Os Verões Roubados de Nós/CAPÍTULO 40

Um conto erótico de D. Marks
Categoria: Homossexual
Contém 4082 palavras
Data: 02/03/2019 19:50:21

Os Verões Roubados de Nós

Capítulo 40

Narrado por Gabriel

Caminho por um corredor escuro e me sinto observado. Vejo uma porta e pela fresta há uma luz dentro do aposento. Ando cautelosamente e ao chegar ouço risos. Abro a porta e me deparo com uma cena de horror. Ítalo esfaqueia Tati incansavelmente no peito e ela não se move. Seus olhos estão abertos e sem vida.

— NÃOOO... – meu grito ecoa pelo cômodo e corro para tira-lo de cima dela.

Ele ri histérico quando eu o jogo contra a parede.

— Tati... – choro desesperado – meu Deus, quanto sangue! Tati... Mana, fala comigo!

Minha voz falha.

— E aí, irmãozinho? – olho para o lado e vejo Ítalo em pé sorrindo diabólico – eu sabia que você iria surtar, seu viadinho de merda!

Ele anda calmamente pelo cômodo e pega uma toalha para limpar a faca.

— Agora que matei nossa irmã... – sua cabeça pende para o lado olhando a cena como que encantado pelo que fez – Vou visitar seu papai. O que você acha, hein?!

Meu grito reverbera por todo quarto e vou para cima dele. Ele ri enquanto eu o derrubo e esmurro seu rosto. Então, num canto afastado uma forma chama minha atenção. É Enzo. Seus olhos estão abertos, opacos e sem vida e seu peito está todo ensanguentado.

— Eno... – sussurro e saio de cima dele – Eno... Amor... Fala comigo.

Contudo, Eno não se move. Está morto. Vou até ele e abraço seu corpo. Está tão gelado. Minhas lágrimas caem por seu rosto e chamo seu nome baixinho.

— Eno... Eno... Volta, amor... Volta pra mim...

O riso insano de Ítalo chega aos meus ouvidos, mas não me movo um milímetro para soltar o meu amor.

— Agora é a sua vez, maninho! – ele declara e sinto fisgadas nas minhas costas.

— NÃO! ENOOO... NÃO... NÃOOO...

********

— Gabe... Gabe... – sinto meu corpo ser sacudido levemente e abro os olhos ao ouvir meu nome.

— Eno... – sinto meu rosto molhado e minha voz está embargada – Eno...

— Calma, amor! – sua voz é um bálsamo e me dá a certeza de que estamos vivos – Eu estou aqui... foi apenas um sonho ruim...

Ele me abraça e encosto minha cabeça em seu peito chorando. Sinto que estou desabando emocionalmente.

— Já passou, meu amor... Shiii... – ele afaga minha cabeça.

Alguns minutos se passam e ouvimos batidas na porta.

— Entra – Enzo fala.

— O que houve? – Tati entra falando toda preocupada – Eu ouvi os gritos.

— Gabe teve um pesadelo. – Eno explica

— Ai, meu Deus! – ela sobe na cama e nos abraça também – Calma, estamos aqui.

Estou em choque, me sentindo fraco, impotente e o pior de tudo, com medo. Tanto Eno quanto minha irmã me abraçam e me obrigo a ficar calmo. Estou em casa. Estou seguro.

— Está melhor? – Eno me pergunta com olhar sereno.

— Sim. – sussurro – Obrigado.

— Quer um chá? – Tati oferece e aceito – Já volto com um bem quentinho pra você!

Ela nos deixa e Enzo pergunta:

— Quer conversar a respeito? – nego com a cabeça e ele continua – Estarei aqui se quiser falar, amor!

— Eu sei, vida, mas agora não... – ouvimos outra batida e Fernando e Diego estão parados a porta.

— Entrem. – Eno convida.

— Está tudo bem? – Fernando pergunta preocupado.

— Sim, foi apenas um pesadelo. – Enzo responde.

