- Dói. Dói muito. A primeira vez que me matei, eu tinha dezessete anos. Amava uma guria de dezesseis que me traiu com o meu melhor amigo. Deixei-lhe uma carta, dizendo-lhe que a minha morte havia sido culpa sua. Ela me achou um idiota. Ridicularizou meu ato. Passou a trair também meu amigo. Ele não era nada parecido comigo. Levou-a à pulso para uma mata deserta e a matou. Nunca descobriram seu assassino, até que eu voltei da morte. Encontrei-me com ela em algum lugar que não me lembro bem e ela me contou quem fora o seu assassino. Pediu que eu o matasse. Desde então, tenho voltado à vida. Hoje em dia, com mais facilidade. Porra, muitas vezes não quero morrer de novo. Como hoje. Hoje eu queria foder muito. É que quando eu morro, ressuscito com uma vontade louca de transar. Aí, fico vendo pessoas que já morreram.
- Por que nunca soubemos que tinha morrido, senhor Lázaro?
- Eu morro por pouco tempo. Muitas vezes, por alguns minutos. Mas sempre a dor de reviver é insuportável.
- Você matou teu amigo, como tua ex namorada pediu?
- Não. Claro que não. Ela me deu indícios da sua morte e eu denunciei tudo à Polícia. No início, não acreditaram em mim. Mas encontraram tantas evidências do que falei que acabaram me contratando como detetive da Polícia, meses depois.
- Está bem. Acabou a nossa sessão. Volte na próxima semana pra gente conversar mais sobre isso, está bem?
Quando o jovem saiu do consultório, a doutora Isadora Pereira escreveu em seu prontuário, grifando bem as palavras: "Doido varrido. Favor investigar sua vida profissional. Também entrevistar amigos e parentes".
Lázaro era um jovem de cerca de 35 anos, moreno alto, bonito e charmoso. Desses que faziam as mulheres olharem para trás para ver-lhe novamente, se passasse por ele na rua. Mas ele parecia nem enxerga-las, de tão desligado das coisas que era. Trabalhava como escrivão de Polícia e era de poucos amigos. A maioria das pessoas que o conheciam o achava estranho. Mas ele era eficiente em seu trabalho e por diversas vezes deu dicas para solucionar crimes difíceis. Só não o haviam promovido a detetive por conta da sua maneira distraída de ser. Na delegacia onde trabalhava, só uma pessoa lhe dava atenção: a detetive Bianca Marcelino. Foi ela quem lhe perguntou:
- Esteve com a psicóloga que te indiquei, Lázaro?
- Sim, mas ela não acreditou em nada do que eu disse.
- Deixa que depois eu falo com ela. É uma amiga muito chegada do meu marido. Sempre nos visita ou nós a visitamos. Eu devia ter conversado com ela, antes de te mandar pra lá. Mas temi influencia-la com a minha conversa e ela errar o diagnóstico de tua dupla personalidade.
- Você me acha doido, Bianca?
- Você pra mim é um maluco beleza que tem me ajudado a resolver crimes difíceis. Sei que muita gente daqui da delegacia não gosta de ti, mas eu gosto. Se já não fosse casada, casaria contigo. Só não sei se aguentaria esse teu bilolão!
- Como sabe que tenho bilola grande?
- Por causa dos teus companheiros de trabalho, oras. Dizem que ficam espantados com o tamanho do teu caralho, quando te veem mijar lá no banheiro. Falam que o que te sobra de caralho te falta em juízo rá rá rá.
Lázaro não reagiu à gozação da detetive. De repente, ficou alheio a tudo, como de vez em quando fazia. E era isso que incomodava as pessoas à sua volta. Muitas vezes deixava uma frase pela metade e caia em catarse. Bianca já estava acostumada. Por isso, levantou-se do birô onde estava e saiu da sala, deixando-o lá, inerte.
Lázaro estava num lugar estranho. Parecia um barzinho, mas não havia um único cliente. Também não havia atendentes. Ele estava de garganta seca e ansiava por uma cerveja bem gelada. Como não havia quem o atendesse, foi ele mesmo até o freezer. Pegou uma cerva e voltou para a mesa onde estava sentado. Aí, uma jovem linda, de cabelos ruivos, se aproximou dele. Perguntou-lhe:
- Paga uma cerveja para mim?
