José deu um passo à frente.
- Fui eu , senhor. - respondeu.
O homem apertou efusivamente a mão do garoto.
- Menino , você está de parabéns , sua música é um sucesso pronto para estourar nas rádios ! - Depois ele apertou a mão de Amaro. - E você , rapaz , sua primeira voz é soberba !
- Obrigado , senhor , disse Amaro com timidez , os olhos baixos.
Os rapazes o conheciam de vista. Era Abílio Prestes , um fazendeiro muito rico , dono de muitas terras e gado nas imediações , e também ligado ao mundo do show business. Já havia lançado diversas sertanejas de sucesso. José sentiu que a vida dos dois iria tomar o rumo que ele sonhava ...
- Eu me apresento , caso não me conheçam ; sou Abílio Prestes. Tenho negócios nessa região , e também , modéstia à parte , já descobri muitos talentos obscuros ! - ele sorriu , mostrando um dente de ouro . - Me falaram sobre vocês , por isso hoje estou aqui , e , meninos , se depender de mim , não vão ficar no meio do mato ! Vão ser conhecidos no Brasil inteiro , quem sabe até no exterior !
Os pais de José e Amaro , alguns de seus irmãos e o povo em geral assistiam à cena fascinados.
Abílio era um homem de seus 50 anos , moreno , cabelos grisalhos , simpático. Vestia-se à moda country , usava uma grossa corrente e um relógio de ouro , que deviam valer uma fortuna. Também tinha anéis de ouro nos dedos. Usava um perfume cítrico. Ele analisava a figura dos dois irmãos e gostava do que via. Eram de boa estatura , José um pouco mais alto e esguio que Amaro. Ambos tinham pele originalmente clara , mas bronzeada do sol , os cabelos castanhos e olhos verdes , bonitas feições. Vai precisar só lapidar um pouco , pensou o empresário consigo.
- Tenho um caderno com as músicas que componho. - disse José , ficando mais à vontade. - Se o senhor tiver interesse em ver ...
- Claro ! - exclamou Abílio com entusiasmo . E , olhando para os pais dos meninos ; - Boa tarde , os senhores ,são os pais dos garotos ?
- Sim senhor , Angelino Silva , para o servir , disse o pai tirando no chapéu. - E essa é minha mulher Maria Rosa ...
Abílio apertou longamente as mãos do casal.
- Muito prazer , e parabéns , os senhores colocaram no mundo duas estrelas da música sertaneja ! Talentos como de seus filhos nascem prontos ...
- Brigada , senhor ...
- Agora vou precisar da autorização dos senhores para que seus filhos viajem comigo ! Eles ainda são menores de idade , pois não ?
- Sim senhor ... José tem 17 anos e o Amaro tem 15.
Ao ouvir os nomes dos rapazes , Abílio fez um trejeito com o lábio inferior.
- Os nomes terão de ser mudados ... - falou mais para si mesmo. - E depois , voltando-se para os dois irmãos : - Meninos , me digam , vocês querem ir pra a capital por um tempo ? Para fazer um teste na minha gravadora e também , seria bom que concluíssem seus estudos ... Tudo por minha conta !
José sorriu fascinado
- Oxe , se o pai e a mãe deixar... A gente fica muito agradecido ao senhor ...
O casal assentiu , concordando. Sabiam que aquela era a grande chance da vida de seus filhos , e quem eram eles para recusar ?
José olhou para Amaro.
- Cê quer ir , mano ? - perguntou.
- Se ocê quer , eu também quero. - respondeu todo emocionado.
E trocaram um olhar cúmplice que somente eles entendiam
Abílio os observava , como quem avalia cabeças de gado antes de comprar. Afinal , ele era um homem de negócios e visava o lucro.
- Até qual série vocês estudaram ? - perguntou.
- Terceira. - respondeu José. - A escola era longe , e a gente precisava ajudar o pai na roça ...
- Compreendo ... - Bem , agora vocês só precisam me dizer onde moram , e amanhã às sete da manhã meu motorista irá pegá-los. Levem seus pertences ! Então vocês seguirão para uma de minhas fazendas aqui perto , e de lá , seguiremos para a capital em meu jatinho particular ! Estamos combinados ?
Os dois engoliram em seco , de emoção , espanto e medo.
- Sim ... Sim senhor.
Mais tarde , enquanto colocavam suas poucas roupas e pertences numa mochila , os dois irmãos ainda não acreditavam.
- Não é um sonho , mano ? - perguntou Amaro.
José o abraçou , e ficaram assim por muito tempo.
- Não , mano ... Já ouvi falar desse sô Abílio muitas vezes. Ele vai nos ajudar a ficar famoso , mano ! Eu sempre disse ... Eu sempre senti que a gente ia sair daqui . .. Eu não prometi tirar ocê daqui , Amaro ?
