Os Verões Roubados de Nós
Capítulo 34
Narrado por Tati
Vejo Enzo seguir meu pai com meu tio e Diego logo atrás e acho tudo muito estranho. Ele está estranho, quieto, observador e no piloto automático quando falamos com ele.
Ao chegarmos no crematório ele observa tudo e todos, mas de modo algum se aproxima do caixão, o que nos deixa confusos sobre seu estado emocional e psicológico. Nossa perda é imensurável e irreparável.
De repente ouço um grito vindo de uma salas dentro do crematório e instantes depois ele sai. Observo seus colegas de trabalho falarem com ele e abraça-lo e apenas um se mantém a uma certa distância. Até porque Enzo simplesmente virou as costas para ele, aproximou-se do caixão pela primeira vez, pegou a foto de gabe e com ela nas mãos sussurra algo em prantos. O rapaz se aproxima e ele se vira falando algo para ele que assenti. Troco olhares com minha tia e nos levantamos para irmos até ele.
Enzo olha para tudo e todos e sai com o rapaz rapidamente e nós os seguimos.
— Enzo! Aonde você vai? – minha tia chama, mas ele a ignora.
— Eno! – grito para ele – Enzo! Volta aqui!
Ele entra numa caminhonete e partem rapidamente.
— Meu Deus! – tia Alice está chocada – Quem é esse rapaz?!
— Eu não sei, tia. – digo com raiva – Mas vou descobrir já!
Volto para dentro indo diretamente onde Roberto está para questiona-lo.
— Roberto, quem era aquele rapaz que saiu com Enzo?! – estou furiosa com eles.
— O nome dele é Fernando e trabalhamos todos juntos. – ele responde calmo – Ele e o Enzo são amigos. Por quê?
— Porque ele simplesmente saiu com meu primo numa caminhonete! – falo exaltada.
— Não se preocupe Tatiana, Fernando cuidará bem dele. – Roberto responde sério – Fique calma... Ás vezes os amigo fazem mais por nós que a própria família... Não interprete mal minhas palavras, ok? Mas, afirmo que Fernando cuidará dele, pode acreditar.
— Assim espero. – saio de perto deles e conto a minha tia que não me parece muito convencida.
Volto a sair novamente e observo o tempo. Está frio e nublado. Passo um tempo admirando o jardim quando ouço passos. Olho para o lado e vejo um homem estranho me observar. Seu olhar é frio e me causa calafrios. Ele é negro, alto, magro e usa um gorro que deixa sua aparência ainda mais parecida com a de uma bandido.
— Boa noite. – ele me cumprimenta.
— Boa noite. – resolvo entrar novamente após responder.
— Cuidado, moça. Andar por aí a noite pode ser perigoso. – ele diz e dá uma risadinha cínica.
— Não estou sozinha! – respondo.
— Tati! – meu coração falha um batida ao ouvir Diego – O que faz aqui fora, amor? Está muito frio.
— Apenas vim respirar um pouco de ar fresco. – ele segue meu olhar e vê o sujeito.
— Boa noite, senhor. – ele cumprimenta educado.
— Boa noite. – o homem responde e se afasta.
— Sujeito estranho. – digo.
— Concordo. – Diego observa o homem se afastar – Muito estranho. Vamos entrar?
Ele passa o braço em torno de mim e entramos. Vejo Vera conversando com uns parentes e fico irritada por vê-la chorar e se lamentar. Mais irritada ainda por ela posar de mãe zelosa. Que ódio!
— Cretina! – sussurro e Diego me olha.
— Calma, amor. – ele diz – Por mais que tenham ocorrido brigas, ela é mãe... E pode estar sofrendo também. De verdade.
Olho para com um misto de tristeza e raiva.
— Um dia eu te conto toda a história, mas tudo mesmo do que ela já nos fez passar... – e aponto para ela – E daí você me diz se essas lágrimas são ou não de crocodilo.
Diego suspira e me olha estranho. Ao mesmo tempo que o sinto comigo percebo que ele está distante e a todo momento é como se ele vigiasse o ambiente. Tanto que algum tempo depois ele pede licença dizendo que o celular está tocando. E some.
A madrugada chega mais fria e com uma intensa garoa fazendo com que o ambiente fique mórbido e parecendo um filme de terror. Amanhece e mais conhecidos, parentes e amigos vão chegando e nada de Diego. Que estranho.
Um homem que chegou com Diego e não me foi apresentado fica o tempo todo próximo ao meu pai, mas como mágica ele também some logo após Diego. A única diferença é que ele volta e conversa mais um pouco com meu pai e sai. Estou preocupada com ele. Será que aconteceu algo com Julia? Com tudo isso acontecendo nem perguntei por ela. “Que bela madrasta sou!” penso chateada.
