Renascido para o amor - Final
Quando voltei a Londres, lady Sybill entregou-me uma carta vinda do Brasil. O remetente era uma mulher e, por uns instantes, segurando o envelope na mão, eu procurei me lembrar de onde tinha ouvido aquele nome. Meu irmão, ele mencionara o nome Amanda, era sua namorada que eu vi de relance no cemitério durante o enterro da minha mãe. Abri o envelope na maior pressa. O que levaria a namorada do meu irmão a me escrever uma carta quando isso já estava fora de moda? Depois, o envelope pardo pouco maior que de comum, devia conter um romance, pois, palpando-o, percebia-se que havia um bocado de papeis lá dentro. Oito folhas para ser exato saíram do envelope, algumas com tamanhos diferentes. Uma era a carta propriamente dita, os demais papéis eram cópias de e-mails, um comprovante de depósito no valor de 135 milhões de Reais, a favor de um tal Ernesto Boaventura Mendes e, papeis timbrados de uma conhecida estatal brasileira e do Senado Federal, com textos enigmáticos que, no entanto, deixavam transparecer algum tipo de fraude. No texto da carta ela mencionava que meu irmão estava de licença da sua função de diretor na área de fiscalização do Banco Central e, que precisou se esconder por que estava recebendo ameaças de morte. Ela me orientava a guardar secretamente aqueles papéis que faziam parte de um dossiê que ele havia elaborado envolvendo figurões do alto escalão do governo, do Senado e funcionários do próprio banco. Também me pedia para lhe enviar algum meio de comunicação que não os meus telefones e endereços de e-mails para que ele pudesse se comunicar comigo sem levantar suspeitas, pois estava pronto a fazer uma denúncia muito grave de corrupção. Eu entrei em pânico ao terminar de ler aquelas linhas quase incompreensíveis, o papel tremia em minhas mãos e, lady Sybill ao passar por mim, me questionou sobre a minha expressão lívida. Minha confiança nela era tão grande que reli a carta, traduzindo o texto à medida que progredia o conteúdo, com muita dificuldade, uma vez que meu português havia se perdido quase completamente ao longo dos meus anos na Inglaterra, e, pondo-a a par de todo o conteúdo daqueles papéis.
- Seu irmão deve estar correndo sério perigo de morte! Diga-lhe que venha para cá! Temos que fazer alguma coisa. Aqueles países da América Latina sempre foram um antro de bandidos e ex-presidiários que fugiram da Europa para colonizar aquelas terras horrivelmente tórridas, nem os séculos foram capazes de mudar essa realidade. – afirmou ela com a convicção pela qual os europeus conheciam o Brasil e seus vizinhos de língua espanhola. Lady Sybill tinha uma ojeriza nata pelos países tropicais onde, segundo suas próprias palavras, viviam aquelas pessoas de pele tostada pelo sol e mentes mesquinhas que, ou chafurdavam na miséria, ou na criminalidade.
- Nos últimos tempos o Brasil está imerso num mar de tramoias e corrupção, segundo tenho acompanhado pelos noticiários. Eu só não consigo entender o que meu irmão está tentando fazer. Dar uma de justiceiro no meio de tanta criminalidade é uma verdadeira loucura. – afirmei.
- Não se engane! Sempre foi assim! Desde que me recordo nunca chegaram de lá notícias que não fossem dessa natureza. – garantiu. – Desculpe-me, sei que é seu país, mas não se pode tapar o sol com a peneira. – emendou.
- Infelizmente tenho que concordar! Mas, no momento o que me preocupa é meu irmão. Ele é a única pessoa me que restou. – confessei, começando a embargar a voz.
- Vá atrás do seu irmão e traga-o para cá! – exclamou ela, num rompante.
- Temos muito a fazer por aqui, não é uma boa hora para eu me ausentar. Talvez nas férias! Ademais, eu não saberia onde procura-lo, uma vez que na carta a namorada dele diz que nem ela sabe de seu paradeiro, pelo que entendi.
- Esqueça tudo! Eu hei de me virar, você é um ótimo professor, não vou cometer nenhuma bobagem ou, pelo menos, vou procurar não cometer e, daqui a algum tempo pode ser tarde demais para que você possa fazer alguma coisa. – aconselhou ela, aumentando minha aflição com sua última frase. – Use toda a estrutura das empresas para fazer o que tiver que ser feito. O importante é trazer seu irmão são e salvo para junto de você. – acrescentou.
- Senhor Lucas? Senhor Lucas Migliano? – perguntou a voz grave no meu celular, que indicava na tela uma ligação do meu irmão, mas não era a dele, três semanas após a chegada da carta.
- Sim. – respondi inseguro. – Quem está falando? – questionei, ao confirmar que a voz não era do meu irmão.
- Alô! Delegado Savorelli da polícia federal do Brasil. O senhor é irmão do Murilo Migliano, não é isso? – continuou a voz. Eu me sentei no primeiro apoio que encontrei, pois minhas pernas tremiam tanto que não conseguia ficar em pé.
- O que deseja? – perguntei, não querendo passar mais informações do que as estritamente necessárias e, me preparando para desligar caso o que eu fosse ouvir do outro lado comprometesse meu irmão de alguma forma.
- Eu lamento informar que seu irmão foi encontrado morto esta manhã num apartamento de hotel. – como eu permaneci em silêncio por muitos minutos, a voz começou a perguntar se eu continuava na linha. – Alô, alô, alô! Senhor Lucas! Senhor Lucas, o senhor está me ouvindo? Caralho, o sujeito deve ter tido um piripaque! – disse a voz, um tanto irritada.
- Alô! Como foi isso? – minha voz teimava em não sair da garganta.
- Não sabemos ao certo! Ao que parece seu irmão está envolvido num caso de corrupção que estamos investigando. – disse o sujeito.
- Isso é uma calúnia! Você é um mentiroso! Meu irmão jamais se envolveria num crime! Vocês querem esconder a sua incompetência jogando a culpa no primeiro que encontram! – descambei a berrar, pondo para fora toda a raiva que estava sentindo.
- Estar em outro país não lhe dá o direito de me desacatar! Posso mandar prendê-lo onde quer que esteja! – exclamou petulante.
- Então faça isso! Mande me prender se conseguir! Os bandidos ficam soltos nesse país por que vocês não conseguem por as mãos neles, e os inocentes precisam se justificar perante a justiça. Se meu irmão está morto agora é por culpa de vocês! – continuei berrando, ao mesmo tempo em que começava a chorar, pois ouvir minha própria voz mencionando a morte de meu irmão estava sendo duro demais para mim.
- Não duvide que posso cumprir o que estou afirmando. Vou relevar pelo seu estado emocional, mas o senhor precisa entrar em contato com a policia federal aqui em São Paulo para tratar desse assunto. O senhor tem dez dias para se apresentar, caso contrário, estará sujeito a responder judicialmente. – ameaçou.
- Vá para o inferno! – berrei, antes de desligar.
Começou então o meu martírio. Mais uma vez não me estava sendo concedida a oportunidade de chorar por mais essa perda. Eu teria que ser prático, encontrar a namorada do meu irmão, descobrir o que ela sabia, ir atrás dos culpados pela morte do meu irmão e, inocentá-lo de tudo que o estavam acusando. Lady Sybill me consolou como uma mãe zelosa, amparou meu pranto em seu colo e me disse que faria de tudo para eu nunca mais sofrer nessa vida.
Naquela mesma semana acordei numa manhã chuvosa de outono determinado a investigar o assassinato de meu irmão, pois era assim que eu via sua morte súbita. Lady Sybill me estimulou a prosseguir, quando lhe contei meus planos. Através de um dos advogados da empresa fiz contato com um conhecido que ele tinha na Scotland Yard. Este, por sua vez, me colocou em contato com amigo da Interpol, e este, com um ex-agente da Interpol, já aposentado, que vivia no Brasil e tinha sido uma peça chave, quando ainda estava na ativa, por ocasião de uma investigação sobre o paradeiro de um ladrão e ex-presidiário que tinha fugido para o Brasil na década de 70. Este ex-agente, Colin Lambeth, fixou residência no Rio de Janeiro ao se aposentar e abriu uma agência de detetives particulares. Após minha ligação para ele, meu ânimo se redobrou, pois quase me garantiu que descobriria o que tinha acontecido com meu irmão.
- Vá com calma! Não acredite tão piamente nas pessoas! E, cuide para não se tornar vítima de extorsões por parte desse detetive. – aconselhou-me lady Sybill.
- Também era sobre isso que eu queria lhe falar. Não sei quanto tempo pode levar até eu chegar à verdade, meses talvez mais de um ano, por isso quero pedir minha demissão, pois não é justo deixa-la desamparada e continuar recebendo meu salário. Fico preocupado em deixa-la! Já conversei com o senhor Arthur Hanson, um dos advogados do departamento jurídico e, que sempre me ajudou muito quando comecei a trabalhar com Sir Edward, ele pode assessora-la durante a minha ausência e é de extrema confiança. – propus.
- De forma nenhuma! Coloque uma coisa na sua cabeça, não se deixa de ser o ex-amante só porque o Edward não está mais aqui e, muito menos, se perde o direito ao que lhe cabe por essa condição. Você sabe que em breve será feita a abertura do testamento do Edward e, nele você está contemplado por que eu mesma me incumbi de exigir isso dele. A muito você não é mais um funcionário das empresas que ele criou, mas seu herdeiro legítimo apesar das vias tortas pelas quais ele o colocou nessa situação. Leve o tempo que precisar, quando tudo estiver esclarecido você estará de volta ao seu posto. – toda vez que aquela mulher falava comigo dessa maneira eu me sentia a mais miserável das criaturas. Ex-amante, concubino e tantos outros adjetivos que ela já empregou para se referir a mim só me deixavam mais consciente do meu erro, da minha fraqueza.
Quando cheguei ao aeroporto de Cumbica, onde havia combinado de encontrar a namorada do meu irmão, notei que havia muitos policiais à paisana rondando pelo portão de desembarque do voo da British Airways. Dirigi-me à fila de estrangeiros do controle aduaneiro e, assim que entreguei meu passaporte ao agente da polícia federal, ele acionou um colega que logo se comunicou por telefone com outra pessoa. Fui orientado a acompanha-lo até uma sala do aeroporto com a minha bagagem.
- Este é seu passaporte? – perguntou o sujeito de terno que saiu detrás de sua mesa numa salinha acanhada sem janelas.
- Sim! Algum problema? – questionei.
- Senhor Lucas Migliano, o senhor é cidadão brasileiro, pelo menos é o que consta em nosso sistema quando deixou o Brasil com catorze anos de idade, na época o senhor apresentou um passaporte brasileiro para sair do país. – afirmou o sujeito, com um ar triunfante de quem pega um bandido em flagrante.
- Sem dúvida! Ocorre que não sou mais um cidadão brasileiro. Se verificar, notará que não fiz alistamento militar, que não possuo título eleitoral, que não tenho documentos que me vinculem a esse país. – revidei, procurando não disfarçar meu forte sotaque nem os erros de pronúncia que meu português capenga trazia. – Que eu saiba não existe crime em deixar de ser cidadão de um país! – exclamei petulante. A cara zombeteira do sujeito se transformou em frustração e raiva.
- Não, não é crime. De qualquer forma, precisamos averiguar algumas coisas. Sente-se ali enquanto procedemos à averiguação, por favor. – aquele seu ‘por favor’ foi pronunciado com uma exasperação fulminante.
Deixaram-me mais de quatro horas sentado naquela sala abafada num calor ao qual eu já não estava mais habituado, antes de me devolverem o passaporte, junto com algumas palavras sem nenhum sentido. Eu sabia que a partir de então, meus passos seriam seguidos por agentes que, à semelhança de cães farejadores, não me perderiam de vista. A Amanda me aguardava, cansada e angustiada, no saguão do aeroporto. A primeira coisa que me revelou foi que sabia estar sendo seguida desde a morte do meu irmão, de que tinham invadido o apartamento onde eles moravam, de que estiveram na empresa onde trabalha colhendo informações. E ainda, de que se mudara para a casa dos pais, assustada pelo que acontecera ao Murilo. Eu confirmei sua afirmação quando notei um carro nos seguindo com dois sujeitos dentro dele, fazendo de tudo para não nos perderem no trânsito caótico da Marginal Tietê e, depois de um tempo, outro carro também com dois sujeitos seguindo o restante do trajeto até o hotel onde eu ia ficar hospedado até encontrar um lugar para alugar. Na primeira saída que dei, naquela noite, para jantar num restaurante nas redondezas do hotel, ao voltar ao meu quarto vi que toda minha bagagem havia sido vasculhada. O rapaz da recepção ficou todo embaraçado quando o questionei sobre a violação do meu quarto, e não conseguiu dar uma explicação plausível.
No dia seguinte encontrei-me com o detetive Colin que me apresentou um de seus auxiliares, Fabiano, que ficaria à minha disposição em São Paulo, investigando e seguindo todas as pistas, além de me acompanhar no que fosse necessário. Ele logo percebeu que estávamos sendo seguidos assim que deixamos o hotel, mas sem muito esforço livrou-se do sujeito que estava em nosso encalço.