Diego fica tenso e me olha preocupado. Percebo também a troca de olhares entre Fernando e Enzo. Eles estão preocupados com meu emocional e psicológico. “Puta que pariu” penso contrariado.

— Ok, pessoal... – digo tentando parecer normal – Foi apenas um sonho bobo e sem importância.

— Se fosse bobo e sem importância não teria acordado a casa toda. – Enzo me olha sério – Você sabe o que eu penso sobre sonhos, então não diga isso, ok?

— Eno...

— Prontinho! – minha irmã interrompe providencialmente – Chá de cidreira quentinho, Gabe.

— Obrigado, maninha. – agradeço e pego a caneca tomando alguns goles.

Todos me observam e me sinto incomodado. Diego percebe e me salva.

— Bom... Já que está tudo bem, podemos voltar para a cama?

— Concordo. – diz Fernando – Vou dormir e se precisarem é só chamar, ok?

— Ok. Obrigado, Fer. – Eno sorri – Obrigado, Diego.

— Por nada. – ele responde – Vamos, amor?

Tati me olha relutante em querer sair, então resolvo mentir para acalma-la de vez:

— Está tudo bem agora, Tati! – digo forçando um sorriso – Pode ir descansar. Por favor.

Ela suspira e concorda.

— Ok, você venceu! – e se aproxima para me abraçar sussurrando – Mentiroso.

Eles saem e olho para Eno que me observa atentamente. Ele está tão diferente, tão mais adulto, sem suas crises histéricas. Não sei se gosto disso. Porém, sei que ele passou maus bocados com minha suposta “morte”. Tudo por culpa do Ítalo.

— Sonhou com ele, não foi? – sua voz é séria e muito calma.

— Sim. – sussurro e me recosta na cama fechando os olhos e admito – Eu estou com medo, Eno.

— Amor... – abro meus olhos ante seu silêncio – Ele não irá nos pegar desprevenidos novamente. Confie.

— Eu sei, mas é que... – o choro vem e não consigo me controlar.

— Shiii... Eu estou aqui. – Eno me abraça forte – Nós vamos te proteger! Calma, Gabe...

Percebo sua voz também embargada. Choro em silêncio em seu peito. Meus olhos ficam pesados e não consigo controlar o torpor que me envolve. O sono vem e no embalo dos braços de Eno eu durmo novamente. Agora sem sonhos.

***************************************************************************************

Narrado por Enzo

Ao ouvir sons engasgados de choro, frases desconexas, eu desperto. Vejo que Gabe está tendo um pesadelo. Tento acorda-lo apenas chamando-o, mas é em vão, então o sacudo com cuidado até que tenho que chamar seu nome em voz alta.

Seu corpo treme e sua expressão é de verdadeiro terror e medo. Com seus gritos todos na casa acordam e vem ver o que aconteceu. Após preparar o chá (tenho quase certeza que ela colocou calmante), ele dorme novamente.

A partir daí minha noite se resumiu em velar seu sono. Não que eu ligue, até porque meu amor e minha preocupação por ele não permitiriam.

Levanto-me no horário de costume, tomo um banho e visto uma calça de moletom porque o dia está péssimo. Chuvoso e frio. Desço para preparar o café da manhã para ele. Sorrio porque ele será muito mimado hoje. Encontro Fernando preparando o café da manhã todo arrumado.

— Bom dia, Fer. Vai sair? – pergunto curioso.

— Bom dia, Eno. Vou sim. – ele me olha sério – Vou para a casa.

Fico triste com seu anúncio.

— Ah, Fer... Não! Fica aqui com a gente! – faço cara de pidão – Por favor! Por favor! Por favor!

Ele vem até mim e toca meu rosto.

— Eno, minha parte eu já fiz. – ele sorri – Cuidei de você, mas agora está na hora de voltar ao mundo real.

Eu o abraço.

— Eu sei... Obrigado, amigo! – digo triste – Por cuidar, me ouvir e por acreditar em mim.