O homem volta e fala algo ao meu pai e sua mudança de comportamento chama minha atenção, pois ela passa de choro e tristeza para uma frieza que desconheço. “Será que ele tomou algo? Ou será por causa de Vera?” penso intrigada. Nossa, tudo parece tão fora da realidade.
Levo um susto quando sinto um toque em meu ombro. É minha tia.
— Minha querida, o padre chegou. – ela avisa.
— Já?! – minha voz embarga e só então me dou conta de que o fim está chegando – E o Enzo?
— O celular está desligado. – tia Alice fala triste – Ele sumiu novamente...
Abraço minha tia. Estamos preocupadas, na verdade eu estou com um pouco de raiva dele, porém cada um reage a morte de formas diferentes e com certeza ele ficou muito estranho após a notícia agindo como se nada tivesse acontecido em alguns momentos e em outros chorando.
— Tudo bem, tia. Cada um lida de forma diferente. – eu a consolo.
Ela me olha com lágrimas nos olhos.
— Eu achei que ele iria se descabelar, gritar, chorar até dizer chega... Enfim, fazer um escândalo. – ela suspira – Mas esse Enzo eu não reconheço, nem parece meu filho.
Eu a abraço apertado. Também achei que veria um Eno chorão e escandaloso, mas este me surpreendeu demais. Tenho até medo do que ele possa fazer estando só.
— Vai ficar tudo bem, tia...
Outro toque em meu ombro. Agora é meu pai.
— O padre está aqui. – ele aponta para um senhor aos pés do caixão e meu coração dispara ao ver todos se aproximarem e as lágrimas chegam sentidas e dolorosas.
O padre pigarreia e dá início a oração:
— Bom dia a todos. – ele cumprimenta a todos - Pai Santo, Deus Eterno e Todo-Poderoso, nós vos pedimos por aqueles a quem chamastes deste mundo. Dai-lhes a felicidade, a luz e a paz. Que eles, tendo passado pela morte, participem do convívio de vossos santos na luz eterna, como prometestes a Abraão e à sua descendência. Que a sua alma nada sofra, e vos digneis ressuscitá-los com os vossos santos no dia da ressurreição e da recompensa. Perdoai-lhes os pecados, para que alcancem junto a Vós a vida imortal no Reino eterno. Por Jesus Cristo, Vosso Filho. Amém.
Ele termina com um Pai Nosso e um Credo e depois vem nos cumprimentar. Eu apenas choro e agradeço por suas palavras. Sinto o abraço de meu pai ficar mais forte enquanto seguimos o pequeno cortejo até a antecâmara de cremação. Caminho até o caixão e retiro a foto apertando contra meu peito.
— Vai em paz, maninho! E sorrio entre lágrimas – foi um prazer ser sua irmã e cuidar de você... Eu te amo!
Meu pai chega e me abraça forte novamente, mas nada fala. Ele apenas chora. Vera também se aproxima e coloca uma rosa sobre o caixão dizendo:
— Vá em paz, meu filho. – ela se afasta sendo amparada por uma prima.
Vejo minha família e amigos se despedirem um por um e então funcionários chegam e levam o caixão para dentro da câmara. Acabou.
— Pai... – eu me desespero – Não...
— Shiii... Eu estou aqui, filha! – ele diz emocionado – Vai ficar tudo bem. Eu prometo.
Meu pranto é convulsivo e sou amparada por ele. Todos se despedem de nós e seguimos para o carro de meu pai. Nem sinal de Diego. Belo namorado eu arranjei.
— Onde está o Diego? – pergunto preocupada.
— Aconteceu um imprevisto e ele precisou ir embora. – meu pai responde – Quer ir para casa de seus tios?
— Quero ir para minha casa. – digo negando com um gesto de cabeça.
Ele apenas assenti e vamos para minha casa. Encosto minha cabeça no vidro e fecho meus olhos querendo apagar as últimas horas da minha vida. Vai ser estranho eu ter que adaptar minha vida sem ele e sem a rotina que criei em torno deles. De quem eu vou cuidar, com que eu irei brigar, provocar... Quem?
— Vou sentir tanto a sua falta! – sussurro.
— O quê? – meu pai pergunta.
Abro meus olhos e repito:
— Vou sentir tanta falta dele.
Meu pai suspira e diz:
— Tudo vai ficar bem, filha. Eu sei que vai.
Fico triste por ouvi-lo repetir isso a todo momento, parece até um mantra no qual ele quer acreditar. Outra forma estranha de lidar com a morte. “Eu prefiro a tradicional.” penso.
Chegamos ao prédio e para minha surpresa meu pai me acompanha sem falar absolutamente nada. Entramos em meu apartamento e só então ele diz:
— Filha... – percebo que ele está encabulado – Você pode me perdoar? Por favor?