Amaro olhava o irmão bem dentro dos olhos. Duas esmeraldas que se refletiam em outras duas esmeraldas .
- Foi ... Como cê sabia disso , mano ?
- Sentia ... - tornou José , e os dois logo estavam se beijando , mas não era momento para aquilo. - Bora terminar de fazer as trouxa , mano ...
Mal conseguiram dormir aquela noite , tamanha era a expectativa e emoção de ambos. A hora do jantar com a família foi estranha , uma mistura de saudade antecipada , receio de voar do ninho , medo do desconhecido , do mundão de meu Deus que os aguardava ... Mas , desde que estivessem juntos , José e Amaro sabiam que eram capazes de enfrentar tudo e vencer na vida.
Cinco da manhã estavam de pé. Seus pais , já saudosos , os abraçaram , abençoaram e deram conselhos. Que fossem sempre bons e tementes a Deus , e respeitassem e obedecessem o senhor Abílio , como seu próprio pai fosse. Os garotos tinham um nó na garganta ...
Às sete da manhã em ponto uma luxuosa limousine , dirigida por um motorista uniformizado , dobrou na estradinha poeirenta. José e Amaro abraçaram os pais e cada um de seus irmãos e irmãs , e embarcaram no luxuoso veículo , levando suas velhas mochilas nos ombros ...
Num instante o humilde sítio onde haviam nascido e crescido ficou para trás , e a limousine rodava macia e veloz numa faixa asfaltada. José e Amaro , no banco de trás , se deram as mãos , entrelaçando os dedos , como sempre , aquele era o meio de se conectarem. A manhã era clara e fresca. Rodaram cerca de meia hora , até chegarem a Fazenda Pavão , de propriedade do sr. Abílio Prestes , uma das maiores da região...
Após cruzar a porteira branca , o carro ainda rodou muito tempo , por entre gado , pomares , jardins floridos , até chegar a um grande casarão pintado de branco com janelas azuis. O empresário , de camisa xadrez , calça jeans e botas de cowboy , os aguardava sorridente na entrada.
- Bom dia , meninos , sejam muito bem vindos ! - disse entusiasmado .
- Bom dia , responderam os dois com timidez.
- Vocês devem estar com fome ! Venham , vamos tomar nosso café da manhã...
José e Amaro o seguiram , abismados com o tamanho e o luxo do casarão. Era tudo cheio de tapetes , móveis reluzentes e lustres enormes de cristal. A mesa do café da manhã era maior que a casa deles e estava coberta de uma variedade impressionante de pães , bolos , sucos e frutas que eles nunca tinham visto.
- Sirvam-se , o que vocês preferem ? - perguntou o empresário. - Era tanta emoção e novidade ao mesmo tempo que os dois até nem tinham apetite , mas comeram alguns brioches e beberam suco de laranja. As empregadas de uniforme também os deixavam abismados. Depois foram para o escritório e José mostrou a Abílio o caderno onde compunha suas músicas.
Abílio folheou o caderno e arregalou os olhos. O rapaz era um poeta e um acabado artista !
- Isso é um tesouro , José ... - comentou. - Você é um compositor nato ! Agora , precisamos escolher um nome artístico para vocês. Eu tinha pensado em Leon e Luan. O que acham ? Você , José , passa a se chamar Leon , e você , Amaro , vai se chamar Luan. Gostam ?
Os dois garotos se entreolharam. Sentiram que os nomes escolhidos combinavam com eles.
- É , pode ser. - disse José por fim.
- Ótimo ! Agora vamos , que temos muito o que fazer !
Os três seguiram para a pista de pouso , onde um jatinho branco os aguardava pronto para decolar. Amaro , ao ver o avião , gelou e segurou na mão de José.
- Credo em cruz ave Maria , se benzeu , - Eu tenho medo desse negócio , mano...
- Carece ter medo não , mano. - respondeu José baixinho. - Gente rica voa nesse trem o tempo todo ...
Abílio , que ouvira bo diálogo de ambos , ria às gargalhadas.
- É verdade , José ! Ou melhor , Leon ! Não precisa ter medo , Luan , eu ando de avião todos os dias , e posso lhe garantir , é o melhor meio de transporte que existe! Mas já tive medo , como você ... Venham !
Embarcaram. O piloto já os aguardava. O jatinho começou a taxear na pista e logo eles estavam no ar e nada mais viam nem ouviam , a não ser o som abafado das turbinas. Amaro tremia. José o aninhou em seus braços. Então Amaro sorriu.
- Não estou mais com medo , mano ... Porque , se morrer do seu lado , eu morro feliz ...
O rosto de Amaro refletia uma entrega total. José ficou tão emocionado , que nem sabia o que dizer.
O empresário , na sua poltrona , os observava e tirava suas conclusões.
E foi nesse dia que nasceu a dupla Leon e Luan ...