- Estou com medo! – revelei.
- Não se preocupe, tenho um esquema para garantir sua segurança. Você deve fazer tudo que o Fabiano te orientar, ele e quem mais ele trouxer para o caso estarão sempre armados e vão impedir que alguém se aproxime de você. Você também vai usar este celular que, mesmo se for rastreado, não vai vincula-lo a você ou a nós, para se comunicar conosco. Aconselho que contrate um bom advogado para também auxiliá-lo quando a polícia o abordar, pois pode ter certeza que eles farão isso constantemente. – aconselhou ele.
- Eu já providenciei isso. O nome dele é Alessandro Brandão. – respondi.
Comecei a procurar pistas no apartamento do meu irmão e da Amanda, apesar dela me garantir que não havia nada lá que pudesse servir para alguma coisa. Não foi o que aconteceu. Dentro de um foguete de brinquedo, movido à pilha, que meu irmão tinha ganhado num Natal e, onde ele costumava esconder o dinheiro que meu pai nos dava de mesada, que estava no maleiro do quarto deles, encontrei uma chave de um cofre de aluguel com um endereço.
- Incrível! Eu procurei por todos os cantos, não sabia que ele tinha essa colocado essa chave aí dentro. – admirou-se a Amanda.
- Coisas de irmão! – brinquei. – Você precisa me mostrar tudo que vocês tinham em comum, os lugares que frequentavam mais amiúde, meu irmão era cheio de truques e gostava de me fazer de bobinho quando não queria que descobrisse alguma coisa. – disse a ela.
- Não frequentávamos muitos lugares fora do apartamento. A casa dos meus pais, a do meu irmão, o sítio que meu pai tem, só isso. Ah! Esses dias recebi a escritura de um apartamento que compramos recentemente na praia, estávamos instalando os móveis quando tudo aconteceu. Mas, seu irmão esteve lá somente por duas vezes, sozinho, pois eu não pude acompanha-lo na ocasião. – revelou ela.
- Pois nós vamos a todos esses lugares! – afirmei. – Mais uma coisa, você sabe qual foi o destino da casa onde minha mãe morava?
- Verdade! Tem a casa da sua mãe. Ela foi alugada há mais ou menos quatro meses. Seu irmão não quis se desfazer dela, alegando que pertencia a vocês dois e, que se você um dia voltasse, talvez quisesse morar lá. – quando ela terminou de falar eu estava chorando.
Meio sem jeito, foi na casa onde passei minha infância, que iniciei minha procura por pistas. O casal de idade que alugara a casa não se opôs à minha entrada quando lhes contei minha história. No cofre da parede do quarto dos meus pais, ao qual o casal não teve acesso e nem interesse em usar, encontrei um calhamaço de papeis, após me lembrar da sequência de números que o abria, a data do meu aniversário e do meu irmão. Antes de partir, a senhorinha nos serviu um café com bolinhos de chuva, algo que minha mãe fazia quando o Murilo e eu não lhe dávamos sossego nos dias em que as trovoadas de verão durante as férias não nos permitiam ir brincar na rua. Enxuguei disfarçadamente as lágrimas algumas vezes, olhando pela janela da sala para a rua que parecia não ter mudado muito desde a minha partida. Revi-me voltando da escola a pé, que ficava apenas alguns quarteirões distante de casa, no verão, junto com outras crianças todas suadas falantes e risonhas; andando de bicicleta com meu irmão pelas ruas tranquilas e arborizadas do bairro onde morávamos; sentado à mesa do jantar quando meu pai ainda era vivo e nos contava histórias de sua infância, que sempre me pareciam muito longínquas, perdidas numa época que só me era possível recriar a partir de seus relatos – esses territórios de infância me provocavam uma dor terrível, talvez por causa de seu desaparecimento sempre brutal e gradativo, que prefigurava provavelmente o meu, dado o imbróglio no qual estava me metendo, e o medo de acabar meus dias sem ter vivido um amor verdadeiro.
- Está tudo bem, meu filho? – questionou a senhorinha vendo minha desolação.
- Só lembranças muito queridas! – exclamei lacônico, para não voltar a chorar na frente deles.
Eu já estava no Brasil há mais de três semanas, ocupado percorrendo todos os lugares por onde meu irmão havia passado, só restando seu escritório no Banco Central, ao qual eu não teria acesso sem me valer de uma sugestão pouco lícita que o Fabiano havia sugerido e, o sítio dos pais da Amanda que ficava num município próximo de São Paulo, quando fui abordado por dois policiais da polícia federal na saída do hotel.
- Senhor Lucas Migliano? – cada vez que eu ouvia um sujeito arrogante trajando um uniforme de polícia me perguntando se eu era eu, sabendo ele quem eu era, meu sangue fervia.
- Não! Sou a lady Gaga! – devolvi acintoso.
- Isso não é uma brincadeira, senhor Lucas! – exclamou o imbecil.
- Então não se faça de cretino sabendo muito bem quem eu sou. Vocês estão me seguindo há semanas, ou pelo menos tentando, com sua habilidade espantosa. – revidei, sabendo que eles tinham me perdido de vista inúmeras vezes, graças às artimanhas do Fabiano.
- Posso lhe dar voz de prisão por desacato! – exclamou o outro sujeito, socorrendo o colega.
- Não me diga! É só essa frase que consegue dizer para provar a si mesmo que é uma autoridade só por estar usando esta farda? – questionei. O sujeito se enfureceu e pensei que ia me bater.
- O senhor tem que nos acompanhar até a superintendência da policia federal! – afirmou, achando que com isso ia me intimidar.
- Baseado no quê? Qual é a acusação que tem contra mim? – revidei.
- Nenhuma! – a voz do cretino até titubeou quando falou.
- Então saia da minha frente! Tenho mais o que fazer do que ouvir sua conversa fiada! – retruquei.
- O senhor deveria ter se apresentado ao delegado Savorelli há quase dois meses atrás. – disse o outro sujeito.
- Onde está a intimação? – questionei.
- Não há uma intimação formal. O delegado Savorelli apenas precisa conversar com o senhor sobre a morte do seu irmão. – respondeu o mesmo sujeito.
- Então peça ao delegado Savorelli que faça me mande uma intimação, através de meu advogado. Aqui está o cartão dele. Boa tarde, senhores! – se pudessem eles me estrangulariam ali mesmo, no lobby do hotel.
A intimação veio quatro dias depois, e o Alessandro me acompanhou até a superintendência da policia federal.
- Senhor Lucas Migliano? Bom dia! – disse o delegado Savorelli quando fomos levados à sua sala. Eu não me dei ao trabalho de responder.
- Meu cliente veio por conta desta intimação! – disse o Alessandro, estendendo o papel na direção do delegado. Ele não a pegou das mãos do Alessandro.
- Não teria sido necessária uma intimação se seu cliente tivesse vindo espontaneamente. Só queremos ouvi-lo numa conversa informal. – devolveu delegado.
Eu havia imaginado o delegado Savorelli como um senhor de meia idade, gordo, meio careca, devido à voz rouca e pausada e muito grave que ouvi ao telefone quando ele ligou para Londres me comunicando a morte do meu irmão. Mas, ele não devia ter mais do que a minha idade, era um sujeito troncudo e musculoso com mais de um metro e noventa de altura, usava uma farda preta com distintivos distribuídos por todo lado, que mal disfarçavam seus músculos enormes por baixo do tecido. Ele usava um cabelo curto que o fazia parecer mais jovial e tinha uma barba cerrada que chegava ao pescoço largo e musculoso, muito bem escanhoada. Ele tentava se manter calmo, mas notei que havia se abalado com a minha chegada, talvez devido às palavras duras que troquei com ele ao telefone e, ao histórico com os dois policiais que enviara para o hotel. Nossa conversa até que transcorreu tranquila, até ele começar a insinuar que meu irmão estava sob suspeita de ter se envolvido num grande esquema de corrupção.
- Eu já lhe disse uma vez e vou repetir. Meu irmão jamais faria qualquer coisa ilícita! Essa acusação é um absurdo! – exclamei exasperado, em resposta a sua insinuação.
- É impossível manter um diálogo civilizado com sua pessoa! – retrucou ele, perdendo a compostura.
- Enquanto sua pessoa continuar a acusar meu irmão de algo que ele não cometeu e, não descobrir quem o assassinou, não me peça para ser civilizado, coisa que vocês desconhecem nesse país! – eu já me via usando as mesmas expressões que lady Sybill, do tanto que desacreditava do Brasil.
- Não seja irônico comigo! Posso mandar prendê-lo por desacato! – eu ri na cara dele.
- Sua pessoa faz ideia de quantas vezes eu já ouvi essa expressão desde que desci do avião? Isso não me abala mais! Procure se valer de frases mais inteligentes. – revidei. O Alessandro colocou a mão no meu braço, como que implorando para eu me calar, antes das coisas tomarem um rumo difícil de contornar.
- Seja inteligente você, e ouça seu advogado! Garanto que vai lhe poupar muitos dissabores! – retrucou ele, tão ou mais abalado com aquela conversa do que eu. – Preciso lhe mostrar uma coisa. Não sei se é o momento ideal, uma vez que seu estado de espírito já não é dos melhores. – acrescentou ele. Eu ia revidar, mas o olhar penetrante do Alessandro me calou.
O delegado Savorelli tirou de um das gavetas de sua mesa um envelope e espalhou umas fotografias ampliadas sobre a mesa. Nelas aparecia o corpo do meu irmão sem vida, no chão do apartamento de um hotel, em seu rosto, dois grandes cortes partiam dos cantos da boca até as orelhas, formando o infame “sorriso de Glasgow”, desfigurando-o completamente. Ao ver aquelas imagens, eu precisei me sentar na cadeira que o delegado havia oferecido, e que eu havia recusado perempetoriamente.
- Estas imagens foram feitas pela perícia quando encontraram o corpo de seu irmão. Lamento expô-las dessa maneira, mas o senhor faz ideia de quem poderia ter feito isso? – perguntou, numa voz mais branda.
- Não. – devolvi, sentindo as lágrimas descendo copiosas pelo rosto e, tão ferido como se acabassem de me cravar um punhal no peito.
- Temos uma série de indícios dessa investigação que prossegue. Tudo o que o senhor puder nos revelar pode ajudar a chegar a quem fez isso com seu irmão. Precisamos do maior número de informações que puder nos fornecer. – a voz do delgado Savorelli, repentinamente parecia mais com um acalanto à minha dor, toda empáfia havia desaparecido.
- Farei o que puder para ajudar. Sei que não começamos muito bem, mas vou lhe suplicar, descubra quem matou meu irmão, por favor. – ele me encarou, pela primeira vez, com um olhar doce e compreensivo. Estendeu-me a mão na despedida e apertou a minha com firmeza, como se estivéssemos selando um pacto de paz.
- Aconselho-o a não ficar bisbilhotando por aí, quem fez isso com o seu irmão não é nenhum amador e está amparado por forças poderosas. Creio que já sabe disso, mas é bom reforçar. – a expressão acusatória havia voltado ao seu rosto másculo.
- E, eu lhe seria muito grato se tirasse seus capangas do meu encalço! – devolvi, tirando minha mão da dele num gesto brusco e grosseiro.
- É melhor não desafiar esse delegado como você vem fazendo. Essa nova geração que entrou na polícia federal é bem mais escolarizada e preparada do que seus antecessores. Eles têm feito grandes estragos nas quadrilhas de criminosos de todo o tipo. – preveniu-me o Alessandro.
- Há algo nesse sujeito que me irrita profundamente! Desde aquela vez em que ligou para mim em Londres não tenho paciência de ouvir sua voz. – devolvi.
O Fabiano foi comigo e com a Amanda até o sítio dos pais dela. Não demoramos a perceber que estávamos sendo seguidos por um carro com dois sujeitos.
- É aquele delegadozinho que não me deixa em paz. Só podem ser os capangas dele novamente. – afirmei convicto.