Olho para ele confusa. Sabia que havia algo estranho no ar.
— Pai... Perdoar o quê? – pergunto cautelosa.
— Tudo. Absolutamente tudo. – ele chora – Por nunca ter te apoiado, por não estar la quando você mais precisou de ajuda e quando eu soube fiquei com tanta raiva que acabei descontando em você ao invés da autora do crime! – pausa – Não quero perder ninguém sem dizer o quanto eu amo... E eu amo você, filha, mesmo sem ter demonstrado da forma correta.
Eu corro para os seus braços e choramos juntos.
— Eu não vou deixar ninguém tirar vocês de mim! – ele diz – Por favor, me perdoa.
— Eu perdoo, paizinho. – digo emocionada – Já o perdoei há muito tempo.
— Obrigado. Vou cuidar de vocês com unhas e dentes a partir de agora.
Noto que ele usa a palavra “vocês” no plural. Acho que ele está falando de Eno e meus primos. Não sei, apenas sei que este é o melhor abraço do mundo. Afasto-me e ofereço algo para comermos, pois passamos a noite a base de chá, café e bolachas. Ele recusa e diz que precisa resolver uns assuntos e assim nos despedimos.
Preparo um lanche leve e ao terminar de come-lo tomo um banho e me deito, mas o sono não vem. Estou realmente preocupada com Eno. Levanto-me e tento ligar para ele. Nada.
— Onde você se enfiou, hein?! – me pergunto – Espera!
Após sua fuga eu o encontrei no apartamento deles, então ele provavelmente está lá escondido de tudo e todos. Coloco meu agasalho e vou para lá. Entro e tudo está silencioso e arrumado. Sinto até um arrepio. Vou ao quarto, a cozinha, banheiro. Nada. Volto para a sala e noto um envelope na mesinha de centro. Está endereçado a mim. Meu corpo gela e abro apressada.
— Ah não, Eno! Que não seja o que estou pensando! – digo e inicio a leitura. Lágrimas embaçam minha visão – Meu Deus...
*****
CARTA DE ENZO
São Paulo, 10 de Junho de 1998.
Tati,
Gata, perdoe-me por não estar presente nos momentos finais. Não dá. Não consigo. É demais para mim. É tudo tão atemporal, tão surreal que para mim o tempo parou quando falei com ele pela última vez. Ele prometeu voltar para mim e não cumpriu e por isso uma gama de sentimentos tomam conta de mim. Raiva, mágoa, tristeza, frustração... São tantos que nem sei classificar. Meu coração está quebrado porque ele era meu tudo. Gabe era meu mundo e você sabe disso. Eu não conseguiria me despedir dele e enviá-lo para “a fogueira” para vir embora chorar depois. Eu também não conseguiria enterra-lo. Este não sou eu, na verdade nem sei mais quem sou e por isso estou dando um tempo. Aí tem lembranças demais e sei que não vou conseguir com vocês me vigiando e me tratando como um louco suicida em potencial. Eu sei que você acha que eu tentaria me matar, mas não farei isso porque prometi a ele ser forte e para isso preciso me afastar.
Quero pedir a você duas coisas: a primeira que você avise minha mãe que eu estou e vou ficar bem e que não tentarei tirar minha própria vida, pois sei que ela me mataria (rsrs) e segundo: NÃO TENTEM ME PROCURAR. Por favor. Pelo menos não agora. Eu preciso de um tempo isolado do mundo. Estou indo para o nosso refúgio secreto e a única pessoa que conseguiria me encontrar já não está mais entre nós. Não me liguem, pois o celular ficará desligado por tempo indefinido.
Gata, quando eu voltar prometo que tudo será diferente, ok? Um novo Enzo grita dentro de mim querendo sair e tenho fé e certeza que será um Enzo mais forte e seguro. Mais homem e maduro.
Eu amo todos vocês.
P.S1: Eu sei que você está intrigada com o Fernando, mas quero que saiba que ele é apenas um amigo. E só.
P.S2: Peça ao Diego para cuidar bem de você na minha ausência senão eu quebro aquela cara feia dele. Gata, você tem muito mau gosto (kkkk). É brincadeira. De um jeito estranho até que ele é bonitinho.
Aqui me despeço.
Até breve. Amos vocês!
Enzo.
*****
Choro e rio ao mesmo tempo. Choro por tudo que ele está passando, eu perdi meu irmão amado, mas ele perdeu seu primeiro amor e são amores diferentes e do uma risada de alívio por ele não pensar em suicídio, porém temo no que esta mudança possa acarretar a ele.
Apenas um ponto me intriga: para onde ele foi? Cheguei a pensar em Paraty, mas lá há muitas lembranças deles. Então...