— Acredite, não foi nenhum sacrifício. – ele se solta – Conte comigo para o que precisar. Somos amigos e eu vou sempre ajudar você.

— Valeu, Fer! – sorrio para ele – só não deixa o Gabe ouvir a parte do “sempre vou ajudar você”... kkkkk... Ele surta, com certeza!

Rimos e fiquei imaginando os rosnados e as reclamações do meu amor.

— Como ele passou a noite? – ele pergunta preocupado.

— Acho que a Tati colocou algo no chá porque ele apagou e não acordou até agora. – respondo suspirando.

— E eu aposto que você não pregou os olhos. – ele fala e confirmo – Procurem aproveitar o restante da semana e fiquem aqui. Vocês precisam destes momentos antes de voltarem para casa.

Concordei com ele e juntos terminamos de preparar o café da manhã.

— Eno... – ele me chama quando estou prestes a sair da cozinha – Ele precisa de ajuda. Seja forte por ele e para ele!

— Eu serei, Fer! – deixo a bandeja por um instante sobre a mesa e o abraço – Quando chegar a sua vez também haverá alguém lá por você e para você!

Ele sorri triste.

— Quem sabe...

— Fer... Independente de qualquer coisa, eu quero te ajudar. – digo – Não se case com aquela mocréia porque ela engravidou e está te chantageando! – eu o olho e aperto seu ombro – Um dia o Vítor irá voltar para você. Acredite.

Ele me puxa novamente para um forte abraço.

— Deus te ouça. – e me solta saindo da cozinha.

Com um suspiro, pego a bandeja e ao sair da cozinha dou de cara com Diego.

— Bom dia, cunhadinho. – cumprimento-o e ele sorri. Bobo apaixonado.

— Bom dia, cunhado. – ele devolve. Está entrando no ritmo da família – Tudo bem com o Fernando?

— Problemas do coração. – minha mente estala com uma ideia – Quando tudo isto acabar, quero levar um papo sério com você, cunhadinho!

Ele me olha confuso.

— O quê? Por quê?

— Depois, Diego... – sigo meu caminho – Se eu fosse você levaria o café da manhã para a Tati na cama.

Pisco e sigo meu caminho. Entro cuidadosamente no quarto e assim que fecho a porta dou de cara com um par de olhos castanhos me encarando.

— Bom dia, meu amor! – sorrio para ele.

— Bom dia, vida! – observo Gabe tentar se espreguiçar, mas por causa dos ferimentos ele quase não consegue.

— Trouxe café da manhã na cama, mas antes, mocinho, vá fazer sua higiene matinal. – Estou tentando fazer o velho Enzo voltar à ativa e parece que consigo por causa do sorrio lindo que ele dá.

— Sim, senhor! – ele se levanta e vai para o banheiro comigo logo atrás para ajudá-lo. Feita sua higiene, vamos tomar café.

Enquanto ele toma o suco, resolvo falar sobre o que está me incomodando:

— Amor... – chamo cauteloso e quando ele me olha continuo – O que você acha de ir a um psicólogo? Sabe... Por causa dos pesadelos.

Ele para e fica me encarando.

— Pesadelos? – Ele pergunta – No plural?

— Sim, no plural. – respondo – Quem garante que você não terá outros?

— Posso tomar calmante fortes e apagar. – ele responde.

Olho incrédulo para ele.

— Sério, Gabe?! – eu o encaro, mas ele desvia o olhar – Olha pra mim...

Ele não olha.

— Gabriel Maia! – repito com firmeza – Olhe. Para. Mim.

Ele e olha envergonhado.

— Desde quando você toma calmantes? Pergunto e antes dele responder continuo – Isto é apenas paliativo. Você passou por um trauma e precisar tratar. Precisa de ajuda profissional. Remédios só ajudam o corpo, porém a mente precisa de outro tipo de ajuda. – eu suavizo a minha voz – Eu estarei aqui para você, amor. Sempre. E para sempre. Mas eu preciso que você coopere comigo, ok?

Gabe apenas me olha sem nada falar.