O Fabiano os achou muito amadores para se exporem assim tão despreocupadamente, e duvidou que fossem da polícia. Tentou livrar-se deles, mas não conseguiu. Ainda na rodovia dos Bandeirantes, rumo ao interior, um deles começou a disparar contra o nosso carro, tentando alveja-lo, já que eu estava ao volante. Por sorte uma viatura da polícia rodoviária tentando aplicar multas por excesso de velocidade, estava camuflada num matagal à beira da rodovia e os policias presenciaram a tentativa de nos atingir. Iniciaram uma perseguição, o que nos deu a chance de escapar, pois a vicinal que levava ao sítio estava logo adiante. A Amanda estava petrificada no banco de trás, incapaz de dizer qualquer coisa que não fosse seu temor de ser assassinada. Eu não podia acreditar que, em pleno século XXI, ainda houvesse bandidos agindo a luz do dia como se nada os pudesse deter. A cada dia meu pensamento ia se afinando mais com o de lady Sybill, e eu concordava que esse país não valia grande coisa. Vasculhamos o sítio o dia inteiro à procura de alguma pista que meu irmão pudesse ter deixado. Havia anoitecido e nada. O Fabiano achou mais prudente pernoitarmos por lá, pois a presença do caseiro era um fator a mais de segurança. No entanto, durante a madrugada, a casa principal foi invadida pelos dois sujeitos que atiraram contra nós na rodovia. Fomos acordados aos berros e sob a mira de suas armas. Eles exigiam o dossiê contra um senador, que alegavam estar de posse do meu irmão. Eu me lembrei daqueles papeis que encontrei na casa onde morei durante a infância, mas eles não mencionavam o nome do senador e nem se pareciam com um dossiê, embora fossem papeis que continham uma prova, eu só não sabia do quê. Como continuávamos a negar o conhecimento desse dossiê, um deles resolveu que atiraria na Amanda na minha frente para me fazer abrir a boca. Aproveitando-se da distração do outro o Fabiano tirou-lhe a arma e o alvejou no abdômen. O que ia atirar na Amanda se perdeu na confusão, fez um disparo que acertou a vidraça de uma janela, a Amanda gritou desesperada pensando ter sido atingida e o Fabiano deu um tiro fatal no sujeito, acertando sua cabeça. Eu estava lívido e demorei a conseguir acudir a Amanda. O caseiro apareceu em seguida, armado, atraído pelos disparos. Explicamos o que estava acontecendo para tranquiliza-lo e, foi nessa hora que ele se lembrou de algo providencial.
- O ‘seu’ Murilo gostava de ficar horas mexendo nos carros antigos no galpão, lembra dona Amanda? – mencionou.
- Que carros? Do que ele está falando? – perguntou o Fabiano.
- Eu não os levei até o galpão por que já estava tarde, pensei em fazermos isso amanhã cedo. Seu irmão comprou uma Brasília ano 1974 e, algum tempo depois, um Fusca ano 1961 e começou a restaurá-los. Você tem razão Firmino, ele passava muito tempo lá dentro. Talvez encontremos algo por lá. – recordou-se ela.
O dossiê contra o senador e mais uma porção de outras provas estavam dentro de uma caixa de ferramentas de ferro com um cadeado que o Fabiano precisou arrebentar para chegarmos aos papeis.
- Era isso que esses sujeitos procuravam! Apesar de terem esses distintivos nos bolsos, não creio que sejam policiais de verdade, ou se são, estão a mando de alguém com acesso à polícia. – argumentou o Fabiano.
- Aquele delegado! O tal Savorelli está metido nisso! – disparei.
- Não acredito! Se eles forem da polícia, não são da federal. – retrucou o Fabiano.
- E o que vamos fazer com eles? – perguntei, preocupado em me desvencilhar daqueles corpos.
- Vamos coloca-los na mala do carro deles e deixa-lo próximo a rodovia. – devolveu o Fabiano. Pela cara do caseiro, ele parecia estar se sentindo num filme de ação e, se prontificou a nos ajudar com aquilo tudo.
Quando fomos ao endereço que estava no papel que acompanhava a chave encontrada no foguete de brinquedo do meu irmão, percebemos que se tratava de um armazém que alocava boxes e a chave pertencia ao box B2-044, onde encontramos cópias de muitos documentos, alguns semelhantes aos que a Amanda tinha me enviado a Londres, que logo percebi pertencerem ao mesmo lote. Eram provas de transações bancárias entre quase vinte pessoas com repasses milionários entre as contas dessas pessoas. Uma dessas pessoas era um doleiro que o Fabiano conhecia por já estar envolvido em outros esquemas fraudulentos noticiados pela mídia, dos quais conseguiu se livrar por falta de evidências.
- Estamos mexendo num vespeiro, num vespeiro de tubarões! – afirmou o Fabiano. – Se desconfiarem que você está de posse desses papeis e, das informações neles contidas, sua vida não vale mais que um centavo! – acrescentou, deixando-me apavorado.
Fui novamente intimado pelo delgado Savorelli alguns dias depois. Quando cheguei ao seu gabinete com o Alessandro, ele estava furioso. Havia mais dois delegados e outros dois sujeitos, um deles eu reconheci imediatamente, pois tinha sido um dos que me seguiu numa das vezes que fui à casa dos pais da Amanda.
- Eu não disse que é para o senhor parar de bancar o detetive por aí? O que está querendo esconder de nós, senhor Lucas? Está correndo atrás das provas que incriminam seu irmão? – disparou ele, assim que o sujeito que me seguiu fechou a porta do gabinete após a nossa passagem.
- Não estou escondendo nada! Estou apenas querendo provar a inocência do meu irmão, uma vez que, em meses, os senhores não conseguiram absolutamente nada, a não ser querer me intimidar desde que cheguei aqui. – retruquei exasperado.
- Não vou mais tolerar suas afrontas! Avise seu cliente de que vou prendê-lo! – disparou em direção ao Alessandro. – Sei que o senhor e o detetive que trabalha para o senhor são os responsáveis pelos dois corpos que foram encontrados numa vicinal de terra próximo à rodovia dos Bandeirantes. Posso prendê-lo por isso, sabia? É crime matar pessoas nesse país, o senhor sabia, senhor Lucas? – ironizou.
- Não sei do que o senhor está falando! Se é crime matar pessoas nesse país, por que os criminosos que mataram meu irmão estão soltos por aí? E o senhor volta a me ameaçar de prisão, um inocente! Deve ser mais fácil do que caçar bandidos! – exclamei, encarando-o sem medo. Ele deu um soco na mesa que fez um dos delegados levar um susto.
- Não me provoque! O senhor sabe do que estou falando, não minta para mim! E, de inocente o senhor não tem nada! O senhor é um suspeito! Um suspeito de receber dinheiro desviado de empresas estatais e não uma vítima inocente, senhor Lucas! Eu vou provar isso e vou lhe proporcionar longas férias numa prisão. – berrou, a ponto das veias de seu pescoço troncudo saltarem formando grossos cordões sob a pele.
- Tentaram me matar! Se não foram seus capangas, onde eles estavam quando sofri o atentado? O senhor não consegue me prender por que não consegue provas para isso, não é mesmo? Seja sincero, e me responda! – afirmei.
- Da próxima vez que o senhor se referir aos meus policiais como capangas eu vou lhe dar voz de prisão! E não se preocupe, eu vou encontrar as provas de que preciso. Agora suma da minha frente! – berrou, dando-me as costas.
- É um prazer! Tenham uma boa tarde, senhores! – revidei. O Savorelli grunhiu alguma coisa para o delegado que estava ao seu lado e me viu partir, mais uma vez, de seu gabinete sem ter o que fazer. Aquilo estava acabando com seus brios.
Eu sabia que estava muito à frente de suas investigações, com os papeis que estava encontrando. Eu precisava ir ao apartamento da praia que a Amanda mencionou. Se meu irmão esteve lá por duas vezes, tão próximo de sua morte, é porque estava deixando pistas por todos os lados. Eu precisava encontrar todas e, com a ajuda dos detetives e do Alessandro, desvendar todo o esquema que custou a vida do meu irmão. Resolvi esperar umas semanas antes de ir ao apartamento. Depois do meu último encontro com o Savorelli a polícia não me deixava sossegado. Eu era seguido constantemente para qualquer lugar que fosse, assim como o Alessandro e o Fabiano. Eu saí do hotel e aluguei um flat para ter mais privacidade, embora não tivesse dúvida de que um dos flats no mesmo andar servia de QG para os homens do Savorelli. Poupei a Amanda o tanto quanto me era possível, pois ela estava desgastada com tudo aquilo e devia estar arrependida do dia em que conheceu meu irmão.
- Não é nada disso, Lucas! Eu amei seu irmão desde o primeiro dia em que o vi. Não me conformo com o que fizeram com ele. Assim como não me conformo de ele nunca ter me dito nada sobre o que se passava com ele. – desabafou ela, durante um almoço de domingo na casa de seus pais.
- Ele só quis te poupar, assim como fez comigo! Agora estamos pagando a dor por sua ausência. Meu irmão sempre foi um cara incrível! Esse meu jeito respondão sempre me meteu em confusão, tanto com meus pais quanto na escola ou com os garotos da rua. Quando eu estava prestes a levar uns sopapos dos meus pais ou levar uma surra da molecada quem é que vinha me acudir? O Murilo! Ele sempre estava lá quando eu precisei. É por ele, por essa generosidade dele, por todo esse amor que ele sempre teve por mim que eu preciso descobrir quem fez isso com ele. Pode ser uma obsessão minha, mas eu jamais vou conseguir descansar em paz se não conseguir colocar os culpados por sua morte na cadeia. – argumentei.
- Eu sei como é. Eu quero o mesmo. Você e eu tivemos pouco contato, apenas algumas horas quando você veio para o enterro da sua mãe, mas o Murilo falava tanto de você que, agora vendo o seu jeito, parece que o conheço há anos. Você é exatamente como ele te descrevia. – nós nos abraçamos e choramos juntos.
Por conta de uns compromissos familiares a Amanda não pode me acompanhar até Ubatuba onde ficava o apartamento. O Fabiano tinha ido ao Rio de Janeiro se encontrar com o Colin para traçar uma estratégia para desvendarmos o conteúdo daquela papelada. E, o Alessandro teve que acompanhar a internação de seu caçula que teve uma apendicite aguda e precisava ser operado com urgência.
- Espere mais dois dias, eu vou com você e, talvez até lá o Fabiano também já esteja de volta. – disse o Alessandro na véspera do combinado para irmos ao apartamento.
Eu esperei um dia, no seguinte já não aguentava mais ficar entre aquelas paredes do flat sem fazer nada. Esses policiais escondidos no flat ao lado vão me acompanhar de qualquer forma mesmo, não importa o que eu faça. Então vou checar o que tem naquele apartamento. Meditei com meus botões por mais algumas horas, ponderando prós e contras, riscos e perigos. Todos me pareceram insignificantes diante da verdade que eu precisava provar. Após o almoço peguei o carro e rumei em direção ao litoral norte. Eu nunca estivera em Ubatuba, chequei o trajeto no Waze, consultei o Google e me enchi de coragem. Era um sábado de pouco sol, mas a estrada estava cheia. Atrapalhei-me com um reflexo na tela do celular e perdi a saída para a rodovia dos Tamoios. Circulei por quase uma hora até me encontrar novamente. Uma carreta tombada no trecho de serra criou um congestionamento gigantesco. As horas iam passando, a tarde ia sendo substituída pela noite e eu continuava parado entre outros milhares de carros. O dois policias que me seguiam desde a garagem do flat estavam quatro carros atrás de mim na faixa ao lado. Por pouco não caminhei até eles com as barras de chocolate que trazia comigo, mas achei prudente não provoca-los. Eu não tinha ninguém além deles se alguma coisa desse errado.
Quando os veículos começaram a se mover lentamente restava pouca luz do dia. Gritos e uma confusão atrás de mim chamaram minha atenção. Havia um aglomerado de pessoas que haviam descido dos carros nas pistas e, me impediam de ver o que estava acontecendo, mas a confusão parecia estar ocorrendo próximo ao carro dos sujeitos que estavam me seguindo. Apesar da escuridão e dos fachos dos faróis eu tentava identificar o carro que me seguia, mas não os vi mais. Cheguei ao condomínio em Ubatuba por volta das vinte horas. Levei um tempo conversando com o porteiro que ficava interfonando para dois ou três lugares querendo confirmar uma autorização para me deixar entrar. Quando finalmente lhe deram o aval, ele me apontou um dos quatro blocos de apartamentos implantados na encosta rochosa que descia até o mar. Entremeados de jardins, os blocos eram formados por três andares onde se podia identificar cada apartamento pelos terraços com vista para o mar. Por estarmos fora da temporada, o bloco onde se situava o apartamento do meu irmão estava completamente vazio e imerso na escuridão. Assim que adentrei no hall do térreo, uma luz se acendeu e, assim foi se sucedendo enquanto eu avançava por um longo corredor no qual se distribuíam as portas dos apartamentos. O ar dentro do apartamento guardava o cheiro da maresia e de cola de marceneiro. Abri as portas que davam para a varanda e uma brisa fresca começou a dissipar o ar estagnado. Olhei para tudo ao meu redor pensando por onde começar a minha procura. A instalação da marcenaria ainda não estava completa, apenas a cozinha e a sala tinham sido concluídas. Nos três dormitórios ainda havia peças espalhadas pelo chão e o esqueleto dos armários ao longo das paredes me lembraram esqueletos de um laboratório de anatomia. Vasculhei a cozinha a procura de um fundo falso nos armários ou gavetas, já que meu irmão tinha essa tendência de camuflar suas preciosidades em escaninhos que ele próprio criava, mas não encontrei nada além de uma daquelas pastas acartonadas para guardar papeis com os cantos fechados por elásticos, sobre o balcão, cheia de desenhos dos projetos dos armários e, sobre ela, um caderno espiral onde, ao folhear suas páginas, uma letra analfabeta tinha anotado medidas, algumas datas com valores diante delas e, alguns números de telefone. Nos quartos também não havia nada, a despeito de eu ter apalpado as paredes na tentativa de encontrar algum oco que pudesse servir de esconderijo. Na sala, porém, encontrei o que procurava atrás de um fundo falso na estante. O dispositivo invisível era acionado por um fecho do tipo que se comprime para ele liberar o travamento. Fiquei tão maravilhado com o que estava vendo, pois percebi que, de tudo que havia encontrado até o momento, aqueles papeis eram os mais importantes. Meu irmão havia feito um esquema que mostrava exatamente como uma verdadeira fortuna tinha circulado por diversas contas bancárias todas devidamente nomeadas, havia datas, valores e, algumas observações ao lado de cada figura de uma espécie de organograma.