— Para onde você foi, gatão? – pergunto olhando para o papel em minhas mãos.
Olho em volta e dou um suspiro. É tudo tão a cara deles. Resolvo voltar para meu apartamento e quando as portas do elevador se abrem tomo um susto.
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Narrado por Diego
Realmente estou me superando. Nunca fui tão apaixonado por alguém como estou por Tati e nunca me envolvi tanto num caso como este, claro que neste segundo caso é questão de justiça para com o Gabriel, por me sentir culpado por tudo que está acontecendo. Se esse Ítalo pensa que vai se dar bem causando uma tragédia na vida da mulher que eu amo está muito enganado. E o mais incrível que o cara de pau nem disfarçou para vir ao escritório e mal sabia ele que possuo um sistema de vigilância que filmou a carinha feia dele e com isso pude mostrar a Francisco.
Enquanto estava no velório, Antônio faz um gesto discreto e aponta a saída. No mesmo instante peço licença a Tati e saio com a desculpa de que meu celular tocou. Vejo Antônio sussurrar algo para meu sogro e seu corpo endurecer.
A pior parte disso tudo é ele saber. Saio por uma porta lateral no momento em que Ítalo entra e vou até meu carro e entro no “modo detetive”. Puxo a touca da blusa sobre a cabeça e coloco um boné. Como minha barba está por fazer fica mais fácil disfarçar.
Uma batida no vidro ao lado do passageiro me faz olhar rapidamente. É Jeferson. Destravo a porta e ele entra.
— E aí, chefe? – ele me cumprimenta.
— O que você tem para mim? – pergunto e ele me entrega um envelope.
Quando eu tiro as fotos de lá, fico surpreso.
— Puta que pariu! – exclamo olhando as fotos.
Nelas estão Ítalo e Vera em diversas poses de conversa, alguns abraços e há uma em que ela o acaricia no rosto.
— Eles são amantes?! – olho para Jeferson surpreso.
— Não, chefe. – ele responde – Eu também achei isso no início, mas continue olhando as fotos... Deixei o melhor para o final.
Jeferson os fotografou em frente a uma casa na periferia e nelas um homem negro, magro e alto aparece conversando com os dois. É o mesmo cara que estava no jardim há pouco tempo atrás conversando com Tati. Filho da puta. E nas últimas estão em frente a um galpão, Ítalo, o homem negro e outro mulato e mais duas pessoas que reconheço de imediato: Fabíola e o namorado, Zé Pena.
— Como?! – estou chocado.
Sua mente trabalha a mil por hora e agora eu entendo o sumiço desta filha da puta.
— O que há neste galpão, Jeferson? – pergunto e ele tira um envelope menor do bolso interno da jaqueta e me entrega.
— Caralho! – arregalo os olhos quando vejo a foto. Pego meu telefone e disco – Antônio, melhor você vir ao meu carro agora! – e desligo sem dar a chance dele responder. Toma, velho!
Antônio chega quase que imediatamente e mostro a foto para ele. Gabriel está deitado numa espécie de cama antiga de hospital todo machucado e com uma bolsa que parece ser soro ou qualquer outra coisa. O semblante de Antônio fica duro.
— Precisamos correr. – ele nos encara – O tempo está contra nós.
— Chefes... – Jeferson nos entrega um papel – Aí está o endereço, mas temos que ter cuidado porque esse Zé anda armado junto com outro cara e esse magrelo também.
— Como você conseguiu fazer essas fotos? – estou curioso agora.
Ele sorri e dá de ombros.
— Segredo, chefe. O senhor me ensinou a ser um fantasma quando necessário!
— Quem será esse cara? – Antônio mostra o magrelo.
— Não faço ideia, Antônio, mas ele estava aqui no velório conversando com Tati. – meu sangue ferve, pois não gostei dele logo de cara. – Mas ele pode ser comparsa do Zé... Desgraçados.
— Vou reunir o pessoal – Antônio anuncia – Vou entrar e conversar com Francisco e prepara-lo e depois chamo o Vargas.
— O detetive já chegou? – pergunto e Antônio acena positivo. Vargas designou um detetive para ficar aqui à paisana.
Antônio aponta para um homem próximo a Francisco. Isso me tranquiliza um pouco.
— E como será? – pergunto frio, mas por dentro estou queimando de ódio e com uma vontade de matar Fabíola.
— A primeira parte do nosso jeitinho. – ele sorri maldoso – Entrar, dominar e sair e a segunda parte é com Vargas e seus homens. Entramos e saímos na surdina. Entendeu? Após o enterro seguimos para lá. Almeida continua na cola de Vera e Jeferson na de Ítalo. Você e eu vamos para lá. Rápidos e silenciosos.
