celular.
— Aqui é Francisco, pai da Tatiana. Você pode nos encontrar neste endereço que vou passar, por favor... – e meu pai passa o endereço de minha tia – Ok. Estamos indo para lá.
— Pai...
— Calma, filha. – ele aperta minha mão – Vai ficar tudo bem...
— Não, pai! Não vai... – choro mais ainda – O Gabe... Meu irmãozinho!
Chegamos à casa dos meus tios e minha tia corre para nos abraçar. Meu tio e meus primos também.
— Alguma novidade, Chico? – meu tio pergunta.
— Eles já removeram o corpo e estão trazendo para o IML da capital. – ele para e me olha.
— Meu Deus! – choro mais ainda – E o Eno?! Onde ele está?
Minha tia se afasta e aponta para cima.
— Eles o doparam e trouxeram para cá. – ela explica – Agora está dormindo.
Apenas aceno com a cabeça e vou me sentar. Aline e Enrico se aproximam e me abraçam. Meu pai está ao telefone e tio Pietro também.
— Vou preparar um chá. – minha tia sai.
Cerca de 30 minutos a campainha toca e Enrico vai atender. Diego entra e corro para seus braços e choro em seu peito.
— Shiii... Está tudo bem, meu amor! – ele acaricia meus cabelos – Eu estou aqui.
Permanecemos assim por um tempo até que meu pai se aproxima.
— Meu nome é Francisco. – ele este a mão – Não digo que é um prazer porque as circunstancias não permitem.
— Meu nome é Diego, senhor. – ele aperta a mão do meu pai – Eu não sei o que houve, mas o que precisar pode contar comigo.
— Obrigado.
Eu o olho e conto o ocorrido. Seu olhar é de choque.
— Minha linda, eu vou ficar aqui com você! – e me abraça – vou ajudar no que puder e no que vocês quiserem.
Agradeço e me deixo ser acalentada por ele, porém não percebo seu olhar surpreso percorrendo os porta-retratos espalhados pela sala da minha tia.
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Narrado por Diego.
Quando ouço o choro de Tati após minha ligação para ela, seu pai passa o endereço para onde eles estão indo. Saio feito um raio da minha sala e me deparo com três pares de olhos me encarando curiosos.
— Já vai? – Antônio pergunta.
— Algo aconteceu! – respondo – Estou indo a casa dos tios de Tatiana.
Antônio me olha sério.
— Se precisar de algo é só chamar.
— Ok. – digo colocando meu casaco – Estou indo e não retorno mais hoje.
Cerca de 30 minutos depois estaciono em frente a casa referida no endereço. Toco a campainha e não demora um garoto atende. Um arrepio me percorre, pois ele me lembra alguém.
— Boa tarde, eu me chamo Diego e sou namorado da Tatiana. Ela já chegou?
O garoto confirma e permite minha entrada, mas nada fala. Seus olhos estão vermelhos e deduzo que algo muito sério ocorreu.
Assim que adentro a sala, Tati se joga em meus braços e fico sabendo do ocorrido. E enquanto consolo minha namorada meus olhos percorrem toda sala e se choca com as imagens dos porta-retratos. Não consigo acreditar no que meus olhos veem. Há fotos de Enzo sozinho, com os adolescentes presentes na sala que são seus irmão por causa da aparência, com os pais e finalmente uma que faz meu coração gelar. Ele e Gabriel, juntos e sorridentes na piscina.
“Meu Deus, o que eu fiz?” penso juntando as peças do quebra cabeça.
Uma elegante senhora entra com uma bandeja de chá e somos apresentados. É a mãe de Enzo. Minha curiosidade aguça e quero saber se ele está em casa.
— Preciso ver como Enzo está. – d. Alice sai e resolvo questionar Tati.
— É o namorado do seu irmão, não é? – Tati já havia me contado por cima, mas não liguei os nomes, afinal ela sempre usou apelidos para se referir a eles.
Mal sabe ela que já investiguei seu irmão e primo/cunhado. E tenho medo quando ela descobrir, pois não falei da minha profissão para ela.