- Finalmente peguei-o em flagrante, senhor Lucas! O senhor não calcula a alegria que isso me dá! O senhor está preso por associação ao crime de corrupção, desvio de recursos públicos, e outros tantos crimes! – reconheci imediatamente a voz do delegado Savorelli, mesmo antes de me virar em sua direção e, me lembrar de não ter voltado para a porta para trancá-la quando caminhei no escuro em direção às portas da varanda. – Dê-me estes papeis!
- Não! Quer dizer, não é o que o senhor está pensando. Eu encontrei as provas que inocentam meu irmão. – balbuciei, ainda sob o impacto do susto.
- Ou o incriminam! – exclamou ele.
- Seu único objetivo é jogar a culpa sobre meu irmão, e eu já disse que ele seria incapaz de cometer um ato desses. – devolvi com firmeza, pois além de constatar que ele estava sozinho, tinha me refeito do susto. Ele arrancou os papeis das minhas mãos e começou a examiná-los.
- Aqui está todo o esquema financeiro da quadrilha! Vai ser difícil provar a tal inocência de seu irmão quando ele contabilizou cada centavo desviado. – afirmou ele.
- O senhor está decidido a incriminar meu irmão, não importa o que as provas mostrem! Sei que deve ter uma arma debaixo dessas roupas, tire-a devagar e a jogue para fora através da varanda! – eu apontava uma arma que o Fabiano me mandou carregar para todo lado depois do atentado que sofremos no sítio dos pais da Amanda.
- Esse foi um grande erro, senhor Lucas! Mesmo que seja verdade que não tem nenhum envolvimento com o caso, agora o senhor vai precisar de um bom advogado para se livrar de um processo por obstrução da justiça e atentado contra um agente federal. – devolveu ele.
- Poupe-me de seu discurso e faça o que eu mandei. Não vou hesitar em usar isso se necessário. – ameacei, mesmo com minhas mãos tremendo tanto que a arma não parava no lugar.
Eu nunca tinha empunhado uma arma e estava me sentindo um bandido com aquele metal nas mãos. O delegado fez o que mandei, tirou sua arma debaixo da camisa e a atirou no jardim pela porta do terraço. Na outra mão segurava os papeis e, por uns segundos pensei que os fosse jogar lá embaixo também.
- Quero os papeis! – exclamei autoritário. Esticando meu braço livre para tirá-los dele.
No mesmo instante ele me puxou com força e eu quase perdi o equilíbrio, apertei o gatilho e um pedaço do forro de gesso despencou do teto formando uma nuvem de poeira. Ele me desarmou e partiu furioso para cima de mim. Agarrando minha camiseta polo com aquela mão enorme que mais parecia uma garra, ele me prensou contra a parede. Enquanto eu deva dois passos para trás tentando não cair, agarrei-me a sua camisa arrebentando uma porção de botões e espalmando minhas mãos sobre os pelos de seu peito. Dava para sentir os batimentos acelerados de seu coração sob uma das minhas mãos e o calor que emanava daquele corpo que se assemelhava a de um touro furioso.
- O senhor é a pessoa mais irritante que já conheci, senhor Lucas! Estou farto da sua ousadia! Seu amadorismo não é páreo para mim. – rosnou ele, a centímetros do meu rosto.
Eu me debatia tentando afastar aqueles mais de cem quilos de músculos determinados a me subjugar, enquanto ele girava minha camiseta em sua mão comprimindo-a contra meu peito e expondo boa parte do meu tórax. De repente, daquele rosto colérico e enrubescido saltou um olhar brilhante que foi adquirindo uma expressão concupiscente e libidinosa. Tentei verbalizar algum protesto, mas a boca dele se colou à minha e ele enfiou sua língua promíscua nela. A pele do meu rosto parecia estar queimando no local onde sua mão a tocava. A outra mão, que quase rasgara minha camiseta, estava deslizando pelo meu tronco e chegou ao meu mamilo, que foi amassado como uma folha de papel por seus dedos grossos e vigorosos. Minhas mãos, que há pouco procuravam rechaçar aquele torso hercúleo, só queriam sentir o calor daquela pele ligeiramente suada. Com as costas grudadas contra a parede como uma lagartixa, ele arrancou meu jeans e avançou sobre a minha bunda desnuda, com uma sanha bruta e primitiva. Cada vez que nossos olhares se encontravam produziam um efeito avassalador em nós. Quando ele começou a comprimir sua pelve contra a minha, notei sua ereção roçando minha coxa. Não sei o que deu em mim, mas eu comecei a escalar aquele macho, envolvendo minhas pernas quase na altura da cintura dele. Senti quando a mão dele deslizou para dentro do meu rego à procura do meu cuzinho. Em minutos ele enfiou o caralhão dentro dele, me fazendo ganir e cravar as pontas dos dedos em seu pescoço musculoso. Nossas peles, ao se tocarem, pareciam dissipar faíscas de uma energia que tinha sido acumulada por muito tempo e que, agora, explodiam como num curto-circuito. Aquele membro carnudo e quente entrava em mim destroçando tudo que encontrava pelo caminho, até se alojar tão profundamente que eu senti o sacão peludo dele enfiado no meu rego. Só então ele parou um pouco, inspirava o ar para encher seus pulmões e restabelecer o fôlego. Eu gemia com a boca seca e passava a língua pelos lábios para umedecê-los. Ele colou sua boca na minha e me beijou intensa e sensualmente. À medida que ele movia os quadris para frente e para trás, prensando minha pelve contra a parede, aquela rola mais parecia um bate-estacas alojando-se nas minhas entranhas receptivas. Eu quase havia me esquecido do quanto era bom sentir aquele vaivém cadenciado entre meus esfíncteres apertados e, tomado de um prazer doloroso, gozei no jeans arriado. Enquanto isso, ele movia sua boca pelo meu rosto, descia pelo pescoço, chegava a um mamilo e o devorava entre chupões e mordidas, o que só me fazia mover meus quadris num rebolado lascivo sobre sua jeba em riste e gemer com mais contundência. Provocador e presunçoso ele voltou a me encarar. Quando encontrou meu olhar imerso em prazer e tesão, ele começou a gozar. Eu sentia cada jato quente de porra sendo ejaculado dentro de mim. Inebriado com aquele prazer ele voltou a me beijar e recebi sua língua sorvendo sua saliva e seu sabor másculo. Nossos corpos estavam tão agitados que não sabíamos o que fazer. Eu continuava, feito uma lagartixa, grudado à parede, ele me segurava em seus braços, arfando e exaurido. Ficamos um bom tempo assim. Nenhum de nós queria quebrar aquele silêncio, pois parecia que ao fazê-lo, deixaríamos de sentir aquele deleite instalado em nossos corpos. Fomos interrompidos por uma repentina falta de energia que deixou o apartamento às escuras. Sem muita convicção nos desvencilhamos.
- Temos que sair daqui imediatamente! – disse o Savorelli. – A energia foi interrompida propositalmente. – emendou tenso.
- Ainda por cima isso. Era só o que me faltava! – exclamei, suspendendo a cueca e o jeans para me aprumar.
- O que foi?
- Estou sangrando, você me machucou.
- Eu não sabia que você ainda era virgem aos trinta e alguma coisa. Ninguém é virgem nessa idade! – retrucou ele, caminhando de um lado para o outro para tomar ciência da situação, enquanto guardava o cacetão nas calças.
- Eu não sou! Porém, não estava preparado para ser destroçado por um bagulho enorme como esse aí. – devolvi. Ele parou por um instante e olhou para mim, reconhecidamente lisonjeado com minha observação.
Tateando no escuro ele procurava alcançar a arma que tinha largado sobre o balcão da cozinha antes de partir para cima de mim. Ouvimos frases ganhando cada vez nitidez se aproximando pelo corredor. O Savorelli olhou pelo terraço e viu que era alto demais para pularmos. Ele agarrou meu braço e foi me conduzindo até a porta de saída. Duas sombras estavam na outra ponta do corredor. Saímos correndo e nossos passos apressados ecoando no corredor vazio fizeram os sujeitos disparar em nossa direção. Descemos uma escadaria de serviço aos tropeções. Os disparos nos perseguiam acendendo clarões na escuridão e ecoando como trovões no edifício vazio. Eles tinham se aproximado perigosamente de nós e o Savorelli revidou disparando contra eles, o que nos deu tempo de chegar aos jardins e nos esconder entre os arbustos.
- Não desperdice mais munição! Aqui está o que procuramos. – afirmou uma das vozes que nos perseguia antes do Savorelli e eu sairmos pela portaria do edifício.
A agitação e os tiros tinham feito algumas lâmpadas se acenderem nos outros blocos onde também começaram a surgir algumas caras curiosas e, minutos depois, já se ouvia sirenes de carros da polícia na portaria do condomínio.
- Mas que droga! Eu continuo sangrando. – exclamei, ao notar que meu jeans estava empapado pouco abaixo da dobra da nádega e da coxa esquerda.
- Só que esse não é culpa minha! Você levou um tiro. – disse o Savorelli quando olhou para a minha perna.
Logo estávamos cercados por policiais. O Savorelli se identificou e, mesmo assim, levou um tempo para acreditarem nele, uma vez que estava à paisana e sem nenhuma retaguarda, num procedimento pouco ortodoxo para se encaixar numa atividade da polícia federal. Depois de algumas ligações via rádio das viaturas, eles acreditaram na versão apresentada por ele.
- E este cidadão? Era ele quem o senhor perseguia? Precisa de alguma ajuda para dar voz de prisão? – questionou um sargento que me encarava como se eu fosse um meliante.
- Não é necessário. Eu mesmo o levo assim que minha equipe chegar aqui. – respondeu o Savorelli. Eles partiram nos deixando com o síndico perplexo e um vigia que parecia ter se cagado nas calças.
- Você vai mesmo me prender? – perguntei, apoiando-me numa muretinha, pois minha perna parecia estar pegando fogo.
- É essa minha função. – respondeu ele, embora eu não notasse nenhuma determinação para isso em sua voz.
- Temos que voltar ao apartamento primeiro. – afirmei.
- Você mal tem condições de se mexer. Assim que meus homens chegarem vou leva-lo a um pronto-socorro.
- Venha ao apartamento comigo, por favor. – insisti. Ele subiu contrariado comigo, mas deixou que eu me apoiasse nele para subir as escadas.
- Isso só vai te prejudicar ainda mais, essa perna deveria ficar imobilizada. – advertiu ele, quando eu mal tinha forças para vencer os últimos degraus.
- Aqui está o que você precisa! Só te peço que use essas provas e mais as outras que estão comigo para fazer justiça e não para incriminar meu irmão. – disse, entregando-lhe a papelada que havia recolocado no mesmo esconderijo, assim que a energia foi cortada e a confusão começou.
- Então o que foi que aqueles sujeitos levaram, eles tinham recolhido os papeis que caíram durante a fuga? – questionou surpreso.
- Eles levaram uma pasta contendo projetos de marcenaria e um caderno com anotações sem importância. – revelei. Ele abriu um sorriso para mim, como há tempos eu não recebia.
- Por que está me entregando essas provas agora? – perguntou.
- Por que você é o único que pode me ajudar a provar a inocência do meu irmão. E, por que ... deixe para lá. – respondi, desviando o olhar, pois aquele sêmen pegajoso no meu rabo estava me fazendo sentir um carinho avassalador por aquele macho destemido.
- Você precisa de cuidados médicos, vamos sair daqui. – disse ele, amparando-me no caminho até o carro.
- O projétil já devia ter perdido a força, pois não conseguiu transpassar essa abundância de músculos da sua coxa. Vou proceder à limpeza do ferimento, estancar essa hemorragia, aplicar um curativo e medicá-lo com antibióticos. Você vai precisar de uma cirurgia para remover o projétil que está alojado na musculatura. – disse o médico do pronto-socorro de Ubatuba, no meio da madrugada, depois de eu ter ficado por horas esperando atendimento no precário serviço público.
- Vou fazer isso em São Paulo! Grato por seus serviços. – respondi, bastante cansado daquele dia que parecia não ter fim.
- Poço deixa-lo onde preferir. – ofereceu-se o Savorelli, ou talvez só estivesse me acompanhando para garantir que eu não fugiria.