Aceno concordando, mas algo me incomoda.
— O que faremos com Fabíola? – na verdade, eu quero matá-la.
— Nós?! – Antônio pergunta com cinismo – Nós não faremos nada... Muito menos você! Não vou permitir isso e ai de você se tentar algo, Diego... Ai de você!
Suspiro de raiva e soco o volante.
— Chefes... – Jeferson chama – enquanto eu estava vigiando uma outra pessoa apareceu por lá. Ele usava um jaleco. Acho que pode ser um médico ou enfermeiro. Não sei.
— Deve ser alguém com conhecimento na área de saúde porque o rapaz está com medicamentos. – Antônio fala – Acho que já sei o motivo de tanta maldade...
Jeferson e eu o encaramos enquanto ele parece pensativo.
— Vingança... E dinheiro. E podem cortar minha língua se eu estiver errado.
— Vingança de Vera? – pergunto – Pelo que Tati fala, ela é a maldade em pessoa.
— Pode ser... Mas ela não leva jeito para ser mentora deste tipo de plano. – ele pega uma foto especifica – Olhem para isso. O que vocês veem?
Nesta foto Ítalo e o magrelo conversam de modo mais íntimo. O homem negro tem um aspecto de bandido da pesada e parecem ser muito amigos.
— Cúmplices ? – Jeferson pergunta.
— Sim. – Antônio responde – Esses ricos tem mais podres que a fossa... Está faltando o que nesta história agora?
Percebo que ele está pensativo assim como Jeferson e eu.
— Que horas termina tudo aqui? – Jeferson pergunta.
— A cremação está marcada para às 8:30h. – respondo – Jeferson, já sabe, não é? Cola no Ítalo! Discretamente.
— Pode eixar, chefe! – ele responde animado.
— Garoto, você foi ótimo! – Antônio o elogia deixando-o surpreso – Eu pensando em como faríamos o bolo e você já o traz pronto... e ainda com café fresco! Excelente!
— Obrigado, chefe! – ele agradece tímido.
— Diego, vou ligar para o pessoal e você vai para o escritório espera-los. – ele fala – Vou ficar com Francisco e instruí-lo em algumas coisas
— Por que eu...
— Não! – ele me corta – Por causa de Tatiana. Nada de vínculo emocional agora! Eu a protegerei.
— Ok. – viro para Jeferson – Cola nele, moleque!
— É pra já, chefe! – ele responde – Eu ligo dando a posição do indivíduo. Fui!
Ele sai e Antônio fala.
— Esse tem futuro.
— Com certeza! – concordo – Antônio... Enzo foi embora.
— Melhor assim! Menos um para nos preocuparmos caso haja uma retaliação. – ele coça o queixo – Vai para o escritório e ajeite tudo por lá.
— Pode deixar. – e dou a partida quando ele me chama.
— Diego? – eu olho – Temos menos de 12 horas contando após o funeral... Talvez até menos. – ele olha a hora.
Eu aceno e saio com o carro. Por mais que eu tente não consigo parar de pensar em Julia e no que vai acontecer quando Fabíola for presa.
— Droga! – soco o volante – Agora entendo o sumiço. Filha da puta! Ordinária!
Chego ao escritório e vou direto tomar um banho. Coloco uma roupa toda preta, separo um gorro e vou até meu cofre retirar minhas armas conferindo-as. Numeração raspada, balas no pente. Imagino a cabeça de Fabíola na mira e dou um sorriso maldoso.
Não demora muito e os amigos de Antônio chegam. Lalo é o líder do bando e traz três de seus “melhores homens”. Tenho até medo de encara-los, pois só a cara de poucos amigos é de matar. Faço um café e jogamos conversa fora enquanto esperamos Antônio.
Antônio chega com Vargas e damos início ao plano. Incrível, não é? Quando eu poderia imaginar que um delegado e quatro bandidos estariam em minha sala conversando calmamente o resgate de um rapaz? Só nos meus sonhos mais loucos, mas este é Antônio, que consegue unir todos no mesmo recinto sem brigas.
Meu celular toca. É Francisco.
— Diego. Acabei de deixar Tati na casa dela. – fico mais aliviado – Diga a Antônio que já providenciei o que ele pediu.
— Certo, sogro! – quanta intimidade – Quando estivermos prontos, eu aviso.
— Quero ir junto! – ele fala.
— Nem a pau! – respondo rápido.
— O que está acontecendo? – Antônio que até observava vem até mim – Ele quer ir junto.
Ele toma o aparelho da minha mão. “Velho do caralho!” penso enquanto o encaro com raiva.
— Francisco? É Antônio. Onde você está? – ele ouve a resposta – Ok... anote um endereço e repasse ao seu amigo e nos encontre lá. – ele fala – Entendeu o que eu disse? Ok. Até mais.