— Gabeee... – chamo com um sorriso – Estamos juntos nessa? Sim ou não?

— Eu já disse que te amo hoje? – ele pergunta e nego com a cabeça – Eu te amo, Enzo Maia Mancinni... E estamos juntos nisso sim! Se você estiver ao meu lado, eu farei. Com você eu posso tudo, amor!

Sorrio amplamente e me sento ao seu lado segurando sua mão e entrelaçando nossos dedos.

— Nós podemos tudo, amor! Juntos! Vamos passar por isso e no futuro será apenas uma lembrança.

Ele concorda e nos beijamos com intensidade. Meu pau começa a dar sinal de vida.

— Amor... – ele diz por entre os lábios – Deu um tesão enorme ver você todo mandão!

— Ai, caralho... – gememos e a pegação começa, apenas para brochar com umas batidas fortes na porta nos interrompe.

— Meninos? – era Tati. Tinha que ser. – Está tudo bem?

Ouvimos Diego chama-la, mas ela o xinga e bate novamente

— Uma vez empata foda... – começo.

— Empata foda sempre! – Gabe completa e rimos.

Levanto e vou o mais silenciosamente possível até a porta abrindo-a com tudo. Ela simplesmente cai de joelhos diante de mim.

— Sabia que você era dada ao voyeurismo, Tatiana! – falo rindo. – Estava querendo ouvir nossas putarias atrás da porta?

— Aiii, Eno... Seu grosso! – ela se levanta, me bate e entra. Cara de pau – Oi, maninho. Dormiu bem?

E assim segue nosso café da manhã romântico que de romântico não teve nada.

**************************************************************************************

Narrado por Francisco

Estamos buscando incansavelmente por Ítalo, porém o verme parece ter desaparecido da face da terra. Não vou descansar até vê-lo preso. Ou morto. Estou pensando seriamente em ir atrás de Vera e força-la a falar onde ele está, mas e se tiver o efeito contrário? Se ela alerta-lo ou levantar a suspeita que Gabe está vivo. Até onde sei ela não sabe de nada senão já teria vindo tirar satisfações. Achei seu pranto convincente no dia do velório, o que me fez questionar se ela realmente amava o filho ou não.

Ouço uma batida na porta e Stela entra. Mesmo preocupado com tudo que tem acontecido não consigo deixar de notar sua beleza.

— Senhor... – ela começa – Há dois homens lá fora querendo vê-lo, porém eles não estão na agenda de hoje.

— Qual o nome deles?

— Antônio e Vargas.

— Deixe-os entrar, Stela. Por favor. – sorrio para ela – E traga café e água para nós. Obrigado.

— Claro, senhor! Com prazer. – ela sorri abrindo a porta e dá passagem a eles.

Noto que Vargas a olha demoradamente. Filho da puta. Sinto uma raiva que me deixa incomodado.

— Francisco, bom dia. – Antonio me cumprimenta – Como está?

— Vou bem... – me levanto e estendo a mão para cumprimenta-los – Bom dia, Vargas, como vai?

— Bom dia, Francisco. Vou bem. – ele responde e sorri – Bela secretária.

Reviro os olhos e tenho vontade de esmurra-lo.

— Alguma novidade? – Pergunto mudando de assunto.

— Ainda não. – Vargas responde – Estamos procurando e usando nossos informantes, mas o cara é liso. Simplesmente sumiu.

Suspiro resignado.

— Bolamos um plano. – Antônio anuncia – Mas é arriscado...

Vejo a troca de olhares entre eles e um frio percorre minha espinha.

— Tudo bem... digam-me. – estou apreensivo.

— Pensamos em traze-los de volta e passar a informação que “está tudo bem”, porém mantendo uma vigilância em cima deles.

— Você está louco, Antônio?! – eu me levanto – Quer usar meus filhos como iscas e deixa-los a mercê de um psicopata que só quer mata-los?!

— Eu avisei. – Vargas diz a Antônio – Francisco, vamos precisar da ajuda de Vera.