Faltava pouco para o amanhecer quando chegamos a um hospital em São Paulo onde prontamente fui levado ao centro cirúrgico para a retirada do projétil. Lembro-me de ter acordado, com a boca seca, num quarto estranho onde as persianas de uma janela deixavam ver um céu carregado de nuvens escuras por entre as paletas. Minha coxa esquerda doía bastante e eu não usava nada além de um avental sem mangas amarrado ao meu pescoço. Senti uma vertigem ao tentar me levantar e encontrar um pouco de água ou alguém que pudesse me trazê-la.
- Ei, ei, ei, onde é que o senhor pensa que vai? Volte para a cama! – ordenou uma voz feminina que acabara de entrar no quarto.
- Estou com a garganta seca e ardendo muito! – murmurei, sem voz.
- Vamos voltar para a cama que eu já providencio a sua água. – afirmou a enfermeira que me conduziu de volta ao leito. – Nada de estripulias, ainda é cedo para caminhar por aí. O doutor deve passar aqui dentro em breve e talvez o senhor tenha alta hoje mesmo. – enquanto ela discursava minha sede aumentava e, minha bunda exposta recebia lufadas de um ar refrescante. Dentro dela, a umidade pegajosa ainda era perturbadoramente perceptível e minha pele ainda parecia estar impregnada com o cheiro do Savorelli.
- Quer que eu mande seu amigo entrar? – perguntou ela, enquanto me servia a água que outra enfermeira acabara de trazer.
- Meu amigo? Quem está aí fora? – não sei por que, mas subitamente senti uma palpitação no peito e uma euforia prazerosa, só de pensar que a pessoa que ela mencionara podia ser o Savorelli.
- Não sei o nome, mas ele passou o dia inteiro sentado na saleta de espera vigiando sua porta. – afirmou a enfermeira. Depois de ela sair, um sujeito meteu a cara pela porta, mas não entrou no quarto.
- Tudo bem com o senhor? – questionou.
- Quem é você?
- Sou o agente Fernandez. Dentro em breve serei substituído por outro agente, estamos aqui para garantir que ninguém atente contra o senhor. – esclareceu ele.
- Ah! – deixei escapar desapontado. – Está tudo bem, obrigado.
O médico que a enfermeira mencionara não apareceu. A noite caiu e com ela uma chuva que batia com força nas vidraças da janela. Alguns raios iluminavam o céu escuro e um cansaço progressivo me fez adormecer. A aurora começava a despontar quando o médico entrou, me examinou e me deu alta. Pouco depois trouxeram uma bandeja com o desjejum e, apesar de não haver nada de apetitoso nela, eu devorei tudo de tão faminto que estava. Em seguida entrou um enfermeiro propondo-se a me auxiliar com um banho. Entrei na ducha e senti como a água morna ia retirando do meu corpo toda aquela tensão que só agora se dissipava. Eu estava nu sentado no leito quando o enfermeiro fez a troca do curativo da minha coxa e, ao concluir seu trabalho, me disse que eu podia me vestir que a alta já havia sido assinada. Ele mal saiu pela porta carregando seus apetrechos quando o Savorelli entrou, no exato momento em que eu estava agachado tentando enfiar a perna na cueca, com a bunda diretamente voltada para seu olhar concupiscente.
- Bom dia! Veio me prender? – devolvi ante o sonoro e risonho ‘bom dia’ que ele me desejou. Porém, logo me arrependi das minhas palavras. Numa das mãos ele segurava um discreto, mas lindo buquê multicolorido de astromélias, que estendeu na minha direção.
- Não! Vim saber se quer uma carona para casa. – respondeu ele, parecendo não se importar com a minha resposta, nem parando de secar a minha bunda.
- Perdão, não quis ser rude! – devolvi arrependido.
- Como você está? A enfermeira me disse que você já pode ir para casa. – continuou, ignorando mais uma vez minhas palavras.
- Bem! Posso sim. – respondi.
- Então vamos! Deixo você no flat, ou outro lugar que quiser. – isso confirmava minha suspeita de que controlavam meus passos do flat ao lado, mas eu não mencionei nada. Não quis estragar aquele clima pacífico entre nós.
- No flat está bom, obrigado!
No trajeto conversamos sobre amenidades e, pouco antes de ele estacionar o carro, pedi que ele subisse para eu lhe dar detalhes das outras provas que havia encontrado. Ele hesitou um pouco, quando me afastei ligeiramente dele e saltava feito um saci numa só perna em direção à portaria, ele fez uma rápida ligação no celular. O porteiro veio em meu auxílio e abriu a porta me amparando com um braço ao redor da cintura.
- Pode deixar que eu cuido disso! – afirmou o Savorelli, afastando o porteiro e assumindo seu lugar.
- Conseguiu avisar seus homens que estava subindo comigo? – perguntei, enquanto o elevador panorâmico subia. Ele me encarou com um risinho sarcástico e me deu um apertão na cintura. Eu gostaria de saber de onde vinha aquela vontade que eu tinha de deixar esse homem com os nervos à flor da pele.
Contei a ele tudo e como tinha conseguido cada uma das provas que estava em meu poder. Ele me disse que só faltavam as provas das transações financeiras para que ele e sua equipe desvendassem todo o esquema de corrupção, bem como todos os envolvidos. Uma vez juntadas ao restante do material podia concluir as investigações e passar o inquérito para o Ministério Público que já estava ciente de boa parte das fraudes, permitindo que fosse aberto um processo e os culpados começassem a ser ouvidos em todas as instâncias. Também combinamos de ir buscar, dentro de alguns dias, os papeis que estavam no armazém e alguns na casa dos pais da Amanda.
- Se hoje você tem estas provas é graças a meu irmão. Foi ele quem apurou meticulosamente todas as transações dessa quadrilha. Você precisa acreditar em mim. – asseverei, colocando sem perceber minha mão sobre a dele.
- Eu acredito! – exclamou, prendendo minha mão na dele. Aquele toque entre nossas peles era devastador, ambos sabíamos disso.
- Então você não vai mais me prender?
- Por enquanto, não! – eu não quis saber o que significava aquele ‘por enquanto’.
Depois de entregar tudo a ele, mudei-me para o apartamento do meu irmão, por insistência da Amanda, que alegou não ter mais condições de viver entre aquelas paredes sem o meu irmão. Eu queria acompanhar o andamento dos inquéritos, e sabia que isso podia levar até dois anos antes que os culpados fossem levados à justiça.
- Você o amava muito, não é? – perguntei a ela.
- Muito! Com toda a minha alma. Nós tínhamos planos, íamos oficializar a nossa união ainda este ano. Queríamos engravidar no ano que vem. Quando a gravidez estivesse confirmada ele queria ir para Londres, te convidar para ser o padrinho do bebê. – foi revelando, enquanto lhe brotavam as lágrimas. Eu a abracei e chorei com ela.
- Eu quero que ao final de tudo isso, o Murilo seja reconhecido como herói, como o homem que possibilitou que essa quadrilha fosse desmantelada e presa. – afirmei.
- Ele teria orgulho de você, passar por tudo que está passando para honrar o nome dele. – asseverou ela. – Prometa-me que nunca mais vamos nos separar. Ter um irmão como você é como ser dono de um tesouro.
- Prometo! Não me espanta que o Murilo tenha te escolhido, você é tão amável e doce.
O Savorelli manteve seus homens no meu pé até o Ministério Público acatar o inquérito e dar andamento no processo, ele alegava que era para a minha própria segurança, pois quem atentara contra mim podia querer obter as provas que agora já não eram mais um mistério e, sim, públicas por constarem do processo.
- Vou perder o controle dos teus passos! – disse ele, por sobre a mesa de um restaurante, numa noite em que aceitei seu convite para um jantar.
- E isso é importante para você?
- Muito!
- Posso saber por quê?
- Por que não consigo tirar aquela noite no apartamento de Ubatuba da cabeça. – eu não esperava que ele fosse tão objetivo.
- Eu também não consigo! – devolvi, por baixo da mesa nossos joelhos se tocavam e ele colocou uma perna entre as minhas.
- Quanto tempo você ainda fica no Brasil? – essa pergunta parecia um balde de água fria caindo sobre a minha esperança de ele confessar o que sentia por mim.
- Não sei ao certo. Talvez até eu ter a certeza de que para os culpados não haja mais volta, pois esperar por uma condenação pode levar uma eternidade nesse país.
- Você já aventou a hipótese de ficar por aqui?
- Eu tenho a minha vida lá, meu emprego, minhas obrigações, toda organizadinha, toda tranquila, sem perseguições, sem bandidos tentando me matar, é difícil abrir mão de uma vida assim, não acha?
- Some-se a isso uma pessoa esperando desesperadamente seu regresso.
- Não como você imagina, mas há sim alguém desejando meu regresso o mais breve possível.
- Eu tinha certeza disso! Ninguém em seu juízo perfeito te deixaria solto por aí por muito tempo.
- Ela se chama lady Sybill, ou melhor, é assim que eu a trato. Ela tem 76 anos, é um pouco ranzinza, odeia o trabalho e os trabalhadores, mas me tem como uma espécie de filho que não conseguiu ter.
- Do que você está falando? Você namora uma velha? – eu ri da cara espantada dele.
- Ela não me aceitaria, já que fui amante do ex-marido dela, meu patrão. – do espanto sua expressão mudou para a perplexidade total. – Não se assuste! Posso parecer um pervertido, mas te garanto que não sou.
Voltando ao apartamento contei-lhe toda a minha história, talvez motivado pelas três taças do saboroso Sauvignon que acompanhou meu magret defumado de pato e, por aquele par de olhos esverdeados que penetravam minha alma como dois intrusos querendo me desvendar. No avançado da madrugada, sentados cada um em uma extremidade do sofá e com as pernas entrelaçadas, ele me ouviu até eu dar por encerrado o relato da minha vida.
- Como você pode constatar fui incapaz de defender minha própria dignidade, tornei-me concubino de um homem que tinha idade para ser meu pai, entreguei-lhe minha virgindade, minha juventude, um carinho que ninguém mais parecia querer. Nenhum outro homem teria sido tão fraco, tão submisso, sem orgulho próprio e, principalmente sem a virilidade capaz de rechaçar aquele assédio. Depois de algum tempo, eu já não sabia mais quais eram os meus sentimentos para com aquele homem. Eu só sabia que ele era meu macho, que o carinho que ele me dedicava era o meu mais seguro porto nessa vida. Quando ele se foi, eu vaguei como as nuvens no céu, seguindo a direção que os ventos determinam. – concluí.
- Não sei como pode pensar isso de si próprio. Tudo que você certamente não é, é um ser fraco, submisso e resignado. Um homem com essas características jamais se abalaria na defesa do irmão, passando por atentados e provações, lutando e mostrando uma determinação e uma coragem que poucos têm. – afirmou ele. – Foi justamente essa sua obsessão quase doentia que me irritava tanto. – emendou.
- Irritava? No passado? Quer dizer que não lhe provoco mais sentimentos tão fortes? – inquiri, focando um olhar desamparado no dele, pois o calor de sua perna que subia pela minha já fazia meu cuzinho se contorcer em espasmos.
- Nunca pensei que eu dia diria isso a outro homem, mas eu te desejo como nunca desejei nada na vida. – ele veio na minha direção e me tomou em seus braços, antes de começar a tocar seus lábios nos meus. Durante o demorado beijo que se seguiu, ele puxou minha camisa para fora da calça e começou a desabotoá-la.
- Não! Não, assim, não. – impedi-o de prosseguir, segurando suas mãos.
- Desculpe-me, eu pensei que você também estivesse afim.
- Não é isso. Venha comigo. – segurando sua mão levei-o até meu quarto. – Até hoje, sempre partiram para cima de mim e me pegaram, apenas me permitindo usufruir das investidas conforme o próprio desejo. Nunca coube a mim escolher como seria pego, você entende? – argumentei.
- Não sei se compreendi, mas me parece que seu desejo é tomar uma vez a iniciativa. É isso? – questionou. Ante a minha confirmação ele sorriu, talvez aliviado por aquela ereção se formando entre suas pernas, afinal não ser em vão.