Ele desliga e devolve meu celular.
— É o pai dele. – Antônio justifica – Se fosse com a Julia você também gostaria de estar lá, não é?
Sim. Apenas concordo num gesto.
— Bom, então está tudo certo? – ele pergunta a todos – Ok. Vargas, assim que sairmos eu lhe dou o sinal.
— Sim, tem que ser rápido, silencioso... E em baixas. – ele encara Lalo.
— A gente entendeu, Doutor! – Lalo responde – Entra, domina e sai. Facinho. Sem grilo.
— Acho bom mesmo! – Vargas fala sério - Antônio, só você para me fazer isso!
— Relaxa, Vargas! – Antônio bate em seu ombro – O meninos irão se comportar, não é rapazes? O “gran finale” é todo seu, meu amigo!
Todos concordam. Assunto encerrado.
— Beleza, pessoal! – resolvo falar – Está na hora. Vamos?
Vargas sai primeiro do escritório porquê tem que armar o flagrante e esperamos uns minutos para ir atrás. Partimos rumo ao galpão que Jeferson falou. Estou tenso, ansioso e com um pouco de medo também. Não por mim, mas por Gabriel e Francisco. E com muito medo de quando Tati souber disso tudo. Ela vai me matar, ou melhor, ela vai terminar comigo e depois matar. Estou fudido de qualquer forma.
— Vai dar tudo certo! Vai dar tudo certo! – repito como um mantra.
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Narrado por Francisco
Após deixar Tati em casa liguei para um amigo dono de uma clínica particular e contei do que precisava. Ele se prontificou a ajudar imediatamente e disponibilizou uma ambulância. Quando chego lá, ele já está com tudo pronto me esperando.
— Francisco. – nos abraçamos – Estamos prontos.
— Obrigado pela ajuda, Rafael. – pego meu celular – Eu vou avisar uma pessoa. Só um instante.
Ligo e converso com Diego que não permite minha ida até o local, porém Antônio toma a frente da conversa e me passa o endereço que devemos encontra-los.
— Podemos ir. – aviso Rafael – Eu explico esta confusão no caminho, ok?
Ele assenti e chama dois enfermeiros e mais o motorista.
— Vou trazer você para casa, filho! – minha voz embarga enquanto sussurro – Deus nos ajude.
Deixo meu carro na clínica e sigo na ambulância na parte traseira com Rafael enquanto os enfermeiros vão na frente. Conto o que aconteceu, mas sem detalhar muito e ele fica chocado ao saber.
Chegamos ao local combinado algum tempo depois e ao sair do veículo vejo uns rapazes mal encarados com Antônio e Diego. Olho em volta e não vejo a polícia e fico mais apreensivo ainda. Caminho com Rafael até eles e Antônio fala.
— Não se preocupe, Vargas já está chegando.
Olho para Diego e ele parece estar procurando sinal no celular. De repente o mesmo toca.
— Fala, Jeferson. – a medida que ele vai ouvindo seu rosto vai do pálido ao vermelho de raiva. – Puta que pariu!
Ele xinga quando desliga o celular e começa caminhar em direção ao carro.
— O que houve? – Antônio o segura elo braço.
— Jeferson acabou de ligar dizendo que Ítalo foi ao prédio em que Tatiana mora. – ele está tentando se controlar, mas seus punhos cerrados dão uma mostra de sua fúria – Eu vou mata-lo se encostar nela.
— Controle-se. – Antônio está absurdamente calmo – Ligue para ela. Agora.
Diego respira fundo e liga para ela dando uma desculpa esfarrapada qualquer. Eles conversam e pouco depois ele desliga.
— E então? – Antônio pergunta.
— Ela me disse que ele foi até lá e pediu uns documentos e notas. – Diego responde. – Tati entregou e ele já foi embora.
A fúria toma conta de mim.
— Mas que filho da puta! – fico furioso.
— E o quebra- cabeça vai se formando. – Antônio dá uma risada seca.
— Minha filha está bem? – pergunto a Diego.
— Sim. Pedi para ela trancar a porta e proibir a entrada dele no prédio. – Diego responde.
— Há algo mais que eu preciso saber? – pergunta eles.
— Por enquanto mais nada que altere o seu emocional. – Antônio fala calçando as luvas e coloca a touca ninja, mas sem cobrir o rosto – Preciso de você calmo para ajudar seu filho.
— Vou usar uma dessas? – aponto para uma pistola e Antônio ri.
— Claro! – ele responde – Nos seus sonhos.
Os rapazes riem também e colocam suas máscaras, mas diferente de Antônio eles cobrem o rosto e daí sim ficam parecendo guerrilheiros.