Eu já havia pensado nisso, afinal, se há alguém que pode tirar Ítalo da toca é sua mãe.

— Tudo bem. – concordo – Como faremos isso?

— O plano consiste em pegar Vera, de preferência sã e usar sua culpa para tentar descobrir o paradeiro de Ítalo e tudo mais que pudermos. – Vargas fala – Onde está a carta escrita pela irmã?

— Quem leu foi a Tati, então deve estar com ela. – respondo.

Vargas olha para Antônio que concorda com um aceno e anuncia:

— Vamos fazer o seguinte, Francisco: traremos Diego e Tatiana de volta, então você pega a carta e vamos até Vera. Acho que um apelo emocional fará com que ela abra a boca e nos conte onde ele está. E se ela não souber, então a usaremos para que ele se revele.

— Não quero minha filha exposta e nem que ela volte para cá. – retruco nervoso – Mas sei que aqui ela estará protegida também.

Passo minhas mãos pelo meu rosto tenso.

— Tudo isso por causa de dinheiro. – suspiro.

— Não acho que seja apenas por isso, Francisco. – Antônio fala – Tem algo a mais e só quem pode nos esclarecer é Vera. Infelizmente, o delinquente do Ítalo só age assim por influencia dela.

— Eu e Pietro contratamos uma empresa de segurança particular, Antônio. Eles manterão nossa família a salvo.

— Concordo. – Vargas diz – Contudo, queremos que Ítalo ache tudo muito fácil como foi até agora. Ele tem que achar que por roubar e vender os bens de Gabriel e Vera o faz invencível perante à justiça. Como ele é um psicopata, vai se sentir mais livre e solto para se mostrar...

— E então? – pergunto.

— É quando o pegaremos. – Vargas conclui.

Meu coração se aperta ao imaginar este marginal perto dos meus filhos.

— O que acontecerá com Vera? – pergunto.

— Se for comprovada sua participação no sequestro de Gabriel ela também será presa. – Vargas esclarece.

Conversamos por mais um tempo e digo a eles que eu mesmo falarei com Diego a respeito da segurança, até porque prefiro que eles fiquem em Paraty, porém precisamos da maldita carta.

Assim que me despeço deles caminho até a janela e observo o movimento das ruas. Está frio e chove. Agora entendo perfeitamente porque meu filho ama o verão. Simplesmente porque a vida se agita no verão, todos saem, sorriem, há alegria e música.

— Não vou deixar ninguém roubar os verões de vocês! – digo olhando o céu cinzento – Papai promete.

**********************************************************************************

Narrado por Antônio

Saímos da empresa de Francisco e seguimos para o escritório. Meus pensamentos estão a mil.

— Faremos o que você disse ao Francisco? – pergunto sério.

Vargas para um pouco antes de chegar no carro.

— O que você acha?

Sorrio cínico.

— Claro que não!

— Chame o Diego de volta e não diga nada. – Vargas está com o semblante sombrio – Algo me diz que ele irá atrás de Tatiana... E que ele não vai parar até ver todos eles mortos.

— Até Francisco? – pergunto, pois não havia pensando nessa possibilidade.

— Ele é um psicopata, Antônio. Não vai parar enquanto não for parado.

Concordo com um aceno e seguimos para o carro. Paro quando ele me chama:

— Antônio? – eu o olho e ele sorri – Confie em nós. Tudo dará certo. Seguiremos o plano original sem Francisco... Vamos ver o que a senhora Vera tem a nos dizer.

Apenas aceno e entro no carro.

— Deus nos ajude nisso porque se algo falhar cabeças irão rolar. – afrouxo a gravata no meu pescoço – E a minha estará entre elas.

***********************************************************************************

Narrado por Vera

Nunca pensei que sentiria tanta culpa pela morte do meu filho. Filho. Que sensação estranha. Passei toda a vida de Gabriel e Tatiana rejeitando e tratando-os mal sempre que podia. Tudo por vingança do que Francisco, meu pai e Pedro fizeram a Venâncio também porque eu não pude criar meu filho.