Ele ficou ainda esperançoso quando chegamos ao quarto. Acendi apenas a luz da cabeceira, o que deixava o ambiente num lusco-fusco aconchegante. Aproximei-me dele e o beijei, acariciando sua nuca e seus cabelos, os braços dele se fecharam ao redor do meu tronco e me trouxeram para junto dele. Desabotoei lentamente sua camisa, abrindo-a e expondo seu tórax másculo. Ele acompanhava minhas mãos com um olhar curioso. Beijei-o novamente, só que desta vez, fui descendo da boca ao queixo, deste ao pescoço, do pescoço ao peito, sempre numa mansidão e tocando meus lábios numa suavidade quase imperceptível que exigia que ele concentrasse toda sua sensibilidade táctil na pele que ia sendo tocada. Funcionou, pois ele parecia receber cada toque como um choque indelével, e arfava quando isso acontecia. Beijei cada um de seus mamilos, ele se contorceu. Toquei a ponta dos dedos nos seus pelos e deslizei-os por todo tórax antes descer lentamente até o abdômen, brinquei ao redor de seu umbigo e ele sorriu para mim, um sorriso safado e sensual. Desabotoei sua calça e abri o zíper, o contorno da gigantesca ereção estava bem diante dos meus olhos, me seduzindo com seus impulsos provocados pelo tesão que ele estava sentindo. Desci a calça até os pés dele e, um seguido do outro, ele os ergueu para que eu pudesse tirar a calça. Toquei, com a ponta de dois dedos, a rodela úmida que havia se formado na cueca onde estava a cabeça da pica, e levei os dedos molhados à minha boca e os lambi. Seus olhos não se moviam, o olhar petrificado resplandecia o êxtase que ele estava sentido. Desci a cueca até os joelhos, liberando o caralhão. Ele se apressou a terminar de tirar a cueca, postando-se diante de mim com as pernas ligeiramente abertas. Durante esses movimentos, a verga balançou pesadamente em frente ao meu olhar admirado.
- Posso? – perguntei, encarando-o como se estivesse diante de um ídolo.
- É todo seu! – respondeu, generoso e envaidecido.
Eu percorri a extensão da rola com afagos delicados das pontas dos meus dedos, sentindo as veias saltadas, a pele quente, o diâmetro aumentando à medida que seguia na direção da virilha e, o latejar excitado que iam endurecendo e empinando seu membro. O tesão o consumia e ele não fazia nada para esconder o fluído aquoso e abundante que brotava da uretra. Em seu rosto reconheci uma expressão que queria dizer – você sabe o que fazer com isso – e, ele esperava pela iniciativa como um menino espera os presentes no dia do aniversário. Peguei a jeba pesada na mão e toquei meus lábios na cabeçorra, sorvendo aquele sumo viscoso e perfumado. Ele soltou um gemido e enfiou os dedos nos meus cabelos. Minha língua lambeu toda a extensão da pica, chegou ao sacão peludo, lambeu as bolas, mordisquei a pele do saco e, retornei demoradamente até a glande toda molhada, vertendo pré-gozo. Abocanhei-a e comecei a chupar, ele grunhia, movia suas pernas grossas e peludas sem sair do lugar.
- Seja lá quem tenha sido esse tal Edward, ele foi um ótimo professor. Por que você se tornou um mestre na arte de chupar um cacete. Você está me deixando maluco com a habilidade dessa boca aveludada! – rosnou ele.
- Fico feliz que esteja gostando! – balbuciei rapidamente, para não deixar aquela carne quente muito tempo sem afagos.
Ele se deixava chupar deleitado com aquele prazer quase divino, franqueando seu sexo aos meus caprichos, sua barriga às minhas carícias, sua virilha pentelhuda às minhas incursões exploratórias, só arfando e grunhindo como um urso à procura de uma fêmea. Eu estava realizando um sonho antigo, ter todo o tempo e, à minha disposição, um macho para sondar e descobrir cada nuance de sua anatomia. Chupei-o tão devotamente e ignorei suas advertências de que estava prestes a gozar, que ele acabou ejaculando na minha boca, ao mesmo tempo em que liberava um urro do fundo do peito. O primeiro jato acertou meu rosto, no segundo meus lábios já estavam fechados ao redor da cabeçorra, os demais entravam na minha boca e desciam pela minha garganta, após eu saboreá-los gota a gota. Ele me encarava incrédulo e extasiado.
- Nunca me chuparam assim! Nunca engoliram minha porra! Nunca me fizeram sentir tão macho! – ronronava ele, acariciando meu rosto com suas mãos abrutalhadas.
- Azar de quem desperdiçou esse néctar delicioso! – devolvi murmurando, enquanto ele limpava a porra do meu rosto com o polegar e o colocava na minha boca para eu chupar.
Quando eu parecia estar satisfeito com o que ele chamou de ‘aperitivo de uma noite inesquecível’, ele me puxou novamente para junto dele, me beijou com luxuria e gana, me apertava a bunda e repetia cheio de tesão – deixa eu comer esse rabo gostoso. Assanhado, ele começou a atuar como eu havia feito com ele. Tirou minha camisa, desta vez sem que eu o impedisse, tirou minha calça e minha cueca de uma só vez, beijou minha boca e enfiou sua língua gulosa nela, voltou a agarrar minhas nádegas, agora nuas e arrepiadas com o toque de sua mão. O tesão, como sempre nessa hora, prestes a ser enrabado por um macho, estava me deixando louco. Meu cuzinho se contorcia, meus esfíncteres convulsionavam, meu buraquinho rosado piscava cheio de ansiedade. Eu me virei ficando de costas para ele, encostei meu tronco em seu peito e senti o roçar libidinoso dos pelos dele nas minhas costas.
- Sou louco por essa pele cheirosa! – ronronou ele ao meu ouvido, enquanto chupava e mordiscava minha nuca.
Eu encaixei minha bunda em sua virilha e comecei a rebolar, fazendo com que a ereção dele roçasse minha pele e se insinuasse no meu rego.
- É toda sua! – devolvi. Ele me apertou com força.
- É assim que você quer conduzir as coisas, dizendo quando está pronto para levar pica nesse rabinho? – gemeu ele, tomado pelo tesão.
- É! Mas agora, vou precisar de uma ajudinha para colocar essa coisa gigantesca lá dentro. – sussurrei, sentindo seu abraço forte que amoldava nossos corpos um ao outro, minhas curvas com as convexidades dele, protuberâncias dele com minhas reentrâncias. Enquanto ele passava o queixo espinhento de uma barba de dois dias pela minha nuca, eu empinava minha bunda contra a virilha dele e, soltando meu corpo em seus braços, como se estivéssemos dançando um balé clássico, ao ritmo exclusivo de nossos tesões, eu revezava meus pés ‘en pointe’, erguendo o calcanhar e me apoiando exclusivamente nas pontas dos artelhos, primeiro de um pé, depois do outro, isso contraía os glúteos, enrijecendo uma nádega enquanto a outra estava relaxada, conferindo cadência à bunda, para dentro da qual deslizava toda imensidão dele, me preenchendo.
- Ai, ai, ai! – gemi, ao sentir as pregas anais se rasgando.
- Doeu? – questionou, arfando, tomado pelo desejo e querendo que aquele prazer continuasse.
- Foi de um jeito bom. – respondi, relaxando os esfíncteres e abrindo meu cuzinho para aquele gigante bruto, até eu sentir o Savorelli inteiro dentro de mim.
Em essência, nada se afigurava diferente do que sempre foi, o macho montado em mim me currando até gozar. Porém, para mim, era primeira vez que eu determinava quando e como o macho me enrabava, e isso tinha todo um sabor diferente. Não me fazia sentir mais fraco, mais servil, minhas necessidades menos importantes. E, o Savorelli parecia estar entendendo tudo aquilo, ele parecia querer me satisfazer como nunca alguém fizera antes. Amei-o por isso. Gozei com meu desejo realizado, sentindo-o gozar dentro de mim, com a mesma sintonia em que se misturam os sons dos instrumentos de uma orquestra, para fazer ecoar uma melodia harmoniosa.
- Feliz? – perguntou ele, ao me beijar.
- Como nunca! – exclamei, caminhando lentamente em direção à cama, fazendo aquela pica ainda rija se mover dentro das minhas entranhas a cada passo e, engatinhando sobre ela até nossos corpos ficarem enrodilhados. – Posso te fazer uma pergunta? Qual é o primeiro nome do delegado Savorelli? – emendei. Ele riu.
- Roberto! E não quero sair daqui de dentro! – disse ele.
- Então fique, Beto! – devolvi, beijando a mão dele que segurava com as minhas.
- Não quero te machucar mais. – sussurrou, enquanto a pica dava um pinote impetuoso, só de ele imaginar que sua virilidade estava marcando meu corpo.
- Eu me entreguei a você para que fizesse comigo o que desejar. – retruquei.
- Estou louco por você! Diga que vai ser meu para sempre! Jure! – exclamou, me apertando. O ‘para sempre’ me fez ficar calado. Eu tinha aprendido que o ‘para sempre’ não existe e que, todo fim leva à dor. Eu não queria sentir mais essa. Adormeci com ele dentro de mim.
O inquérito da polícia federal logo se transformou num processo do Ministério Público. O Alessandro, baseado nas provas que encontramos, abriu um processo contra todos os envolvidos pela participação na morte do meu irmão. O Fabiano continuava investigando em paralelo e obtendo mais evidências das participações dos suspeitos. Juízes, já feitos de palhaços por alguns envolvidos no passado, aceleraram os trâmites e, quase ao final de um ano, alguns processos, inclusive o do senador, já estavam no Supremo Tribunal Federal e, mesmo lá, correram mais rápido do que o esperado, uma vez que o senador tinha uma legião de pessoas querendo a sua derrocada.
Ao longo desse tempo o Roberto e eu estreitamos nossos laços e, se eu não tivesse tanto medo, poderíamos ter nos tornado namorados. Logo após o Natal daquele ano, que passei com ele e parte de sua família, num clima insuspeito de romance, levei-o comigo a Londres em suas férias. Durante um mês mostrei a ele parte do meu mundo, do meu trabalho, dos meus restaurantes favoritos, dos meus passeios outrora solitários pelo campo. Lady Sybill mostrou-se receptiva e gentil com o meu hóspede e, na sapiência de seus 76 anos, soube que aquela não era uma visita em gratidão pelo que o delegado fez em relação ao caso do meu irmão.
- Cuide muito bem desse rapaz! Ele é um daqueles homens que sabe cuidar de negócios, ajuda os outros a solucionarem seus problemas, consegue comandar um batalhão de funcionários, mas não é capaz de cuidar de si mesmo. É de um homem como você que ele precisa para cuidar dele. – disse lady Sybill ao Roberto, numa manhã quando estávamos sentados na orangerie protegidos do vento gelado lá fora. Eu fiquei ruborizado, sem saber o que fazer ou dizer. O Roberto apenas lhe devolveu um sorriso constrangido ao ser pego de surpresa pela espontaneidade da velha senhora e, pela primeira vez teve dúvidas quanto a sua capacidade e desejo de macho de se tornar um provedor e cuidador.
Findas as férias, o Roberto voltou ao Brasil e eu fiquei para reassumir minhas obrigações. Nos três dias que antecederam sua partida eu esperei ansioso, quase paranoico, por um convite dele para voltasse com ele. O dia do embarque chegou e o convite não veio, apesar da tórrida noite de amor e sexo que tivemos. Enquanto eu o levava até o aeroporto de Heathrow num domingo gelado onde tinha chovido quase a madrugada toda, caíram alguns flocos de neve de consistência decepcionante. Na verdade, os primeiros que eu presenciei na capital britânica desde que vim para cá pela primeira vez. Mesmo assim, ela cobriu com uma tênue camada branca algumas paisagens pelas quais o carro passava. O fenômeno serviu de base para quase toda a conversa que tivemos desde que deixamos a casa de lady Sybill, o restante versou sobre respostas que eu dava a perguntas dele. Eu estava tão desatento que ele precisou repetir algumas por duas vezes. Tudo o que eu queria ouvir saindo daquela boca era um – venha comigo, venha ser meu amor para toda a vida. Quando o trem de pouso do Boeingda British Airways perdeu contato com o solo deixando um turbilhão de água para trás, pelo meu rosto rolavam lágrimas que não consegui mais conter. Não sei quanto tempo se passou enquanto eu olhava para o movimento de pousos e decolagens nas pistas, sem prestar atenção a nada, a não ser, naquela dor que estava se arraigando no meu peito.
Demorei a voltar a me interessar pelo trabalho. Por sorte, a indicação do Arthur Hanson tinha se mostrado acertada. Lady Sybill já o amava quase tanto quanto a mim, segundo suas próprias palavras. Com o meu regresso pedi que continuasse a trabalhar comigo, pois não sentia ânimo para enfrentar tudo sozinho. Eu recebia notícias do Alessandro e do Fabiano com uma regularidade impressionante, mas poucas do Roberto. E, quando vinham era na forma de um e-mail lacônico, ou uma ligação no Whatsapp mais breve ainda. Com isso, os meses iam passando, mas aquela dor em meu peito não arrefecia. Nada mais tinha o poder de me distrair, minhas saídas se restringiam praticamente aos compromissos profissionais, os outrora poucos e seletos amigos vinham jantar comigo por insistência de lady Sybill.
- É o delegado, não é? – questionou-me ela, numa noite de sábado quando o verão já fazia despontar os brotos das prímulas e jacintos-da-Índia no jardim, e uma brisa fresca levava seus perfumes para dentro do escritório onde eu lia numa poltrona ao lado do único abajur ligado no ambiente.
- Como?
- O que te transformou tanto foi o delegado, não foi? Você nem de longe me recorda aquele rapaz impulsivo e agitado, querendo tirar proveito de cada segundo para não perder algo que lhe interessa. – devolveu ela.