Observo-os caminharem até o carro e quando abrem o porta-malas tiram armas ( entre elas um rifle e uma metralhadora). “Caralho!” penso impressionado.
— Tudo bem, sogro? – olho e Diego checa a arma em suas mãos. Ele sorri.
— Sim... Está tu-tudo bem... – estou gaguejando e aponto para a ambulância – Melhor eu ficar com eles.
— Melhor mesmo.
Neste momento os carros de polícia se aproximam e estacionam, mas somente Vargas desce e vem ao nosso encontro. Ele também está uniformizado e armado.
— Tudo pronto? – Vargas pergunta.
— Sim. – Antônio responde e me olha – Francisco, preste bem a atenção, pois eu só vou falar uma vez, ok?
Concordo e ele começa.
— Eu, Diego e os meninos vamos na frente para o caso de ter mais indivíduos do que os que vimos nas fotos. – fotos? – Assim que entrarmos dominaremos quem quer que esteja lá dentro e ao meu sinal, Vargas e seus homens chegam para a ação. E a ambulância vem junto. – ele aperta meu ombro – Você entendeu?
— Entendi. – respondo rápido.
— Nada de querer bancar o pai herói, entendeu? – faço que sim com a cabeça – Ótimo porque senão quem te manda para o hospital sou eu.
E ele sai junto com os rapazes. Diego se aproxima e sorri. Tenso, mas sorri.
— Vai dar tudo certo! – ele diz – Aguardem o sinal.
Eles partem para resgatar meu filho e fico curioso com uma coisa.
— Vargas... – espero ele me olhar – É muito longe daqui?
Vargas me olha parecendo pensar no que responder.
— Cerca de 5 minutos seguindo a estrada de terra. – ele aponta – Eles irão esconder o carro e faremos o mesmo. – ele olha o relógio – Rapazes, vamos!
Seguimos pela estrada e os carros entram num desvio escondendo os carros.
— Quero quatro homens a pé e os outros nos carros para uma incursão rápida! – ele ordena e os policiais obedecem.
Eu apenas observo muito assustado e impressionado pela sincronia deles.
— Francisco. – Vargas chama – Relaxa, eles são velhos de guerra neste tipo de coisa.
Aceno e continuo a orar em silêncio. Parece que o tempo parou. Uma garoa fina começa. De repente o telefone de Vargas toca, meu coração acelera e começo a tremer.
— Vamos! – Vargas ordena aos seus homens.
Eles entram no caso rapidamente e seguem em alta velocidade até o galpão. Quando saem do carros já estão com as toucas e armas em punho. O motorista da ambulância estaciona de ré com uma maestria incrível. Ouço gritos e ordens de parada. Uma mulher sai correndo pela porta e é derrubada por uma policial feminina que eu nem percebi fazer parte do grupo. Ela é algemada rapidamente.
Vargas sai e faz sinal para Rafael. Rapidamente eles pegam a maca e outros apetrechos e eu sigo atrás. Ao adentrar o galpão noto que há goteiras e num canto coberto vejo meu filho.
— GABE! – grito e corro ao seu encontro. Porém sou bloqueado por dois policiais enormes – SOLTEM-ME! Preciso ir até ele... Meu filho!
— Sinto muito, senhor! – um deles diz – ordens do Dr. Precisamos deixar o médico cuidar dele.
Olho para o lado e vejo dois sujeitos algemados e deitados no chão. Vargas se aproxima de mim e pergunta:
— Reconhece qualquer um deles? – nego com um gesto – E a mulher?
— Não também.
— Ok. – ele se afasta indo coordenar as prisões.
— Como fica o Ítalo? Vão prende-lo também? – pergunto nervoso.
— Sim. – Vargas responde – Vamos leva-los e interroga-los primeiro.
Ouço o barulho da maca e os vejo remover meu filho rapidamente. Corro até eles e começo a chorar com o que vejo. Gabe está com o braço torto e parece quebrado. O rosto possui hematomas e na cabeça há um corte profundo. Os enfermeiros o colocam na ambulância e Rafael vem falar comigo.
— Estamos levando-o para a clínica em caráter de emergência! – ele explica – Faremos exames e assim que tivermos um prognóstico eu aviso.
Eu os sigo, mas Rafael me impede de entrar na ambulância.
— Você não vai voltar comigo. Vejo você no hospital. – ele entra na parte traseira fechando a porta e o motorista sai em alta velocidade com a sirene ligada. Vejo os policiais colocarem os bandidos em dois carros e saírem rumo a delegacia.
Vargas vem até mim e sinto um toque em meu ombro. É Antônio.
— Tudo certo, Francisco? – ele me pergunta.
Estou assustado, mas aliviado.