Assim que Ítalo atingiu a idade que considerei certa, contei-lhe toda a história e o mesmo desenvolveu um ódio mortal por Francisco e nem quis conhecer os irmãos. Em boa parte, foi minha culpa o fato dele ter desenvolvido esse sentimento e confesso que nada fiz para muda-lo. Minha consciência pedia vingança pelo que fizeram ao meu amor, porém com o nascimento de meus filhos com Francisco e o convívio familiar me deixaram confusa.

Quando me casei com Francisco o mesmo fazia de tudo para me agradar achando que por conta da minha falsa doença eu era frágil. Coitado, mal sabia ele que minha doença era na verdade uma gravidez indesejada aos olhos da minha família e da sociedade. O tempo foi passando e fez com que o muro entre nós fosse caindo e após quase dois anos de casamento me entreguei a ele e a sensação estranha voltava a me dominar, pois meu coração travou uma luta entre a lealdade e desejo de vingança pela morte de Venâncio e um sentimento que aflorava por Francisco. Com o tempo ele me mimava com joias, viagens o que tornava rara as visitas que fazia ao meu filho e como ele ainda era muito novo ficava fácil arrumar desculpas, contudo um tempo depois eu engravidei de Tatiana e quando ela estava com cinco anos tive Gabriel. Eles eram tão diferentes, mas tão unidos. Tatiana principalmente sentiu desde cedo o peso da minha mágoa, desejo de vingança porque se parecia muito com Olga e isso me causava repulsa, pois mesmo quando eu tentava ser uma boa mãe, ela usava toda sua rebeldia e fazia com que eu voltasse atrás e castigasse. Menos Gabriel. Ele sempre foi dócil, fácil de manipular amável. Mas conforme ele foi crescendo, sua amizade e aproximação com Enzo me deixou preocupada e quando ele não estava vendo eu observava seu olhar para o primo e era diferente, com sentimento e então eu entendi que meu era gay. Tão novo e inocente. Eu quase enlouqueci com minha descoberta e então fiz o que esperavam de mim: rancor e preconceito. E meu filho se recolheu por medo mesmo achando que eu nada sabia.

O tempo passou e meu rancor por Tatiana cresceu assim como o meu afastamento de Gabriel e Francisco. Tornei-me intolerante, mal educada e mais preconceituosa. E isso foi decisivo para que me aproximasse mais do primogênito. Ítalo.

Contei a ele toda a história, sob meu ponto de vista claro, e com acúmulo de mágoa e desejo de vingança. E com isso, meu filho se revoltou contra a família que fui “forçada” a formar jurando se vingar de todos que nos separaram e a partir daí teve início seu plano de vingança.

*******

Minha mente está nublada por causa da bebida. De uns tempos para cá, o Whisky e o conhaque são meus companheiros inseparáveis para afastar de mim o sentimento de culpa e o remorso por permitir que Ítalo chegasse onde chegou. Ele está cego de ódio e rancor, pois acha que foi privado da vida “boa” que Gabriel e Tatiana tiveram. Isso tudo gerou confusão em sua cabeça porque ele acha que Francisco roubou seu pai. Roubou o quê? Venâncio nunca teve nada de valor, apenas juntava dinheiro para que pudéssemos fugir e termos nossa vida juntos. E meu filho acha que roubaram dinheiro dele mesmo eu dizendo que o pai nunca teve nada.

— O que eu faço hein, Jack Daniel’s? – olho para a garrafa que está quase vazia – Eu não queria que Gabriel tivesse morrido. – lágrimas grossas rolam – Eu juro, Jack!

O pranto vem e não vou impedi-lo. Ouço um som ao longe e caminho cambaleante até meu celular. Atendo sem nem ver quem é.

— Sim...

— Mãezinha? – a voz preocupada de Ítalo me irrita.

Na verdade, ele anda me irritando ultimamente.

— O que é?

— Está tudo bem? – ele pergunta.