- Já não existe mais a necessidade de haver segredos entre nós dois, não é? É ele sim! Acho que sonhei e esperei demais.
- Tenho que admitir que poucas vezes você estava errado sobre algum assunto, acho que nunca, na verdade. Mas, nesse caso está. – retrucou ela.
- Como assim? Eu imaginei que depois de ele conhecer mais a meu respeito, fosse me pedir para compartilharmos nossas vidas. Ele não quis. – revidei.
- Ele te ama! Seu erro foi trazê-lo aqui. Você imagina como ele se sentiu dentro desta casa? Estas paredes, eu, tudo aqui dentro intimida, sufoca as pessoas que não pertencem a este círculo. – esclareceu.
- Você o tratou com tanta gentileza. Eu não queria deixa-lo num hotel impessoal e frio. Não imaginei que trazê-lo aqui a importunaria. – argumentei.
- Você sempre teve e tem total liberdade de trazer quem você quiser para dentro desta casa. Não é essa a questão. Quanto ganha um delegado, mesmo que de um grupamento especializado, naquele tórrido fim de mundo? Ao trazê-lo para dentro desta casa você lhe mostrou o imenso abismo que existe entre vocês dois. Você lhe mostrou que ele não tem como te oferecer tudo o que presenciou aqui. – ponderou ela.
- Nada disso me pertence! Eu vivo aqui de favor, há anos, ele sabe disso! – exclamei.
- Já que estamos nesse assunto, não sei se o Arthur já conversou com você sobre o testamento do Edward. Exceto pequenas quantias para um ou outro, uma vez que não tinha parentes vivos, ele deixou tudo para você. As novas escrituras e outras burocracias que o Arthur pode te explicar com mais propriedade já foram todas colocadas em seu nome. – revelou ela.
- Isso é um absurdo! Ele não pode ter feito uma coisa dessas! Cabe a você todo o patrimônio dele. – devolvi estarrecido.
- Minha fortuna é o suficiente para os anos que restam. Garanto que meus parentes ainda vão ficar com mais do que merecem quando eu me for. Eu insisti para que ele deixasse tudo para você, por ter lhe roubado a juventude e a dignidade, mas quando fui ter com ele pouco antes de sua morte, ele me revelou o conteúdo do testamento, e quase tudo já estava destinado a você. Fez se a justiça! – sentenciou ela.
- Eu não posso aceitar uma coisa dessas! Só estaria dando o aval da minha própria fraqueza e falta de hombridade, aceitando um pagamento pelos serviços carnais que prestei ao Edward. Você imagina como eu estou me sentindo nesse momento? Como vou poder amar um homem nessa vida, sabendo que tudo que tenho foi regiamente pago por eu ter satisfeito um macho na cama por anos e anos. – mal consegui pronunciar as últimas palavras quando irrompi num choro convulsivo.
- Não é por esse ângulo que você deve analisar a questão! Esse homem que te usou sexualmente foi construindo e mantendo seu império com a sua ajuda. Ninguém pode te julgar por isso, sem ser leviano ou desinformado. – argumentou.
- Eu não vou compactuar com isso! Jamais!
- Pense como quiser. Só não tome nenhuma atitude antes de refletir muito.
Quando fui me recolher naquela noite, tudo o que eu queria era me encaixar nos braços do Roberto até o sono me carregar para longe daquele pesadelo. Por duas vezes peguei o celular para ligar para o Roberto, passava das cinco da madrugada sem que o sono viesse. Menos quatro horas no Brasil eu ia acordá-lo em plena madrugada. Não podia, mais uma vez, ser fraco a esse ponto. Lembrei-me do vigor dele pulsando dentro de mim, e liguei.
- Roberto?
- Lucas? O que aconteceu, que voz é essa? – como ele sabia que havia algo errado na minha voz?
- Eu liguei para te dizer que te amo! – o choro voltou com força.
- Eu sei que você me ama! Mas você não me ligou no meio da madrugada para me dizer o que eu já sabia. Alguém fez alguma coisa com você? Você recebeu notícias aqui do Brasil, do Alessandro, do Fabiano, de outra pessoa? Me fala! – exaltou-se.
- Você é o único homem que eu já amei, que vou amar até o último dos meus dias! – exclamei, deixando-o confuso.
- Você está doente? Pelo amor de Deus, me diga o que está se passando com você!
- Nada! Só saudades. Muitas e infindáveis saudades.
- Eu também estou sentindo muito a sua falta.
A troca de frases durou quase uma hora, eu estava exausto e, pelo visto, provoquei o mesmo nele. Desliguei sem ouvir um único – eu te amo – dele. Lady Sybill estava certa, eu construí um abismo entre nós.
- Você já ouviu a expressão – go to your happy place? – perguntou-me lady Sybill, alguns dias depois, após dois casais de amigos, que vieram jantar conosco, partirem. – ela é bastante comum no idioma inglês, não se existem expressões com essa conotação em outras línguas. – emendou.
- Sim, acho que até existe uma canção com esse nome, se não me engano. Ou, eu a ouvi na televisão, talvez, não me recordo, no momento. O que tem ela? – respondi.
- É que eu acho que você está precisando procurar esse lugar dentro de si mesmo. Um lugar onde você foi extremamente feliz consigo mesmo e com tudo que estava a sua volta. Isso vai te ajudar a sair dessa tristeza, e a encontrar soluções que você não consegue enxergar. – começou ela.
Imediatamente, meus pensamentos me levaram à casa dos meus pais, eu e meu irmão ainda crianças, sentados à mesa com nossos pais ouvindo nosso tagarelar animado, e nós ouvindo as histórias que eles nos contavam a respeito de algum fato corrido em suas vidas. Ali eu era feliz, no meio daquela simplicidade, daquela casa protetora, daquelas pessoas que me amavam só por eu existir.
- Um happy place pode até ser um lugar físico, uma praia ensolarada, o cume sereno de uma montanha onde a vista se perde até o limite do alcance de nossa visão, enfim qualquer lugar desse planeta. Também pode ser um lugar irreal criado por sua imaginação onde você reconhece símbolos, pessoas, situações nas quais uma sensação de plenitude e alegria está presente. No fundo, um happy place é um estado de espírito, algo que você visualize mesmo de olhos fechados e que te faz relaxar e te devolva o equilíbrio emocional. É um ponto focal ao qual se recorre para fugir do estresse, dos problemas, das dores da vida que todos enfrentamos. Algumas técnicas meditativas ajudam as pessoas a chegarem a seu happy place, pois ele é único e individual, outras precisam apenas cerrar os olhos, admirar uma paisagem ou relaxar para alcançarem o seu. Eu sei que você deve ter o seu e acho que é hora de recorrer a ele. Não permita que a vida passe sem que você experimente toda a felicidade que merece. E se, por acaso, você ainda não o tem, deixe que seus pensamentos o levem ao delegado, pois tenho a certeza de que o seu happy place está vinculado a ele. – discursou.
- Por que está me dizendo todas essas coisas? Você não deveria gastar suas preocupações comigo, considerando tudo o que eu represento em sua vida. – questionei.
- Porque gosto de você como se fosse um filho! Porque você sempre me respeitou e sei que também gosta muito de mim, o que tem dado sentido a minha vida esses anos todos.
Assim que ela subiu para seus aposentos, minha mente foi subitamente levada ao apartamento do Roberto. Mais precisamente, ao terraço de onde se podia ver boa parte da zona sul paulistana, iluminada como se as lâmpadas das ruas, casas, edifícios e os faróis dos carros fossem cristais brilhando. E, para onde ele ia caminhando nu, para se deitar na larga espreguiçadeira, depois de nos amarmos e ele ter tirado um cochilo, enquanto eu afagava seu peito ou brincava com seus culhões, pois gostava de sentir a consistência daquelas bolonas na ponta dos meus dedos, antes de eu cair no sono. A ausência do corpo quente dele colado ao meu me fazia despertar e, enrolado no lençol eu ia me encontrar com ele, deitado com as mãos na nuca, as pernas abertas expondo seu sexo enorme, o olhar perdido no céu ou no horizonte. Ele devia estar em seu happy place, isso estava bem claro agora. Ao notar minha presença ele estendia o braço para me trazer para junto dele, eu o cobria com parte do lençol e ficava ouvindo sua respiração profunda e serena. Era para esse happy place que eu precisava voltar, pois ali estava a minha felicidade.
- Tomei uma decisão! Hoje mesmo começo os preparativos para poder voltar ao Brasil. Nossa conversa de ontem me fez ver que preciso mais daquele homem do que tudo que já precisei nessa vida. – afirmei, entusiasmado, a lady Sybill quando ela desceu para o café.
- Já não era sem tempo! Aquele rapaz te ama, e você merece todo esse amor que ele tem para te oferecer. – devolveu ela, abrindo um sorriso tão genuíno como eu raras vezes presenciei em seu rosto.
- Vou conversar com o Arthur tão logo ele chegue. Quero que ele providencie os papeis para que metade das empresas seja distribuído entre os funcionários, na forma de ações conforme os anos de casa de cada um. Eles passarão a ser sócios dos negócios, isso os motivará a produzirem para si próprios. Assim, não vou me sentir mais um prostituto regiamente pago por seus serviços sexuais. Também estarei preservando e honrando o trabalho do Edward na construção dessa fortuna. – revelei.
- Eu não concordo! Mas respeito a sua decisão. Não sei quem lhe incutiu essa mania de pensar sempre nos outros antes de em si próprio. Só não abra mão de tudo com essa facilidade. Os anos vão chegar para você também, é o caminho inexorável de todos nós, e eu lhe garanto que sentir-se amparado no final da vida torna tudo menos doloroso. – aconselhou ela.
- Eu preciso ver se a metade dessa fortuna ainda não vai deixar o Roberto temeroso de ficar comigo. – devolvi.
- Então não o assuste com isso! Aceite os termos e condições dele. Você sabe como são os homens, uma vez que também é um deles. Eles têm essa obsessão doentia de estar sempre no controle de tudo, de terem quem dependa deles para autoafirmar sua masculinidade, ainda mais sendo ele um latino. Não sei o que aquele sol suarento dos trópicos faz com aqueles homens para agirem assim, mas isso também não importa. Deixe-o pensar assim, ele vai estar feliz e vai te fazer feliz também. – argumentou.
No mês seguinte recebi um e-mail do Alessandro, me informando que o senador havia sido condenado a 28 anos de prisão pela chefia, organização e condução do esquema de corrupção que dilapidou as empresas estatais. De sua participação e acobertamento dos crimes cometidos por um ex-presidente também já cumprindo pena. E ainda, que naquela manhã haviam-no encontrado morto na enfermaria do presidio, onde havia sido levado durante a madrugada ao sentir-se mal, vítima de um infarto fulminante. Ninguém nunca soube que o enfermeiro da noite voltou para sua casa com três ampolas de vidro quebradas num dos bolsos da jaqueta, que contiveram 10 ml de cloreto de potássio e, no trajeto de casa, atirou-as num terreno baldio. Assim como nunca se soube a origem do dinheiro que lhe permitiu adquirir do proprietário que a alugava, a casa onde residia. Informou-me ainda, que as provas que ligavam o senador ao assassinato do meu irmão e de outras pessoas que se interpuseram em seu caminho haviam sido encontradas, tarde demais para que a justiça terrena fosse feita. Um e-mail direto do Colin e do Fabiano também chegou algumas horas depois, relatando mais ou menos os mesmos fatos. Contei a lady Sybill o desfecho do assassinato do meu irmão. Ela me sugeriu uma comemoração. Ao brindarmos a morte do algoz do meu irmão, não consegui sentir comiseração por aquele homem sobre o qual nunca havia pousado o olhar, apenas uma sensação de dever cumprido.
Quando cheguei a São Paulo, cerca de cinco semanas depois, tive um ímpeto de seguir direto para o apartamento do Roberto, eu queria abraça-lo, beijá-lo, jurar meu amor por ele e, perguntar se ele me queria. Porém, havia três dias que não o encontrei em nenhum de seus telefones. Resolvi ficar num hotel, aquietar meu facho, esperar toda aquela ansiedade baixar um pouco antes de aparecer diante dele parecendo um maluco. Mesmo assim, no dia seguinte à minha chegada, fui ao edifício dele. O porteiro confirmou sua ausência. Não, ele não sabia quando o delegado Savorelli estaria de volta. Não, também não podia ligar para o meu celular avisando de seu regresso, e não podia me dar informações sobre os moradores. Eu ligar para ele seria igualmente impossível, não estava autorizado a dar seu telefone para estranhos para dar informações sobre moradores, eu teria mesmo que ir todos os dias para saber se ele havia retornado. Num país civilizado todos são inocentes até prova em contrário, aqui todos são suspeitos ou culpados até provarem que não o são. Será que eu algum dia voltaria a me acostumar a viver num lugar assim? Mais dois dias no hotel sem notícias dele estavam me deixando maluco. Resolvi visitar a Amanda e seus pais. Por que eu não tinha avisado que estava de volta? Por que me hospedei num hotel, ao invés de ficar com eles? Essas e mais centenas de outras perguntas fiquei respondendo durante o animado almoço de domingo. Ela foi me relatando alguns pormenores que tanto o Colin e o Fabiano, quanto o Alessandro haviam me poupado de saber, sobre a morte do meu irmão. Ela estava pensando em me visitar no inverno daqui, e rever Londres depois do intercâmbio que tinha feito quando adolescente. Quanto tempo eu tinha planejado ficar por aqui? Ante o – para sempre – ela me fez mais dezenas de perguntas querendo saber o que me motivara a viver no Brasil novamente. Essa resposta, eu, infelizmente, não podia responder com a devida sinceridade, não naquele momento.