— De certa forma, sim. – falo e minha voz treme – Mas só ficarei bem quando meu filho estiver fora de perigo.
— Agora acabou... Por enquanto. – Antônio diz – Eu disse que traríamos seu filho de volta, não disse?
— Você não disse são e salvo? – retruco.
— Eu disse salvo, mas não garanti nada sobre os arranhões. – ele devolve – Francisco, ele está vivo. A partir de agora é tudo com os médicos. Gabriel é jovem e forte. Vai passar por isso numa boa. Tenha fé.
— Obrigado, Antônio. – digo sincero – Por tudo.
— De nada. – ele sorri – Vamos?
Aceno e vamos para o seu carro, pois Diego levou os rapazes no dele. Fazemos o percurso em silêncio até a clínica de Rafael.
— A vantagem de ser rico é isso! – Antônio fala apontando a clínica – Cuidados exclusivos.
— Nisso eu concordo com você! Meus filhos merecem o melhor. – digo
Entramos na clínica e a recepcionista nos indica uma sala privativa para esperar. O tempo passa e nada de notícias. Estou cochilando quando ele entra na sala.
— Francisco? – dou um pulo e Rafael sorri.
— Rafael? E meu filho?! Pelo amor de Deus... Por que essa demora?!
— Calma, homem! – Rafael fala – Sente-se, por favor. É o seguinte: Gabriel quebrou um braço e fraturou duas costelas. Como havia um corte profundo em sua cabeça pedi uma tomografia e por sorte não houve nenhum dano ao cérebro. Mas devo avisar que seu filho terá uma cicatriz na cabeça porque não foi feito um curativo e nem sutura mais cedo. O fato dele não estar acordado foi porque ministraram sedativo nele. Vou deixa-lo em observação por 48h e repetir os exames. Agora ele está na semi-intensiva, mas se o quadro evoluir bem pedirei para encaminha-lo para o quarto. – ele aperta meu ombro – Pode avisar sua família, meu amigo.
— Por que 48h de observação? – pergunto confuso.
— É apenas para nos certificarmos de que não ocorrerá nenhuma infecção. – ele responde – Vai ficar tudo bem porque Gabriel é jovem e forte como um touro. E isso conta muito nessas horas. Agora é só monitora-lo e esperar seu corpo se recuperar.
— Ele ainda está sedado?
— Não. – ele responde – Apenas remédios para dor. Seu corpo irá eliminar sozinho os efeitos do sedativo.
Choro de alívio e nem sei por quem começo agradecendo e quem devo avisar primeiro. Mas estou feliz demais.
— Vou deixa-lo em casa, Francisco. – Antônio fala. Ele estava até agora ali, apenas observando tudo em silêncio.
— Você pode me deixar na casa de minha irmã, por favor? – peço.
— Claro, meu amigo! – ele responde sorrindo.
Agradecemos Rafael e pergunto a ele se posso deixar meu carro ali ainda. Não tenho condições emocionais para dirigir. Ele concorda. Seguimos para a casa da minha irmã e abro um sorriso quando chegamos.
— Obrigado novamente, meu amigo! – digo.
— Não por isso. – Antônio responde – Ainda temos trabalho pela frente.
Concordo e me despeço com um abraço. Toco a campainha e meu cunhado atende.
— Chico?! – ele está surpreso – Onde você estava, homem?
Eu não aguento e dou uma baraço apertado nele e começo a chorar de alegria.
— O que houve, Chico?! – ele está muito confuso.
Eu me solto e vou correndo para dentro da casa.
— Onde estão todos? – pergunto.
Vejo Enrico dormindo no sofá e vou acorda-lo.
— Acorda, Rico! – cutuco e ele pula no sofá.
— Tio... Tá doido? – ele coloca a mão sobre o peito.
— Não! Mas achei que ficaria... Corre lá e chama sua irmã e sua mãe! – e o coitado sai quase voando da sala.
— Chico... – Pietro me olha estranho.
Vejo minha irmã e Aline entrarem na sala atordoadas. Elas estavam dormindo.
— Chico... – Alice está assustada – O que houve?
Todos me olham assustados e dou um sorriso.
— Gabe não está morto!
— Você está usando drogas? – minha irmã pergunta – Enterramos ele hoje pela manhã... Pietro...
— Ele não está morto. – volto a falar – Ele está na clínica do Rafael sendo cuidado... – tomo fôlego – É uma longa história, mas uma coisa é certa... – começo a chorar – Meu filho está mais vivo do que nunca, mana!
Ela se senta chocada e diz:
— Então comece a explicar esta história direitinho, Francisco Maia! – e aponta o sofá – Agora!
E começo a relatar tudo o que aconteceu nessas últimas horas, porém com uma diferença. Estou feliz da vida.