— Sim. – tento clarear meus pensamentos – Onde você está?

Ele faz silêncio.

— Num local seguro, mãezinha. Alguém foi até aí? Alguém a procurou?

A bebida não me deixa pensar direito, mas minha intuição de mãe não se engana. Desde o momento em que soube da morte de Gabriel sabia que algo estava errado. Ou que Ítalo havia mentido para mim sobre o sequestro.

— Quem viria me procurar, meu amor? – faço minha voz doce – Se apenas você ama a mamãe.

Ouço seu suspiro.

— Sei lá... De repente a polícia para obter mais alguma informação sobre o Gabriel.

— E por que eles fariam isso, Ítalo? – pergunto calma, mas meus pensamentos estão conflituosos por querer saber até aonde vai sua participação – Ítalo? O que você sabe que eu não sei?

— Nada, mãe. – ele responde rapidamente – Mas é que todo acidente é investigado. Apenas isso.

— Sei...

— Mãezinha... eu preciso falar com você, mas preciso que esteja sóbria, entendeu?

— Entendi... – resolvo saciar mais uma vez a dúvida que me corrói – Ítalo? Meu amor... Você não teve nada a ver mesmo com a morte do seu irmão, não é?

O longo silêncio que ele faz responde à pergunta que ele mesmo negou com veemência dias atrás. A fúria toma conta de mim, porém anos de prática em esconder as emoções conseguiram me dominar.

— Querido... – meus dois filhos conheciam este tom de voz. Ítalo não.

— Mãe... Foi sem querer, ok? – ele diz com voz fria – Eu te explico pessoalmente, tudo bem?

Respiro fundo e respondo falsamente.

— Claro, meu amor! – estou enojada – Mamãe vai desligar porque hoje é a missa de 7º dia e quero estar presente. Você sabe, não é? Precisamos manter as aparências. – a raiva cresce em meu peito.

— Sim, mãezinha. É verdade. – ele diz – Eu ligo avisando quando for até aí, ok?

Penso rápido:

— Melhor não, filhote. – minto com voz suave – Eu te chamo quando estiver melhor e sozinha em casa. Afinal, Francisco ainda não terminou de tirar suas roupas ainda e não podemos nos arriscar, meu amor.

— Ok, você está certíssima! – ele ri – Minha mãe é inteligente demais. Te amo, mãezinha.

Por incrível que pareça consigo sorrir.

— Eu também, meu filho. – e me despeço – vou desligar para tomar um banho.

Desligo após nos despedirmos e caminho até a biblioteca. Tranco a porta e vou até a parede de onde retiro o quadro de Claude Monet chamado Praia de Pourville. Sorrio triste olhando para o quadro. É original e Francisco comprou de presente para Gabriel sem pestanejar. Atrás do quadro há um cofre e após colocar a senha retiro de lá de dentro uma arma. Olho o tambor e vejo que ela está carregada.

Caminho até a janela com a arma numa mão e o meu companheiro Jack Daniel’s na outra. Chove lá fora. Uma garoa fina e intensa faz com que o vidro fique embaçado. Meu choro recomeça e peço perdão por tudo que já fiz e pelo que estou prestes a fazer. Peço perdão pelos meus pais, por Olga, Francisco, Tatiana e Gabriel, principalmente a ele, pois me lembro de seus olhares a Enzo e era o mesmo olhar que eu tinha quando via Venâncio. De amor.

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 3 estrelas.
Incentive D. a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.

Comentários

Foto de perfil genérica

Hum... Vera pensa em Ítalo, em matá-lo para que termine toda essa vingança que ela mesma começou e está arrependida. Só mesmo ela poderá dar um fim a tudo isso. Que venham os próximos capítulos...

0 0
Este comentário não está disponível
Foto de perfil genérica

SERÁ QUE VERA VAI SE MATAR? SE FOR ISSO MERECE DE FATO. QUE CUMPRA´SE O QUE ESTÁ PENSANDO FAZER CONSIGO PRÓPRIA.

0 0