- Lembra-se daquele delegado bonitão da polícia federal com quem você vivia implicando? Então, faz uns dois meses mais ou menos que eu o vi com uma mulher muito bonita na saída de um filme que fui assistir com a minha prima. Ele não me reconheceu, ou fingiu não reconhecer. Também, ele deve entrar em contato com milhares de pessoas nos casos em que trabalha. – revelou ela, tirando todo o meu sossego.
- A moça era namorada ou esposa dele, será? – balbuciei, sentindo a voz tremendo.
- Não sei! É provável, um cara daqueles deve ter a mulherada correndo atrás dele. – respondeu ela. Não, quem está correndo atrás dele sou eu, e esse comentário está me deixando cada vez mais angustiado.
Voltei para o hotel certo de que demorei demais para tomar a decisão de procura-lo. Depois do que lady Sybill me falou, ele deve mesmo ter desistido de mim. Ele deve ter pensado que não valia a pena ficar sonhando com o impossível enquanto a vida passa. Eu estava sem chão. Será que eu voltaria ao edifício dele no dia seguinte e, em quantos fossem necessários até encontra-lo, só para descobrir que uma vida em comum com ele não seria mais possível? Isso me atormentou tanto que não voltei mais lá durante aquela semana. Esses dias lendo à beira da piscina do hotel após o desjejum e, percorrendo os museus nos quais nunca havia entrado antes de me mudar para o exterior, durante as tardes, me devolveu o pragmatismo necessário para encarar a situação sob o ponto de vista racional. Era preciso descobrir logo se ele estava comprometido e, confirmada a impossibilidade de vivermos juntos, regressar à Inglaterra e retornar à minha vida de antes, deixando sonhos e fantasias românticas no passado. Voltei ao edifício dele no meio da tarde de uma sexta-feira. Sim, o delegado Savorelli já havia retornado, mas não se encontrava no momento, talvez ainda estivesse no trabalho. Foram as palavras do mesmo porteiro, que já me encarava como um chato sem noção. Por que a xícara de café não parava de tremer na minha mão, e já tinha derramado parte de seu conteúdo sobre a revista que havia acabado de comprar ao entrar no café a três quarteirões do edifício? Por que meu coração parecia querer sair pela boca, enquanto os ponteiros do meu relógio de pulso teimavam em não sair do lugar? Havia anos que eu tinha abandonado o péssimo hábito de ficar batendo incessantemente os joelhos um no outro quando estava ansioso, e agora eu até conseguia ouvir os ossos se chocando. Uma chuva leve começou a cair assim que escureceu. A garçonete já estivera por duas vezes na minha mesa perguntando se eu desejava mais alguma coisa. Não, somente o que você é incapaz de me dar, coragem para me levantar e ir fazer o que tenho para fazer. Sob a chuva os quarteirões até o edifício me pareceram maiores do que na ida até o café. O porteiro olhou para mim incrédulo, mas condoído com a minha neurose. Tão logo obteve a resposta do apartamento, ele me franqueou a entrada. Toda aquela tremedeira que eu estava sentindo enquanto o elevador subia não podia ser causada pelas roupas encharcadas, e também não fazia frio. Quando as portas se abriram o Roberto estava diante delas. A barba por fazer, o sorriso encantador que nunca mais se apagou da minha memória, a camiseta justa que parecia querer explodir com o volume de seus músculos, a mesma bermuda folgada com o tecido mais desbotado do que eu me lembrava e, de onde eu muitas vezes tirei aquele volume indefectível, cujo contorno se podia reconhecer de longe, para coloca-lo na minha boca, aqueles braços que se abriram na minha direção, e nos quais me atirei sem nenhum pudor, estavam finalmente ao meu alcance.
- Por que não me avisou que viria? Por que está todo molhado? Que bom que você está por aqui. – o som reconfortante daquela voz grave e pausada, fizeram as primeiras lágrimas rolarem pelo meu rosto.
- Finalmente o encontrei! Faz praticamente dez dias que estou perturbando o porteiro a sua procura. – consegui responder, enquanto ele secava com o polegar as lágrimas do meu rosto.
- Fiquei fora da cidade numa missão por alguns dias. Você devia ter me avisado que viria. – repetiu ele.
- É, acho que deveria! – eu não queria soltar aquele tronco vigoroso e quente, onde o mundo me parecia um lugar menos temível.
Ele me conduziu para dentro do apartamento e me mandou tirar aquelas roupas molhadas. Como tinha feito em tantas outras ocasiões, ele me levou até o banheiro e, sem dizer nada, começou a me despir. Acho que ele nem se deu conta do que estava fazendo, era tão instintivo e automático que não era preciso pensar sobre isso. Só quando eu já estava completamente nu diante dele, é que a ficha caiu. Seu olhar me examinava como que para conferir se tudo continuava como ele conhecia.
- Quase morri de saudades de você esse tempo todo! – balbuciei, com um sorriso tímido.
- Entre na ducha e vista isso quando terminar. Vou preparar um café quente para você! – não era a resposta que eu queria, quando peguei de suas mãos o roupão que ele me estendia.
Voltei ao quarto ao mesmo tempo em que ele entrava com duas canecas perfumadas de um café fumegante. Sentados um diante do outro na cama, tomei uns goles encarando-o por cima da borda da caneca. Ninguém dizia nada, enquanto o conteúdo das canecas terminava. Ele tirou a minha das minhas mãos e as acariciou, segurando-as entre as dele.
- Esse é o tamanho das minhas saudades! – exclamou ele, subitamente partindo para cima de mim e me reclinando sobre o colchão.
Seus lábios tocaram os meus numa avidez obsessiva, sua língua entrou na minha boca e me fez sentir seu sabor, ele me apertava em seus braços com tamanha força que cheguei a ficar sem fôlego. Quando aquele primeiro frenesi deu uma trégua, eu deslizei suavemente minha mão contornando seu rosto. Nossos olhares não se desviavam.
- Amo você, mais do que tudo na vida! – murmurei.
- Nunca mais consegui tirar você da minha cabeça. Preciso de você para minha vida ter algum sentido. Só não sei como conseguir isso, uma vez que não tenho muito a lhe oferecer. – devolveu, contornando minha boca com seu polegar.
- Você tem tudo o que eu preciso. Eu só preciso do seu amor. Deixei tudo para trás para vir te perguntar se você quer me dar esse amor. – retruquei.
- Ele é seu desde aquele dia em que você irrompeu no meu gabinete e começou a brigar comigo. Depois daquele quase um ano nos amando eu pensei que minha vida tinha acabado quando nos afastamos. – afirmou, ao mesmo tempo em que despia a camiseta e descia o roupão dos meus ombros.
Ao passar meus braços ao redor dele, comecei a sentir sua ereção roçando minha coxa. Uma sucessão infindável de beijos cada vez mais molhados, mais voluptuosos e demorados foram consumados e instigavam nosso tesão. Sua boca foi descendo pelo meu pescoço, lambendo e beijando meu peito, chupando meus mamilos, mordendo meus biquinhos enrijecidos, tracionando entre os dentes as minhas tetinhas salientes revestidas por aquela pele branca que o deixava louco.
- Essa pele me alucina! Essa escassez de pelos, essa textura aveludada, esse cheiro inebriante só podem ser resultado da pouca testosterona que você deve ter. Nenhum homem tem um corpo tão sedutor e maravilhoso como esse se os hormônios, capazes de deixar outro homem completamente ensandecido, estivessem presentes como deveriam. – conjecturou. - O cheiro de outro macho nos repele. Com você é o contrário, eu sinto esse cheiro na sua pele e quero te possuir, quero entrar em você e te galar com meus fluídos, quero te fazer saber que sou teu macho. Quero te amar como você merece. – confessou, na sequência.
- Então me ame! – sussurrei, começando a me abrir e a me disponibilizar.
No instante seguinte, eu estava com aquela rola grossa endurecendo na minha boca, enquanto eu a chupava, saudosista e encantando com aquele sabor que me era tão afeito. A mão do Roberto subia por entre as minhas coxas e não demorei a senti-lo dentro de mim, vasculhando com os dedos para além dos esfíncteres anais, e me fazendo gemer de tesão. Quando eu já mal conseguia mover sua jeba de tão dura, ele deitou-me de bruços e abriu meu rego, lambendo-o com sofreguidão e voracidade. Minhas preguinhas rosadas se contraíam com o toque molhado de sua língua, ocluindo ainda mais a já diminuta rosquinha. Gemi seu nome e ele enfiou lenta e progressivamente o caralhão para dentro do meu cu. A mesma pungente e prazerosa dor aguda de outrora me fez soltar um ganido sufocado entre os travesseiros, até que ele em sua plenitude viril estivesse por inteiro dentro de mim. Aquilo foi o suficiente para me levar ao delírio e, logo em seguida, ao gozo, tanto eu ansiava por ele, lambuzando as coxas na minha própria porra. O pancadão dentro do meu ânus, e contra a minha próstata continuava, assim como meus gemidos que se intensificavam à medida que o tesão dele o incitava a me foder. Quando ele deu aquele urro rouco e estocou a pica mais lentamente em mim, eu soube que ele havia chegado ao clímax. A porra morna e espessa foi me inundando e, em minha mente já se formavam as imagens do que aconteceria a partir de então. Ele daria um tempo para o cacetão ir relaxando dentro do meu cu, ia tira-lo lá de dentro ainda consistente, talvez até pingando um resto de esperma; deitar-se-ia pesadamente ao meu lado, de costas, esperando meus beijos umedecerem seus lábios ressecados; cairia no sono, não profundo, apenas um cochilo que provavelmente duraria cerca de uma hora, embalado pelos afagos que meus dedos fariam em seu peito e em sua virilha; virar-se-ia sobre mim para ficarmos encaixados em conchinha e meteria a cabeçorra, talvez um pouco além, dependendo do quanto eu fosse gemer e esperaria eu pegar no sono, asilado na segurança de seu corpo e seus braços enrodilhados a minha volta; em qualquer momento durante a noite, levantar-se-ia, para mijar talvez, para tomar uma água, quem sabe; seguiria para o terraço, abrindo a porta de correr de vidro com cuidado para não me acordar; soltaria seu pesado e satisfeito corpão sobre a espreguiçadeira e ficaria perdido em seus pensamentos, até eu aparecer nu ou, quem sabe enrolado num lençol ao seu lado, pela sua ausência na cama; ele me estenderia o braço e me faria colar meu corpo ao dele; me daria um beijo sentindo na minha saliva traços do sabor de sua própria porra; e, em seu íntimo, desejaria que aquele instante se perpetuasse por toda a eternidade. Ao ver aquelas imagens se formando tão nítidas em minha mente eu tive a certeza de que aquele era o meu happy place. Não o apartamento dele, ou aquele terraço, mas aquela sensação familiar e prazerosa capaz de me fazer enxergar a realidade da vida sob um prisma mais colorido. O lugar podia ser qualquer um, contanto que o Roberto estivesse ao meu lado dando-me a segurança de seu amor. Quando terminamos de fazer amor naquela noite após o reencontro, foi exatamente como as cenas que se passaram em minha mente que as coisas aconteceram. Ao ele mencionar que queria passar a eternidade vendo as estrelas, abraçado a mim, nem ele nem eu sabíamos que a nossa eternidade duraria mais cinquenta anos, vividos entre uma reciprocidade e um amor que só crescia à medida que o tempo passou.
A propósito:
1. Dois dias depois da transa após nosso reencontro, o Roberto me levou à casa dos pais, me apresentando como seu namorado. Antes do silêncio constrangedor que ficara no ar se quebrar, a irmã dele entrou na cozinha, onde a bombástica notícia tinha sido dada. Ela correspondia exatamente à descrição da moça que a Amanda tinha visto com ele no saguão do cinema.
2. Por mais cinco anos o Roberto e eu fomos passar umas semanas na Inglaterra visitando lady Sybill, até ela vir a falecer no castelo da família onde havia nascido em Kettering.
3. A Amanda se casou com um colega da empresa onde trabalhava e, pouco mais de um ano depois, teve um garotinho, Murilo, para quem escolheu o Roberto e eu como padrinhos. A ligação que havia se formado entre ela e eu nunca mais se perdeu. Nós quatro formamos uma amizade que atravessou os anos.