— Sim... – ela funga – Eno está dopado, pois teve uma crise nervosa. Isso porque ele nem sabe o que realmente aconteceu e o quão grave foi o acidente.
— Entendo.
A campainha toca novamente e é a polícia. Francisco e Pietro saem para conversar com eles e fico inquieto. Meu sexto sentido está aguçado.
Os homens voltam com um aspecto derrotado e tomo a decisão de ajuda-los de alguma forma.
— Sr. Francisco, quero saber se precisa de algo? – pergunto sincero.
— O corpo chegou ao IML agora e preciso fazer o reconhecimento. – ele está arrasado – Eu quero que você fique com minha filha e família e não os deixe nem por um segundo, pode ser?
— Claro, senhor! – respondo e me aproximo para sussurrar para ele – Senhor... Caso o corpo esteja num estado ruim a comparação com a arcada dentária será feita. É de praxe nesses casos, mas se você não fica em cima eles não fazem.
Ele apenas concorda e volto para junto de Tati. Alguns minutos se passam e ouço uma voz chamando pela mãe. Enzo, com certeza. D. Alice vai ao encontro dele e em seguida os irmãos assim como o tio. As vozes se exaltam, mas a dele está anormalmente calma e após alguns minutos ouço uma porta bater e o restante da família volta para sala.
— Ele voltou para o quarto. – d. Alice fala chorando – Coitado do meu menino.
Pietro se aproxima da esposa e a abraça formando um casulo a sua volta. Ele permite que suas lágrimas se juntem a da esposa.
Minha inquietação aumenta e peço licença para ir a varanda com a desculpa de que irei ligar para os meus pais.
— Antônio?
— Sim, Diego. E aí, o que houve de tão sério? – ele pergunta.
— Preciso te ver e contar pessoalmente. – suspiro e baixo o tom de voz – Acho que contribui para a morte de alguém.
— Onde você está?
— Na casa dos tios de Tatiana. – respondo – Antônio, eu preciso te ver com urgência.
— Hoje?
— Sim, porém mais tarde. Passo na sua casa. – penso melhor – Não. Melhor no escritório. É mais tranquilo.
— Ok. Que horas?
— Assim que seu sair daqui. – digo – O pai da Tati irá fazer o reconhecimento do corpo agora e quando ele voltar eu irei para lá e te aviso.
— Ok. Estarei lá.
Eu me despeço dele e desligo. Quando estou voltando para dentro ouço um barulho numa treliça próxima. Vejo uma perna e depois outra. Enzo. Ele se agacha e corre para o portão. Está fugindo. Escondo-me para que ele não me veja, pelo menos não ainda, e a culpa chega. Não irei contar a ninguém o que acabo de ver e assim que ele sai pelo portão faço uma promessa íntima.
“Vou corrigir isso, eu prometo a você e ao Gabriel!” e oro pedindo perdão porque sei que, de alguma forma contribui para isso.
Entro para ficar junto de Tati e sua família. Alguns minutos depois meu sogro e seu cunhado saem para ir ao IML e os adolescentes vão para seus quartos deixando apenas eu, Tati e d. Alice na sala.
Boa noite, pessoal. Segue mais um capítulo.
Antes de mais nada gostaria de esclarecer um ponto neste capítulo. É no momento em Enzo leva uma picada no braço: sim isso pode acontecer se o paciente estive como ele, numa crise nervosa ou de ansiedade, ok? Até porque não tem como pedir educamente para um paciente neste estado abaixar a calça e mostrar a bundinha pra levar injeçãozinha, né? :/
*Lebrunn* - Quase isso! Agora as pontas soltas começam a se amarrar. Abraços.
*Grilo falante* - Obrigado por gostar tanto do conto. Eu escrevo por prazer. Na verdade, este conto já estava escrito há muito tempo, mas a faculdade, residência não me permitia ter tempo para postar e agora que quase tenho tempo (rsrs) fiz algumas mudanças nele. Mas devo dizer uma coisa: Tu é muito empolgado, guri! Adoro isso e pode ter certeza que dedicarei outro capítulo para você em breve! Beijos, querido!!