- Pegue uma. Parece que aqui não há garçons.
Ela caminhou com um rebolado sensual, despertando mais o tesão que ele estava sentindo. Lázaro apertou a rola com uma mão, enquanto bebia um grande gole do gargalo. Ela voltou do freezer e sentou-se na mesa dele sem pedir licença. Também tomou um gole do gargalo imitando-o. Em seguida, perguntou-lhe:
- Estou cobrando barato. Não quer dar uma comigo? Aproveitamos que não tem ninguém por perto...
- Eu não conseguiria transar sabendo que poderíamos ser flagrados por alguém. Se quer mesmo transar comigo, vamos a um local mais reservado. Mas tenho pouco dinheiro. Terá que me dizer antes quanto me custará o programa.
- Se tiver caralho grande, não te cobro nada.
Terminaram as cervejas e saíram do bar. Andaram de mãos dadas, como dois namorados. Depois de uns dez minutos de caminhada, avistaram um casarão abandonado. Tiveram que transpor o portão de ferro com certa dificuldade. Ele perguntou:
- A quem pertence este casarão?
- Aos meus bisavós. Mas não tive tempo de conserta-lo. Venha. Corramos para o pomar atrás da casa. O último a chegar é um maricas.
Lázaro começou a correr atrás dela, mas não tinha nenhuma intenção de vencê-la na carreira. Se ela ficasse feliz com a vitória, talvez cedesse o cuzinho a ele. Pensava nisso quando ela desapareceu por trás do casarão. Quando chegou onde a tinha visto sumir, não viu mais a ruiva. O pomar era enorme, cheio de frutas podres caídas pelo chão. Ele gritou por ela, mesmo sem saber seu nome:
- Êi, ruiva, onde está você?
Nenhuma resposta.
- Está bem, quer continuar brincando, não é? Mas não vou procura-la. - Ele disse isso e sentou-se num velho banco à sombra das árvores. Teve que afastar umas frutas podres para poder se sentar.
E nada dela aparecer. Ele desistiu de esperá-la. Levantou-se e foi-se embora. Esperava que ela o seguisse, mas nada. Então, sentiu uma dor terrível no peito. Caiu de joelhos no chão.
- Lázaro. Lázaro. Acorde, cara.
A dor ainda era forte quando ele despertou. A detetive Bianca o chamava, balançando-lhe o ombro. Ela perguntou-lhe:
- O que houve, cara? Voltei aqui e você estava caído de joelhos no chão...
- Você sabe onde tem uma velha mansão abandonada por perto daqui?
- Uma mansão? Deve estar se referindo ao casarão que existe a umas quatro ou cinco quadras daqui.
- Vamos já para lá. Uma mulher foi assassinada, talvez ontem.
A detetive nem o questionou, pois já estava acostumada com esses repentes dele. Lázaro já resolvera vários crimes depois de um apagão como o que ele tivera há pouco. Pegou sua arma que estava na gaveta e o seguiu. Quando chegaram ao casarão e pularam a grade, ele correu pro quintal da residência. Não havia ninguém lá mas o cenário era idêntico ao que ele havia sonhado acordado. Até as frutas retiradas do banco deixaram a sua marca. Ele estava aperreado. A detetive alertou:
- Calma, parceiro. Talvez o crime não tenha acontecido ainda.
- Talvez. Mas o que eu vi foi muito nítido. Devem ter escondido o cadáver.
- Então, se afaste. Sente-se no banco. Se houver algum corpo escondido por aqui, eu o acharei.
O jovem fez o que ela pediu. Ela perscrutou o terreno à procura de alguma marca no chão. Viu umas frutas pisadas. Concentrou a procura naquela região. Quando chegou perto de umas moitas, viu os rastros. Era como se alguém tivesse sido arrastado ali. Assim que se aproximou das moitas altas, sorriu contente. Gritou para o parceiro:
- Achei. Você tinha razão.
Ele não respondeu. Quando ela olhou em sua direção, o cara estava batendo uma punheta. A detetive gritou:
- Ei, pare com essa putaria e venha me ajudar aqui.
O escrivão não parou imediatamente. Só depois de alguns minutos de bronha, largou o cacete e ficou estático. Com pouco tempo depois, Bianca o viu lançar porra longe, numa quantidade enorme.
FIM DA PRIMEIRA PARTE